ENTRE CAMINHOS E SEGREDOS [34] ~ Noite de Natal

Decidi que não iria ficar naquela conversa. Era claro que ali era um terreno perigoso, e aquele era um problema que Silas precisava resolver com sua esposa. Eu não tinha o direito de interferir; a bomba havia sido lançada, e eu precisava me afastar. Não havia o que argumentar, apenas o peso daquela revelação que pairava no ar como um abismo entre eles.

Falei discretamente com meu tio sobre o que havia acontecido, minha voz baixa e cautelosa. A tensão da cozinha ainda pulsava em mim, e não queria que ninguém soubesse o quanto a situação me afetava. Tio Alysson acatou meu pedido para irmos embora, e nos despedimos de todos. Olhei para Sofia e agradeci pela homenagem, o coração batendo forte.

— Não se preocupe, tá tudo bem — murmurei, inclinando-me para mais perto dela. Olhei nos olhos dela e disse, em um tom que só ela poderia ouvir: — Vai ser uma noite longa na cozinha. Prepare-se.

Segui em frente, evitando o olhar de Silas e Yves. A atmosfera entre eles estava pesada, e o silêncio gritava mais alto do que qualquer discussão. Eu não queria me envolver.

No carro, contei a Bernardo e Claudia o que tinha rolado na cozinha. A indignação deles era palpável. Bernardo se esforçou para desviar a conversa para algo mais leve, mas Claudia não conseguiu conter seu desdém.

— Aquela mulher é insuportável! — disse ela, sua voz cheia de repulsa. — Soberba, como se estivesse acima de todos nós!

Eu concordei, mas minha mente estava distante. Enquanto eles falavam mal de Yves, percebi que, mesmo que suas palavras fossem verdadeiras, aquilo não era um problema meu. Se Silas tinha escondido algo de sua esposa, era uma briga que precisava ser resolvida entre eles. Eu estava começando a entender que o caminho da verdade era tortuoso e, muitas vezes, deixava cicatrizes que não se podiam curar.

— O que aconteceu hoje foi só a ponta do iceberg — murmurei, a mente ainda ecoando com a revelação. — Mas não posso me deixar levar por isso.

Naquele momento, percebi que minha vida estava mudando de maneiras que eu nunca poderia imaginar. Novos laços familiares estavam se formando, e mesmo que isso significasse confrontar verdades dolorosas, eu estava pronto para enfrentar o que viesse a seguir.

No dia seguinte, Sofia veio conhecer meu apartamento. A ansiedade e a empolgação estavam em alta enquanto eu me preparava. Estava com Bernardo, que me ajudou a arrumar tudo, e fizemos um lanche simples, mas especial. A tarde se desenrolou em conversas e risadas, um misto de nervosismo e alegria que pairava no ar.

Assim que Sofia entrou, seu sorriso iluminou o ambiente. Era como se toda a tensão da noite anterior tivesse se dissipado, dando espaço para uma nova conexão. Enquanto saboreávamos o lanche, não consegui evitar de compartilhar minha história com ela. Falei sobre minha vida, meus medos, e como cada revelação tinha sido um peso a menos, mas também uma carga emocional difícil de carregar.

A cada palavra, eu sentia os olhos de Sofia brilharem, e em alguns momentos, as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Eu também não consegui segurar o choro. Era um desabafo coletivo, um momento de pura vulnerabilidade. No final da conversa, ela me prometeu que seria a melhor irmã do mundo, e eu sorri, dizendo que ela já estava sendo.

A aceitação dela era tudo o que eu precisava. Tinha medo de mais uma rejeição, de ser menosprezado pela família do meu pai. Mas ali, naquele espaço seguro, eu sabia que ela me aceitaria. Compartilhei com ela que havia me apegado às nossas conversas e como isso tinha me ajudado a curar algumas feridas. Ela escutou atentamente, sem julgamentos, e isso me fez sentir amado.

— Eu também, sou sua irmã, de verdade! — ela disse, a voz cheia de emoção. — E quero que você saiba que nunca vou te deixar de lado.

Contei a ela que iria serr pai, e todas as inseguranças e esperanças que isso trazia. Falei sobre o que significava para mim essa nova responsabilidade e como eu desejava ser uma boa influência para o meu filho, mesmo com toda a confusão na minha vida.

