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Há não mais de um ano e dois meses, homens entre vinte e trinta e cinco anos começaram a ser sequestrados em noites de lua cheia por toda a capital. Nenhum resgate era pedido aos familiares, nenhuma vítima terminou morta, no entanto, todos os rapazes que desapareciam nessas noites eram violentados. Vítimas relatavam que estavam andando na rua e sentiam algo parecido como a picada de um inseto e em seguida desmaiavam. Quando acordavam já estavam em um lugar desconhecido, presos por cordas e correntes. Nesse lugar, um homem trajado apenas com uma mascara de lobo os violentava sexualmente. O agressor não se incomodava em usar camisinhas e isso fez a policia pensar que era um soro positivo querendo disseminar o vírus para pessoas inocentes, mas tal tese foi derrubada quando os primeiros exames das vítimas saíram e todos estavam sadios.
Ao longo desse tempo o delegado André e seu jovem assistente Carlos deram início a várias investigações que sempre terminavam em um beco sem saída. Nada era encontrado, nem mesmo um suspeito, e os números de vítimas apenas aumentavam. A cidade inteira estava em alerta, em noites de lua cheia os homens da capital preferiam ficar em suas casas e os poucos que se atreviam a sair raramente estavam sozinhos. Tornou-se comum encontrar grupos com mais de sete rapazes caminhando juntos em noites onde o lobo poderia atacar. O caos estava no ar e algo precisava ser feito, mas como pegar o que não se conhece? Como deter um lobo numa noite de lua cheia?
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- A vítima seguia o mesmo padrão de sempre – dissera o assiste Carlos. - Homem, boa aparência, atlético, entre vinte e trinta e cinco anos. Estava andando sozinho numa rua escura para cortar caminho quando saiu da faculdade para o ponto de ônibus. O jovem disse que ouviu o som de folhas secas sendo amaçadas como se alguém caminhasse sobre elas, ele tentou correr, mas sentiu uma picada no pescoço e desmaiou.
- Arma com dardo tranquilizante – disse o delegado. – Todos sentem apenas uma picada e depois adormecem.
- Não é pra menos, os exames médicos indicam que na hora do acontecido havia tanta droga no corpo do rapaz que derrubaria um cavalo. Desse jeito nem daria tempo de sentir a dor do impacto do projetil – Carlos passara algumas folhas com anotações para o delegado. – O laudo médico também indica sexo anal, escoriações pelo corpo, vestígios de sêmen na boca e ânus além da velha marca.
- A tatuagem – a voz do delegado André era grave como um trovão. – Não bastasse estuprar as vítimas ainda as marca como se fossem seu gado. Usando a letra “L” marcada na mão direita.
- Esse maníaco age de uma forma bem estranha. Ele não tenta esconder os vestígios do crime, pelo contrário, os deixa a mostra. É como se dissesse para nós que não podemos pega-lo. Às vezes ele aperta tanto as vítimas que já conseguimos tirar digitais, além do DNA do sêmen que sempre está presente. Tudo isso indica que ele não tem medo de ser pego. Afinal de contas ele nunca matou ninguém, e a vítima por se só é a melhor de todas as testemunhas.
- Errado. Tudo o que ele está fazendo é satisfazer suas vontades - o delegado olhou para seu assistente. – Mas devo admitir que ele é esperto. Pense bem, Carlos. Ele não se importa em deixar digitais ou vestígios de DNA por que sabe que não adianta nada termos as provas sem nada para comparar e encontrar a fonte. Já vasculhamos os serviços de identificação, imigração, banco de dados criminais e tudo mais. Todo isso quer dizer que ele não tem ligação com esse país ou é um homem que nunca tirou um único documento na vida. Pode ser um estrangeiro ilegal ou um brasileiro indigente, não sabemos. E ele teme ser pego, sim, ele teme, caso contrário não usaria a mascara que de lobo que todas as vítimas juram ter visto no lugar da cabeça.
- É verdade, uma das vítimas ficou tão assustada que disse ter sido estuprado por um lobisomem.
- Temos vinte e cinco vítimas desse maníaco.
- Na verdade senhor, nós temos vinte e oito, mas três vitimas não quiseram prestar queixa, pois haviam gostado do ato sexual. Disseram que o lobo mudara suas vidas.
- E eu ainda tenho que ouvir isso – disse o delegado. – E além desses vinte e oito rapazes podemos ter vários outros por aí. Com vergonha de denunciar o que aconteceu.
- Eu acho que entendo esses rapazes, se fosse comigo eu não iria querer que o mundo soubesse que alguém comeu rabo.
- Achei que fosse mais esperto Carlos – disse o delegado olhando seu belo assistente. – Se não contasse, a pessoa que comera seu rabo sairia impune.
- É que é muita vergonha senhor.
- É por pensamentos assim que pessoas como o lobo ainda estão livres – o delegado pegou uma pasta azul em sua mesa e a passou para o rapaz. – leia.
Carlos pegou a pasta e abriu.
- É o suposto perfil do lobo, traçado pelo psicólogo do departamento. Aqui diz que ele deve ter entre vinte e cinco e trinta anos. Tem conhecimentos químicos e biológicos, é fetichista, gosta de obter o controle em tudo, escolhe suas presas apenas pela aparência física, o fato de nunca ter atacado um menor de idade indica que ele pode ter sofrido abuso quando criança por uma pessoa mais velha. A mascara de lobo pode ser uma representação do lado animal já que sempre é a mesma em todos os ataques – Carlos continuava lendo o relatório sem parar, mas agora me voz baixa.
O delegado André levantou de sua cadeira e foi até a porta.
- Carlos.
