O verão da minha vida

O verão da minha vida
Já se passaram tantos anos e, com eles tantas histórias em minha vida, mas jamais esquecerei aquele verão de 1973. Nele vivi a minha mais intensa relação de amor, uma paixão adolescente que, como tantas outras, têm a capacidade de nos marcar tanto pela felicidade imensa, quando pela dor mais profunda.
Meus pais e eu costumávamos passar os verões numa propriedade de 150 hectares que minha mãe herdara do meu tio-avô que nunca cheguei a conhecer, dada sua personalidade reclusa e excêntrica. Ainda me lembro da primeira vez, quando eu tinha oito anos de idade, e chegamos diante do casarão de três andares com paredes revestidas de pedra, um telhado de muitas águas, algumas desabadas pela falta de manutenção, e muitas portas e janelas venezianas, todas incrustadas em grossas caixilharias de madeira que se abriam para pequenos pátios o redor da casa onde imensas e centenárias árvores produziam uma sombra benvinda quando o ar estagnado e o calor insuportável castigavam as tardes. A propriedade tinha um ar de abandono que deixou minha mãe estarrecida e desapontada, a mim fascinado pela grandiosidade e por seu aspecto fantasmagórico e, a meu pai, com aquele seu olhar de quem vislumbra grandes possibilidades onde muitos só veem escombros, entusiasmado como uma criança que acaba de ganhar um novo brinquedo. A casa só não estava completamente em ruínas graças aos cuidados precários de um casal de meia idade fugido do desemprego e da ditadura salazarista de Portugal, empregado pelo meu tio-avô junto com os demais empregados que mantinham a propriedade em seus tempos áureos. A propriedade sempre tinha sido uma vinícola, assim diziam os anciãos de Monbazillac que conheciam seu antigo proprietário, a cidadezinha mais próxima, no departamento da Dordonha na região da Nova Aquitânia no sudoeste da França. Meu pai e eu percorremos os vinhedos abandonados à sua própria sorte entre o matagal que os cobria, subindo e descendo as colinas, na mesma tarde da nossa chegada. Eu como mero expectador, o acompanhava para fugir da poeira que flutuava pelos aposentos da casa durante a faxina que minha mãe promovia com a ajuda de algumas mulheres angariadas pelos arredores. Mas ele inspecionava cada carreira, se não como um expert, ao menos como alguém que já tinha encasquetado que restauraria tudo aquilo.
Passamos a primeira noite nos poucos cômodos que foram completamente lavados e limpos com aquele rigor costumeiro de minha mãe, sob a iluminação parca de alguns lampiões, pois havia tempos que a energia elétrica deixara de ser fornecida. Eu relutei em ir para a cama naquela noite, pois as sombras produzidas pelos objetos pouco familiares e pela nossa própria movimentação pelo ambiente, só enchiam minha mente de terrores criados pela imaginação fértil. Assim que meus se recolheram, tratei de me enfiar entre eles sob as cobertas, mesmo que minha cama improvisada estivesse a poucos passos de distância. Era certamente muito mais seguro.
Ao final daquele primeiro verão, a casa nem de longe lembrava as ruínas que encontramos ao chegar. O telhado foi reconstruído, as venezianas capengas substituídas e pintadas de um azul que remetia ao Mediterrâneo, os pisos de madeira encardida e rangendo lixados e envernizados deixando os ambientes muito mais claros, os cômodos todos caiados o que lhes conferia um aspecto limpo e salutar, as lareiras e o velho fogão a lenha da cozinha limpos e restaurados e, as velhas tapeçarias das paredes bem como os tapetes abandonados no sótão foram lavados e deixados a secar sob o sol e o ar seco. Do lado de fora, os vinhedos foram capinados, as árvores do pomar desbastadas e seu entorno liberado do matagal que as oprimia, o tanque retangular de pedras por onde corria um filete de água desviado de um córrego próximo, viu suas pedras se livrarem do limo que as cobria e, gramados novos foram distribuídos entre caminhos de pedra e canteiros recém criados. Quando o carro se afastou o suficiente para que toda a casa se encaixasse no vidro traseiro, cheguei a sentir uma ponta de saudade daqueles dias maravilhosos passados naquele agite da reforma e dos rostos sorridentes do Joaquim e da Manoela que, nesse tempo, praticamente me adotaram como um neto, enchendo-me de vontades e afeto.