Sofia, por sua vez, compartilhou suas percepções sobre a briga entre Silas e Yves. Ela me contou que a discussão havia sido intensa, mas ela optou por não ouvir todos os detalhes. A raiva de Yves por eu ser filho de Silas era palpável, e parecia que isso criava uma barreira entre eles. Eu apreciei que Sofia não quisesse me contar tudo, e me senti aliviado. Afinal, minha relação com Silas ainda era um campo desconhecido e instável.

— Prefiro não saber de tudo isso — confessei. — Não quero que isso afete a nova relação que estamos construindo.

— Entendo — ela respondeu, a empatia refletida em seu olhar. — A gente vai dar um passo de cada vez.

E assim, a tarde se desenrolou leve e agradável, envolta em promessas de apoio e amizade. Sentia que, mesmo em meio à confusão, havia encontrado um laço que poderia ser forte e verdadeiro. Ali, ao lado de Sofia e Bernardo, percebi que a vida estava se moldando de uma forma que eu nunca imaginei, e que as rejeições do passado poderiam ser deixadas para trás, dando espaço a novas histórias e novas esperanças.

O Natal se aproximava, e a expectativa em meu coração crescia a cada dia. Minha mãe viria me visitar e passar a data comigo, algo que eu não via a hora de acontecer. Apesar de não ter falado muito sobre ela antes, mantínhamos contato quase diário, trocando conselhos e experiências. Ela sabia de boa parte da confusão em torno da família de Silas, mas havia duas coisas que eu precisava contar: a primeira era que possivelmente eu seria pai e a segunda era sobre o meu relacionamento com Bernardo. Decidi que revelaria sobre ela ser avó na noite de Natal, junto com um presente especial que havia preparado.

Quando minha mãe chegou à capital, o brilho em seus olhos ao se deparar com a agitação da cidade e os imponentes prédios me encheu de alegria. Era como se ela estivesse vendo tudo pela primeira vez, e a felicidade dela se contagiava. Eu a levei para um passeio rápido, conhecendo os pontos que mais me encantavam. Quando chegamos à praia, o sorriso dela se alargou, refletindo a mesma emoção que eu senti na minha primeira visita. A brisa do mar e o som das ondas pareciam criar uma atmosfera mágica entre nós. Sentir orgulho por proporcionar essa experiência a ela era indescritível.

Minha mãe trouxe vários presentes e algumas coisas de casa que eu estava precisando, o que fez com que meu apartamento ganhasse mais forma e se tornasse um lar. A cada objeto que ela colocava em um lugar, sentia que estávamos construindo não apenas um espaço físico, mas um ambiente repleto de memórias e carinho. Enquanto arrumávamos as coisas, conversamos sobre tudo e mais um pouco, rindo e relembrando histórias da infância.

Essa noite de Natal prometia fortes emoções, iríamos passar o natal na casa do Alysson, e o peso da expectativa pairava no ar. Estar no mesmo ambiente que Silas seria um desafio para minha mãe, e eu sabia disso. Desde que chegamos, ela sempre chamava a família deles com um certo distanciamento, chamando-os de “os Carneiros” — uma forma bem-humorada e um pouco irônica de se referir a todos pelo sobrenome, colocando Silas, Alysson, Bernardo e todos os outros membros da família no mesmo grupo, como uma unidade que ela preferia manter à distância.

Enquanto ela terminava de se arrumar, notei o quanto estava mais jovem, mais viva. Ela cuidava da aparência, e seus cabelos estavam bonitos e arrumados. Era como se, de certa forma, ela tivesse ganhado uma nova chance de vida, e isso me enchia de orgulho. Mas ao mesmo tempo, ver o medo e a hesitação em seu olhar fez com que eu percebesse o peso de tudo aquilo.

— Filho, pensando melhor... acho que não é uma boa ideia ir para esse Natal — ela disse, um pouco ansiosa, ajustando os brincos.

— Por quê, mãe? Vai ser bom. Esquece o Silas.

Ela suspirou, desviando o olhar.

— Não é só o Silas, filho, mas essa gente... os Carneiros — ela sorriu levemente ao me ver rir um pouco. — Eu nunca me senti à vontade com essa família. Não é como você, que já conhece todos e está familiarizado com tudo.

