O Garoto e o saxofone [10] ~ Cátia!

No dia certo de sairmos, eu liguei para o Caio, para avisá-lo que eu passaria na casa dele dentro de alguns minutos. A mãe dele atendeu o celular.

- Alô, Caio?

- Marlon? O Caio está dormindo.

- Ué, mas a gente vai sair agora, estamos todos esperando por ele.

- Mas ele está dormindo.

- A senhora pode acordá-lo?

- Espera, eu vou passar para ele.

- (Minutos depois) Marlon? Olha, eu não vou.

- Por que, Caio?

- Acabei de acordar!

- Toma um banho gelado e se veste que já já eu passo aí.

- Não, é sério. Não estou afim.

- O que te deu?

- Nada, só o sono.

- Mas hoje vai uma galera legal.

- EITA, MARLON, O QUE EU MAIS FAÇO É SAIR COM VOCÊS. NÃO VAI TER NENHUMA NOVIDADE HOJE! -berrou ele.

- Não precisa gritar comigo!

- Eu não gritei.

- Tudo bem, mas você vai?

- Não estou afim.

- Não sei por que, mas eu sinto que alguém te ligou hoje... - disse, irônico.

- Ninguém me ligou hoje. Não inventa.

- Então se arruma, já estou chegando.

- Marlon, eu não vou!

- Você recusando festa?

- Estou com sono.

- Você vem mais cedo, vamos!

- Não.

- Você está chato, hoje.

- Pois é, não é melhor eu ficar em casa?

- Não.

- Marlon, eu não vou!

- O Vinícius vai pedir a Lu em namoro hoje, você vai perder, hein?

- Ai, grande bosta!

- Nossa, que grosseria! Você não gosta da Luiza?

- Claro que eu gosto, mas isso não é o evento do ano.

- Você já foi mais humilde, sabia?

- Marlon, não enche. Vai embora beber com o pessoal e me deixa em paz. Tchau! - e desligou.

Deu-me vontade de desistir de ir para a festa por causa dessa briga via telefone com o Caio. Mas depois eu pensei bem, pensei na ocasião e decidi ir.

Obviamente que eu ia dirigindo com a cabeça borbulhando, tentando imaginar o que tinha causado essa mudança de humor nele. Cheguei na balada com a novidade.

- Olha só, o Caio não vem.

- Por que? - perguntou a Luiza.

- Sei lá, deve estar na TPM. Não sei, também pouco me importa - disse bravo.

- Ih, brigaram de novo? Esse casal vive brigando! - brincou o Tom.

- Casal? - perguntou o Vinícius, que chegava naquele momento.

- É, o Marlon e o Caio - respondeu o Tom.

- Como assim? Me explica esse negócio direito!

- Nada, é besteira do Tom. É que a gente brigou hoje.

- Vocês vivem brigando também, heim? - resmungou a Luiza - É pior que casal de namorados.

- Eu nunca fui com a cara desse Caio. Menino frescurento, eu hein?

- Hoje foi um dia atípico, Vinícius. O Caio não é chato não! - defendi.

- Mas eu só vejo vocês brigando e você sempre reclamando. Eu já tinha dado um tempo. E eu não vou com a cara dele porque... você sabe porque.

- ELE NÃO É AFIM DE MIM, VINÍCIUS. DÁ PARA CALAR A BOCA? - gritei.

- Ôpa! Chega vocês dois, não vão brigar vocês também, não é? - apartou a Luiza.

- Se você não fosse homem, eu iria achar que vocês se pegam - disse o Vinícius em um tom baixo.

- Cadê a Cláudia, heim? - perguntou o Tom.

A farra rolou normal. Bebemos, comemos, dançamos. Mas eu fiquei o resto da festa emburrado, não por causa da minha briga com o Caio, mas com as ofensas do Vinícius para com o Caio. Eu odeio quem fala mal dele na minha frente. Não admito. Mas decidi relevar, afinal, era um dia quase especial. O Vinícius pediu mesmo a Luiza em namoro.

Quando eu cheguei em casa ainda estava escuro, mas não ficaria por muito tempo. Eu peguei o celular e liguei para o Caio. Demorou um pouco para ser atendido, mas finalmente ele aceita a ligação.

- Ai, Marlon, isso são horas? - com voz de sono.

- Deixa de ser chato comigo. O que eu te fiz hoje?

- Olha, me perdoa por hoje. Desculpa!

- Por que você foi grosso comigo? O que eu te fiz?

- Nada, eu fiz sem motivos. Desculpa, desculpa mesmo. Eu sei que eu não deveria falar daquele jeito. Você tem toda razão de estar com raiva de mim.

Às vezes eu preferia brigar com o Caio que vê-lo em situação de submissão para comigo, pois sempre me restava perdoá-lo. Eu poderia não perdoar, mas não aguentaria ficar brigado com ele.

Por outro lado, sempre que eu perdoo, perco a chance de descobrir qual foi o bicho que o mordeu.

- Tá, tudo bem, não foi nada demais. Você deveria ter ido para a festa, independente de qualquer coisa que tenha te acontecido hoje.

- Não me aconteceu nada hoje.

- Então por que você agiu daquele jeito?

- Eu não já pedi desculpas?

- Grosso!

- Não é grosseria.

- É claro que é. Eu só quero saber o que foi que te deu hoje.

- Não aconteceu nada. Eu estava dormindo, passei da hora e fiquei indisposto para ir à festa.

- Você sabe mentir melhor. - ele ficou calado - Perdeu o pedido de namoro do Vinícius para a Luiza.

- Sei...

- É legal saber que dois amigos meus estão namorando! - ficou calado - Não vai falar nada?

- Não tenho o que falar...

- Fala alguma coisa! - disse bravo.

- O que você quer que eu diga? Como foi meu sono?

- Sei lá, pergunte como foi a festa.

- Como foi lá? - sem entusiasmo.

- Já entendi. Olha, depois a gente se fala tá? - disse chateado.

- Tá, tchau! - desligou.

- Caralho, e ele ainda desliga antes de mim!

Fiquei irado com aquela situação. Por mais prazer que eu encontrasse no Caio, eu não merecia a forma com a qual ele me tratava.

Vinícius me ligou no dia seguinte.

- Marlon?

- Oi, cara.

- Olha, sobre ontem, eu queria pedir desculpas. Foi mal.

