- Pode ser...
Pedi a pizza e voltei para o sofá.
- Quanto tempo será que o entregador demora? - perguntou o Caio.
- Ah, deve demorar uns quinze minutos.
- O que será que dá para fazer em quinze minutos?
- Um monte de miojo?
- Seja mais criativo, Marlon.
- Hum, “xô” pensar...
- Que menino boboca!
- Ah é?
- Hahahahahahahaha.
- Vem cá, vem.
- Não, estou assistindo TV. Olha que interessante!
- O quê?
- A Fátima Bernardes mudou o penteado ou é impressão minha?
- Prefiro o Bonner!
- Como é? - fingiu estar revoltado.
- É porque com ele eu sempre tenho certeza de que o cabelo é o mesmo.
- Vê lá, hein?
- Eu só tenho olhos para você. - e roubei um selinho.
- Não, sai.
- Vem cá meu nerd’zinho.
- Hahahahahaha, não sou nerd.
- Tá, Caio!
- Para de me chamar de nerd. - fingiu brigar.
- Tá, parei. - e roubei outro selinho.
Voltei a beijar o seu pescoço enquanto ele voltava a fazer charme.
- Sabe do que eu senti falta?
- Do quê?
- Do senhor Porta Treco.
- Putz, quanto tempo que eu não escuto isso!
- Pois é. Ele deve estar abandonado, coitado. Deve ter uma teia de aranha enorme em cima dele.
- Você que pensa... - provocou o Caio.
- Não? - perguntei surpreso.
- Você acha que sai por onde o que eu como?
- Ah, mas abandonado com certeza ele está.
- Não sei. Ele é um ser independente. Não precisa do amor de ninguém.
- Nossa, senhor Porta Treco, que frieza!
- Mas ele é assim.
- O Escrotinho sentiu tanta falta de você. Que coisa feia. Ele até chorou.
- Hahahahahahahaha, que nojo!
- Nojo? Você está com nojo?
- Claro... - fingindo ingenuidade.
- Me engana, vai. - roubando mais um selinho.
- Para de me beijar - enquanto fazia biquinho.
- Eu vou parar... Paro já-já. - e selava mais vezes.
Ficamos nessa brincadeira até o entregador chegar. Recebemos a pizza e comemos na sala. O Caio não aguentou mais que duas fatias. Eu até comeria o resto, mas preferi deixar para o Luciano.
- Vou lavar as mãos e o rosto. - disse o Caio se levantando.
- Por que não toma logo um banho?
- Ué, eu só sujei as mãos e o rosto com a pizza.
Então eu peguei um pouco da gordura da caixa da pizza e enchi a mão.
- Caio?
- Sim?
E espalmei a minha mão no rosto dele. Ele ficou parado na minha frente com os olhos fechados.
- Oops! - eu disse.
- Oops? - perguntou ele.
- Desculpa, amor. Tropecei.
- Tropeçou?
- É...
Ele então começou a tirar a gordura do rosto e atirou-a em mim.
- OH! - eu gritei.
- Ôpa, desculpa.
- Tropeçou? - perguntei fingindo raiva.
- Não, escorreguei.
- Ah é? - e me aproximei.
Nós estávamos sujos de óleo e queijo e começamos a rir com a cena. Depois eu o abracei e comecei a beijá-lo. Lambi as suas bochechas, tirando o excesso.
- Que nojo! - gritava o Caio.
- É só óleo e queijo.
- Ai, que nojo, Marlon...
- Vem cá!
- NÃO... - gritou.
Eu o imobilizei com um abraço.
- NÃO, MARLON, SAI! - gritava.
Eu o beijei. Enfiei minha língua na boca dele. Ele resistia, desviava o rosto, mas não era o bastante.
- A gente está fazendo uma papa na nossa cara, Marlon.
- Hum, delícia. Vem cá minha pizza quatro queijos.
- PARA! - gritava euforicamente em meio aos risos.
- Tá, agora vamos tomar um banhinho, né?
Nem eu estava aguentando tanto óleo e queijo no meu rosto. Estava ficando nojento. Fomos para o banheiro, fechamos a porta e começamos a tirar as roupas.
Eu fiquei de pé e ele sentado no vaso. Ele tirou primeiro e seguiu para o chuveiro, abriu a torneira e começou a lavar o rosto. Depois que eu me despi, fui em direção ao box, mas não entrei. Fiquei na porta olhando-o se lavar. Ele estava de costas para mim. Ele se vira em seguida e me pergunta:
- Está fazendo o quê, aí parado?
- Te olhando.
- Vem logo!
Eu entrei, fechei a porta e o abracei por trás. Eu ainda não estava de pau duro, mas conseguia sentir a bundinha lisinha do Caio pressionando o meu cacete. Depois que ele lavou o rosto, pedi para lavar o meu. Ele saiu do chuveiro e eu entrei.
- Qual dessas saboneteiras é a sua?
- A da esquerda.
Ele pega o sabonete e começa a esfregar as minhas costas. Desce para a minha bunda, vai para a coxa e sobe para a bunda de novo.
- Ai, Caio!
- Hahahahahahaha, adoro fazer isso...
- Se aproveitando porque você não tem pelos. É um filhote de rato.
- Nem me atinge, nem me atinge. - brincou ele.
