Assim que Silas entrou no carro, o silêncio tomou conta do ambiente. Ele se ajeitou no banco ao meu lado, fechando a porta com cuidado, e então o som do motor preencheu o espaço. Eu evitava olhar para ele, focado na estrada, mas sentia seu olhar sobre mim, como se ele estivesse procurando um jeito de começar uma conversa. O caminho até a cidade não era longo, mas cada segundo parecia se arrastar. Dez minutos. Dez minutos que pareciam uma eternidade.
Conforme o carro avançava pelas estradas de terra, o clima ficava cada vez mais sufocante. O silêncio entre nós era pesado, e eu sabia que ele iria quebrá-lo a qualquer momento. Eu não estava pronto para ouvir o que ele tinha a dizer, mas ao mesmo tempo, sabia que não poderia evitar. A respiração dele era audível, quase como se estivesse tentando se acalmar. Ele olhava para mim de vez em quando, buscando coragem para falar, mas a tensão no ar dificultava.
Depois de alguns minutos, não aguentei mais. O peso daquele silêncio estava me sufocando. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, resolvi falar.
— Se você está esperando que eu vá facilitar isso, está enganado — disse, ainda olhando para a estrada. Minha voz saiu mais fria do que eu pretendia, mas não me importei. — Só vamos acabar logo com isso.
Silas ficou em silêncio por mais um momento, mas então, como se minhas palavras o tivessem empurrado, ele finalmente falou, a voz hesitante, como quem escolhe cada palavra com cautela.
— Bom... não sei como iniciar essa conversa... — ele começou, sua voz baixa, quase resignada. — Mas saiba que me arrependo por tudo que fiz, e peço desculpas pela maneira que agi.
Eu segui olhando para a estrada, ignorando a vontade de encará-lo. Não queria ver seu rosto enquanto ele tentava justificar seus atos.
Silas respirou fundo, claramente sentindo o peso das minhas palavras. Ele olhou para o painel do carro, tentando formular algo, mas parecia perdido entre o que queria dizer e o que realmente conseguia expressar.
— Eu... sei que falhei muito. Não só com você, mas com sua mãe também. Na época, eu era imaturo, estava focado demais em minha carreira, e... — ele pausou, procurando as palavras. — Isso não é desculpa, claro. Mas eu queria que você soubesse que nunca foi por falta de amor.
Minha mão apertou o volante, meu peito queimava de raiva. Olhei para ele rapidamente, e dessa vez, minha voz saiu mais firme, mais fria.
— Amor? Você vai mesmo usar essa palavra? — balancei a cabeça, tentando não perder o controle. — Não existe amor quando você abandona alguém. Não existe amor quando você finge que eu não existo. Minha mãe se virou sozinha. Eu me virei sozinho. Você seguiu sua vida, construiu uma nova família e esqueceu que abandonou uma mulher grávida. — Fiz uma pausa, tentando não explodir. — Eu não preciso de você agora, do mesmo jeito que não precisei antes.
Silas ficou em silêncio, claramente abatido pelas minhas palavras. Ele abaixou a cabeça e passou a mão pelo cabelo, visivelmente nervoso.
— Você está certo. Eu te deixei sozinho. Eu fui covarde... e eu me arrependo de cada segundo disso. — A voz dele tremia levemente. — Mas, por favor, me escuta. Eu quero consertar as coisas, mesmo que seja tarde demais.
Eu dei uma risada amarga e continuei olhando para a estrada.
— Consertar o quê, Silas? — usei o nome dele de propósito, evitando a palavra “pai”. — Você acha que vai aparecer agora, depois de tantos anos, e tudo vai ficar bem? Você acha que pode entrar na minha vida, jogar umas palavras bonitas e vai ser perdoado? Não funciona assim. — Fiz uma pausa e olhei pra ele novamente, vendo seu rosto encher de frustração.
Ele suspirou, esfregando o rosto com as duas mãos, claramente exasperado.
— Eu não espero que você me perdoe de imediato, Rafael. Eu só quero uma chance de mostrar que mudei. Que estou aqui, não sou mais o mesmo — A voz dele parecia implorar. — Eu não posso mudar o passado, mas posso tentar estar presente no futuro, se você me permitir.
O silêncio voltou a tomar conta do carro, e eu senti um aperto no peito. Uma parte de mim queria gritar, descarregar toda a raiva que eu sentia. Mas outra parte estava cansada, exausta desse ciclo. O fato de Silas estar ali, pedindo por uma segunda chance, parecia surreal.