- Tudo bem, eu não fiquei chateado. Fiquei até feliz que você e a Lu estão namorando.

- É, cara. Nossa! Eu gosto muito dessa menina.

- É, e trate-a bem, porque senão você vai se ver comigo ouviu?

- Hahahahaha, pode deixar.

- Hahahahahaha.

- Peladinha hoje? Aproveitar o domingo?

- Vamos. Te vejo lá!

(...)

Segunda-feira eu fiz questão de sentar longe do Caio e fazer o tipo magoado. Só que dessa vez eu iria resistir a qualquer tipo de pedido de desculpas.

Na hora do intervalo ele veio me procurar.

- Marlon, ainda está com raiva de mim?

- Eu não.

- Tá.

- Tá - e fui saindo.

- Vamos ao shopping hoje comigo?

- Não estou afim.

- É o aniversário da minha mãe na quinta-feira, aí eu vou comprar um presentinho. Você me acompanha?

- Por que você não chama a Claudinha? Ela é mulher, vai te ajudar melhor nessas coisas.

- Mas eu já sei o que comprar, só estou querendo companhia.

- Mas eu estou sem tempo hoje. Convida outra pessoa tá?

Eu ainda estava muito irado com ele, por isso nem me senti mal por lhe dar o fora. Estava precisando de um tempo mesmo. Um tempo para botar as coisas no lugar, na minha cabeça.

Ele, por outro lado, não me procurou mais. Não ligou, não me procurou na faculdade, não foi à minha casa.

Na quinta-feira eu liguei para a mãe dele, para desejar-lhe os parabéns.

- Alô?

- Oi, Caio, sua mãe está aí?

- Está. Mas, o que você quer falar com ela?

- Desejar os parabéns.

- Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha... ai, ai.

- O que foi?

- Hoje não é aniversário dela.

- Você não disse que era?

- Era uma desculpa para você sair comigo, naquele dia. Mas você não quis.

- Nossa! Super engraçado, Senhor Caio. Tchau.

- Espera...

Desliguei antes dele falar alguma coisa. Ele ligou segundos depois, mas eu não atendi.

Na sexta-feira ele me procura na faculdade.

- Está se vingando de mim?

- Hein?

- Por que você está agindo assim comigo? Eu não já pedi desculpas?

- Não sei do que você está falando.

- Ah, Marlon, para de se fazer de desentendido. Você está todo áspero comigo esses dias. Desde a saída com o pessoal no fim de semana. Eu achei que você tivesse me perdoado.

- E perdoei.

- E então?

- Só não estou afim de conversar.

- Você ficou com raiva de ontem?

- Um pouco, mas já passou.

- Desculpa!

- Está desculpado - e fui saindo.

- MARLON! VAI PARA ONDE? - gritou.

- Ali - e segui.

Eu me afastei de vez. Não liguei mais e ele também não. Na sala de aula a gente não falava mais que “oi” e “tchau”. Eu ainda estava irado.

Eu me sentia humilhado, mas eu não estava puto o bastante. Tudo isso se devia ao fato de eu estar apaixonado por ele, mesmo sem perceber.

O Tom, a Claudinha e a Luiza estavam namorando, então fim de semana eu nem saía mais. Acho que o Caio também não. O pessoal começou a perceber que a gente estava sendo isolado e isso se agravava ainda mais porque eu e o Caio não estávamos nos falando.

Eu passava o tempo pensando onde ele estava, o que estava fazendo e com quem. Eu ainda pegava o celular, às vezes e as minhas mãos coçavam para que eu Ligasse.

Mas no fim eu não ligava.

Mas nesse fim de semana o Vinicius me liga.

- Oi Marlon, beleza?

- Fala aí, cara.

- Luiza quer marcar de a gente sair. A galera!

- Ah, legal, estou dentro.

- Então, só tenho dois pedidos para te fazer. - disse meio tenso.

- Fala, o que foi?

- Eu queria que você não chamasse o Tom, porque aí ele vai querer levar o namorado dele... cara, não estou afim de ver dois machos se beijando.

- Você já falou isso para a Luiza?

- Já e ela concordou em não chamá-lo.

- Por mim tudo bem, só que, se o Tom descobrir essa saída, ele vai ficar chateado e vai brigar com a Lu.

- Besteira da porra! Você vai contar?

- Não.

- Então... ?

- Tá, tudo bem!

- O outro pedido é para você não chamar o Caio.

- Ok.

- Beleza, então se liga no endereço. - ele foi contando e eu decorando.

- Tá, a gente se vê lá.

Por impulso, eu ia perguntar o porquê de ele não querer o Caio, mas era óbvio, já que ele não queria que o Tom fosse e achava que o Caio era gay também.

Eu queria chamar o Caio, mas como a gente estava naquele clima chato, nem me preocupei com o fato de ele não ir.

A farra foi boa, ou melhor, estava sendo. Nessa balada, o Vinícius tinha chamado um monte de amigos nossos, que fazia tempo que eu não via.

O Vinícius é do círculo de amigos do meu irmão também, então tinha muitos amigos nossos lá que eram amigos do meu irmão. Inclusive o próprio Ewerton estala lá.

Percebi que o Vinícius estava querendo retomar a vida antiga. Reunir a galera de novo. Achei legal essa atitude dele. Eu mesmo me senti envergonhado de ter abandonado esses amigos e ficava com medo de ficar tachado como aquele que esquece os velhos amigos quando encontra novos.

Era uma festa hétero. Muito hétero! Foi bom o Caio e Tom não terem sido convidados.

O Caio principalmente, pois era conhecido de longa data do meu irmão e do Vinícius. Ele certamente não se sentiria bem ali. Eu, por outro lado, estava bem à vontade até que o Vinícius se aproxima de mim.

- Escuta só, cara: está vendo aquela loirinha ali? Ela está doida para dar pra você!

- Dar pra mim?

- É.

- Como assim?

- Ué, esqueceu como é que se come uma mina?

- Mas ela quer dar assim, do nada? - eu me espantei.

- Está recusando?

- Não, mas... sei lá. Se você aparecesse dizendo que a menina quer ficar comigo... - ele me interrompe.

- Porra, deixa de besteira! A menina não quer foder com você? Leva ela pra cama e cala a boca. Aproveita a noite. Você esta precisando trepar, está andando com boiolas demais.

- Tá, me apresenta!