O Caio tinha mania (e eu já contei isso aqui) de arrancar tufos de pelos do meu bumbum. Doía muito, mas, mais que isso, o susto provocado pela dor era pior. E eu não podia revidar, pois ele era totalmente lisinho. Mas eu não posso negar que é engraçado ver o Caio nu pulando com a vitória da “Batalha”.
- Venci a “Batalha dos pelos pubianos”!
- Quero ver você vencer a batalha da pressão que eu vou botar em cima de você.
- Nem me atinge, nem me atinge.
Depois que lavei meu rosto, voltamos a nos beijar. Enquanto estávamos abraçados, procurei pelos no cu dele, mas não tinha nenhum. Então voltei a me concentrar no beijo:
- Seu idiota, nem pegamos o creme!
- Devo ter um sachê na minha calça.
- E por que você carrega isso com você?
- Desde que me entendo por homem sempre carreguei camisinha e creme lubrificante.
- Mas nunca usamos camisinha...
- Mas é bom um homem estar sempre prevenido.
- Desculpa se eu não me entendo por homem.
- Você é o meu garotinho, lindo, fofuxinho, bagaceira do papai - disse eu com voz infantil.
- Por quê, Marlon?
- Por que sim, Caio. Eu sempre andei com elas, ora.
- E estava usando recentemente?
- Não, geralmente eu pedia emprestado: “Ei, já acabou aí? Me empresta essa camisinha!”.
- Dãã!
Porque só fazer amor não nos satisfaz. A gente tinha que rir, tirar sarro do outro, fingir que um era melhor que o outro na cama, fazer competições.
Senão, não seríamos Marlon & Caio.
Eu saí do box, peguei o creme antes de voltar e voltei a beijar o Caio. Eu o pressionava contra a parede e entrelaçava as nossas pernas nuas. Como eu sabia o que aconteceria em seguida, comecei a ficar excitado e o meu pau ganhou vida junto com o do Caio.
Pressionei mais ainda o meu quadril contra o dele, fazendo-o soltar alguns gemidos. Ele começou a morder e chupar o meu pescoço. Foi descendo para o meu peito e mordiscou os meus mamilos. Com uma mão eu acariciava os cabelos dele e com a outra eu puxava os meus. Eu não suportava tanto prazer. Fazia tanto tempo que eu não fazia amor e eu estava ainda tão carente...
Ele foi descendo para o meu abdômen. Como ele estava com as costas na parede, ele escorregava por ela. Ele foi descendo com os lábios para a minha virilha.
Estávamos molhados, mas eu sentia a boca quente dele.
Ele “encheu a mão” no meu pau, ergueu um pouco e começou a sugar o meu saco. Eu soltei um gemido alto, parecia de dor.
- Doeu?
- Não. Cala a boca e chupa! - ordenei grosseiramente.
Ele voltou a sugar e eu a gemer. Parecia que eu não acreditava que ele estava me proporcionando tanto prazer e, às vezes, eu bisbilhotava o Caio em ação. Mas eu não resistia olhar muito tempo e voltava a jogar a cabeça para trás, fechar os olhos e gemer.
Depois ele começou a me fazer oral de verdade. Começou de leve, mas logo depois ele começou a forçar a entrada em sua boca. Enquanto ele me chupava, eu peguei o potinho de creme e o abri. Peguei o Caio pelos braços e o levantei em um único movimento rápido e agressivo. Eu estava louco para “chegar lá”. Peguei o creme, me lambuzei e girei o Caio:
- Vem! - ordenei.
Eu me encostei na parede e o puxei pela cintura. Ele pegou a minha vara e a guiou. Depois que ele me direcionou, eu tirei a mão dele e o puxei com força. Ele soltou um grito e, com cada mão, ele segurou um pulso meu.
- Isso! - gemeu ele.
- Assim? - perguntei ofegante.
O Caio deixou que o seu corpo se acomodasse ao meu e me deixou no comando. O meu quadril se afastava da parede, fazendo com que nossos corpos se inclinassem juntos. Depois eu voltava à parede e ele voltava junto. Estávamos grudados e parecia que não havia nada que pudesse nos soltar. O Caio gemia instantaneamente a cada socada.
Seu pauzinho estava igual a uma rocha de tão duro e empinado para cima. Todo rosadinho e sem pelos. E eu socando fundo, com força.
Mas eu não gostava do “básico”. Segurei o Caio pela cintura e o arrastei para debaixo do chuveiro. Depois eu afastei as costas dele do meu tórax, fazendo com que ele ficasse inclinado. Com uma mão ele se apoiava na parede e com a outra se apoiava no box.
Deixei que a água caísse entre nós, no ponto exato em que nós ficamos unidos. Eu voltei a ser agressivo e o Caio voltou a gritar a cada penetração. Ele não se aguentava de tanto prazer e voltou a se encostar em mim. Fui maldoso. Quando ele retornou, eu o empurrei para baixo com uma das mãos.
- Não! - sussurrava ele.
- Não, Caio.
Ele tentou retornar e eu o empurrei de volta.
- Não, Marlon - suspirava.
- Não.
- Porra, Marlon!
- Fique aí.
Foi quando comecei a forçar mais ainda. Eu até dobrei um pouco os joelhos para que a penetração fosse mais longa. A água promovia um ruído a cada socada.
- Seu filho da puta, me deixa subir!
- Ah... não - disse sem fôlego.