Desde lá já se foram dez anos. A vinícola tinha sido premiada tanto regional como internacionalmente, para orgulho do meu pai e para o espírito prático de minha mãe, que se encarregava das finanças da propriedade e, se alegrava com o retorno dos investimentos que haviam feito. O verão tinha se tornado minha estação preferida, pois representava uma liberdade que eu não tinha em nosso apartamento em Paris e, também, a chance de reencontrar os amigos que acabei fazendo ao longo dos anos naquela região bucólica e de descanso. Não eram muitos, Jules e Gabin que tinham mais ou menos a mesma idade que eu e eram nossos vizinhos mais próximos, Timéo que também vinha passar os verões com os pais em sua casa de campo, Mila uma garota que morava em Bergerac, mas que vinha passar os finais de semana com os tios, Angélique, prima da Mila e, o Guyot, filho do dono da melhor confeitaria de Monbazillac que, apesar de uns quatro anos mais velho do que eu, tinha sido o primeiro a me mostrar todos os atrativos dos arredores em longos passeios de bicicleta, que sempre resultavam numa enorme bronca da minha mãe quando eu regressava já no escuro. Meus pais também tinham feito uma porção de novos amigos na região. Voltou-se a falar da vinícola e todos se lembravam do seu aristocrático antigo proprietário, o que fez com que meus pais se tornassem os melhores anfitriões da região. Durante todo o verão, quase todas as noites tínhamos companhia para o jantar, que minha mãe se esmerava em preparar na companhia da Manoela com os produtos frescos que colhia de sua horta e do pomar restaurado. Entre essas amizades dos meus pais figurava um professor de enologia do liceu la Brie em Bergerac, onde eram oferecidos cursos mundialmente conhecidos sobre as técnicas da fabricação de vinhos. E, através dele, é que anualmente, hospedávamos três alunos durante o verão vindos de diversos países ou, da própria França.
Nesse aspecto, o verão de 1973 foi atípico, pois recebemos apenas um aluno australiano. Meus pais e o professor Auguste é quem faziam as escolhas dos candidatos que se inscreviam para fazer o curso e vivenciar a rotina de uma vinícola em pleno processo produtivo desde a vendange, a colheita da uva, até final da fermentação das uvas e a colocação do vinho nos barris de carvalho onde se dará a maturação.
O Ethan chegou no meio de uma tarde quente do início de julho. Joaquim fora busca-lo na estação de trem de Bordeaux, onde desembarcou vindo de Paris. Eu tinha acabado de sair da água refrescante que corria no tanque de pedras e ainda pingava pelo cabelo desalinhado quando me juntei aos meus pais refestelados nas espreguiçadeiras debaixo do carvalho de galhos baixos que fazia sombra para uma mesa onde costumávamos fazer algumas refeições ao ar livre. Ele passou por mim em direção ao meu pai, que se levantou com um sorriso de boas-vindas para recepciona-lo, com a camisa aberta exibindo seu tórax avantajado e deliciosamente peludinho, uma bermuda caqui, óculos escuros e um sorriso extravagante estampado no rosto másculo. Limitou-se a me dirigir um sorriso fechado antes de abri-lo na direção do meu pai, como se eu não fosse digno de sua atenção.
- Seja muito benvindo à nossa casa, Ethan! Esta é Claude, minha esposa e, este é Marcel nosso filho. – disse efusivamente meu pai, num inglês carregado de sotaque, uma vez que ele nunca fora um admirador do idioma.
- Olá! – respondeu Ethan, curto e grosso. Embora houvesse um sorriso em seu rosto aquilo me pareceu arrogante. Quem cumprimenta um total desconhecido com um “olá”?
- Sente-se! Você deve estar cansado da viagem. Tome um pouco de suco e refresque-se antes que o Marcel lhe mostre seu quarto. – disse minha mãe, numa gentileza que seria completamente dispensável para um sujeito como aquele.
Examinei-o timidamente enquanto ele tomava três copos seguidos do suco de pêssego terminando com a jarra que estava sobre a mesa. Ele mal olhava na minha direção, mas tinha um lindo par de olhos azuis, lábios volumosos, um queixo anguloso e viril, sem mencionar aquele peito que continuava a me enfeitiçar e, me deixava com um olhar petrificado parecendo um completo idiota.