Fazia tempo mesmo que eu não ficava com ninguém e era bem verdade que eu só não ficava porque, no fim de cada festa, eu tinha que ficar de companhia do Caio, para ele não segurar vela sozinho.

Apesar de tudo isso, eu não gostei da abordagem dessa garota. Por mais pegador que eu fosse, não era o tipo de cara que gostava de ficar com meninas dadas. Mas lá fomos nós para o motel.

O pior aconteceu: eu broxei. Nada me “animava”. Fiquei muito envergonhado e até soltei a clássica “Isso nunca me aconteceu antes!” e, de fato, nunca tinha mesmo.

Para piorar mais ainda, a menina me pede para devolvê-la à festa. Assim que ela desce do carro, ela já vai catando outro cara para satisfazer a sua vontade.

Fiquei com a moral lá embaixo, a auto estima tinha desaparecido. Então, me despedi do pessoal e fui para casa.

Tomo banho, visto uma cueca e me deito na cama. Assim que a minha cabeça repousa no travesseiro, eu penso no Caio. “Que merda, esse Caio só vive empatando a minha vida!”, eu pensei.

Logo depois eu dormi.

No dia seguinte o meu irmão pergunta da menina e como foi no motel. Menti. Disse que foi tudo legal. Mais tarde o Caio liga para minha casa e minha mãe atende.

- MARLON, É PARA VOCÊ! - grita ela.

- Alô?

- Oi.

- Oi.

- Tudo bem?

- Tudo e você?

- Tudo indo. Vamos sair hoje? Eu vou fechar a sorveteria hoje e depois estou livre.

- Para onde você quer ir?

- Sei lá. Tem alguma ideia?

- Nenhuma.

Ah, era irresistível. Só de ouvir a voz dele do outro lado da linha, eu me sentia confortado, acarinhado.

Além do mais, eu estava precisando mesmo de um consolo e quem melhor que o Caio para me servir de ombro?

- A gente faz o seguinte: eu chego aí mais cedo e depois a gente vê o que faz.

- Tá legal.

Minutos antes de ele fechar a sorveteria e despachar os clientes, eu já estava lá.

- Olá! – ele me recebeu, sorrindo.

- Oi.

- Quer sorvete enquanto você me espera?

- Não seria mal.

- Então se serve aí e senta onde quiser.

- Tá.

Eu fui me servindo, tomando o sorvete e olhando as pessoas saindo. Depois o Caio apareceu e gritou de longe:

- MARLON, FECHA ESSE PORTÃO AÍ DA FRENTE.

Eu fui fechando e voltei para a mesa logo em seguida. Depois os empregados foram saindo e ele apareceu me chamando.

- Vamos?

- Mas por onde a gente sai?

- Pelos fundos.

Saímos, demos a volta e fomos para rua, pegar o meu carro.

- Para onde vamos?

- Aonde você quer ir, Caio?

- Eu não sei.

- Você quem me chamou.

- Eu só queria te ver mesmo!

- Para que?

- Ora, para te ver. Somos ou não amigos?

- Somos.

- A gente tem se estranhado esses dias. Achei que precisávamos de uma trégua.

- Eu preciso de uma trégua. Você só me dá patada.

- É, eu sei que eu não sou fácil. Mas é difícil de explicar.

- Tá, tá, não vamos falar disso. Quer dizer, a menos que você finalmente queira falar sobre.

- Como você tem passado esses dias sem mim?

- Já vi que você não quer falar não é?

Ele sorriu e nós saímos.

- Queria conversar com você.

- Por que a gente não para no parque?

- Tá.

Fomos para um parque, descemos e fomos caminhando.

.

- Fala.

- Ontem eu saí com o pessoal e aí eu fiquei com uma menina. A gente foi para o motel, mas eu não funcionei.

- Você... ?

- É, isso mesmo.

- Poxa, deve ter sido constrangedor.

- Foi, foi sim.

Eu fui conversando com ele, desabafando. Sentamos na grama e ficamos falando besteira. Eu comecei a falar que o Vinícius estava tentando reunir a antiga galera de novo, mas que eu achava que os novos amigos também deveriam ser incluídos.

- A Luiza já deu uma mudada. Eu já percebi.

- Como assim?

- Ah, ela esqueceu o Tom e eu.

- Não é verdade, Caio.

- É claro que é. O namorado está marcando em cima. Ele sabe ser machão para cima dela e ela acata.

- Essa última saída foi dos amigos antigos. Ela só foi porque é namorada do Vinícius.

- Não vem, Marlon. Ela mudou sim.

- Será que não é você com ciúmes?

- Por que eu teria ciúmes dela? Ela não é minha melhor amiga. A Cláudia é que é!

- Mas já faz um tempo que você anda implicando com ela. Desde quando ela começou a namorar o Vinícius.

- Porque desde que ela começou a dar para o Vinícius, ela anda excluindo o Tom e eu, porque somos gays. O Vinícius é um idiota!

- Que história de dar! - me incomodei.

- Ué, ela não está dando para o cara?

- Sim, mas você precisa falar desse jeito?

- Ai, Marlon, deixa de frescura!

- O fresco aqui é você e não eu, hahahaha - brinquei.

- É parece que o seu retorno com o Vinícius está afetando você. Até falar como ele você está falando.

- Hã?

- E não é? O Vinícius é que me chama de frescurento! Odeio quando ele me chama assim, aquele hipócrita.

O Caio, mesmo eu gostando muito dele, estava cada dia mais insuportável. Agora entrou numa onda de ofender as pessoas que eu gostava. Na minha cabeça, ele estava passando dos limites. Ele não podia sair por aí distribuindo ofensas, ainda mais nos meus amigos.

- Agora vai ofender o Vinícius também? - resmunguei.

- VOCÊ NÃO PERCEBEU? EU JÁ OFENDI E OFENDERIA DE NOVO, SE FOSSE NECESSÁRIO! - ele berrou.

Eu levantei da grama, limpei a calça de alguma possível sujeira e o olhei de cima para baixo.

- VOCÊ ESTÁ CADA DIA MAIS INSUPORTÁVEL! - gritei.

- Hã? - ele ficou me olhando sentado.

- É isso mesmo: ofende meu irmão, ofende a Lu, ofende o Vinícius... Quem mais você vai desferir golpes com as suas palavras?

- E eu sou o grosso? Por que você está gritando comigo?