Com umas das mãos ele começou a se masturbar e, em poucos segundos (sim, segundos) ele gozou feito louco. Eu não poderia demorar muito e forcei mais ainda e não sei como isso foi possível, não sei onde encontrei tantas forças.
Puxei o Caio para junto do meu tórax, apertei mais ainda a cintura dele. Creio que eu o ergui um pouco, tirando os seus pés do chão e, finalmente, tive um orgasmo. Quando gozei, soltei o Caio. O meu pau saiu de seu cu, mas eu ainda estava expelindo sêmen. Seu cu estava cheio de porra e escorria pelas suas coxas.
O Caio se virou, viu o que estava acontecendo, se aproximou, agarrou o meu pau com força e pressionou a glande. Eu gritei, mas o grito foi perdendo forças até sumir. Quando terminei, ele pegou porra no seu cu e, enquanto eu ainda buscava forças para ficar de pé e ainda tentava entender como tudo aquilo aconteceu, o Caio brincava com meu gozo:
- Vamos ver quanto o meu homem cuspiu!
- Caio... - eu ofegava.
- Sim?
- Estou... sem forças.
- Olha só isso! - dizia ele sem se importar com o que estava acontecendo.
Na verdade ele se importava sim, se importava e muito. Naquele meu estado mental, eu não conseguia fazer nada, ou pensar. Ele se aproveitava para se vingar de mim. Eu o maltratava durante as nossas transas, agia de forma agressiva e não permitia que ele se movesse muito. Isso o tirava do sério. Mas logo depois era ele quem me maltratava tirando sarro da minha cara.
- Você gozou muito, meu querido Marlon. Parabéns, é um novo recorde!
- Para! - dizia eu querendo rir e abraçá-lo, mas não conseguia fazer nenhuma das duas coisas.
- Quantos Marlon’s Juniors terão aqui?
- Vem cá! - implorava enquanto a água caía em mim.
- Agora eu sei porque você não aguenta mais que uma transa por dia... - zombou.
- Você me paga. Deixa eu recuperar o meu fôlego.
- E quando vai ser isso? Trinta minutos?
- Hahahahaha, filho da puta.
- Realmente, amor, olha só quanta porra tem aqui. É quase a metade de um copo. - exagerou ele.
Eu levantei o braço, bati na mão dele e fiz com que a porra caísse no chão do banheiro. Um pouco de sêmen começou a ser escoado para o ralo.
- OH, NÃO! WILLIE MARLON, JAMES CAIO, JOÃO! - gritou desesperado.
- Para - disse eu puxando o seu braço.
Eu o abracei, ficamos mais grudados que antes e nos beijamos entre uma risada e outra.
- Me respeita, moleque! - brinquei.
Nos beijamos mais um pouco, nos lavamos, vestimos cuecas e o Caio meias, e fomos dormir.
Para quem havia se desfeito da metade da energia do dia em uma transa, dormir era fácil. Quer dizer, na verdade deveria ser, se a pessoa com quem você transa não fosse o Caio.
- Morreu? - perguntava ele enquanto cutucava no meu pênis.
- Não me provoca, Caio - dizia eu querendo dormir.
- Ele morreu, ele morreu. Velho muxibinha!
- Puta merda, muxibinha, não! - disse inconformado.
- Muxibinha enrugado da água gelada.
- Para, Caio, está me desmoralizando.
Estávamos enrolados até os pescoços pelos cobertores e grudados pelas pernas.
- Vamos dormir...
Segundos depois:
- Marlon?
- Hum... o que é, chato?
- Você viu o quanto você gozou?
- Caio, eu estou com sono.
- É sério. Você não se masturbava? Acumulou? O que houve?
- Foi alegria em te ver. Agora cala a boca e dorme.
- Está bem, velho muxibinha! - disse ele balançando o meu pinto.
Bem, eu consegui dormir. Acordei cedo, pois fomos dormir cedo. Ao abrir os olhos, visualizo o Caio de frente para mim. Alguma coisa ele tinha aprontado. Sempre que acordo com o Caio ainda na cama é sinal de traquinagem. Normal mesmo é quando acordo e sinto cheiro de café. Mas ele estava ali, na minha frente, esperando eu acordar.
- Oi, amoreco!
- Hum... - ainda acordando - Fala, o que você aprontou agora de manhã?
- Ai, que horror! - se fazendo de ofendido - Por que você só pensa o pior de mim?
Então eu sinto algo estranho no meu pau. Sem olhar, eu vou enfiando a mão dentro do cobertor e, em seguida, na cueca. Sinto algo felpudo e puxo. Uma meia:
- Por isso! - respondi - Por que raios você pôs uma meia no meu pinto.
- Porque ele estava todo enrugadinho, todo murchinho. Senti pena do pobre Escrotinho, Marlon! - choramingou.
- Sei...
- Viu? Agora ele está quentinho. Passou a noite agasalhado.
- Essa meia ao menos está limpa?
Nem esperei ele responder. Levei a meia ao nariz e constatei o chulé.
- CAIO, QUE NOJO! - berrei jogando a meia longe.
- Era o único agasalho que tinha disponível.
- Você não presta mesmo, hein? - disse me espreguiçando.
- Oh, não fala assim comigo, hein? Seu Muxibinha! - disse ele me abraçando enquanto eu me espreguiçava.
- Sai e me deixa me espreguiçar!
- Não, meu Marlonzinho-zinho-zinho.
Ele se levanta, pega o tênis que estava no chão e o atira no guarda-roupas, provocando um estrondo.