— Você já tem outra família. Uma família que você escolheu ficar — falei, minha voz mais baixa agora. — Então, viva com essa escolha. Eu estou bem sozinho, e vou continuar assim.
Silas ficou quieto por um tempo, processando minhas palavras. O som da estrada e o vento lá fora eram os únicos sons no carro. Ele olhou para mim novamente, e sua voz saiu quase em um sussurro.
— Eu nunca deveria ter feito o que eu fiz... E não vou insistir, Rafael, mas estarei aqui se algum dia você quiser mudar de ideia. Não importa quanto tempo leve.
Aquelas palavras ficaram no ar enquanto eu continuava dirigindo. Por mais que eu quisesse me desligar, algo dentro de mim não conseguia. O rancor, a mágoa, o ressentimento, tudo isso pesava, mas, ao mesmo tempo, a ideia de tê-lo por perto — mesmo que fosse só para um breve olhar — parecia confusa.
Chegamos na cidade, e estacionei o carro sem dizer mais nada. Silas desceu, e enquanto ele caminhava para dentro da farmácia, eu respirei fundo, tentando me recompor.
Minha vida parecia uma daquelas novelas dramáticas que minha mãe tanto assistia. E, como se o universo quisesse brincar com a minha paciência, lá estava ela, minha mãe vinha se aproximando do carro com seu sorriso tranquilo, sem ideia do que estava prestes a acontecer.
— Filho, você por aqui? Vai almoçar em casa hoje? — perguntou, despreocupada, olhando pela janela do passageiro.
Olhei para ela e, por um segundo, quase respondi que sim, que almoçaria com ela como qualquer outro dia. Mas a verdade estava presa na garganta, e eu sabia que não poderia fugir dela. Senti uma onda de aflição, e resolvi ser direto, mesmo sem saber ao certo como lidar com tudo aquilo.
— Mãe, acho melhor a senhora ir embora logo — falei, tentando manter a calma, mas a tensão era visível.
Ela me olhou, confusa, sem entender.
— Por quê, filho?
Respirei fundo, sentindo o nó apertar no peito.
— Tive que trazer o Silas na cidade, ele está na farmácia...
No momento em que o nome saiu da minha boca, vi os olhos da minha mãe se arregalarem, o rosto ficando pálido de surpresa. Antes que ela pudesse reagir, já era tarde demais. Silas estava se aproximando, saindo da farmácia com uma sacola na mão, a expressão inicialmente relaxada, mas que logo mudou ao ver minha mãe.
Foi como se o tempo tivesse parado. Os dois se encararam, surpresos, imóveis, sem saber o que fazer ou dizer. O peso daquele encontro inesperado estava estampado nos rostos de ambos. Para mim, aquilo era difícil, mas para minha mãe... Eu sabia que para ela, o impacto era muito maior. Havia uma história entre eles que eu não conhecia completamente, feridas que, aparentemente, ainda não haviam cicatrizado.
— Silas... — ela murmurou, quase sem voz, enquanto seus olhos continuavam fixos nele.
Silas, por outro lado, parecia paralisado. Ele abriu a boca como se fosse falar algo, mas as palavras simplesmente não saíram. Olhei para ele, esperando qualquer reação, qualquer explicação, mas nada. Ele parecia tão perdido quanto eu me sentia.
Minha mãe, então, respirou fundo, tentando recuperar o controle da situação. Ela era forte, sempre tinha sido. Mesmo assim, vi seus olhos brilharem de emoção contida, talvez raiva, talvez dor. Não era fácil para ela estar diante do homem que havia deixado para trás, junto com todas as promessas e sonhos de uma vida juntos.
— Eu... não sabia que você estaria aqui — Silas finalmente falou, sua voz hesitante, quase um sussurro.
— Nem eu — ela respondeu, com um tom firme, mas havia algo de quebrado na maneira como ela falou, como se estivesse tentando esconder a vulnerabilidade.
O silêncio voltou a reinar por alguns segundos, e eu estava ali no meio, sem saber o que fazer, sentindo a tensão aumentar a cada segundo. Minha mãe olhou para mim, talvez buscando força em mim, e eu me senti impotente diante de tudo aquilo.
— Você... — Silas começou de novo, a voz falhando. — Eu não sei o que dizer.
Minha mãe balançou a cabeça, como se estivesse processando tudo.
— Não precisa dizer nada, Silas — ela respondeu com uma calma forçada. — Já faz muito tempo. O que quer que tenha sido, já está no passado.