- Porque você está sendo grosseiro primeiro!

- Você se dói pelas outras pessoas?

- Claro, das pessoas que eu gosto, sim. Por quê? Você não se doeria por mim?

- Você vale a pena!

- Então o Vinícius não vale?

- Hahaha - soltou uma risada irônica - esse aí é que não vale nada.

- Você nem conhece o cara e já está julgando?

- Você seria capaz de me dizer a verdade?

- O quê? - não entendi.

- Se eu te fizesse uma pergunta, você seria sincero?

- Claro, por que não seria?

- Então me diz: o Vinícius falou com você pedindo que não me convidasse para essa festinha?

Eu fiquei espantado com a pergunta. Como ele saberia isso?

- Como é?

- Sim ou não?

- Por que você está perguntando isso?

- Sim ou não, Marlon?

- Eu já disse, essa foi uma saída da minha turma antiga, do colégio. Você nunca seria convidado, nem mesmo por mim, porque essa era uma festa só para o meu pessoal antigo. - menti.

- Sei...

- Agora me responde: por que você me perguntou isso?

- Não duvido que ele tenha feito isso. O Tom disse que, da última vez que vocês saíram, da vez que eu não fui e a gente brigou, a Luiza ficou cheia de “não me toque” para o lado dele. Disse que, depois daquela noite, a Luiza ficava soltando indiretas para o Tom, para que ele não ficasse de agarramento com o Luciano (namorado do Tom) da próxima vez que a gente saísse e ela levasse o Vinícius. As indiretas chegaram a um ponto em que, se possível, o Tom nem levasse o Luciano, para não agredir os olhos do seu amiguinho idiota. Ah, ele que vá à merda com as babaquices dele. Eu não estou pronto para ficar dando corda para gente como ele. Se ele se sente incomodado, que não vá e, se a Luiza ficar com raiva, que fique em casa com ele. Da próxima, você me poupa e, quando a gente for sair e esse seu amiguinho for, faça o favor de não me convidar mesmo!

Parecia que ele estava prendendo isso na garganta há muito tempo. Ele gritou tudo isso com força, com paixão, com convicção e com uma fúria nos olhos que eu jamais pensei que pudesse ver nele.

Eu não tinha palavras para aquele momento. Errado ele não estava, mas agora eu estava dividido. O Vinícius sempre foi o meu melhor amigo. Sempre.

Até o dia em que eu conheci o Caio.

O tempo de amizade que eu tinha com o Vinícius quase que se equiparava com o tamanho do sentimento que eu nutria pelo Caio.

- Bem, então pelo visto eu nunca vou conseguir unir os meus grupos de amigos.

- Sinto muito, mas se você só tiver amigos do naipe do Vinícius, me poupa dessa ta?

- Talvez você esteja fazendo uma ideia errada do Vinícius. Tudo o que você disse agora só se baseia em suposições. Você não sabe se o Vinícius realmente faria isso.

- Estou me baseando pelo o que Luiza anda fazendo. Se ela está fazendo isso, é porque o namorado dela anda controlando a cabecinha dela. Pelo que eu saiba, ela nunca se incomodou com a minha presença, tãopouco com a do Tom. Por que agora ela está se incomodando tanto? E por que, coincidentemente essa mudança começa quando ela inicia um namoro com o seu amigo? Mistérios, Marlon, muitos mistérios.

- Dá uma chance para o Vinícius - pedi carinhosamente.

- Chance? Chance de quê? De ele me ofender pessoalmente?

- Para, Caio, você não sabe o que está falando.

- Tá, prefiro continuar ignorante nesse quesito e continuar tecendo suposições malucas a respeito.

- Caio, facilita a minha vida!

- Marlon, não vejo porque num final de semana você sai com os seus amigos antigos e no outro você sai com os novos. Não faça drama por nada. Aliás, você me vê de segunda a sexta, pode ver os seus amiguinhos no fim de semana, ir jogar bola com eles. Coisas de macho. Eu não me importo.

- Mas eu me importo! Não quero essa divisão, porque não é nada saudável. Você poderia ser um pouco menos egoísta e me fazer esse favor.

- Egoísta eu? Marlon, eu nem estou fazendo questão de sair com você. Quer passar os seus finais de semana com a sua antiga turma? Eu não me importo. Sério mesmo.

- Eu quero passar os finais de semana com todos os meus amigos. Você não entende isso?

- Isso é drama seu. Sabe muito bem que isso não é possível. Seus amigos nunca vão me aceitar.

- E você precisa ficar espalhando que é gay?

Ele ficou me olhando como se não tivesse entendendo o que eu disse, depois ele abaixou a cabeça.

- Caio? O que foi? - perguntei preocupado.

- Nada. Nada não! - respondeu triste.

- Nada não, nada! O que foi?

- Então é assim que você quer? Que eu seja mais um de seus amigos idiotas e que fique me escondendo e me reprimindo na presença deles? Você quer que eu finja que sou outra pessoa só para satisfazer um capricho seu? Eu, o egoísta? - ele deu um sorriso mórbido - Olha, Marlon, passei anos da minha vida até começar a me aceitar. Eu mesmo me odiava por sentir o que eu sinto. E agora aparece você me pedindo para negar a mim mesmo só para que você tenha finais de semanas felizes? Sinto muito, cara, você é um amigo legal, mas ninguém nesse mundo vale o que você está me pedindo. E, se você gostasse de mim de verdade, nunca que pediria isso para mim. Você tem vergonha de mim? - tentei interrompê-lo nesse momento - Olha, eu sabia desde o início que isso entre a gente não ia durar muito tempo. Você é um hétero aberto, mas ainda falta muito para que sejamos bons amigos de fato. E eu não estou pedindo para que se afaste dos seus antigos amigos, eu não tenho esse direito nem prioridade sobre eles. Mas isso está entre a gente... entre um batalhão de amigos de infância e eu, é melhor você ficar com eles - e foi saindo.

- Não quis dizer isso - o agarrei pelo braço - Eu me equivoquei com as palavras.

- Você disse o que tinha vontade de falar. Não vai negar agora que o que você acabou de dizer é a sua real vontade. Ou vai?

- Não, olha, eu me equivoquei. Não pensei direito no que eu estava te pedindo. Não tinha idéia das consequências. Eu falei por falar.