- Que ódio! - gritou enfurecido.
- Calma, Caio! - disse já me levantando.
Eu o abracei forte por trás e o puxei para a cama de volta. Deitei-o na cama e pude ver o seu rosto vermelho de ódio. Todo o sangue subiu à cabeça. Abracei-me a ele (eu por cima) e comecei a fazer cafuné nos cabelos dele.
- Amor, vamos esquecer isso tudo?
Ele não me abraçava. No início, não dei importância para isso, tentava acalmá-lo, fazer com que o sangue voltasse a circular normalmente, mas depois comecei a me preocupar com isso. Levantei um pouco o rosto para poder vê-lo. Ele estava de olhos espremidos, com lágrimas estocadas nos cílios e os lábios para dentro. O rosto ainda estava muito vermelho. Se eu não estivesse em cima dele e sentisse o seu peito, poderia jurar que ele estava prendendo a respiração.
- Caio, olha pra mim!
E nada.
- Caio?
Ele não me atendia.
- CAIO, ME OLHA, POR FAVOR! - gritei.
Ele obre os olhos e folga a boca. Fiquei preocupado com o que poderia vir depois.
- Caio, você não precisa ficar assim sempre que... Meu amor, nós somos tão maiores que isso!
- Eu sei. - disse ele grosseiramente.
- Está com raiva de mim? - perguntei aflito.
- Não, claro que não. - disse ele com uma voz mais doce - Estou com raiva de mim mesmo.
Ele me empurrou, tirou-me de cima dele e sentou-se na beira da cama. Escondeu os olhos com as mãos, embora estivesse de costas para mim, e começou a chorar. Eu me estiquei um pouco e toquei as suas costas.
- Caio... ?
- Eu vou fazer o café. - disse ele se levantando abruptamente.
Decidi não ir atrás dele. Aprendi que às vezes ele precisa ficar só para se conter e refletir. Passei a não temer o nosso futuro. A única coisa que eu temia era pela saúde dele. Não que esses ataques de fúria fossem tão excessivos a ponto de me preocupar, mas obviamente que aquilo não fazia bem a ele. A ele e a qualquer outra pessoa que sofresse do mesmo mal.
Mal da culpa, talvez? Mas culpa de quê? Acho que era somente o fato de ele ter, sem querer, permitido que eu beijasse outra pessoa, que o fazia se sentir tão mal.
Conhecendo o Caio do jeito que o conheço, acredito que ele nunca tenha odiado alguém, ou pelo menos não com tamanha intensidade. Nem mesmo o Sérgio, que o dopou, levando-o ao hospital, ele odiava. E não disse “odiava tanto”, disse que ele “não odiava de forma alguma”. Mas o Arthur...
Esperei. Tomei banho, vesti-me e fiquei a esperar no quarto. De repente ele aparece com um rosto mais amigável.
- O café está pronto!
Eu me levantei e fiquei parado.
- Amor...?
Ele entrou no quarto, veio até mim, me abraçou e me selou nos lábios.
- Tudo bem, esquece isso.
- Esqueçamos juntos!
Ele saiu em direção à cozinha e eu fui atrás. O Luciano já estava de pé e tomava o seu café da manhã.
- Bom dia! - me saudou ele.
- Bom dia.
Sentei-me à mesa e me servi do café e das torradas. O Caio comia uma tigela de cereais, mas nós não costumávamos comprar aquele tipo de alimento.
- De onde surgiu essa caixa?
- Comprei. - disse o Caio.
- Comprou?
- Sim.
- O Caio comprou umas coisas para você, Marlon. - disse o Luciano.
- Comprou?
- É. Vê o armário. - continuou ele.
Eu me levantei e abri uma das portas. Tinha mais uma caixa de cereais e algumas coisas doces. Alguns pacotes de café e outros alimentos dos quais não lembro. Virei-me para o Caio e o questionei:
- Por que você fez isso?
- Você comia essas coisas lá em casa. Vi que aqui faltava e resolvi comprar.
- Com que dinheiro?
- Com o meu dinheiro, oras.
- Não precisava...
- Eu quis.
Voltei para a mesa e segurei a mão dele. Sorri.
- Obrigado, amor.
- Disponha, Muxiba!
- Muxiba? - perguntou o Luciano.
- Nada não, Luciano. - disse fingindo estar zangado.
Fui trabalhar e, durante o expediente, tive uma ideia fulminante. Comecei a caçar na internet um tipo específico de restaurante.
Decidi levar o Caio para jantar. Demorou muito, muito mais do que eu imaginei, mas eu encontrei o tal restaurante. Marquei uma reserva. Nunca havia marcado uma reserva em um restaurante antes, me enrolei todo, mas deu tudo certo.
Fui para a aula e o Caio não foi nesse dia. Liguei para ele:
- Oi, amor! - atendeu ele.
- Oi, razão do meu viver.
- Ai, que brega!
- Te odeio!
- Odeia nada, você me ama.
- Humf!
- Diga, diga que me ama.
- Eu te amo.
- Gostoso!
- Cala a boca, Caio! - disse rindo.
- Diz, amoreco.
- Vamos jantar hoje?
- Jantar fora?
- Sim. Fiz uma reserva.
- Reserva? Restaurante com reserva não deve ser barato.
- Não importa...
- Marlon, não precisa gastar comigo.