- Marcel! – minha mãe estava quase gritando quando a ouvi pela primeira vez, embora ela estivesse me chamando pela terceira vez. – Onde você anda com a cabeça outra vez? Mostre o quarto ao Ethan. – emendou, depois de conseguir minha atenção. Havia um risinho debochado na cara do Ethan.
Ofereci-me para ajudar a carregar sua bagagem ao andar de cima, mas ele recusou. Tive a impressão de que, ao erguê-la, quis me mostrar seus bíceps que saltaram assim que ele tirou a pesada mochila do chão. Babaca. Segui a frente dele escada acima esquecendo-me completamente de que só usava a sunga molhada. Isso talvez não fosse um problema para qualquer adolescente, mas o tamanho da minha bunda era algo de que me envergonhava profundamente. Toda a minha timidez era culpa dela, pois sempre fui zoado na escola por conta de suas curvas e fartura. Ao chegarmos ao topo da escada é que reparei no olhar dele. Acho que foi só ali que ele olhou especificamente para mim. Corei feito um garoto pego fazendo uma travessura. Não vou gostar desse sujeito, pensei comigo mesmo.
Eu sempre precisava ceder o meu quarto, que era o maior da casa depois da suíte dos meus pais, quando recebíamos os estudantes, pois ele facilmente abrigava as três camas de solteiro que eram dispostas ao longo da parede contrária à das portas-balcão que davam para um pequeno terraço. Nessas ocasiões, eu me mudava para o quarto ao lado, que era um pouco menor, separado pelo banheiro comum. Como naquele verão recebemos apenas um hóspede, achei que minha mudança para o quarto menor seria desnecessária, mas minha mãe já tinha providenciado tudo quando subi com o Ethan, e ele ficou alojado no meu quarto. Não consegui captar o que se passou em sua cabeça quando passou os olhos pelo cômodo e ficou observando as paredes onde eu havia afixado alguns quadros, fotografias e objetos que tinham a ver comigo.
- É aqui que você dorme? – perguntou, depois de um breve silêncio, enquanto eu lhe mostrava o armário onde podia colocar suas roupas.
- Sim!
- Você deve se perder nessa cama imensa! – exclamou. O que ele queria dizer com isso? Que eu era um garoto e não precisava de uma cama daquele tamanho? Que ele me achava pequeno por não ter o mesmo porte atlético que o dele? Que sujeitinho irritante!
- Quer que eu o ajude a arrumar suas coisas no armário? Como foi a sua viagem? Quantas horas demora o voo da Austrália até a França? – eu procurava puxar conversa para ver se ele se mostrava mais amistoso.
- Não precisa, obrigado. Eu faço isso sozinho. Muitas horas. É uma viagem exaustiva. Se não se importa vou descansar um pouco. – respondeu, me dispensando.
- OK! – respondi, deixando-o a sós. Nenhum outro hóspede nesses anos todos foi tão grosseiro como o Ethan.
Vaguei pela casa sem saber o que fazer, pois tinha feito toda uma programação para entreter nosso hóspede e agora eu não tinha o que fazer pelo restante da tarde. Passei pela cozinha onde a Manoela dava início aos preparativos para o jantar, uma vez que teríamos o professor Auguste e sua esposa como convidados, além do Ethan. Bisbilhotei em suas panelas apesar de saber que ela detestava essa intromissão em seu território.
- O que quer? – perguntou ríspida. – Se está com fome trate de comer uns pêssegos, o Joaquim os colheu esta manhã, ou não vai jantar direito depois.
- Não estou com fome! Vim apenas ver o que teremos para o jantar. – retruquei contrariado.
- Garanto que será algo do seu agrado. Agora chispa! Vá caçar o que fazer! – ela também me enxotou.
Havia três salas no andar térreo, uma maior e duas menores que ficavam nas extremidades da construção e tinham janelões em duas paredes. Na que estava em piores condições quando chegamos a Monbazillac pela primeira vez, havia um piano de cauda sendo devorado pelos cupins, sua tampa quase caiu nos pés da minha mãe quando foi abri-lo e, suas teclas estavam todas encardidas num tom amarelo ferrugem, algumas cordas haviam se rompido e as demais estavam mergulhadas numa grossa camada de poeira. Mesmo assim, era uma peça pomposa e, como tanto eu quanto minha mãe gostávamos de tocar, pedi que o restaurassem. Mas, os altos investimentos na reforma da casa e da vinícola iam adiando o restauro, que talvez nem compensasse o gasto. Apenas três verões depois é que ele voltou a ser o centro das atenções daquela saleta e, um amigo para os dias de chuva quando não se podia ficar ao ar livre.