- Tá, eu acredito em você. De qualquer forma, não tem como eu satisfazer a sua vontade. Eu já odeio o seu irmão e não me importaria nem um pouco se o Vinícius morresse agora, nesse exato momento. Então, é melhor deixar como está.

- Desculpa, eu não tinha ideia das minhas palavras. Me perdoa.

- Tudo bem. Agora eu vou indo, tá?

- Eu te levo.

- Não, não, me deixa ir de ônibus. É melhor.

- Para, Caio. Eu estou de carro, te trouxe até aqui. Eu te levo!

- Não, eu vou sozinho.

- Para, Caio - comecei a chorar na frente dele.

- Está chorando?

- Claro! Eu faço uma merda dessas com você. Como você quer que eu me sinta? Me deixa pelo menos eu te levar em casa!

- Tá, vamos.

Eu enxuguei as lágrimas com o pulso e fomos calados até o carro. A viagem também foi muda. Na porta do prédio dele, ele me disse “Tchau” e abriu a porta do carro. Nem esperou eu responder o tchau.

Eu fiquei olhando ele abrir o portão, subir as escadas da entrada e desaparecer entre as primeiras paredes do condomínio.

Já em casa, não havia muito o que fazer, a não ser aquilo que eu sempre faço quando essas coisas acontecem entre o Caio e eu.

Eu fui chorar no meu quarto.

Eu não fazia ideia das consequências do meu pedido. Na minha cabeça não tinha nada demais o Caio simplesmente não dizer que era gay para os meus amigos. Realmente não era algo necessário. Mas eu estava enganado.

Ainda nesse mesmo dia, uma coisa martelou na minha cabeça: como o Caio sabia que o Vinícius o chamava de frescurento? Não seria possível que o Caio tivesse contato com o Vinícius. Pelo que eu sabia, a única vez que os dois tiveram contato, foi no meu aniversário, há um ano. E acredito que eles nem se falaram. Duvido muito que um tivesse o outro adicionado em alguma rede social.

Mas eu não ia pensar nisso agora. Eu iria pensar em como me redimir de fato com o Caio. Eu senti uma dor no peito tão grande...

Nesse mesmo dia eu fui para internet. Busquei textos que falassem de gays que não se aceitam e de casos de repressão, queria saber o que se passava na cabeça do Caio e de como proceder com ele.

Em um dos sites que eu visitei, tinha uma foto de um casal de homens se abraçando carinhosamente. Na verdade um abraçava o outro por trás. Eram homens muito bonitos, não muito fortes, mas também não eram magros. Um estava deitado em um sofá e outro, deitado de costas sobre o primeiro homem, sendo abraçado por ele. O casal sorria e estavam de olhos fechados. Não parecia uma cena depravada. Muito pelo contrário. Era uma cena de romance, de felicidade, de carinho. Por um momento eu imaginei que aqueles poderiam ser o Caio e eu.

Quando isso me veio na cabeça, eu fechei a página e fiquei pensando “Nossa! O que foi isso?”.

Mas depois eu vi que, na minha cabeça, não seria nada mal abraçar o Caio daquele jeito. Depois eu pensei “Não, que loucura!”.

Gargalhei de nervoso e depois fiquei pensando “Não, eu nunca senti isso por outro cara, só pelo Caio. Se eu fosse gay, eu já teria sentido isso antes”.

Eu reabri o site e fiquei observando a foto. Eu relutava para não imaginar o Caio e eu naquela situação, mas não conseguia.

Eu sentia inveja daquele casal e queria não ser um deles, mas sim estar naquela foto junto com o Caio. “Não, não é possível!” entrei em pânico.

Fechei o site, fui à cozinha e peguei um copo de água. Bebi em segundos e voltei para o computador. Reabri o site e fui ler os depoimentos. Para piorar mais ainda, um dos depoimentos era de um homem de 27 anos que, só descobrira naquela idade, que era gay e que isso só foi despertado porque ele se apaixonou pelo seu melhor amigo.

“Então eu sou gay?”.

Era estranho pensar em mim como um gay. Eu não me sentia à vontade, ao mesmo tempo em que tudo começava a fazer sentido na minha cabeça.

Toda a devoção que eu sentia pelo Caio agora era amor. O sentimento mudou pelo simples fato de eu reconhecer a minha verdadeira identidade.

Desliguei o computador e fui tentar dormir.

Na aula seguinte, eu me aproximei do Caio. Fui tentar pedir desculpas.

- Oi, Caio.

- Oi.

- Olha, cara, me perdoa pelo o que eu te disse - ele me interrompe.

- Você está perdoado. Te perdoei no mesmo dia.

- Eu sei, mas eu queria pedir de novo. Eu não tinha ideia do que eu estava te pedindo. Eu te amo e não te faria mal por nada.

Ele me olhou com estranheza e espremeu os olhos, como se quisesse enxergar alguma coisa distante.

- O que foi?

- Você dizendo que me ama.

- Ué, mas eu já te disse uma vez que te amava, lembra?

- No dia em que eu surtei no banheiro. Eu lembro, mas aquele dia foi especial. Não achei que você algum dia fosse repetir aquelas palavras.

- Por que?

- Ah, porque... sei lá.

- Só porque eu não sou gay não posso te amar? E mais ainda: não posso dizer que te amo?

- Não, eu não disse isso.

- Mas estranhou como se tivesse dito.

- Tá, tudo bem, é que é meio confuso mesmo! - ele sorriu, agradecendo.

Apesar de eu o amá-lo de fato, o “Eu te amo” fazia parte do plano para que ele me perdoasse com mais facilidade.

A cada dia que se passava eu me tornava mais convicto de que era gay.

Ainda passou pela minha cabeça a bissexualidade, mas eu percebi que eu não me sentia atraído pelas mulheres. Eu não sei em que momento da minha vida eu fui desligado da minha verdadeira sexualidade, mas eu tinha certeza que algo aconteceu para que eu passasse a pensar que era hétero.

Depois que eu me descobri, os meus atos, as minhas palavras, os meus gestos, as minhas expressões...tudo pasou a ser policiado.

Eu não queria que ninguém soubesse que eu era gay, nem mesmo o Caio. Eu tinha medo de que ele se assustasse e se afastasse. Mas estava difícil para eu suportar o Caio falando de outros homens com o Tom e a Claudinha.