- Não pense nos gastos, pense nos lucros. Tenho uma surpresa para você.
- Surpresa?
- Sim.
- Ai, o que será?
- Você terá que ir se quiser saber. Vou pedir o carro do Lu emprestado.
- Se ele for sair com o Tom hoje, vem para cá mais cedo e nós vamos no do meu pai.
- Certo.
- Eu preciso urgente tirar a porra dessa carteira.
- Enfim, eu vou falar com o Lu.
- Tá, beijos.
- Beijo.
Liguei para o Luciano. Ele sairia com o Tom sim, mas ele só iria buscá-lo para dormir lá em casa. Decidimos que, se eu o esperasse chegar, pegaria o carro e, depois do jantar, eu dormiria na casa do Caio. Passei a tarde adiantando algumas coisas da faculdade no computador e depois fui me arrumar. O Tom não tardou a chegar e, antes mesmo que eu estivesse pronto, o carro já estava disponível.
- Vai pedir o Caio em casamento? - brincou o Tom.
- Quase isso.
- Ai, o que é? - perguntou curioso.
- Segredo!
Seria uma noite para marcar um novo início. Essa era a minha intenção.
Caio e eu havíamos voltado, mas não era como antes. Ainda nos amávamos, mas o clima entre nós ainda era denso. Eu temia por um desgaste não promovido por algum novo evento, mas sim pelo tempo.
Peguei o carro e fui buscar o Caio. Ele desceu e foi abrindo o portão do condomínio. Ele estava muito bem arrumado, como sempre. Vestia um casaco de lã preto e por baixo uma camiseta branca com uma pintura, feita por ele, do rosto do artista Andy Warhol, um jeans simples e um All Star (sua paixão). Ele ainda estava de óculos e o cabelo, que havia crescido um pouco, estava com a franja caindo nos olhos.
Entrou, fechou a porta e me selou com um beijo.
- Estou muito vagabundo para o jantar? - perguntou preocupado.
- Não. - ri um pouco - Você está charmoso, como sempre!
- Então por que riu? - perguntou rindo também.
Porque a sua preocupação foi boba. Você sempre está lindo, sempre se veste bem.
- Estou bem vestido para uma festa, talvez não tão bem vestido para um jantar.
- Está sim bem vestido. Não é a mim a quem você deve agradar? Pois bem, para mim você está tão charmoso como nos primeiros dias em que te conheci.
- Hahaha, ok.
- Você acha que devo subir e cumprimentar seus pais?
- Não, não é necessário. Eles entendem.
- Certo.
Chegamos ao restaurante e fomos para a nossa mesa marcada. Não havia muitas pessoas àquela hora. O que foi bom para mim. Se eu chegasse lá com um monte de olhos direcionados para nós, talvez eu me deixasse intimidar. Sentamos e fomos atendidos pelo garçom.
- Por hora, só queremos uma taça de vinho. Pode ser, Caio?
- Sim.
O garçom nos mostrou alguns vinhos e nós pedimos um tinto. Ficamos tomando e conversando.
- É só um jantar? - perguntou o Caio enquanto olhava para a taça.
- Como assim?
- Só saímos para comer, porque achamos que seria uma boa comer fora, ou isso é mais que um jantar?
- Não sei. Vamos esperar que a noite nos mostre o que ela nos reserva.
- Ok.
- Eu quis sair com você porque quis criar um clima romântico para nós.
- Está conseguindo.
- Uhul! - disse baixinho e ele sorriu.
- Então... não vamos tirar uma foto junto com um prato de linguado ao vapor com legumes e mostrar para o Tom morrer de inveja?
- Hahahahahahahaha.
Por sorte a mesa era pequena e, como de costume, entrelaçávamos as nossas pernas debaixo dela. O Caio tirou um dos tênis para poder fazer carinho no meu calcanhar. Ele me seduzia. Enquanto ele me fazia feliz debaixo da mesa, olhava para o cardápio como se não estivesse fazendo nada demais.
- Vou pedir algum prato que tenha salada.
- Certo...
- E você?
- Ainda não decidi.
- Você gosta de carne. Pede alguma coisa com carne.
- É...
Pedimos e ficamos aguardando os pratos. O Caio, que estava inclinado sobre a mesa, encostou-se à cadeira. Ele começou a me encarar, logo depois eu sinto que os dois pés dele estavam sem os tênis e ele acariciava as minhas duas panturrilhas. Ele sorriu maliciosamente e espremeu um pouco os olhos. Eu não conseguia competir com a coragem e a esperteza dele. A única coisa que me restava era rir.
- Você não presta. - sussurrei.
Ele soltou um risinho de canto de boca e continuou me agradando por debaixo da mesa. Eu continuei bebendo o vinho. Antes de os pratos chegarem, alguns músicos subiram num pequeno palco que, na verdade, não deveria ter mais de trinta centímetros de altura. Apresentaram-se e nós aplaudimos. A luz do restaurante baixou e as luzes das luminárias das mesas acenderam.
Mas o Caio, até então, não desconfiava de nada quando, de repente, um dos músicos “veste” um saxofone. O Caio arregala os olhos para o palco e depois me olha:
- Aquilo é um saxofone?
- Sim.
- Que maravilha!
Ele voltou seus olhos para o músico. Mas, antes de tocarem a primeira música, o Caio faz uma cara de estranhamento, me olha de novo e questiona:
- Você sabia que tocavam sax aqui ou foi só uma coincidência?