- Sim senhor – disse o assistente sem tirar os olhos dos papeis.
- Vá para casa.
- O que? – perguntou o jovem surpreso, finalmente olhando para seu chefe. – Eu fiz algo errado?
- Você está nessa delegacia a mais de vinte e nove horas. Eu quero pegar esse cara tanto quanto você, mas não ajudará em nada se você ficar doente ou ficar obcecado pelo lobo. Lembre-se, temos que ser imparciais, devemos confiar nas provas, só assim o pegaremos. Se esse caso se tornar uma obsessão para você, ira começar a julgar as provas de maneira errônea e isso poderá deixar escapar o verdadeiro culpado. Por isso leve os relatórios para casa e depois de uma noite de sono examine-os com mais cuidado. Agora vá, já são duas da manhã.
- Sim senhor, eu prometo que o pegaremos. Custe o que custar – disse Carlos levantando-se da cadeira e indo até a porta com a pasta azul em mãos.
- Carlos – disse o delegado bloqueando sua passagem. – Você está com a sua arma?
- Sim senhor – respondeu o jovem.
- Ótimo. Cuidado garoto, diferente de mim que sou um velho, você faz o perfil das vítimas do lobo. A lua cheia só vai começar a minguar na noite de terça-feira. Até lá esteja atento.
- Sim senhor.
No caminho para casa, Carlos estava dirigindo seu sedã preto quando o pneu dianteiro estouro numa rua deserta, fazendo o veículo rodopiar no asfalto e ir parar na contra mão.
- Droga! Era só que faltava! – esbravejou o loiro. – E logo aqui no meio do nada.
Carlos desligou o motor do automóvel e retirou o cinto de segurança, pegou uma lanterna no porta luvas e saiu do carro. A noite estava quieta e o vento assobiava enquanto vagava vindo do norte, o céu não tinha nuvens nem estrelas, mas uma linda lua cheia amarelada reinava absoluta na imensidão da noite.
"Como algo tão belo pode ter virado símbolo de medo?" Pensou o jovem policial enquanto olhava para cima.
A rua onde sofrera o acidente ficava a menos de três quilômetros da delegacia, era composta por galpões de empresas de um lado e um pequeno bosque do outro. As árvores do bosque eram altas e suas copas muito cheias e próximas umas das outras, o que impossibilitava os raios lunares de iluminar o seu interior, deixando tudo em total escuridão.
Carlos ligou a lanterna e foi em direção ao pneu dianteiro do carona, era impossível aquele pneu ter estourado por desgaste, pois era novo como todos os outros, então o rapaz suspeitara que houvesse passado cima de alguma coisa. Carlos examinou os restos de borracha negra que ainda restavam na jante e não conseguiu encontrar nada. Não havia nenhuma tabua com pregos ou qualquer coisa do tipo, apenas o que sobrara de seu pneu.
- Mas então como essa porcaria foi estourar desse jeito? – falou ele consigo mesmo. – Eu quase capotei com o carro por nada? Ótimo!
Auuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
Um uivo fez-se ouvir quebrando o frio silencio da noite.
Assustando-se com o barulho repentino, Carlos cai sentado e derruba a lanterna no chão. Seu coração começara a bater em disparada e seus pulmões não mais se lembravam de como se fazia para respirar. O medo o dominara por completo, o jovem rapaz de belos traços e corpo atlético estava tão apavorado quanto um garoto de dez anos de idade. E em sua mente veio o concelho do seu chefe: “Cuidado garoto, diferente de mim que sou um velho, você faz o perfil das vítimas do lobo”.
- Calma Carlos, deixa de besteira – dizia para se mesmo ainda no chão. – Não é nada disso, foi só um lobo selvagem no bosque. Só isso.
Os olhos castanhos do moço vagavam por todos os lados a fim de encontrar a fonte do uivo que o derrubara, mas nada enxergava. Apenas árvores de um lado e galpões fechados do outro. Apenas isso. No entanto, um barulho fraco e afastado começou a soar, eram passos e se aproximavam cada vez mais rápido, vinham do bosque e aumentavam a velocidade em segundos. Agora se podia ouvir nitidamente, em alto e bom som, alguém estava correndo no bosque, e corria de encontro a Carlos. Prevendo o perigo, o jovem oficial levantou as presas do chão e se dirigiu para porta do carro, pela janela aberta no lado do carona ele pegou sua arma, uma pistola nove milímetros que havia deixado dentro do porta luvas. Apontou a arma para o bosque e esperou.
"Vem, pode vir;" Pensava o jovem. "Eu falei que pegaria você custe o que custar."
Do bosque escuro a frente de Carlos surgiu um animal de pelugem acinzentada e longos caninos a mostra, pronto para atacar. "Um lobo. É um lobo de verdade;" pensou o garoto. O animal estava feroz e rosnava alto para oficial, seus olhos eram calculistas e experientes, os olhos de um caçador nato, os olhos de uma besta.
- Com certeza é um lobo selvagem – disse o rapaz. – Como eu havia pensado.
- Não existem lobos selvagens nesse lado do país – disse uma voz de homem atrás de Carlos. O policial tentou se virar para encarar quem quer que fosse, mas já era tarde, Carlos sentiu uma forte picada no pescoço e suas forças o abandonaram. Sua visão ficou turva, suas pernas fracas, nem mesmo seus dedos obedeciam ao simples comando de puxar o gatilho. Era o lobo, o lobo que toda a força policial do Estado estava procurando acabou caçando um de seus caçadores.
"Não, por favor, não!" Pensava o jovem loiro de olhos castanhos deitado no asfalto gélido. "Não, por favor, não!" E seus olhos se fecharam. "Por favor... De novo não."
Fim.