Horas depois escutei Ramón me chamar para jantar, mas fingi não ouvir e me entreguei ao sono depois de colocar o celular para despertar as seis e meia.
Durante a madrugada eu tive um pesadelo. Nele eu vi todas as pessoas que eu conheço apontando o dedo para mim e me chamando de pervertido, escroto, merda e vários outros adjetivos ruins.
Acordei um pouco antes do horário que programara para despertar, desativei a programação e fui tomar banho.
Decidi enquanto tomava banho que iria ao colégio de Uber. Não estava muito a fim de encarar Ramón depois do que rolou ontem.
Saí do banho e me arrumei o mais rápido que eu pude. Peguei minha mochila e abri a porta bem devagar para que fizesse o mínimo de barulho possível.
Quando cheguei na sala fui surpreendido por Ramón, sentado no sofá, de uniforme do colégio e braços cruzados.
Ele me olhou e disse:
– Então você ia para o colégio sem falar comigo?
– Bom dia para você também – respondi, ignorando a pergunta dele.
Ele levantou do sofá, caminhou até mim, parou bem de frente para mim e disse:
– Me responda, olhando nos meus olhos, você ficou ou não chateado comigo pelo que rolou ontem?
– Fiquei. Satisfeito? – Devolvi sustentando o olhar dele.
– Poxa, Ricardo. Por que mentiu para mim quando te fiz essa mesma pergunta ontem?
– Por que eu queria ficar sozinho, e, se eu tivesse sido sincero com a minha resposta ontem, teríamos prolongado a conversa.
– Desculpa por ontem. Eu fui um idiota com você.
– Está desculpado. E, não faço mais esse tipo de favor que fiz ontem.
– Combinado – e me deu um abraço.
Eu o abracei de volta e me segurei para não chorar ali.
Eu queria falar com ele sobre meu pai desde ontem a noite, mas agora pela manhã não era o momento ideal.
Após o abraço Ramón me encarou por um instante e perguntou:
– Vamos tomar café da manhã antes de ir para o colégio?
– Vamos!
Naquela manhã só tínhamos uma prova para fazer no último horário, Geografia.
Antes disso, tivemos a primeira aula de educação física. Depois, a correção das provas de Física e Química, na aula anterior e posterior ao intervalo de lanche, respectivamente.
Me saí muito mal nas duas provas, mas já era de se esperar.
No intervalo, Miranda passou por mim como se eu fosse invisível e seguiu em frente, indo para a lanchonete. Senti meu celular vibrar, peguei e vi que era uma ligação de Fábio.
– Diga – disse ao atender.
– Bom dia, Ricardo. Tudo bem?
– É sobre meu acerto?
– Sim. Tentei falar com você ontem, mas não consegui.
– Quer que eu passe aí hoje?
– Na verdade não vai precisar. Sua mãe passou aqui ontem e pegou o seu acerto. Ela disse que você estava muito ocupado com as provas do colégio.
Que droga! Minha mãe me roubou! Merda! Que raiva! – Pensei enfurecido.
– Tudo bem? – Fábio perguntou.
– Tudo. Obrigado por ligar. Tenho que voltar para a sala de aula. Tchau! – E desliguei a ligação.
Eu perdi o apetite depois daquela notícia.
Durante a prova de Geografia tentei me concentrar o máximo possível, mas os acontecimentos do dia anterior envolvendo meu pai, Wilson e o filho dele, Poliana e sua loucura sexual, e agora o roubo da minha mãe, ocupava toda a minha mente.
Respondi o máximo que dei conta e entreguei a prova com algumas questões em branco.
– Terminou a prova rápido demais – disse Ramón assim que me encontrou do lado de fora, no corredor.
– Estava muito fácil – menti.
– Eu acho que deveria ter estudado um pouco ontem – ele lamentou.
– Relaxa. Vai dar tudo certo.
E fomos embora.
Assim que chegamos a casa dele, Ramón sentou no sofá e disse:
– Senta aqui do meu lado um pouco.
Obedeci e sentei do lado direito dele.
– O que aconteceu? Você está tenso.
Pensei em falar sobre meu pai, mas não queria chorar. Resolvi falar sobre minha mãe e o que ela fez.
– Que bosta! – Exclamou Ramón depois de ouvir.
– Fazer o quê! Agora tenho que arranjar um emprego urgente.
– Talvez meu pai possa te ajudar. Ele chega de viagem amanhã.
– Pode ser, mas, vou tentar entregar meu currículo em alguns lugares.
– É horrível tudo isso que você está passando. E eu ainda te fiz passar por aquilo ontem, envolvendo a Poliana... Acredita que ela nem me cumprimentou hoje no colégio?
– Credo!
– Acho que ela só quis se aproveitar do momento, da experiência.
– Desculpa – disse a Ramón.
– Pelo quê?
– Se eu não estivesse aqui nada disso teria acontecido.