Não respondi. Não com palavras. Sorri maliciosamente para ele, que me retribuiu com um sorriso amistoso. Depois ele pôs os cotovelos na mesa e pousou o queixo em cima das mãos.
Tornou-se um garotinho maravilhado com a cena. Ele ainda estava com os pés em cima dos meus, mas agora ele mexia os pés desordenadamente. Ele estava excitado com aquilo. Era como se ele quisesse pular, dar um pequeno chilique de felicidade, mas não podia.
Então ele ficou batendo com os pés. Sentindo aquilo, fiquei satisfeito com a minha ideia, mas não poderia deixar de pensar que diante de mim estava um garotinho sapeca. Então ri.
- Por que está rindo? - perguntou ele rindo mais ainda.
- De você, óbvio.
- Ai, o que você queria?
Os pratos chegaram, mas o Caio nem deu bola. Não tirou os olhos do saxofonista. Ele era um senhor de cabelos completamente brancos, usava óculos e uma roupa bem típica dos senhores simpáticos: um casaco de lã com losangos e uma camisa branca de botão por dentro.
Ele sentou-se em um banquinho e arrumava o instrumento. A cada segundo que antecedia a música, os pés do Caio ficavam mais impacientes. Era divertido e muito gracioso.
O Caio é em si gracioso, mas, naquele dia, estava mais ainda. Minha vontade era de que estivéssemos só nós três, numa sala com um tapete ao chão e com muitas almofadas; o saxofonista tocaria e nós escutaríamos abraçadinhos. Comecei a comer, mas o Caio não tirava os olhos do saxofone.
Quando a música começou, os pés do Caio começaram a bater mais forte. Só que o sax não tinha sido introduzido na música. O saxofonista balançava a cabeça e sorria com a melodia.
O Caio olhava para aquele senhor e se emocionava com tamanha simpatia. Depois, o senhor se levantou, foi em direção ao microfone, levou o sax à boca e começou a tocar.
Os pés do Caio pararam. Ele continuou com as mãos apoiando o queixo, mas o sorriso se desfez.
- Que coisa linda!
Tive medo de avisar ao Caio de que, se ele não comesse logo, a comida esfriaria e acabaria quebrando o encanto de tudo. Mas foi necessário avisá-lo:
- A comida chegou, Caio.
- Aham, eu vi. - disse sem tirar os olhos do saxofone.
A primeira música demorou para acabar, mas quando enfim acabou, o Caio aplaudiu incansavelmente.
- Que coisa maravilhosa!
- Sim, é muito bonito.
Ele começou a comer um pouco. Duas garfadas. E me disse:
- Então você lembra mesmo daquele dia. - afirmou.
- Sim. Foi o dia em que te vi pela primeira vez. Eu já tinha me apaixonado, mas não sabia. Sabia que de algum modo você era especial, mas não sabia o quanto. Ficava excitado sempre que te via. Tentava falar com você de qualquer jeito e achava graciosidade em tudo o que você fazia. Ainda me lembro de tudo.
- Não, você não se lembra de tudo.
- Sim, lembro sim. De tudo, exatamente tudo.
- Duvido.
- Então me teste.
- É simples. Há apenas uma coisa da qual você não lembra.
- Duvido, mas continue.
- No dia da matrícula na faculdade passaram uma folha de papel para nós. Cada calouro deveria pegar o e-mail do colega ao lado e fazer uma espécie de corrente. Deveríamos nos apresentar no e-mail e deixar contatos, tipo o Orkut e o MSN.
Houve um erro. Eu te mandei um e-mail, pois você era o meu contato, mas você se negou a ser meu contato, pois já tinham te contatado antes. Havia um erro na lista, passaram-na duas vezes. Fiquei sem par e fiquei de fora da corrente.
Eu ainda te mandei um e-mail de volta, pedindo que você me incluísse na corrente, me passando para outro contado, mas você disse simplesmente que não tinha culpa de nada e ignorou todos os outros e-mails. Lembra disso?
- Lembro... - emudeci - Mas não sabia que era você. Quer dizer, não te conhecia.
- Mas lembra o meu nome pelo e-mail?
- Não... Nossa, que estranho! - exclamei assombrado.
- Pois é, e você também não lembra o que te escrevi no e-mail, não é mesmo? Eu te escrevi todo ansioso e contente e você cortou o meu barato. - disse ele rindo.
A segunda música já havia começado, mas ainda estávamos conversando. Ele achava graça naquele episódio, mas eu não.
- Sério que eu fiz isso? - perguntei triste.
- Sim. No segundo e último e-mail que você me mandou, você disse simplesmente que já tinha contato e que já havia me dito isso antes e que não tinha culpa nenhuma se eu não havia conseguido o meu par.
- Como eu fui grosso!
- Hahahhahaha, um pouco. Mas não demorou muito e as aulas começaram. Tive medo de você.
- Medo? - perguntei espantado - Medo de mim?
- Sim. Achei que você tivesse algum tipo de raiva minha. Sei lá... Evitei ficar próximo de você e tentei não te dar bola. Achei que você pudesse estranhar. Você aparentava... quer dizer, você ainda aparenta ser um cara violento.
- Caio... - gaguejei - eu nem sei o que te dizer.