Às vezes eu pedia para ele se calar e ele se calava pensando que eu estava incomodado com o fato de eu ser hétero e ter que ouvir um homem falando de outro. Era insuportável também não poder abraçá-lo ou beijá-lo.

Sim. A vontade de beijar o Caio estava cada dia mais latente.

Mas outras coisas atípicas também começavam a acontecer. Um dia desses, a Luiza me pergunta:

- Marlon, você conhece alguma Kátia?

- Kátia? Espera. Ah sim, conheço. Eu tenho uma prima que se chama Kátia. Por quê?

- Eu acho que eu conheço essa Kátia. Onde eu a encontro? No seu Orkut?

- Sim, encontra sim!

Suspeitei logo: essa Kátia com certeza era alguém que o Vinicius estava ficando. Na certa, a Luiza pegou o Vinicius falando com alguma Kátia, ou viu SMS dela no celular dele... enfim.

Mas deixei para lá.

Dias depois, eu estava na casa do Vinicius, esperando-o para a gente ir jogar bola. A irmã dele grita lá de dentro da casa para o Vinícius, avisando-o que alguém estava ligando para ele. Quando ele retorna, traz consigo uma cara de raiva. Decidi não perguntar o que era.

Uns dois dias depois, a Luiza me aparece perguntando:

- Aquela é a única Kátia que você tem no Orkut?

- Acho que sim, porquê? Não era ela?

- Não. A Cátia que eu procuro começa com C e não com K e essa sua prima nem mora aqui na cidade.

- Pois é.

Para mim estava na cara que o Vinicius estava traindo a Luiza e ela estava caçando a “outra”.

A confirmação veio através da irmã do Vinicius. Nos encontramos no supermercado e começamos a conversar:

- Oi Marlon!

- Olá.

- Tudo bem?

- Tudo e você?

- Indo. Escuta, você conhece a tal de Cátia que anda ligando para o meu irmão?

- Não, eu nem estava sabendo dessa história.

- Pois é, tem uma menina pentelha que liga todo dia lá para casa. Já está ficando chato. Eu me irrito logo. E o meu irmão parece que não aguenta mais a menina também.

- Então o Vinicius está mesmo ficando com essa Cátia, heim?

- Pois é!

Quando eu cheguei em casa, entrei no Orkut e deixei um depoimento para o Vinicius:

“Cátia, hein?

Huuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuum!

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk”

Na aula seguinte o Caio não foi. Fiquei preocupado. Mas quando as aulas acabaram e eu já estava indo embora, ele me aparece:

- Caio?

Ele estava de chinelos, calça jeans, camiseta e moletom. De braços cruzados e com os olhos vermelhos de quem já havia chorado muito.

- Você está chorando?

- O que você sabe de mim? - com voz de choro.

- O que eu sei? Como assim?

- Para de me enrolar, Marlon. Eu sei que você já sabe de tudo!

- Tudo o quê? Do que você está falando?

- De mim. Você sabe quem era a pessoa das ligações. VOCÊ SABE! - gritou.

- Não, não sei quem é. Fica calmo!

- Não vou ficar calmo porra nenhuma!

- Quem é, Caio?

- Você sabe!

- Não, Caio, eu não sei.

Ele deu as costas e começou a sair em disparada. Eu fui atrás.

- Caio, me espera!

- Você estragou tudo. Tudo. Por sua causa agora que ele não quer saber mesmo de mim!

- Ele quem?

Não respondeu e subiu no primeiro ônibus que apareceu.

Várias ligações não atendidas no celular dele provenientes do meu telefone. Ele não me atendia.

No mesmo dia, o Vinícius aparece na minha casa à noite.

- Vamos conversar lá na rua.

- O que foi?

- Lá a gente tem mais privacidade que aqui na sua casa.

- Tá.

Fomos para a calçada da minha casa.

- Fala, Vinícius, o que foi?

- Você sabe de tudo já, não é?

Não seria muita coincidência o Caio e o Vinícius me fazendo a mesma pergunta no mesmo dia?

Talvez não fosse. Então decidi fazer um jogo de palavras com o Vinícius, para que ele me falasse tudo.

- Depende do que você está falando.

- Não se faça de desentendido. VOCÊ SABE! - gritou.

- Não precisa gritar.

- Puta que pariu, Marlon, fala logo!

- Você está falando daquela pessoa que começa com C?

- Cátia?

- Sim, da Cátia mesmo. Eu sei sobre a “Cátia”! - eu disse a palavra Cátia com ironia.

- Você já sabe quem é a Cátia, não é? - fiquei calado - Fala, Marlon.

- Eu a encontrei hoje.

- O que ele te disse?

“Ele?”, pensei.

- Perguntou se eu sabia de tudo.

- O que você disse?

- Que eu não sabia de nada.

- E NÃO SABE MESMO, PORQUE AQUELE VIADINHO DESGRAÇADO INVENTOU TUDO! - gritou.

- Não acho que o Caio tenha mentido!

Foi arriscado dizer o nome do Caio. Talvez não fosse do Caio que ele estivesse falando. Se não fosse, eu perderia a chance de descobrir quem é Cátia.

- É claro que ele está. Você acha que eu sou gay?

- Não sei, me diga você!

Estava confirmado! Me deu um aperto no coração. Os meus dois melhores amigos. O cara por quem eu estava apaixonado. Juntos!

- Olha bem para mim, Marlon. Você acha que eu ia ficar com um cara?

- Não é de hoje que a Cátia te liga. Eu sei que “ela” te liga sempre. Por que então você não o despachou logo?

Ele começou a tremer, a ficar nervoso e depois começou a chorar.

- Marlon, por favor, não conta para ninguém. Por favor, cara, eu te peço. Eu faço tudo o que você quiser, mas não diga para ninguém!

Ele sentou na beira da calçada, pôs o rosto apoiado nas mãos e se desesperou a chorar.

A minha vontade era de bater nele. Quebrar a cara dele. Mas eu estava tão machucado que me apoiei na parede e comecei a chorar também.

Mas as minhas lágrimas eram contidas, eu não fazia barulho. Eu não estava aguentando ficar ali na presença dele, então, sem olhar para ele, pedi que fosse embora e entrei em casa.

Eu entrei em casa, fechei o portão imediatamente e fiquei um pouco parado no jardim, digerindo aquilo tudo.

Era muita informação ao mesmo tempo!

