O Garoto e o saxofone [11] ~ Meninas, eca!

Mesmo depois de tudo o que o Vinicius fez, ele ainda se arrastava para tê-lo. Eu não poderia competir contra isso. Foi quando eu comecei a me conformar de que eu seria o amigo que empresta o ombro e ignora o coração. Em um ato de imediatismo, eu pedi o telefone.

- Deixa eu atender! alô?

- Vini, vamos conversar? Por favor, meu amor, eu faço tudo o que você quiser! - estava chorando do outro lado da linha.

Meu coração passou de amendoim para nada em segundos. Uma das coisas mais difíceis para mim foi ouvir aquilo, sentir o poder daquelas palavras, ouvir o Caio chorando e implorando, estar na frente da pessoa por quem ele era apaixonado e ainda fingir que não era nada demais.

- Não é o Vinicius.

- Quem é? - disse assustado.

- Não reconhece minha voz?

- (Depois de uma longa pausa) Marlon?

- Olá.

- O que... o que você está fazendo com o celular do Vinicius?

- Estamos conversando.

- Ele está com você?

- Aqui na minha frente.

- O que vocês estão fazendo juntos?

- Somos amigos, ora! - disse irônico.

- O que vocês estão falando?

- Adivinha...

- Onde vocês estão?

- Em um bar.

- Que bar?

- Em um perto da praia.

- Que bar, Marlon?

- Por quê? Você quer vir para cá?

Quando perguntei isso, o Vinicius fez sinal negativo.

- Fala, onde fica?

- É conversa particular. Você não foi convidado.

- Marlon, não me trate desse jeito.

- Só estou dizendo que estamos conversando, só eu e o Vinicius. Precisamos de um tempo só pra gente.

- Passa para ele.

- Ele não quer falar com você.

- Eu quero ouvir isso dele.

- Até quando você vai se humilhar e rastejar? Meu filho, ele não quer você. Conforme-se!

Desligou. Eu olhei o celular alguns segundos e depois passei para o Vinicius.

- Desligou!

- Eu não aguento mais o Caio enchendo o meu saco. Eu vou trocar o número.

- Pois é: cavou a própria cova, agora deite e role nela.

- E nós?

- Cara, não tem “nós”!

- Uma amizade de tantos anos... acabando assim?

- Da próxima vez você se previna de fazer o mesmo que você fez comigo com outro amigo. Quer que eu te deixe em casa?

- Se não for te incomodar...

Pagamos a conta e eu o deixei em casa. Ele ainda tentou argumentar, mas não tinha chance. Na volta, eu quase bato na traseira de um carro, mas por sorte eu consegui frear a tempo.

Em um pouco mais de uma semana eu descubro que sou gay, que estou apaixonado pelo meu melhor amigo e que ele está apaixonado por outro amigo meu. Não seriam revelações demais em um único momento? Eu ainda nem tinha me dado bem com a notícia sobre a minha sexualidade.

O Caio ainda tentou falar comigo nos dias seguintes, mas viu que não teria chance. Eu precisava de tempo.

Quem parecia não muito abalado com isso era o Vinicius. Vez ou outra ele aparecia lá em casa para jogar bola com o meu irmão.

Às vezes, quando a porta do meu quarto estava aberta, ele passava e dava um “Oi”. Eu nunca respondia.

Tempos depois, ele mesmo não fazia mais questão da minha presença ou da minha amizade.

Enquanto eu me resolvia com a minha sexualidade, eu encontrava com os problemas que eu teria futuramente. O preconceito da minha família e amigos antigos já batia na minha porta. Na verdade ele sempre batera, só eu que não tinha percebido. As cobranças por uma nova namorada também me rondavam.

Quando eu comecei a me resolver sexualmente, fiquei mais tranquilo. Quer dizer, fiquei um pouco mais tranquilo. Deixei a vida acontecer com mais naturalidade. Foi quando um trabalho em grupo da faculdade ocupou a minha cabeça.