- Ria comigo. É engraçado agora. Veja tudo o que construímos e veja que nada do que temos hoje pode ser comparado a esse episódio. Hoje nos amamos, mas, naqueles e-mails, tivemos um momento de estranhamento e nem mesmo nos conhecíamos e nem prevíamos o que iria nos acontecer. A vida é mesmo engraçada.
- Por isso, então, demorei tanto para te conhecer. Eu ficava ansioso a cada dia de aula, pois ainda não havia nos aproximado e eu queria muito que fôssemos amigos. Era você quem se afastava e não era por acaso.
- Sim. Lembra o dia em que você esbarrou comigo no banheiro?
- Lembro. Claro que lembro!
- Você me machucou sim. Mas eu disse que não. Fiquei com medo.
- Caio... - choraminguei.
- Viu? Você não se lembra de tudo! - gabou-se ele enquanto bebia o vinho.
- Desculpa.
- Imagina se eu vou ligar para isso agora.
Ele deixou a taça na mesa e voltou-se para a melodia do sax. Virou-se mais uma vez para mim e sussurrou:
- Obrigado pela surpresa!
Eu ri sem graça. Como pude fazer aquilo? Depois de um tempo, também achei engraçado. Enquanto ele se deliciava com o sax, eu ri de mim mesmo. Consegui enxergar que naqueles e-mails eu era o Marlon heterossexual machão e que nunca daria bola para homem algum.
Rugi como um leão para um cara pentelho através de e-mails e, sem ligar uma pessoa à outra, me apaixonei sem querer por um homem do qual eu mesmo havia me afastado e hoje eu babava de todas as gracinhas que ele fazia. Ri de mim.
- Marlon?
- É realmente engraçada a vida.
Ele riu e me fez um carinho rápido no calcanhar. Eu terminei meu prato e chamei o garçom. Passei-lhe um guardanapo de papel enquanto o Caio se distraia com a música. Depois que o garçom foi embora, reclamei.
- Caio, sua comida vai esfriar.
Sem tirar os olhos do palco, ele tateou a mesa com a mão à procura do garfo. Depois que o achou, catou alguma coisa no prato e o levou à boca sem olhar o que estava comendo. A alface ficou pendurada na boca dele e era uma folha grande.
- Caio?
- Hum? - sem me dar bola.
- A alface!
Ele olhou para mim e sentiu que tinha algo pendurado.
- Ôpa!
- Hahahahahaha.
Ele sugou a alface como se fosse um macarrão e continuou comendo. Chamei o garçom novamente e pedi-lhe de novo o cardápio. Queria algo doce que combinasse com o vinho.
- Caio, quer a sobremesa agora?
Ele balançou a mão sem mesmo olhar para mim em sinal negativo. Ri mais ainda e dispensei o garçom. Depois que a música acabou, ele me olha.
- Queria mais vinho...
- O garçom esteve agora há pouco aqui.
- Ah, nem vi. - choramingou.
- Você nem está me dando bola. - fingi tristeza.
- Oh, que menino mais chorão.
Quando o garçom trouxe o doce e o vinho, o pedido que eu o havia feito começava a ser executado: o saxofonista anunciou:
- A pedidos, “Singing In The Rain”!
O queixo do Caio caiu:
- Não? - duvidou ele - isso é real?
O Sax começou a tocar e o Caio começou a cantarolar a música (para quem não conhece, essa é a música que dá nome ao filme “Cantando na Chuva” e o Caio ama os musicais clássicos). Ele dançava com os pés em cima dos meus calcanhares. Percebi que agora era que o Caio não me daria a menor bola mesmo. Então fiz o pedido de mais uma taça para ele e pedi também o mesmo doce que eu comia. A cada intervalo da letra da música com a melodia, o Caio levava a mão ao coração e apertava o peito. Ele estava tremendamente emocionado. Eu quase chorei. O show do Caio estava no palanque e o meu estava a menos de um metro de distância. Eu olhava cada mudança nas feições dele e achava tudo lindo. Quase ao fim da música, o Caio canta:
- “Just singing, and singing in the rain” - e suspira em seguida.
A música acaba e ele é o único do restaurante que se levanta e aplaude. As pessoas do local não eram e não estavam tão animadas como o Caio. Na verdade as pessoas até mesmo conversavam sem pudor algum enquanto os músicos tocavam. De certo, o fato de o Caio ter levantado e ter aplaudido chamou a atenção de todos, até mesmo da banda.
O saxofonista avistou o Caio e o saudou levantando o copo de conhaque que tinha ao lado. O Caio imediatamente pegou a sua taça e respondeu à saudação do velho músico.
Depois ele se sentou, pousou a taça, pediu as minhas mãos com as suas por cima da mesa e disse:
- Esse é um dos dias mais felizes da minha vida!
Quando ouvi o Caio dizer aquelas palavras entre lágrimas, me emocionei junto com ele. Ele fez aquela confissão e imediatamente voltou-se para o saxofone. Ficamos ainda mais um bom tempo. Quando a banda se retirou, o Caio teve um pequeno ataque de pânico:
- Marlon, eu vou falar com o cara do sax e já volto. - e saiu correndo.
Nem me deu a oportunidade de falar nada e foi atrás do músico. As luzes acenderam e eu senti uma pequena dor nos olhos devido à repentina mudança de iluminação. Depois de algum tempo, ele volta saltitante. Senta como um raio e engole todo o vinho de uma vez.
- Te amo, te amo, te amo! - sussurrou ele.