– Pode parar, Ricardo. Não foi tão ruim o que rolou ontem. Na verdade, sendo bem sincero, eu até que curti. Foi estranho no começo, me fez lembrar do meu tio, mas depois passou – e colocou a mão em meus cabelos. – Você não gostou do que fizemos?
– Se refere ao beijo e etc?
– Sim.
– Não foi ruim. Mas, acho que não é saudável para nós dois.
Ramón me puxou para o colo dele e disse:
– Essa foi a parte que eu mais curti ontem. Você em cima de mim.
– Ramón o que você está fazendo?
– Te mostrando que estou confortável com você.
– Isso parece outra coisa.
– Como assim?
– Você está excitado Ramón. Estou sentindo aqui embaixo.
– Você é o único cara que me deixa excitado e eu não sei o motivo.
– Acho melhor pararmos por aqui.
– Está dizendo isso por conta da nossa amizade?
– Claro!
– Não acredito que um pouco de diversão possa estragar nossa amizade.
– Eu penso o contrário. Ainda mais por causa de ontem – e saí do colo dele, ficando de pé.
– Já te pedi desculpas por ontem – E se pôs de pé, ficando de frente para mim.
– Não é isso – retruquei. – Ontem quando me beijou pela primeira vez, antes de dormirmos, e termos dormido e banhado juntos, me fez pensar em você de outra forma.
– Que forma?
– Me fez desejar ter você intimamente comigo. Como rolou ontem, mas sem a presença da Poliana. Enfim, a questão é que você não é como eu. Você não é gay, e eu não quero criar uma confusão com você.
– Então isso tudo só porque eu não sou gay?
– Sim.
Ele pousou sua mão esquerda em meu rosto e disse:
– Não é porque não sou gay que eu não posso sentir atração por você.
– Não sei...
– Olha, vamos fazer o seguinte. Se ficar desconfortável para você eu paro e a gente só fica como amigo sem qualquer contato íntimo.
– Você está sugerindo uma amizade colorida? – Perguntei.
– Sim. O que acha?
– Posso pensar sobre isso?
– Claro, Ricardo. O tempo que você precisar.
– Obrigado.
– Não por isso. Mas será que ganho pelo menos um beijo antes de ir preparar nosso almoço? – E deu aquele sorriso que me deixava encantado por ele.
Sorri de volta e nos beijamos.
Horas mais tarde, após o almoço, à beira da piscina, e enquanto Ramón assistia TV na sala, eu tirei da minha carteira o cartão que Tiago havia me entregue e decidi que era o momento de tentar. Então disquei o número.
– Boa tarde – ouvi uma voz masculina bastante agradável dizer do outro lado da linha.
– Boa. Eu falo com Marcos?
– Sim, ele mesmo.
– Então, o Tiago me passou seu cartão. Disse que eu podia te ligar quando tivesse certeza...
– Você é o Ricardo? – Ele perguntou me interrompendo.
– Sim.
– O Tiago me falou sobre você.
– Ah, sim.
– Tem como você vir até aqui para conversarmos pessoalmente?
– Sim. É só me dizer o local.
Ele me passou o endereço, tomei nota e desliguei a chamada.
Levantei da piscina, voltei para dentro da casa e ao chegar na sala, disse para Ramón:
– Vou sair. Consegui uma entrevista de emprego.
– Sério?
– Uma indicação. Espero que dê certo.
– E você vai agora?
– Sim. Só vou trocar de roupa.
– Quer que eu te leve.
– Não precisa. Já chamei um Uber. Pode ficar tranquilo.
– Tudo bem. Mas, se precisar de mim na hora de voltar é só me ligar.
– Combinado.
Desci do Uber em frente ao local. Era um prédio.
Falei com o porteiro e disse que queria falar com Marcos.
– Quem deseja?
– Meu nome é Ricardo.
– Ah, sim. Pode entrar. Apartamento 904.
Nono andar – pensei.
Marcos me recebeu só de cueca assim que abriu a porta após eu tocar a campainha.
Não pude deixar de notar em sua aparência. Branquelo, cabelo num corte degradê lhe conferindo um charme bem chamativo ao combinar com sua barba numa mistura de fios pretos e grisalhos. Olhos de um castanho muito próximo dos meus, alto e dono de um corpo naturalmente belo. Pelo que percebi não frequenta academia.
Seu aperto de mão foi firme e o tom de voz para falar comigo muito bem colocado, bem melhor do que por telefone, além de agradável aos ouvidos:
– Que bom que você veio. Pode entrar – ele disse e abriu caminho para que eu passasse.
– Você costuma receber as visitas assim, ou só os interessados no seu negócio? – Perguntei numa ousadia que não sabia de onde tinha vindo.
– Não recebo muitas visitas. Então é mais a segunda opção. Isso quando meu sócio não está na cidade. – E caminhamos até a sua sala. – Aceita água?