- Bem, quem vamos chamar? - perguntou a Luiza.

- No grupo estamos eu, você, Caio, Tom, Letícia e... será que o Marlon aceita? - respondeu a Claudinha.

Eu estava bem pertinho quando ela respondeu isso, então eu mesmo respondi:

- Por mim tudo bem!

- Beleza, fechamos o grupo.

Seria um trabalho que duraria duas semanas até ser apresentado. Então sabíamos que praticamente moraríamos uns nas casas dos outros.

E que casa seria a mais visitada? Sim, a do Caio, óbvio. Mas eu não me importei. Como eu disse, eu estava deixando a vida acontecer. No primeiro dia de reunião, eu cheguei atrasado e o Caio foi me receber na porta.

- Oi.

- Oi. Trouxe pizza para gente.

- Legal. Deixa que eu coloco na cozinha. O pessoal está no meu quarto - disse enquanto pegava as pizzas da minha mão.

Eu fui para o quarto dele; um caminho ainda familiar. Um monte de gente deitada no chão e rindo bastante. Parece que estávamos voltando a ser quem éramos nos primeiros dias de aula. Eu logo me senti à vontade.

- Marlon! - gritou o Tom.

- Oi.

- Pensei que não vinha. - disse a Claudinha séria.

- E por que eu não viria?

- Você sabe porque!

- Bobagem. Eu nem ligo mais para isso. Quero passar uma borracha em tudo.

- Que bom. Eu senti falta da gente junto. - disse sorrindo.

O Caio chegou, me olhou com um pouco de medo e eu me atrevi a perguntar:

- O que foi, Caio?

- Nada não.

- Pensou que eu não viesse.

- Mas você veio. É isso o que importa.

Não tiramos os olhos um do outro em toda essa miniconversa. Depois ele se sentou no tapete com os outros e começamos o trabalho. Começar o trabalho é sempre muito difícil com a gente. Sempre queremos ser os melhores e, de fato, sempre somos.

Por isso, até começarmos a executar o trabalho de fato, tem que surgir uma ideia realmente muito boa.

Então, até lá, é uma discussão sem fim. Mesmo me sentindo à vontade, eu não estava com nenhuma paciência para criar. Fiquei calado durante todo o processo de criação.

- Marlon, por que está calado?

- Estou sem ideias, Caio.

- É isso mesmo?

- É. Hoje estou muito sem saco. Só vim para ajudar no que for preciso.

O Caio ficou com um semblante de tristeza e voltou à discussão. O trabalho foi se definindo. Agora era preciso por em prática: determinar as pesquisas, delegar funções e nos reunir durante todo o resto da semana.

- Pessoal, não vão embora agora não. O Marlon trouxe pizza para gente. Só vou esquentar, esperem!

E saiu às pressas para a cozinha.

Depois ele volta com as pizzas e o refrigerante.

- Agora vocês vão ter que ir buscar seus copos.

Depois da comilança, a Letícia foi para casa, seguida da Luiza. Ficamos só eu, Caio, Claudia e Tom, que começa falando:

- Pronto, só restou gente bonita e inteligente!

- Hahahahahahaha - riu a Claudinha.

- Pois é, só os amigos de verdade. - disse o Caio, me olhando.

Eu fiquei meio intimidado pelas palavras do Caio, mas decidi não baixar a guarda.

- Um brinde, então, as pessoas mais bonitas e inteligentes da turma! - eu disse erguendo o copo.

O Caio me olhou e sorriu, como se estivesse entendendo que eu estava fazendo as pazes finalmente. Brindamos e ficamos comendo o resto de pizza que ainda existia.

- Bem, eu tenho um comunicado: amanhã faz um ano que eu e Luciano estamos juntos e vamos sair para dançar muito.

- Ôpa, estou dentro! - se prontificou o Caio.

- Eu também - disse a Claudia.

- E você, Marlon?

- Amanhã? Eu não sei. É boate gay, não é?

- Não. Quer dizer, teoricamente não, mas vai muito gay sim.