Depois fui para a garagem, esperar a minha vontade de chorar passar, para que eu pudesse entrar em casa e não ser questionado pelas lágrimas.

Sentei no banco da garagem e me pus a chorar. Eu não conseguia entender como tudo aquilo tinha acontecido.

As primeiras perguntas que eu me fazia, além de não serem pertinentes (só para o meu coração), eu não encontraria as respostas de imediato.

Eu me perguntava como o Caio tinha se apaixonado pelo Vinícius; como o Caio pôde ter ficado nessa situação por tanto tempo; como o Vinícius pôde fazer isso com o Caio; etc.

Tudo isso porque coração de quem está apaixonado acha que tem direito sobre a pessoa amada.

Depois vieram as perguntas mais cabíveis: como eles se conheceram; como foi esse relacionamento desde então; por que acabou; como acabou...

Não entrava na minha cabeça o Caio ficando com o Vinícius. Ele não é o tipo de cara que interessaria ao Caio, ou pelo menos era isso que eu pensava.

Também não conseguia enxergar o Vinícius como gay.

Eu surtei. Enlouqueci.

Ainda me lembro de ter pego uma chave de fenda e querer quebrar o meu carro inteiro, mas eu mordi a chave de fenda e a joguei dentro da maleta de ferramentas.

Depois eu contive mais a emoção e fui tomar banho.

Me sentia sujo por estar apaixonado pelo Caio. Eu não sei por quê. Ele poderia se apaixonar por quem quisesse.

Depois eu fui para cama e não consegui chorar mais. Só consegui ter ódio de tudo.

Dia seguinte eu iria me encontrar com o Caio na aula. Queria dizer tudo na cara dele, mas se eu dissesse, eu revelaria o que eu sentia por ele.

Eu fiquei tenso com esse reencontro, mas no fim, o Caio nem foi para a aula naquele dia. Mas eu não ia deixar barato. Da aula, fui para a casa dele. Eu chamei no interfone com o porteiro, mas ele não me recebia. Fez a mesma birra quando a gente estava brigado. O ódio só aumentava. Mas eu não ia deixar barato.

O estranho era que eu agia e sentia como se tivesse direitos sobre o Caio, como se ele tivesse me traindo. No dia seguinte, eu o esperei na faculdade e, finalmente, ele apareceu.

Fui logo falando com ele:

- Vamos conversar!

- NÃO TENHO NADA PARA FALAR COM VOCÊ. ME DEIXA - berrou.

- MEU FILHO, EU NÃO PEDI PARA CONVERSAR COM VOCÊ, EU ESTOU AFIRMANDO QUE VAMOS CONVERSAR! - gritei também.

- Ah, é assim agora?

- Deixa de ser infantil, Caio, que merda. Vai dar uma de surtado de novo? Que tal brincarmos de crescer um pouco?

- Vai tomar no cu, Marlon. Não te devo porra nenhuma!

- Me deve sim. Quando você comete injustiça comigo, principalmente porque você estava revidando em mim o que o Vinícius te fez!

- Ah, então você sabe de quem eu estava falando ontem, não é?

- Eu soube quando o próprio Vinícius veio me procurar anteontem.

- O quê? - espantado.

- Eu não fazia ideia de quem era que você estava falando, mas ele foi lá em casa e disse sem querer.

- DUVIDO, MARLON. VOCÊ SABIA SIM, ELE DISSE QUE VOCÊ JÁ SABIA E QUE EU TINHA DITO - gritou.

Eu não contive a minha fúria. Peguei o Caio pelos braços e o prendi na parede com agressividade.

- Cala a boca, Caio e me ouve! Se você não parar de me julgar eu te dou um murro e eu não estou brincando. - falei com ira - O Vinícius chama você de Cátia entre os amigos e familiares, para que eles não desconfiem. Eu descobri que ele traía a Luiza com essa Cátia, mas ele achou que eu sabia quem era a Cátia de verdade. Foi por isso que ele brigou com você, mas eu não tive culpa de nada. Não tenho culpa se ele dá bandeira. Eu só descobri anteontem que você era a Cátia porque ele é burro e me contou pensando que eu já sabia de tudo. Ele veio chorando pedir para que eu não conte a ninguém. Com ele não me importo, mas com você eu me importava. Só que você não merece, Caio, não merece nada de mim. Quer saber do que mais? Morra!

Eu o soltei, mas na verdade o empurrando ainda mais sobre a parede e saí espumando pela boca.

Depois que eu entro na sala e me sento, ele aparece. Senta do meu lado e demora um pouco para falar comigo.

- Marlon, eu não sabia, desculpa!

- Você não precisa do meu perdão, precisa aprender a crescer.

- Eu sei que sou um idiota... - o interrompi.

- É mesmo, agora sai daqui.

- Não, Marlon!

- Sai, se ferre sozinho. Vá se arrastar aos pés do Vinícius, porque sabe quando ele vai te querer? Nunca! Ele nunca vai deixar a vida de machão que ele tem por você. Mas disso você já sabe, não é? Mas eu acho que você gosta de se humilhar. Você é um nojento.

Eu dizia tudo isso baixinho, para que ninguém ouvisse, dizia lentamente e com entonação de raiva.

- Não, Marlon, não fala assim comigo. Me perdoa. - começando a chorar.

- Você-não-merece!

- Me perdoa, vai? - chorando.

- Me-esquece!

- Não, não, pára...eu não sabia.

- Vá à merda!

Pronto,o segredo do Caio foi revelado.Agora todos entenderão,os motivos das mudanças de humor dele.

Me levantei e sentei em outro lugar. Agora era a minha vez de me fazer de difícil, mas não para fazer joguinho, e sim porque eu realmente estava magoado. Não só pelo fato de o Caio estar apaixonado por outro cara, mas também por ele ficar me julgando erroneamente.

Ele ficou o resto da aula de cabeça baixa. No fim, a Claudinha foi saber o que estava acontecendo. Eu saí da sala antes que ela viesse me propor fazer as pazes. Eu fiquei na lanchonete e, de repente, recebo ligações da Claudinha no meu celular. Ignorei todas. Quando o intervalo acabou, eu voltei para sala e me distanciei de novo. O Caio estava aparentemente mais calmo. No fim da aula, os dois vieram até mim.

- Marlon, vocês dois precisam conversar. - disse a Claudia.