Silas parecia querer falar mais, mas ficou em silêncio, sem saber como continuar. Ele olhou para o chão, claramente desconfortável, como se estivesse lutando com suas próprias emoções.
Minha mãe, por sua vez, respirou fundo, olhou para mim novamente e disse com um leve sorriso, embora seu olhar estivesse distante.
— Filho, acho que vou voltar para casa agora. Cuide-se, está bem?
Eu assenti, sem saber o que dizer. Aquelas palavras simples carregavam mais do que eu podia compreender. Ela me deu um beijo na testa e se virou, caminhando com uma dignidade que me surpreendia, como se estivesse carregando o peso do mundo nas costas, mas sem permitir que isso a fizesse vacilar.
Silas permaneceu parado, observando-a se afastar. Quando ela finalmente desapareceu de vista, ele suspirou, como se o ar tivesse voltado aos seus pulmões.
— Eu nunca soube como consertar isso... — ele murmurou, quase para si mesmo, com os olhos ainda presos na direção em que minha mãe havia ido.
Eu não sabia o que responder. Talvez não houvesse uma maneira de consertar algo que ficou quebrado por tanto tempo.
O silêncio pesava dentro do carro, criando uma barreira entre nós que parecia impossível de romper. Após o encontro tenso com minha mãe, passamos pela fábrica para pegar as caixas que o Alysson havia me pedido. Estacionei, saí do carro sem olhar para Silas, que permaneceu sentado. Ele perguntou se eu precisava de ajuda, mas eu preferi manter o silêncio. Peguei as caixas com a ajuda de um dos funcionários da fábrica, sentindo o desconforto crescer a cada minuto. Carreguei tudo na caçamba da caminhonete, voltei ao volante e dei partida rumo à fazenda.
A viagem de volta seria curta, mas o silêncio que se instalou entre nós fazia cada minuto parecer interminável. A cada curva na estrada de terra, eu sentia Silas querendo dizer algo, tentar quebrar a tensão no ar. E, de fato, ele tentou.
— Soube que você está estudando para entrar em Medicina — comentou, a voz tensa, mas tentando soar casual.
Olhei rapidamente para ele, sem responder, voltando a atenção para a estrada em seguida. Era óbvio que ele estava tentando se conectar comigo de alguma forma, mas aquele era o último dos meus desejos. A raiva e a mágoa dentro de mim eram um fardo pesado demais para que ele conseguisse carregar agora. Foi nesse momento que decidi soltar uma bomba. Uma parte de mim sabia que isso poderia piorar tudo, mas a outra parte... A outra parte queria vê-lo sofrer, queria que ele sentisse pelo menos uma fração do que eu sentia.
— Bom, não sei se você sabe, mas sou gay — soltei, de repente, a voz fria. Senti o olhar dele imediatamente se fixar em mim, cheio de surpresa.
Silas ficou imóvel por um segundo, sem entender, e sua confusão só aumentou quando eu continuei.
— E estava namorando o Bernardo.
A expressão de Silas mudou completamente. Ele arregalou os olhos, chocado. Sua boca abriu ligeiramente, sem conseguir formular uma resposta imediata. Eu o encarei de soslaio, esperando pela reação que viria.
— O quê?! — exclamou, a voz saindo em um misto de incredulidade e pânico. — Como assim? Ele é seu primo! Vocês...
— Ah, e agora você se importa? — interrompi, um sorriso amargo no rosto. — Não sou adivinho, Silas. Eu não sabia que o Bernardo era meu primo até recentemente. Mas, quer saber? Isso também é culpa sua. — Olhei para ele novamente, sentindo a tensão no ar aumentar ainda mais. — Se você tivesse sido um pai presente, eu talvez soubesse dessas coisas antes de me envolver. Talvez eu não estivesse tão perdido em tentar encontrar algum tipo de conexão. Mas você não estava lá, estava? Não, você estava ocupado com a sua outra família.
O silêncio que se seguiu foi sufocante. Silas parecia atordoado, tentando processar tudo o que eu havia acabado de dizer. O choque estava estampado em seu rosto, misturado com culpa e um sentimento de impotência.
— Rafael, eu... — Ele começou, mas as palavras falhavam. — Eu nunca soube que... — Ele parou, claramente sem saber como continuar.
— Claro que não soube — cortei, minha voz cortante. — Você não se deu ao trabalho de saber nada sobre mim. Então, sim, Silas, você pode colocar mais essa culpa na sua lista.