Eu fiz uma cara de desgosto e respondi que não ia.

- Gente, o Marlon não é gay e, por mais amigo que ele seja, ele não tem que ficar vendo um monte de homem se beijando - disse o Caio.

- Ah, mas você não pode ficar nem um pouquinho? Depois você vai.

- Galera, não estou muito afim não.

- Eu entendo - disse o Tom.

Lá para o fim da tarde, estávamos indo embora.

- Você vai assim, sem a gente conversar como se deve? - perguntou o Caio.

- Eu posso ficar, se você quiser.

- Preciso que fique.

- Já entendeu tudo, não é Tom? Estamos sobrando aqui. - disse a Claudinha.

- Percebi, percebi. Vamos! Há lugares que me querem bem.

- Hahahahahaha, besta! - riu o Caio.

Depois os dois foram embora e ficamos só eu e Caio. Ficamos nos olhando um tempo, sorrimos um para o outro e, sem nenhuma palavra citada, como se sentíssemos que um tinha pedido para o outro, nos abraçamos.

- É tão bom estar de volta - disse o Caio ainda abraçado a mim.

- É verdade!

- Vem, vamos para o meu quarto. Os meus pais chegam daqui a pouco - sentamos na cama dele - você ainda está chateado comigo, ou realmente fizemos as pazes?

- Fizemos as pazes.

- Mas eu ainda te devo desculpas.

- Acho que você já saldou sua dívida.

- Não sobrou nenhuma raivinha?

- Não. Como você está?

- Indo.

- Anda ligando para o Vinícius?

- Ele mudou o número.

- Se não fosse por isso, você ainda estaria ligando, não é? - ele não respondeu - Quando você vai desistir?

- Se eu pelo menos não gostasse mais dele... Mas eu estou tentando esquecê-lo. Tenho obtido progresso, mas está difícil. E você, ainda fala com ele?

- Não, nunca mais falei desde aquele dia que você ligou. Mas não acho que ele sinta falta.

- Claro que não sente.

- Por que você está dizendo isso?

- Nada, esquece!

- E lá vamos nós outra vez com segredinhos...

- Isso não é da minha conta, então deixe que ele revele um dia, se ele tiver coragem.

- Tem a ver comigo?

- Não. Nada a ver.

- Tem certeza?

- Tenho. Relaxe! Mas me conta, o que você tem feito?

“Resolvendo a minha sexualidade e tentando esquecer você!”, foi o que eu pensei.

- Nada de mais.

- Namorando alguém?

- Não - disse eu rindo um pouco.

- Nossa! Que cara de safado.

- Não inventa, Caio.

- Tá.

- Me promete que você não vai correr mais atrás do Vinícius?

- Não preciso prometer. Tomei juízo e sei que eu fui um estúpido e me contradisse quando fiquei no pé dele. Pensei ser alguém maduro, mas não sou de verdade. Mas com a sua volta eu vou conseguir superar isso melhor. Você vai ser meu ombro, não vai?

- Vou - disse eu, confirmando o que eu temia acontecer.

E assim foi o resto da noite. O Caio começou a falar da vida secreta (ou devo dizer dupla?) que levava. Eu tentava ouvir tudo com a naturalidade de um amigo do peito. Era difícil, mas eu tinha que passar por isso, se eu quisesse um dia ter alguma chance com ele.

Digo isso porque, antes de qualquer coisa, eu gostaria de saber tudo sobre essa história. Todos os detalhes. Não gosto de ser enganado.

- O Vinícius me disse que vocês se conheceram na minha festa de aniversário - eu afirmei.

.

- É, foi lá mesmo.

- E vocês simplesmente bateram o olho e descobriram que era amor? - ironizei.

- Não, demorou um pouco.

- Quanto tempo? Dois minutos?

Apesar de ouvir tudo com paciência, eu não tinha sangue frio de escutar tudo calado.