- Ama mesmo? Não vai me trocar pelo tiozinho do sax?
- Hahahahahhahahaha, besta!
- Vamos agora ou quer ficar mais um pouco?
- Agora, agora, agora!
- Tudo bem.
Chamei o garçom para que ele trouxesse a conta. Quando ele se foi, o Caio falou:
- Vamos dividir a conta, tá?
- Não, Caio.
- Sim, Marlon.
- Eu faço questão.
- Eu também faço.
- Mas eu convidei.
- E eu usufruí, devo pagar pelo o que consumi também.
- Caio...! - em tom de bronca.
- Nananinanão!
O Garçom voltou e ele impulsivamente tirou um cartão do bolso.
- Moço, metade nesse cartão e metade no outro, tá?
- Não seria melhor em apenas um cartão e depois vocês dividem entre vocês? - sugeriu o garçom.
- Não, nos dois. - respondeu o Caio.
- Caio, o combinado não foi esse.
- Não lembro de ter combinado nada com você. Ô, moço, faz como eu disse, tá bom?
O Garçom saiu um pouco enfezado:
- Não entendi essa do garçom. - disse o Caio todo extrovertido.
- Para ele é mais trabalho pagar através dos dois cartões, né?
- Gente, que trabalho que esse homem vai ter em passar duas vezes um cartão? E no fim do dia ele não vai ganhar o mesmo salário de todo mês? Não entendo esse povo, sinceramente.
- Mas eu deveria ter pagado, Caio.
- Psiu, calado!
Quando o garçom voltou com as duas notas, o Caio tirou dez reais do bolso e deu de gorjeta. O garçom ficou visivelmente contente, agradeceu e saiu.
- Hum, viu o sorriso?
- Para, Caio! - já rindo.
Levantamo-nos e saímos. Pegamos o carro com o manobrista e sumimos. Bastou eu girar a chave e o Caio começou:
- “I SINGING IN THE RAIN...” - berrava.
- Bem que poderia chover hoje, né?
- Ai, seria o dia perfeito com o homem perfeito.
Quando chegamos em casa, o pai do Caio estava na cozinha bebendo água. Quando ele nos ouviu entrar, dirigiu-se para a sala:
- Olha, chegaram os pombinhos!
- PAI... - gritou histericamente o Caio.
- Caio, quer acordar o prédio inteiro? - brigou meu sogro.
- Desculpa... - se fazendo de ingênuo - é que... pai, tinha um cara tocando sax e aí “Singing in the rain”!
- Hã? - perguntou o pai dele.
- Tinha sax e tocaram “Cantando na chuva”!
- Tinha onde? O quê?
- Pai, para e pensa - então o Caio falou tudo o que queria dizer bem devagar.
- Ah, vocês foram para um lugar que tinha sax e tocaram “Cantando na chuva”?
- Nossa, demorou, hein? - reclamou o Caio.
Meu sogro e eu nos olhamos e rimos.
- Você bebeu?
O Caio se jogou no sofá. Então ele faz um gesto com as mãos: aproxima o dedo polegar com o dedo indicador, fazendo sinal de “pouquinho”.
- Um vinhozinho, só isso!
- Eu não tenho culpa de nada. - eu disse.
- Eu sei, Marlon, eu sei. - disse o meu sogro olhando para o Caio.
- Eu vou dormir. Eu e ele, ó! - disse ao seu pai, apontando para mim.
O Caio se levantou, ficou do meu lado, segurou minha mão e disse:
- Pai, eu vou dormir com esse homem. Sim, eu sou gay!
Meu sogro e eu nos olhamos e fizemos cara de “O que ele está falando?”:
- Caio, vai para cama, vai.
- Boa noite! - eu disse para o meu sogro.
- Boa noite, Marlon. - disse ele rindo da cena.
Quando chegamos ao quarto, ele pula na cama e começa a rir com a mão na boca.
- Foi engraçado, né?
- Você estava fingindo?
- Claro. Você acha que eu fico bêbado com duas taças de vinho?
- Então por que você fez isso?
- Para ele ir dormir logo.
- Hahahahaha.
- Vem, deita aqui comigo. - disse ele batendo no colchão.
Eu comecei a tirar a roupa e ele também. Depois eu fui deitando, me enrolando ao lençol e me abraçando a ele. Ficamos agarradinhos. O Caio pousou o seu rosto entre o meu queixo e o meu ombro esquerdo. Ficamos calados olhando para a porta à nossa frente.
Foi um longo tempo calado:
- Caio?
- Marlon?
- Por que nos calamos?
- Sei lá, não tenho o que falar...
- É, nem eu...
E dormimos.
Apesar de a minha felicidade ser a felicidade do Caio, acredito que eu já tenha tido dias melhores ao seu lado. Não estou desmerecendo o dia em que o meu garoto encontrou o saxofone, o que estou dizendo é que esse era o dia dele. Não era o nosso e nem o meu e nem estou dizendo que não foi um bom dia.
Tudo o que acabei de dizer é para justificar a forma como acabamos a noite. Nada haveria para ser feito depois. Dormimos ao som do saxofone, que ficou na nossa memória. Sim, também ficou na minha. Afinal de contas, as imagens que eu gostava (e gosto) de lembrar são as expressões emocionadas que o Caio fazia e os pés daquele menino sapateando em cima dos meus.
E tudo isso aconteceu ao som de um sax. Então sim, a música ficou na minha lembrança também.