— Eu sei, mãe. Mas foi o que combinamos, lembra? E prometo que, se a senhora não se sentir bem, a gente volta, sem pressão. Mas eu queria mesmo esse Natal com você, não quero furar o convite do Alysson.

Ela hesitou, mordendo os lábios, perdida em seus próprios pensamentos.

— Vai sozinho, eu fico aqui — disse ela, com um sorriso fraco, tentando me confortar.

Eu sabia que ela queria me poupar. Mas também sabia que esse era um momento que eu desejava muito. Ao lado de Bernardo, Alysson, e até mesmo de Sofia, aquela família estava se tornando importante para mim. Olhei para minha mãe, querendo insistir, mas respeitar sua decisão era o certo. Ainda assim, enviei uma mensagem para Bernardo, explicando a situação. Em minutos, ele respondeu: “Tenta convencê-la. Lembra dos argumentos que eu usei pra você quando teve o lance com o Silas. Pode funcionar.” Ele tinha razão, então respirei fundo e tentei uma última vez.

— Mãe, pensa bem... Esse seria o primeiro Natal em que realmente aproveitaríamos, juntos. Não teríamos que trabalhar, servir ninguém. Todos os Natais que passamos na fazenda, a senhora estava cozinhando, e eu sempre ali ajudando, servindo os outros. — Parei por um momento, escolhendo bem as próximas palavras. — Hoje vai ser diferente, mãe. Podemos ter um Natal de verdade, algo que nunca tivemos. Sei que a senhora não quer encontrar com o Silas, mas eu realmente queria esse momento. Será que consegue tentar ignorá-lo, como eu fiz várias vezes?

Ela ficou em silêncio, olhando para o chão e pensando em tudo o que eu disse. Finalmente, suspirou e assentiu, um pequeno sorriso se formando.

— Tudo bem, filho. Vou terminar de me ajeitar. Mas vamos só dar uma passada, comer alguma coisa e sair logo. Não quero ficar muito tempo com os Carneiros.

Eu a abracei, sentindo um alívio e gratidão profundos. Para ela, seria um esforço enorme, mas o fato de tentar significava muito para mim. Aquele Natal prometia ser diferente.

Chegamos na casa do Alysson, onde já havia algumas pessoas reunidas: tio Alysson, Claudia, Bernardo, Sofia, alguns amigos do meu tio e, claro, Silas e Yves. O ambiente tinha aquela tensão familiar contida, mas tentei manter a calma. Minha mãe foi recebida com carinho por quase todos, exceto por Silas e Yves, que permaneceram à distância, observando de longe. Mas decidi ignorá-los. Claudia logo se aproximou da minha mãe e iniciou uma conversa amigável, enquanto eu apresentei Sofia a ela, e as duas logo engataram um papo descontraído. Confesso que me senti aliviado ao ver que todos estavam tratando minha mãe bem, fazendo-a se sentir à vontade, embora eu notasse de vez em quando alguns olhares furtivos entre ela e Silas.

Eu estava no meio de uma conversa com Bernardo quando Silas se aproximou com um presente embrulhado nas mãos.

— Boa noite. Posso falar com o Rafael por um minuto, Bê? — ele pediu.

— Claro, tio. Vou na cozinha pegar algo pra beber. — Bernardo me deu uma piscadinha e saiu, deixando-me a sós com Silas.

Ele parecia nervoso e segurava uma caixa com um embrulho elegante.

— Bom, eu queria te dar algo de Natal, mas não sei exatamente o que você gosta, e, bom, o pouco que sei… — Ele fez uma pausa, procurando as palavras certas. — Enfim, comprei isso pra você. Espero que aceite e que goste.

— Não precisava, Silas. Eu nem comprei nada pra você e, sinceramente, não planejava ter que retribuir.

— Não se preocupe com isso. Apenas aceite, por favor — ele insistiu, estendendo a caixa.