- Não, também não é assim. Eu fui ao banheiro e ele veio atrás. Aí quando eu estava entrando, ele entrou também. Eu percebi que ele fez de propósito. Aí ele disse “Ôpa, desculpa, quer ser o primeiro?”. Quando eu saí, ele estava esperando. Eu pensei que ele ia entrar, mas ele estava esperando a mim. Aí ele puxou papo, falou umas besteiras e pediu meu número. Eu dei. Aí depois ele ligou, a gente saiu e começamos a ficar.

- Você gostou de tudo, pelo visto!

- Ele foi legal, eu que comecei a ficar meloso demais. - se lamentou.

- Então agora você vai ficar se fazendo de coitado para si mesmo?

- Não estou me fazendo de coitado, estou dizendo o que aconteceu mesmo.

- Ele foi frio com você. Ele não quis abrir mão da reputação dele por você. Você só fez o que qualquer pessoa apaixonada faria.

- Mas desde o início, ele me disse que não seria mais que uma aventurazinha boba. Eu que insisti.

Estava na cara que eu ainda iria ouvir muitas lamúrias do Caio. Ele se culpava por tudo ter dado errado entre ele e o Vincius, mesmo não tendo culpa de nada. Coisa típica de obsessivos apaixonados:.

- Mesmo que você não tivesse insistido, ele trataria você do mesmo jeito.

- É, você tem razão.

- E como terminou?

- Ele me ligou, disse que não poderíamos mais ficar. Pelos motivos que eu já sabia e porque ele iria pedir a Luiza em namoro.

- Você deve ter odiado a Luiza, não é? Por isso aquelas ceninhas.

- Eu não. Eu sei que ele não gosta dela.

- Claro que gosta, ele é bi.

- Ele é bi mesmo. Uma verdadeira bi-cha!

- Então ele não é bi?

- Não, Marlon. Ele é gay.

- A Luiza é só disfarce, então?

- O ódio que eu sinto dela é por causa do preconceito que ela começou a revelar. E tudo por causa do Vinícius.

- E quando ele terminou tudo, você começou com aquela fase maluca, não é?

- Isso!

- A coisa mais idiota que você fez...

- Ai, Marlon, não fala assim!

- E não foi? E agora me parece mais idiota porque eu sei o motivo.

- Não seja grosso comigo - choramingou ele.

- Amigos de verdade dizem o que merece ser dito e não o que o outro gostaria de ouvir.

- Eu sei, mas já passou.

- E as consequências? Já passou, mas você ainda vai sentir as consequências dessa sua tolice!

- Ta, mas não precisa ser o meu melhor amigo quem vai fazer isso, não é?

- Quem disse? Principalmente de mim você vai ouvir.

- Mas eu não sabia o que fazer; entrei em pânico. Até crise de identidade eu tive.

- E vocês ainda ficaram depois dessa crise?

- Duas vezes só. Para suprir a carência que ele sente por homens.

- Ele gosta de alguém em especial?

- Gosta. Só que ele não entende que é melhor ele ficar comigo, que sou uma pessoa alcançável.

- Uma pessoa fácil, você quer dizer.

- Tirou o dia para me ofender, hein?

- Tirei o dia para dizer as verdades que te faltam.

- Mas eu gosto muito dele!

- Já deu para perceber isso. Agora está na hora de fazer um esforço maior e esquecê-lo.

- Vai ser difícil.

- Será mesmo, com esse pessimismo todo.

- Realismo.

Eu ainda precisava resolver umas questões internas, antes de investir no Caio de verdade. Será que eu queria mesmo o Caio? Às vezes a ficha parecia muito caída, outras vezes eu não acreditava que era gay. Mas esse não acreditar era como se fosse um susto e não a não crença de fatoO trabalho da faculdade foi se desenvolvendo e a minha amizade com o Caio ficava mais firme de novo.

Uma coisa surpreendente era que o Caio não era uma pessoa dada, pelo contrário. Eu já disse antes que ele era até bem tímido, e era mesmo. Mas não daqueles tímidos sonsos.