Expulso da cozinha fui procurar consolo nas teclas do piano, na tentativa de preencher o tempo ocioso. Dedilhei um trecho do concerto para piano nº21 em Dó maior de Mozart, pois era a partitura que estava aberta sobre o teclado e eu conhecia aquele trecho de cor. Vinte minutos depois, estava entediado e meus dedos bateram nas teclas com demasiada força. Levantei-me e caminhei até as janelas. Meus pais liam sob a sombra de uma bétula, da qual nenhuma folha se movia. Tudo parecia estagnado, não apenas eu. Juntei-me a eles e me servi do suco que estava sobre a mesa, sem dizer uma palavra, não porque não os quisesse interromper, mas por pura falta de ter o que falar.
- Pensei que você fosse mostrar a propriedade ao Ethan, como fez com os outros estudantes. – disse meu pai, colocando o jornal de lado para me encarar.
- Ele preferiu ficar descansando no quarto. – respondi
- O que achou dele? – perguntou minha mãe, fechando o livro que estava lendo. – Simpático, não é? – emendou, antes que eu pudesse responder.
- Arrogante! – exclamei.
- Não tive essa impressão! – disse meu pai. – Pareceu-me muito descontraído. – acrescentou.
- Folgado, você quer dizer! Onde já se viu se apresentar com aquela camisa toda aberta e aquele “Howdy”, como cumprimento? – protestei.
- Australianos são ainda mais descontraídos do que os americanos. Não seja tão severo com ele. Dê-lhe um tempo para se acostumar aos nossos costumes. – aconselhou minha mãe.
- Não sei se quero fazer isso! – revidei. Ambos se entreolharam e esboçaram um ligeiro sorriso.
À hora do jantar subi para chamar o Ethan, pois o professor Auguste e a esposa já estavam há meia hora bebericando uns brinques com meus pais. Bati na porta do quarto, mas não obtive nenhuma resposta. Bati com mais força até sentir um pouco de dor nos nós dos dedos. Nada. Baixei a maçaneta e abri lentamente a porta. O Ethan estava deitado de costas, só de cueca, com as pernas bem abertas e uma das mãos enfiadas no cós da cueca, sobre seu membro, respirando sonoramente e dormindo a sono solto. Fiquei uns instantes ali parado sem saber como agir. Deveria ser invasivo e, simplesmente sacudir seus ombros e acordá-lo ou, devia descer e dizer que nosso hóspede ainda descansava da viagem. Ponderei que a última opção seria uma desfeita para o professor que o havia recebido para seu curso. Aproximei-me dele, evitando propositalmente uma das tábuas do piso que eu sabia ranger quando se pisava sobre ela. Era impressionante a largura de seu tórax. A sensualidade daqueles pelos distribuídos em dois grandes redemoinhos, que se juntavam e, depois desciam por seu abdômen até desaparecerem abaixo do umbigo dentro da cueca prendeu o meu olhar. Suas coxas eram enormes, grossas e peludas, destacando a musculatura potente de que eram constituídas. Aliás, ele todo era enorme, devia ser uma cabeça mais alto do que eu, que já não era nenhum baixinho. O rosto estava relaxado e, uma imensa vontade de beijar aqueles lábios polpudos me transportou para os meus mais inconfessáveis desejos. Eu o estava quase tocando com as pontas trêmulas dos meus dedos quando ele se mexeu e me fez dar um passo apressado para trás quase me fazendo perder o equilíbrio. Acabei pisando na tábua solta e o assoalho rangeu, acordando-o.
- O que faz aí parado? – questionou secamente.
- Vim chamá-lo para o jantar. O professor Auguste e a esposa já estão lá embaixo. – respondi. Não sei por que minha voz saiu gaguejando daquela maneira ridícula.
- Quanto tempo eu dormi? – perguntou, tirando a mão de dentro da cueca e deixando visível uma ereção em andamento.
- A tarde toda! – exclamei contrafeito.