Aproveitei que estávamos afastados e abri o presente. Era um kit médico completo: um estetoscópio de marca famosa, um oxímetro e um aparelho de pressão. Eu sorri, surpreso. Esperava qualquer coisa menos algo assim. Foi inesperado e, de certo modo, me tocou. Olhei para Silas e, num impulso sincero, agradeci. Por um breve momento, a tensão habitual desapareceu, e senti que algo genuíno estava começando a brotar entre nós.

Sofia apareceu em seguida com outro presente, o que foi um alívio, pois eu já estava sem palavras para Silas.

— Maninho, comprei um presente pra você! Espero que goste — disse ela, sorrindo.

Abri o embrulho e fiquei boquiaberto: era um iPhone 6 Plus, novinho em folha, recém-lançado. Meus olhos se arregalaram.

— Você tá maluca, Sofia! Isso deve ter custado uma fortuna. Não posso aceitar!

— Claro que pode, é meu presente pra você! — ela riu, como se minha reação fosse o que ela esperava. — E, bom, nosso pai me deu carta branca pra escolher o que eu quisesse. Pensei em algo mais criativo, mas resolvi pegar algo mais caro mesmo. E antes que você pense que sou uma patricinha mimada… — Ela gargalhou, brincando. — Bom, sabe como é, nosso pai tem dinheiro, e você tem que aproveitar! Além disso, estava afim de irritar minha mãe, então usei você, maninho! — Ela piscou para mim, rindo.

— Você não tem limites, hein? Mas obrigado, de verdade. Comprei algo pra você também, mas é bem simples. Espero que goste.

Entreguei a ela o presente que havia comprado: um porta-retrato com uma das primeiras fotos que tiramos juntos. Seus olhos brilharam, e ela disse que amou.

— É simples, mas foi de coração — completei.

Ela me abraçou e deu um beijo na bochecha. Nossa cumplicidade crescia a cada dia, e eu adorava ter uma irmã com o jeito espontâneo e divertido dela.

A noite continuou de forma leve e agradável. Para minha alegria, minha mãe parecia completamente à vontade. Yves não me dirigiu a palavra, e eu também não fiz questão — como já tinha dito antes, esse era um problema dela para resolver com Silas, e não comigo. Recebi mais presentes: Alysson, com seu jeito generoso, me deu uma televisão para o apartamento, o que aceitei meio sem graça. Já passava das duas da manhã quando voltamos para casa, e minha mãe estava radiante. Ela elogiou a noite, dizendo que tinha gostado de tudo e de todos, especialmente de Claudia, a quem pensava ser antipática mas acabou se surpreendendo com sua simpatia. Também elogiou Sofia e disse que adorou conhecê-la. No fim, tudo tinha saído melhor do que eu esperava.

Decidi não tocar no nome de Silas, preferindo ver se minha mãe mencionaria algo, mas ela não disse nada. Então, achei que era o momento ideal para lhe dar o presente especial que eu havia preparado. Entreguei-lhe uma caneca com os dizeres: “Parabéns, você será vovó.” Ela a abriu, me olhando confusa, e perguntou o que aquilo significava. Respirei fundo e contei a ela sobre o bebê, explicando que tinha engravidado uma garota logo que cheguei ao Alto.

— Eu achei que você fosse gay… — ela falou de forma direta, me pegando de surpresa.

Sem jeito, decidi abrir o jogo.

— E sou, mãe — confessei, com um sorriso tímido.

— E como foi isso? — ela perguntou, surpresa mas curiosa.

Então, expliquei o básico da situação, evitando detalhes e omitindo a parte do Caio. Ela ouviu com atenção e, para minha surpresa, ficou feliz, já ansiosa pela chegada do neto. Animado com o momento, acabei contando que também estava namorando Bernardo. Ela não pareceu surpresa, como se já desconfiasse, e perguntou se ele sabia sobre o baby. Confirmei que sim, e ela apenas sorriu, satisfeita.

Foi o meu primeiro Natal com a família dos Carneiros, mas também foi o primeiro Natal em que realmente me senti em casa.


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Comentários


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daniel13 Comentou em 28/10/2024

Pra ficar mais empolgante essa história seria bom o Bernardo descobrir sobre as traições de Rafel com seu pai kkk




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Ficha do conto

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Nome do conto:
ENTRE CAMINHOS E SEGREDOS [34] ~ Noite de Natal

Codigo do conto:
221852

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
27/10/2024

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