Me surpreendeu as coisas que o Caio foi capaz de fazer pelo Vinícius. Tanto é que a ideia de menino doce que eu tinha dele se desmanchou um pouco e isso me magoou bastante.

Eu tinha me apaixonado por um menino gentil e afável. Mesmo sabendo que ele era humano e sentia desejos, essa ideia de ele ser uma pessoa como outra qualquer me desanimava um pouco. Eu queria ver e sentir aquele antigo Caio de novo.

Mas quando não falávamos do Vinícius, o Caio, para mim, voltava a ser quem era. A minha paixão retornava. A minha vontade de passar uma tarde agarradinho a ele, de fazer cafuné, de ficar numa cama só de cueca e meias com ele, de colocar a cabeça dele no meu peito enquanto assistimos a um filme de romance, de dizer “Eu te adoro”, de beijá-lo... tudo isso voltava quando o fantasma do Vinícius não aparecia entre nósSemanas depois, o Ewerton me revela que o Vinicius terminou o namoro com a Luiza. Meu coração começou a temer o pior. Antes que eu pudesse supor qualquer coisa, eu liguei logo para o Caio.

- Caio? Você já está sabendo da última do Vinícius, não é?

- Não, o quê?

- Ele terminou com a Luiza.

- Sério! Quem te disse?

- O Ewerton.

Ele ficou um tempo calado.

- Caio? Está aí ainda?

- Estou.

- Eu pensei que você já soubesse disso.

- Ligou pensando que eu tivesse alguma coisa a ver, não foi?

- Foi.

- Queria eu! - suspirou ele.

- Você sabe por que ele fez isso?

- Provavelmente se cansou dela. Não acredito que tenha outro ou outra na jogada.

- Será?

- Eu acho.

- Então tá.

- É.

- Triste?

- Isso não fez diferença mesmo.

- Então ainda está triste.

- Talvez. Uma coisa é certa: a pessoa que ele quer é impossível de se ter.

- Quem é?

- Não posso dizer.

- Talvez. Uma coisa é certa: a pessoa que ele quer é impossível de se ter.

- Quem é?

- Não posso dizer.

Surgiu uma pulga atrás da minha orelha.

- Seria o meu irmão?

- Quem?

- O Ewerton.

- Não.

- Tem certeza?

- Tenho, tenho.

- Seria eu?

- Hahahahahahaha, não!

- Se você não quer contar, então eu conheço.

- Não sei.

- Mas você está com esperanças agora?

- Não. Ele não gosta de mim.

- De verdade?

- Pode acreditar. Essa notícia não me causou nada, não vai me trazer novidades. A menos que ele esteja com a pessoa que ele gosta, mas não acredito.

- E se ele estivesse?

- Aí eu saberia que era o fim.

- Então você ainda tem esperança! - disse eu meio bravo.

- Ah, mas é aquele tipo de esperança insignificante. Talvez, um dia bem remoto, ele se canse de insistir, em teimar e ache que, mesmo eu não sendo quem ele quer, ele ficaria comigo.

- Porra! Isso é que é humilhação mesmo. Quer dizer que, mesmo você sabendo que ele só ficaria com você porque você é a segunda opção, o que sobrou, o resto... mesmo assim você ficaria com ele?

.

- Acho que sim.

- Tá, depois a gente se fala - e desliguei.

Quando eu desliguei, o Ewerton aparece no meu quarto de novo.

- Escuta, final de semana o pessoal vai para casa de praia do pai do Vinícius. Ele convidou todo mundo. Está afim?

Por que eu passaria o fim de semana com o Vinícius, a pessoa que eu mais odiava naquele momento? Se eu pudesse, sumia com ele. Faria com que ele nunca tivesse sequer existido.

Por outro lado, minha fase de descobertas estava fazendo uma imagem suspeita de mim. As pessoas do meu antigo círculo de amigos não me reconheciam mais.

Meus pais insistiam que eu saísse, meu pai e irmão, principalmente, torciam para que eu fosse caçar mulheres com a minha clava.