- Não pode ter sido a tarde toda, pois eu cheguei aqui no meio dela. – revidou, enquanto caminhava para o banheiro e se enfiava debaixo da ducha, após tirar a cueca e me impressionar com o tamanho de seu falo.
- É modo de dizer, você entendeu o que eu quis dizer! – retruquei, desconcertado e desviando o olhar daquele sexo impudicamente exposto. Ele deu um sorrisinho.
Desci antes dele, pois não queria mais ficar olhando para aquele bagulhão que deixava qualquer um humilhado. Tirei dois damascos de uma cumbuca ao passar pela mesa posta antes de dizer que ele já estava descendo. O Ethan foi o centro das atenções durante todo o jantar. Saiu-se muito bem nesse papel, respondendo com sorrisos ao que lhe perguntavam e tecendo elogios sobre o que os demais diziam. Parecia não haver situações que o deixassem embaraçado. Sua desenvoltura e segurança em si próprio jamais deviam tê-lo colocado em uma saia justa. Ele podia ter o que, uns vinte quatro, vinte cinco anos, mas já era um homem feito em todos os aspectos. Terminado o jantar, a Manoela serviu o café na saleta do piano. Meu maior temor começou a se esboçar assim que notei como minha mãe me encarava. Eu conhecia aquele seu olhar de quem está prestes a me pedir para tocar algo para entreter os convidados. Ela ou meu pai sempre faziam isso e, eu me sentia um garotinho cujos pais estavam orgulhosos de expor os talentos.
- Toque um pouco para nós, Marcel! Aquele concerto que você estava tocando esta tarde. – eu já ouvi as palavras antes mesmo que ela abrisse a boca. Todos se viraram na minha direção esperando minha atuação.
- Estou com um pouco de dor de cabeça esta noite, talvez outro dia. – respondi.
- Não seja estraga prazeres, Marcel. Sua mãe lhe fez um pedido gentil. – censurou-me meu pai. Eu queria explodir.
- Toque, Marcel! – disse o Ethan. Eu não sabia se aquilo era um pedido ou uma ordem. Fiquei furioso. Toquei por três quartos de hora, mergulhando tão intensamente na música para não pensar na maneira como estava exposto.
Pouco antes das onze e meia o professor Auguste e a esposa se despediram. Meus pais os acompanharam até o carro e, o Ethan e eu subimos para os quartos. Ele veio atrás de mim, tão colado que não pude fechar a porta do meu quarto antes de ele entrar junto comigo.
- Então está dormindo aqui por um tempo? – perguntou, sentando-se na beira da cama.
- Sim.
- O que há para fazer por aqui? Como você se diverte, além de entreter convidados com música clássica? – perguntou, como se não houvesse vida em Monbazillac ou, como se eu não fosse capaz de ter distrações.
- Há muito para se fazer no verão por aqui! Vou encontrar com uns amigos em Bergerac à noite, jogamos vôlei, nadamos nos diversos córregos e lagoas da região, passeamos de bicicleta pelos vilarejos próximos, enfim, não falta como se divertir. – respondi. Ele apenas emitiu um “Hã”, que eu interpretei como sendo – só isso, que programinhas sem graça – mas, estava cansado demais para dar importância à opinião dele.
O curso de enologia no Liceu la Brie em Bergerac era voltado para adultos. Embora o liceu fosse uma escola pública profissionalizante de segundo grau, mantida pelo Ministério da Agricultura, oferecia esse curso num nível de pós-graduação para profissionais da área de engenharia de alimentos, biologia e áreas afins. As aulas eram complementares às ministradas em universidades parceiras em diversos países, cabendo aos estudantes um período antes da conclusão da formação no liceu e nas vinícolas da região. As aulas teóricas eram ministradas pela manhã, ficando as tardes para a parte prática dentro das vinícolas. Já na primeira semana, o Ethan não regressou para o almoço, só vindo a dar as caras no início da noite ou, como aconteceu por duas vezes, nem à noite, aparecendo na manhã seguinte com a cara de quem tinha caído na esbórnia.
Foi assim que ele apareceu no quinto dia de sua estadia. Para não fugir á regra, com a camisa desabotoada esvoaçando enquanto ele caminhava. Eu lia junto ao tanque de pedras com os pés imersos na água quando ele se aproximou de mim.