- O Caio precisa de juízo, antes. Quando ele melhorar dos espasmos de loucura dele, a gente conversa.

- Não fala assim, Marlon. O Caio não tem culpa.

- Não, claro que não. O Caio nunca tem culpa de nada. Ele é um doce sempre. O culpado sou eu. Na verdade eu sou um idiota. Olha, quer saber, Caio? De verdade, me esquece, cara. Eu estou cansado de ficar correndo atrás de você, vendo se você está legal, tentando resolver os seus problemas. Para mim já deu. Eu só espero que você não trate as outras pessoas, que querem te ajudar, como você me tratou!

- Marlon, me perdoa, vai? Vamos conversar.

- Eu não quero. Agora sou eu quem não quer. Quando você quer dar uma de mudo, você não fica na sua e que se foda o mundo? Ótimo, eu também vou dar uma de mudo para você.

E saí.

Depois aparece um monte de ligações dele no meu celular. Quando ele percebe que eu não vou atender, ele começa a ligar para a minha casa. A minha mãe me chama, eu pergunto quem é e peço para ela dizer que eu não estou. Ele deixa recados com ela, mas eu ignoro.

Outra pessoa também me liga, pedindo para conversar. Vinícius. Esse convite eu aceitei. Estava curioso demais para saber dele como foi que isso tudo se deu. Eu passei na casa dele e fomos para um barzinho.

- Então, o que você quer? - disse eu de forma ríspida.

- Quero que você não conte a ninguém o meu deslize.

- Seu segredo está seguro - ainda com aspereza.

- Mas eu não quero que você pense que eu sou gay. Eu só... experimentei.

- Vinícius, você sentiu prazer quando ficou com... a Cátia?

- Eu não sei...

- Vinícius, você já está queimado comigo. Não vem dizer que não é gay. Você é e ponto. Você acha que, se um dia o seu segredo vazar, as pessoas vão ligar se foi só uma experiência ou não? Eu mesmo não me importo. Assuma, pelo menos para mim, que você é.

- Eu não sei se eu sou. Eu não broxo com a Luiza. Talvez eu seja bi.

- Talvez. Mas isso não descarta o fato de que você sente prazer com homens.

- Ah, sei lá...

- Como foi que você começou a ficar com o Caio?

- Eu não quero falar disso...

- Mas eu quero! - disse em tom imperial.

- Por que isso te interessa tanto?

- Porque você e o Caio vieram, ambos, com quatro pedras na mão para cima de mim. Agora eu mereço saber tudo!

- É desagradável para mim, lembrar disso.

- Por que? Não gosta mais do Caio?

- Não!

- Mas você gostava antes...

- Gostei no início.

- E como foi que aconteceu?

- Foi na sua festa.

- Sabia! E desde então vocês têm um casinho, não é? - disse eu, irônico.

- Não temos mais. Passou.

- Sei...

- Você me jurou não contar para ninguém.

- E vou cumprir, mas ainda não terminei. Vocês ficaram até quando?

- Eu não lembro.

- Quando você começou a namorar, vocês ainda ficavam?

- Não!

- Mas ele continuou atrás de você. Você não teve recaídas?

- Marlon, cara, para de me humilhar! - choramingou.

- Ué, quero saber só. Afinal de contas, eu tinha um amigo, que eu pensava ser uma coisa e agora é outra totalmente diferente.

- Eu quero te pedir uma coisa: eu quero que você não mude comigo; ainda quero ser seu amigo.

- Impossível!

- Foi só uma experiência, Marlon.

- Cara, eu não tenho nada contra gays, não. Eu estou puto com você porque você veio cheio de moral para cima de mim.

- Desculpa aí, cara.

- Só mais duas perguntas: como foi que você terminou com o Caio e o que foi que você disse para ele, quando pensou que eu tinha descoberto tudo?

- Eu liguei para ele e disse que não estava mais afim, que gostava de outra pessoa.

- Homem ou mulher?

- A Luiza!

- E o que você disse para ele depois?

- Ah, eu disse que ele ia me pagar por ter contado a você.

Eu soltei uma risada de leve e revelei.

- Eu não sei se a Cátia te disse, mas eu não sabia de nada. Eu sabia da Cátia e achava que ela era realmente uma mulher. A Luiza veio com um papo de saber quem era uma tal de Cátia. Saquei logo que você estava chifrando a Lu. Depois a sua irmã também queria saber mais detalhes sobre a Cátia, mas eu não sabia. Mas na minha cabeça se confirmou que você estava mesmo traindo a Lu. Foi aí que escrevi o depoimento e você se precipitou indo falar com o Caio. Ele, por sua vez, veio me procurar. Mas ele foi mais esperto que você. Ele veio me acusando de liquidar de vez todas as chances que ele tinha com você, mas ele não disse que era você. Ele dizia que eu sabia quem era, mas não dizia quem. Eu perguntava, insistia, mas ele só dizia “Você sabe, você sabe”. Você que foi burro e veio com o mesmo papo que ele. Foi aí que eu desconfiei. Achei coincidência demais... no mesmo dia. Eu joguei a isca e você pegou. Coitada da Cátia, não sabia de nada! - ironizei.

Ele ficou me olhando com uma cara de espanto. Depois ele abaixou a cabeça e soltou uma leve risada.

- Eu sou um idiota mesmo! - se lamentou.

- É mesmo - eu confirmei - mais alguma coisa?

- Me prometa, Marlon...

- Ta, ta, ta, eu não abro o bico. Agora me esquece.

- Porra, Marlon, você não era amigo do Caio e sabia que ele era gay?

- Mas ele não fez a cachorrada que você fez comigo.

- Mas fez agora.

- Mas agora eu também não sou amigo dele.

- Poxa, cara, eu não vou te atacar não.

- Já disse que não tenho preconceito. Não é por isso que eu não serei mais seu amigo...

De repente, o celular do Vinicius toca. É o Caio. Ou seria a Cátia?

O celular do Vinicius toca, ele puxa o aparelho do bolso, olha o identificador de chamadas, faz uma cara de chateação, depois fica triste e abaixa a cabeça.

- É o Caio - disse ele quase mudo.

Meu coração ficou menor que um amendoim. A constatação que eu nunca serei O NAMORADO DO CAIO veio através de uma simples ligação.


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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Garoto e o saxofone [10] ~ Cátia!

Codigo do conto:
216216

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
12/07/2024

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6

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