Ele ficou em silêncio, lutando com suas emoções, sem saber o que fazer ou dizer. Parecia que o mundo estava desabando ao seu redor, e, pela primeira vez, ele estava sentindo o peso das consequências de suas escolhas. O olhar dele estava perdido, como se estivesse buscando por algo, qualquer coisa, que pudesse remediar a situação.
— Rafael... eu... — Ele tentou novamente, mas desistiu, abaixando a cabeça. Seus ombros caíram, como se o peso da culpa fosse insuportável.
— Não adianta, Silas. Não tem mais o que você possa dizer. — Minha voz estava cheia de rancor, mas, ao mesmo tempo, havia uma sensação de alívio por finalmente ter jogado aquilo na cara dele. Talvez fosse cruel, mas eu precisava que ele sentisse pelo menos uma fração da dor que eu carregava.
O silêncio voltou a reinar no carro enquanto continuávamos o caminho. Silas ficou quieto, completamente derrotado, e eu segui em frente, tentando manter o foco na estrada, sem permitir que as emoções transbordassem. Sabia que aquele confronto não resolveria nada, mas, por algum motivo, senti que uma pequena parte de mim finalmente havia se libertado.
Chegamos de volta à fazenda, e logo fui retirar as coisas do carro. A tarefa me dava algum alívio, uma maneira de focar em algo prático, mas não demorou muito para Alysson aparecer. Ele se aproximou e, com aquele jeito que só ele tinha de ler as pessoas, perguntou:
— Tá tudo bem? Como foi lá?
Dei um suspiro, ainda sentindo o peso do silêncio incômodo que havia no carro com o Silas.
— Conversamos um pouco... — respondi, tentando parecer mais calmo do que realmente estava. — Fui um pouco duro nas palavras, mas não mudou nada. Tudo vai continuar do jeito que é. Pra mim, ele ainda não significa nada.
Alysson me olhou por um instante, com um olhar que parecia ultrapassar qualquer fachada que eu tentasse manter. Ele sabia. Sabia que aquilo não era tão simples quanto eu tentava fazer parecer. Sem dizer uma palavra, ele se aproximou e me envolveu em um abraço apertado, um gesto que me pegou desprevenido. Eu não esperava aquilo, ainda mais ali, onde outras pessoas poderiam ver. Mas, naquele momento, nada disso importava.
Foi como se, de repente, todas as paredes que eu havia erguido começassem a desmoronar. Senti uma tristeza profunda invadindo meu peito, uma dor que eu vinha enterrando há tanto tempo que, quando finalmente apareceu, me pegou em cheio. Sem conseguir segurar, desabei no abraço de Alysson. As lágrimas começaram a cair, e tudo aquilo que eu havia tentado controlar até então explodiu.
Alysson, percebendo que algo mais sério estava acontecendo, me puxou rapidamente em direção ao carro. Precisávamos nos afastar dali, longe dos olhares curiosos, longe de qualquer julgamento. Ele dirigiu sem dizer nada, apenas acelerando até encontrarmos um canto afastado, onde pudéssemos ficar sozinhos.
Ele parou o carro, desligou o motor e, sem hesitar, me puxou para mais perto dele. Um abraço apertado, cheio de cumplicidade, como se quisesse me proteger de toda a dor que eu estava sentindo. Foi então que eu comecei a desabafar. Quando ele estacionou e me envolveu em um abraço, como se quisesse me proteger do que quer que fosse, eu não consegui mais segurar. As lágrimas vieram de uma vez, como uma enxurrada, e o desespero tomou conta de mim.
— Eu não sei mais o que fazer, Alysson... — consegui dizer entre soluços, minha voz quebrada pela dor. — Tudo isso... tá acabando comigo. Por mais que eu diga que não me importo, que o Silas é um nada, que eu consigo seguir em frente sozinho... — As palavras saíam sem controle. — Eu tô cansado de fingir que não sinto nada! Tô cansado de ser sempre o forte, de parecer que tá tudo bem!
Alysson apertou o abraço, e aquilo me deu força para continuar, mesmo que a dor fosse imensa.
— Você não tem ideia de como é, Alysson. Não ter ninguém! — A voz saiu mais alta, carregada de emoção. — Eu nunca tive um pai, e agora esse cara aparece, como se ele pudesse consertar tudo com meia dúzia de palavras... Como se um “desculpa” fosse suficiente pra apagar anos de ausência, de abandono. Como se isso fosse resolver! — Eu tremia de raiva, de dor, e as lágrimas continuavam caindo. — Ele nunca esteve lá. Nunca. E eu tive que crescer sozinho, aprender tudo sozinho. Enquanto ele... ele tava lá, com outra família, com outras crianças, sendo o pai que eu nunca tive! Como é que eu vou lidar com isso? Como é que eu vou simplesmente... aceitar?