- O que está fazendo? – perguntou
- “Saltando de paraquedas” – tive vontade de responder diante do óbvio. – Lendo A bagagem do Viajante de José Saramago, é um escritor português. – respondi contido.
- É em português que você se comunica com a Manoela e o Joaquim, não é? Fantástico! Fala um inglês perfeito, lê em português, conversa com sua mãe em alemão. Um poliglota! – exclamou.
- Sim, é em português que falo com eles. Comecei a estudar; aliás, não só eu, meus pais também, depois que começamos a frequentar esta casa durante os verões. – respondi. Fiquei na dúvida se ele havia me elogiado ou se estava tirando uma com a minha cara.
- Você disse que fazia passeios de bicicleta pelos arredores, me mostre alguns lugares. Isso se não estiver atrapalhando sua leitura? – eu mal podia acreditar que ele estava me convidando para sair com ele. Já estava me conformando com o fato de ele me ignorar completamente, talvez por me achar imaturo demais para seus padrões. No entanto, confesso que fiquei feliz com a proposta. Talvez nem tudo estivesse perdido.
Pedalamos pelas estradas cascalhadas que serpenteavam entre as colinas sob um sol ainda manso. Sem um destino pré-programado, deixei que a brisa, que carregava todos os perfumes dos campos floridos, fosse nossa guia, sempre nos atingindo os rostos para suavizar as pedaladas. De repente, estávamos diante das portas da igreja Saint-Pierre-ès-Liens no vilarejo de Ribagnac, pouco mais de três quilômetros ao sul de Monbazillac.
- Esta é a igreja de Saint-Pierre-ès-Liens, data do período romano, exceto os dois sinos, o restante da construção nada sofreu ao longo desses séculos. – expliquei. – Há mais de uma dezena de igrejas com o mesmo nome dedicadas ao mesmo santo na França. Mas, esta é a mais antiga delas. – continuei, enquanto adentrávamos a nave principal, mergulhada na luz tênue que se infiltrava pelas diminutas seteiras produzindo fachos concentrados de luz na penumbra silenciosa.
Estava fresco lá dentro e, por uns minutos nos sentamos em silêncio no último banco, próximo à entrada. O Ethan estava tão próximo de mim que eu podia sentir o calor de sua transpiração, nossos braços se roçaram algumas vezes. Tive vontade de dizer que gostava dele mais do que de qualquer outro hóspede que já tivemos, mas me faltou coragem. Seria uma revelação descabida cuja profundidade ele talvez não fosse compreender. De qualquer maneira, aquele repouso serviu para nos refrescar e descansar nossas pernas. Eu tive tanta vontade de saber o que se passava em sua mente naquele momento que quase cheguei a formular a pergunta, mas, mais uma vez, faltou-me a coragem.
- Vamos voltar ao passeio? – perguntou, dando um encontrão no meu braço, ao mesmo tempo em que se levantava e me puxava pela mão. Deixei-me conduzir sob um sorriso cujo significado me era enigmático demais para me dar ao trabalho de desvendá-lo.
Pouco depois, estávamos diante da entrada do castelo de Bridoire. Embora as visitas ao castelo fossem pagas, o homem que estava na entrada nos permitiu circular rapidamente pelos jardins onde alguns cavalos pastavam na grama aproveitando o sol.
- O castelo data do século XV, passou por inúmeras restaurações desde então. – expliquei, enquanto deixávamos as bicicletas sob uma árvore e caminhávamos em direção aos cavalos que logo se interessaram pela nossa presença, vindo receber uns afagos.
- Eles parecem gostar de você! – exclamou o Ethan, juntando-se a mim nas carícias que fazia no pescoço do animal. “Bem que você podia fazer o mesmo” pensei com meus botões.
- Eles gostam de carinho! Não importa de quem. – retruquei.
Regressamos passada meia hora do meio-dia. A primeira bronca levei da Manoela, assim que entramos na cozinha à procura de algo gelado para beber.
- Por sua falta de noção, terei que servir um assado esturricado! Não se lembra dos horários desta casa? Por onde andou que ninguém os encontrava? – explodiu a Manoela, zangada por ficar sujeita a alguma crítica à sua comida, coisa que jamais aconteceu.
- Estava mostrando os arredores para o Ethan! – respondi, antes de levar um tapa na mão, enquanto roubava um rabanete da salada que estava sobre o balcão da cozinha.