O mar não estava em momento de calmaria. Isso não me ajudava em nada.

Eu precisava de tempo; tempo para refletir sobre mim, sobre o Caio, sobre relacionamentos gays, sobre os meus novos desafios. Eu precisava de tempo, mas tempo é a única coisa que um macho libidinoso não tem. Eu era esse macho libidinoso que as pessoas viam. Eu tinha que ficar com o meu pau sempre em alerta para uma possível presa.

O galãzinho mais novo, em quem as meninas poderiam ter mais fé de um relacionamento seguro e garantias de boas noites de sexo.

Seria hipocrisia ou muito duvidoso dizer para vocês (leitores) que eu estava cansado disso tudo? Não aguentava mais fazer a dupla caipira com o meu irmão e estava exausto de parecer um cara sexualmente ativo vinte e quatro horas por dia.

Resultado: eu fui passar o final de semana com o meu irmão, com os nossos amigos homens que nos invejavam, com as meninas que nos queriam a todo o momento e... e o Vinicius, meu maior inimigo.

Eu fiz esse drama todo com as palavras porque era esse o meu sentimento naquele momento.

Foi só o Ewerton sugerir o final de semana e isso tudo acima surgiu na minha cabeça. Eu não sou o tipo de pessoa que faz drama.

Na verdade odeio drama e odeio quem o faz. Odiaria o Caio por isso, se eu não fosse tão absurdamente apaixonado por ele.

Ainda lembro-me da cara do Vinicius quando eu apareci na casa de praia dele. Ele me olhou com surpresa, depois disfarçou.

- Você veio! Não te convidei por causa daquilo, achei que você não viria.

- Na verdade eu não estava afim de vir, mas o Ewerton insistiu e faz tempo que eu não vejo a antiga galera reunida.

- Faz tempo que você não procura a antiga galera, mas a galera sempre se reúne.

- Me falta tempo, Vinícius.

Eu não gostei de ter ido, e agora ele me faz insinuações descabidas! Segurei os ânimos, soltei um sorrisinho de leve e o larguei. Fui falar com o pessoal.

Estavam todos lá; eu nem sabia que seria uma farra tão grande.

Com o passar das horas percebi que o Vinícius havia convidado todo mundo e que tinha preparado grandes coisas para esse final de semana.

Exceto por um pequeno detalhe: ele coincidentemente “esqueceu” de me convidar.

Bem; questão de estar na casa ou na festa dele eu não fazia, mas não posso negar que fiquei encucado. Chateado é a palavra certa.

Primeira noite teria um luau. Música, fogueira, churrasco e muita pegação.

Elida, uma das meninas da turma, se agarrou em mim durante toda a festa e não largou. Por mais gay que eu fosse, eu já tinha passado pela fase hétero (e de forma muito intensa) e não era bobo, ela estava afim de mim.

Mais que isso, estava afim de transar mesmo.

Eu não poderia negá-la; seria muito suspeito. Acabei, então, transando com ela. Por sorte, não broxei. Era o meu maior medo.

A festa continuou. Voltamos para a fogueira e ela foi fofocar com as outras meninas. Eu fiquei bebendo para desestressar.

Para mim estava claro: eu não aguentava mais mulheres. Até um certo nojo eu tinha de transar com elas. Tocar seus seios, pôr a camisinha, beijá-las... tudo parecia enfadonho.

Meu irmão, por incrível que pareça, ainda não tinha ficado com ninguém. Na verdade ele jogou bola o dia todo. Depois da pelada, ele veio ter comigo.

- Eu já soube da Elida! Nem perdeu tempo, o senhor, não é?

- Grande coisa!

- Hahahahaha, é verdade; daqui para lá você ainda vai trepar mais.

- Me surpreende você, que até agora não pegou ninguém!

- Ah, deixa quieto. Larissa já está minha. Eu não dei uns beijos ainda porque, quando eu começar a ficar com ela, para fogueira eu não volto mais. Depois do primeiro beijo é cama e depois só café-da-manhã.