– Agora não, obrigado.
– Desculpa te receber só de cueca. Com esse calor que está fazendo.
– Tudo bem. Até gostei – disse em tom de brincadeira, mas com um fundo totalmente verdadeiro.
Ele sorriu e me pediu para sentar no sofá.
Em seguida ele sentou ao meu lado e disse:
– Vamos direto ao ponto?
– Por favor.
– Você é um garoto bonito. Bem-apessoado. Isso é um bom ponto.
– Obrigado.
– Sem muita enrolação, vamos às perguntas. Você namora?
– Não. Solteiro.
– Idade?
– Dezoito.
– Mora com os pais?
– Atualmente não.
– Disponibilidade de tempo?
– Da uma da tarde em diante.
– Ricardo não tem muito segredo. Cada um dos meus funcionários trabalha com uma lista específica de clientes. O funcionário vai até o cliente em um lugar previamente marcado, e, o que for rolar, é combinado antes comigo. Qualquer coisa além do combinado por parte do cliente quando estiverem juntos, você tem as opções entre aceitar e recusar.
– Quais são os serviços mais corriqueiros? – Perguntei tentando manter o meu olhar no rosto dele.
– Levar cachorro para passear, fazer companhia em locais públicos como: sorveteria, lanchonete, restaurante e afins. Sair para conversar e assim por diante. Normalmente são pessoas solitárias, um pouco carentes, mas de confiança.
– Então os clientes são educados?
– Sim. Prezo por uma carteira de clientes que atendam certo perfil para evitar possíveis problemas.
– Interessante.
Ele passou a mão por cima da cueca de forma provocativa. Aquilo me fez ficar mais excitado do que eu já estava.
– Muito difícil termos problemas com funcionário e cliente – ele acrescentou. – Mas, quando acontece, resolvemos da melhor forma possível. Até porque temos uma política interna de sempre manter a boa relação entre funcionários e clientes.
– Eu estou muito interessado, mas, não querendo ser chato, você poderia colocar uma bermuda?
– Claro. Não quero que você se sinta desconfortável de forma alguma.
Ele levantou e caminhou até um cômodo. Acabei reparando na bunda dele, muito sexy.
Alguns segundos depois, ele voltou vestido com uma bermuda estilo jogador de futebol.
– Melhor assim? – Ele perguntou.
– Sim. Salário?
– Será sessenta por cento do valor que o cliente pagar. Os serviços parecem simples, mas os clientes pagam bem.
– O Tiago comentou...
– O Tiago é um dos meus melhores funcionários. Todos os clientes que ele atende nunca levantaram uma reclamação dele.
– Imagino.
– Ele comentou sobre serviço extra...
– Acompanhante de luxo?
– Isso.
– Essa categoria é à parte. Temos clientes nessa categoria, mas só indicamos os funcionários que realmente não tem problema em ter intimidade com outra pessoa.
– Compreendo. Perguntei só por curiosidade mesmo.
– Então, o que me diz?
– Estou interessado, Marcos. Quando começo? Estou precisando de dinheiro, sendo direto e sincero.
– Te compreendo. Por mim você pode começar amanhã.
– Sério? Não há nenhuma avaliação, ou teste?
– Há um teste, mas tenho certeza que você vai passar.
– Legal.
– Mais um detalhe. Existe um sigilo dos dois lados. Nossos clientes não podem ser expostos. Assim como também meus funcionários.
– Gostei dessa parte. Sobre o teste, presumo que seja hoje ainda.
– Sim. Me dá um instante que eu vou ligar para o responsável do teste, o meu sócio.
Após a ligação, Marcos virou para mim e disse:
– Vou chamar um Uber para você ir até o local meu sócio está. Ele não gosta muito de vir até aqui.
Sorri pelo jeito engraçado que ele contou aquilo.
– Então, antes de você ir, alguma pergunta?
– Não. Nenhuma – respondi. – Eu quero é agradecer por essa oportunidade e dizer que gostei muito da sua simpatia.
– Que isso. Eu que agradeço a sua. Se eu pudesse passaria o dia todo conversando com você.
– É só marcar horário e valor.
– Isso aí garoto. Entrando na alma do negócio. Gostei de ver – e virou a tela do celular – Está aí o nome do motorista, a placa do carro e a marca.
– Beleza. Obrigado. Então vou nessa.
Levantamos do sofá e ele me conduziu até a porta.
– Boa sorte com o teste. Não que você precise.
– Obrigado – e estendi minha mão.
Ele pegou e deu uma piscadinha antes de soltar.
Dei as costas e chamei o elevador com um sorriso no rosto.
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Olá pessoal!
Estou tentando dar uma acelerada para postar os capítulos, pois tem muita história para rolar e tenho certeza que vocês vão curtir bastante esse novo rumo que a história está tomando...
Abraços, até o próximo capítulo, e não esqueçam de deixarem seus comentários e/ou sugestões!