A segunda bronca veio logo em seguida, quando minha mãe entrou na cozinha para pedir que a Manoela servisse o almoço mesmo com a nossa ausência.
- Ah! Finalmente apareceram. Posso saber por onde o rapazinho andou? – desatou a ralhar, assim que me viu. Repeti a resposta sob um olhar zangado. O Ethan apenas se limitou a erguer os ombros e a dar um sorriso na minha direção. Fiquei me perguntando por que ninguém o censurou, uma vez que ele estava tão atrasado quanto eu e, ainda por cima, não tinha ido às aulas naquela manhã.
Como de costume, no primeiro sábado após a chegada do Ethan, meu pequeno grupo de amigos de Monbazillac veio passar o dia conosco. Não tínhamos uma programação especial, eles apenas apareciam e então, decidíamos com o quê preencher nosso dia. Geralmente jogávamos tênis ou voleibol, nadávamos no tanque de pedras, fazíamos um passeio a pé ou de bicicleta ou, simplesmente ficávamos refestelados à sombra de alguma árvore do jardim jogando conversa fora. Naquele sábado decidimos jogar vôlei, uma vez que havia bastante gente, já que todos apareceram para conhecer o novo hóspede. O porte atlético do Ethan se destacava entre os nossos, uma vez que ele já era um homem feito, para não mencionar seus músculos avantajados. Fiquei propositalmente no time adversário. Eu era um ótimo jogador nas posições de ataque e bloqueio no colégio e, bastante requisitado na composição dos times. Mas, naquele dia, acho que só queria mostrar ao Ethan que ele não podia ser o melhor em tudo. Foi a mais estúpida coisa que pude fazer. Quando nos enfrentávamos diante da rede, ele dava cada soco na bola que, ou a fazia passar sobre a minha cabeça, ou me acertava em cheio me fazendo perder o equilíbrio. Fiquei com tanta raiva que a vontade de socar sua cara de convencimento era descontada na bola, que na maioria das vezes acabava caindo onde eu não queria, diretamente nas mãos de outro jogador que se defendia ou fora de quadra. Eu não era páreo para ele. Eu era ignorado por ele. Eu, em sua mente, provavelmente não passava de um fedelho sem importância. Meu time perdeu as três partidas disputadas, e eu o meu orgulho. Não sei se para tripudiar, ou se para me mostrar que eu não tinha como competir com ele, ele passou a mão na minha cabeça desalinhando meus cabelos, enquanto me dirigia um daqueles seus sorrizinhos. Todos o acharam encantador. A Mila não parava de suspirar por ele e, a Angélique, acredito que só não o fez por que estava interessada em mim desde o verão passado quando começamos a ter uma espécie de namoro ou, seja lá que nome se podia dar àquilo. Eu gostava da companhia dela, de suas conversas, da maneira com ela olhava para mim, do jeito como me abraçava e me beijava quando nos encontrávamos. Os rapazes falavam com o Ethan de igual para igual, algo que eu não conseguia fazer por que me sentia tremendamente atraído por ele, sexualmente atraído por ele.
Durante a segunda semana nos vimos poucas vezes. Eu acordava cedo só para estar com ele na mesa do café da manhã, antes de ele seguir para o liceu. À tarde, ele ficou a maior parte do tempo ocupado acompanhando a vendange ou, escrevendo o esboço do trabalho que precisava entrar ao professor Auguste ao final do curso para receber um certificado. À noite ele desaparecia tomando o caminho para Bergerac. Fiquei me questionando o que ele ia fazer na cidade, uma vez que não conhecia ninguém. A curiosidade foi tanta que fui visitar a Angélique no meio da semana. Ela ficou radiante com a minha aparição repentina e, por eu a ter convidado para darmos uma volta. Encontrei o Ethan com uma galera na praça central da cidade velha de Bergerac, enquanto caminhava sem destino ao lado da Angélique. Ele nos viu e veio até nós.
- O que fazem por aqui? – perguntou, depois de dar um beijo nas bochechas da Angélique.
- Só dando uma caminhada. A noite está tão agradável, não é? – respondeu ela. Eu apenas o encarei.
- Estou tomando uma cerveja com uns colegas do curso, querem nos acompanhar?