Ele foi tomar banho, jantar, beber uma cerveja e se aproximou logo em seguida da Larissa. Começaram a ficar.

Eu fiquei em frente à fogueira, que era enorme. Alguém, que eu não conhecia, começou a tocar violão. Algum tempo depois, eu vejo o Vinícius atendendo ao celular. Pensei “É o Caio!”.

Mas ele demora no telefone e até sorri, mas não demora muito na ligação. Meu coração aliviou. Depois eu lembrei que o Vinícius havia trocado o número.

O Vinicius também não ficou com ninguém. Oportunidade não lhe faltava.

A Elida se aproxima de mim, damos uns beijos, mas ela logo se oferece para pegar uma cerveja para mim e sai.

Quando ela sai, eu vejo o Vinícius com uma cara emburrada. Eu tinha perdido algum lance. Eu fico olhando as rugas que surgem na testa dele.

Ele vira de costas, demora um tempo e volta. Ele voltou com os olhos para a mesma posição: um ponto fixo no seu campo de visão. Do outro lado estava o Ewerton e a Larissa se agarrando muito. Foi então que eu percebi. Tudo fazia sentido. Tudo!

A Elida chegou com a cerveja, eu agradeci e ficamos mais naquela noite. Felizmente o final de semana acaba e mais gratificante ainda era desvendar certos assuntos inacabados.

Na volta, o Vinícius grita:

- Ewerton, não quer vir no meu carro?

- Não, tudo bem aqui com o meu irmão!

Para provocar ainda mais o Vinícius, eu sugiro para o Ewerton:

- Ei, por que você não chama a Larissa para vir conosco? O que não falta é espaço!

- É mesmo! - ele se volta para o carro do Vinícius e grita - Larissa, vem com a gente!

Ela olha da janela, dá um sorriso e pede para o Vinícius ajudá-la a pegar as coisas dela, que estavam no porta-malas dele.

Ele abre a mala com a cara mais raivosa do mundo e coloca as coisas dela no meu porta-malas.

No caminho para casa, eu dou mais força para o meu irmão.

- Vamos fazer o seguinte: eu fico na casa do Caio, pois preciso falar com ele umas coisas do trabalho de amanhã e você deixa a Larissa na casa dela. Mas não se preocupa, eu volto de táxi para casa.

O meu irmão me olha, sorri com gratidão e pergunta:

- Topa, Larissa?

- Pode ser! - responde com um sorriso.

- Então fechado!

Eu fico na casa do Caio, passo a chave para o meu irmão, que retribui com um tapinha nas costas. Eu entro, comprimento a mãe do Caio e vou direto para o quarto dele.

- Chegou o praiero!

- Foi só um fim de semana e você já sentiu a minha falta?

- Hahahaha, não força, Marlon.

- Passei o fim de semana com o seu amor! - provoquei.

- Realmente, Marlon, não precisa forçar. - mudando o humor.

- E sabe o que mais me surpreendeu? Ele está mesmo de quatro pelo meu irmão!

O Caio me olha com espanto e pergunta:

- Hein?

- E não é? Você ainda vai me negar que é do meu irmão que o seu amor gosta?

- Por que você está falando isso?

- Porque é a verdade! Agora toda a raiva que você sentia do meu irmão faz sentido.

- Vê como é impossível? Seu irmão é a pessoa mais machona que eu conheço.

- Bem, o Ewerton, ele nunca vai ter mesmo. Já você...

- A mim o quê?

- Você ele pode ter quando quiser, basta ele estalar os dedos.

- Por que você está me provocando desse jeito?

- Pelo seu bem. Para você perceber que não pode voltar para o Vinícius.

- Não vou voltar. Ele não terá nem a mim, nem ao Ewerton.

- O Ewerton muito menos. Acabo de empurrá-lo para uma menina, ainda há pouco.

- Nossa! Que amigo, você, hein?

- Por quê?