Alysson afagava minhas costas, tentando me acalmar, mas eu estava completamente despedaçado.
— E o pior de tudo — continuei, as palavras saindo entre soluços — é que, por mais que eu tente me convencer de que ele não importa, eu sei que ele importa. Eu sei que isso tudo mexe comigo. Eu queria poder ser indiferente, queria de verdade não me importar... Mas, porra, Alysson, ele é meu pai! Meu pai! Como eu não vou sentir nada? Como eu não vou querer saber por que ele nunca me quis? Por que eu nunca fui suficiente?
Meus punhos cerraram-se, e bati contra o peito de Alysson, sem força, como se eu quisesse que alguém me desse uma resposta, qualquer resposta.
— E agora eu tenho que lidar com isso. — Minha voz estava fraca, quase um sussurro. — Saber que eu nunca fui prioridade, que eu fui o erro que ele preferiu esquecer... E ainda tenho que fingir que tá tudo bem, que eu sou forte o suficiente pra superar. Mas, na real, eu tô me afogando, Alysson. Eu tô perdido.
Eu chorava tanto que mal conseguia respirar. Sentia o peito apertado, como se todas as dores acumuladas ao longo dos anos estivessem explodindo de uma vez só.
— Eu só... eu só queria entender. — Olhei para Alysson, os olhos inchados de tanto chorar. — Eu só queria saber por que. Por que eu não fui o suficiente pra ele? Por que ele escolheu ficar longe? E agora... agora ele aparece, como se pudesse ser pai. Mas é tarde demais, Alysson. É tarde demais...
Alysson me segurou firme, seus olhos cheios de uma compaixão silenciosa. Ele não disse nada por um tempo, apenas me deixou chorar. E, de alguma forma, aquele silêncio foi a coisa mais reconfortante que eu poderia ter recebido naquele momento. Eu chorei, chorei até não ter mais forças, e quando finalmente parei, me sentia esgotado, mas um pouco mais leve. Como se, finalmente, eu tivesse deixado parte daquela dor sair.
— Vai ficar tudo bem, Rafa — ele disse, a voz calma, mas cheia de certeza. — Eu tô aqui. Sempre vou estar.
E naquele momento, em meio ao caos, aquilo foi o suficiente.
Voltamos para a fazenda, e Alysson me disse que eu poderia ir pra casa descansar e processar tudo. No entanto, de repente, ele fez uma expressão como se tivesse se lembrado de algo importante.
— Espera um pouco — pediu, levantando a mão. — Eu ia te levar até a cidade, mas agora não dá. Só... espera um minutinho.
Fiquei no carro, perdido nos meus pensamentos. As palavras do Silas ainda ecoavam na minha cabeça, misturadas com a lembrança da crise de choro que tive no carro com Alysson. Parte de mim se sentia um covarde por ter cedido àquelas emoções, por não ter mantido a postura dura que eu tanto tentava sustentar. Fiquei lutando internamente, tentando entender por que tudo aquilo me afetava tanto.
Meus devaneios foram interrompidos quando Alysson voltou, dessa vez acompanhado de Bernardo. Ele veio até a janela e, com a voz suave, disse:
— O Bernardo vai dirigir até a sua casa. Acho que é melhor assim... E vocês podem aproveitar pra conversar um pouco.
Bernardo olhou para mim, e imediatamente percebeu meu estado. Seus olhos arregalaram ao ver o quanto eu estava abatido — meu rosto ainda marcado pelas lágrimas, olhos vermelhos, inchados.
— O que aconteceu? — ele perguntou, a preocupação clara em sua voz.
Antes que eu pudesse responder, Alysson interveio.
— Bernardo, leva o Rafa pra casa. Ele não tá bem. Se ele quiser conversar, ele vai te contar. Mas, se não quiser, respeita o silêncio dele, tá?
Bernardo assentiu, ainda me lançando olhares preocupados. Ele entrou no carro e ligou o motor. No silêncio que se seguiu, eu sabia que mais uma conversa estava por vir. Se seria resolutiva ou apenas mais um confronto de sentimentos mal resolvidos, eu não tinha ideia. Estávamos prontos para o que viesse, mesmo que eu não soubesse como começar.