- Porque se você realmente quisesse que eu não ficasse com Vinícius, daria força para que ele ficasse com o Ewerton, ou pelo menos não provocaria tanto o Vinícius a ponto de ele ficar tão carente e me procurar - brincou o Caio.

Quando ele disse isso, percebi a burrada que eu fiz.

Mesmo que o Vinícius nunca chegue a ficar com o Ewerton, provocar a sua carência não era uma boa pedida. Não naquele momento. Eu teria que esperar o Caio ao menos se recuperar dessa paixão idiota.

- Hahahahaha, bestão! - ri de nervoso - Mas desde quando você sabe que o Vinícius é apaixonado pelo meu irmão?

- Desde que eu o conheci. Ele me disse logo, para que eu não me iludisse. Tudo em vão!

- Mas então aquela sua crisesinha não foi por causa do namoro dele com a Luiza. Até porque, se bem me lembro, você emudeceu bem antes disso.

- Coincidiu o término da minha mudez com o início do namoro deles, lembra? Não foi à toa. Foi quando eu voltei a ter esperanças.

- Mas aí tudo foi se revelando...

- Pois é! Mas o final de semana foi bom?

- Foi. Foi legal. Teve fogueira, luau, muita cerveja. Até fiquei com uma menina.

- Éca!

- Que foi?

- Meninas!

- Hahahahahaha, éca mesmo!

- Como assim?

- Como assim o quê?

- Você dizendo “éca”!

Vez ou outra, somos atacados pelas nossas próprias palavras. Elas nos fazem prisioneiros, nos fazem cair em armadilhas e cometer os mais ridículos atos-falhos.

Eu queria sumir naquele exato momento, voltar o tempo... morrer seria uma boa opção também.

- É sim. Éca porque a menina era nojenta!

- Meninas são nojentas por natureza - brincou o Caio.

- Nada disso. Mas essa... cheirava muito mal lá.

- Lá onde?

- Lá!

- AH. ÉCA! - gritou.

- Que foi?

- Você cheira lá?

- Não, mas o odor sobe, não é?

- Éca mil vezes. Só de pensar em olhar para aquela coisa molhada e cabeluda... - gritou escandalosamente - NOJO!

- Deixa de frescura, Caio! - disse rindo muito.

- Frescura uma ova! É super nojento. Prefiro um pau grande, roliço, reto, bem branquinho e bem depiladinho.

Eu imaginei o Caio nu, naquele momento. Imaginei o tal pau que ele descrevera.

Eu fiquei super excitado.

- Mas e o que mais? Você pegou uma menina e o que mais?

- Ah, teve futebol...

Mudamos o assunto. Passamos a noite deitados na cama deliciosa do Caio e falando besteiras. Como antes. Eu mesmo, se fosse o Caio, desconfiaria de mim. Será que ele era ingênuo? Talvez não quisesse me por contra a parede.

Mas se fosse eu em seu lugar, já teria ao menos desconfiado de mim.

Eu vivia enfurnado na cama dele, com ele do lado. Adorava sua companhia e fazia questão de demonstrar isso para ele. Para ele e para os outros, para que ninguém se atrevesse a ficar entre a gente. Eu era muito ciumento e possessivo com eleDias depois de tudo esclarecido, a nossa relação ficou mais calma e eu estava mais contente, mais seguro. Até ensaiar o momento em que eu diria para o Caio que era gay eu estava fazendo. Mas não diria a ele nem tão cedo...

Não diria porque ele agora estava passando por um momento de negação em relação ao Vinícius. Ele estava ciente que não o queria mais e ficava depressivo boa parte do tempo.

Quem o consolava? Eu! Dias e dias na cama com o Caio. Ele chorando de um lado e eu dizendo palavras de conforto do outro. Foi um pouco mais de um mês só nessa história de romance fracassado, mas depois ele se recuperou bem. Bem demais!


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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Garoto e o saxofone [11] ~ Meninas, eca!

Codigo do conto:
216217

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
12/07/2024

Quant.de Votos:
6

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