- Não, obrigado! Vamos continuar caminhando. – apressei-me a dizer, puxando a Angélique pelo braço com uma força desproporcional.
- OK! Vemo-nos mais tarde, Marcel? – retrucou o Ethan. Ele ficou sem resposta.
- Por que você não quis se juntar a eles? Pensei que fosse arrancar o meu braço! – disse ela.
- Desculpe, não pretendia machuca-la. Queria ficar só com você. – menti. Ela abriu um sorriso e me deu um beijo castiço na bochecha. Eu me virei na direção dela e, como estávamos passando por uma ruela quase deserta, prensei-a contra a parede de uma daquelas casas medievais e enfiei minha língua em sua boca, apertando-a com o meu corpo. Ela passou os braços sobre meus ombros e retribuiu o beijo afoito.
- Precisamos fazer mais dessas caminhadas noturnas. – disse ela, quando a soltei.
- Com certeza! – devolvi, enquanto ela pegava minha mão e continuávamos a caminhar. Eu estava me roendo de ciúmes do Ethan. Todos tinham sua atenção, menos eu.
Ele voltou tarde para casa. Eu já estava na cama, mas não conseguia pegar no sono. Ouvi-o usando o banheiro, o som estrondoso de uma mijada atingindo a água da privada. Ele abriu uma fresta da porta que dava para o meu quarto e deu uma espiadela rápida. Fingi que estava dormindo. Ele tornou a fechar a porta e logo ouvi a cama rangendo sob seu peso. Voltei a ter mais uma daquelas ereções que estavam me perturbando nos últimos tempos, mas não quis me masturbar com receio de que ele pudesse aparecer e me flagrar. Seria mais uma humilhação, um garoto com os hormônios tão descontrolados quanto sua mente.
Meu aniversário é no final de julho. Temendo que minha mãe organizasse uma daquelas festinhas de adolescente para comemorar a data, alertei-a, na presença da Manoela, para que não se aventurasse a me aprontar uma surpresa desagradável. Foi o mesmo que pedir que ela caprichasse na festa daquele ano. O pátio ao lado do pomar foi decorado com balões coloridos pendurados nos galhos das árvores, mesinhas foram distribuídas por todo canto e adornadas com toalhas bordadas, o Joaquim tinha passado a manhã colhendo flores dos canteiros para que fossem montados arranjos sobre as mesas, a cozinha estava em polvorosa com a vinda de mais três auxiliares que estavam pondo a Manoela histérica. Quando vi o circo se formando, fui protestar com minha mãe. Usando sua costumeira vitimização só faltou interpretar um choro pelo meu descaso com o carinho que tinha por mim. Uma chantagista de carteirinha que, ainda contou com a ajuda do meu pai.
- Essa é a única vez que você vai comemorar dezoito anos. É uma data emblemática. Você deveria estar feliz por ter amigos ao seu redor comemorando um dia tão especial. – ponderou meu pai, pondo panos quentes na discussão com minha mãe.
- Estou fazendo dezoito anos, mas vocês continuam me tratando como uma criança. Será que nunca vão perceber que eu cresci? – revidei aos berros e saí batendo o pé. Ambos, em companhia da Manoela, começaram a rir disfarçadamente.
Vieram todos, o Jules e o Gabin, Timéo, Mila e Angélique, Guyot e um amigo que ele me apresentou no verão passado, além de seus pais e mais alguns vizinhos, umas quarenta pessoas. A noite caiu e todos se divertiam, menos eu, que esperava pelo Ethan desde o início da tarde quando ele desapareceu com a bicicleta. Ele tinha me parabenizado durante o café da manhã, por cima da mesa, com um – Parabéns – tão banal que podia ser interpretado como qualquer felicitação que se dá a alguém por um motivo qualquer. Sentado a um canto da festa, um pouco afastado do burburinho, refleti sobre aquele “Parabéns” tão descompromissado. Estar fazendo aniversário exatamente quando ele se hospedava em nossa casa não devia mesmo ter muita importância para ele. Em algumas semanas estaríamos separados novamente por milhares de quilômetros e eu e a minha vida, não teriam mais nenhum significado na dele. No entanto, não sei por que aquilo estava doendo tanto. Quem afastou esses pensamentos da minha cabeça foi a Angélique. Ela sentou-se no meu colo, passou os braços no meu pescoço e me deu um beijinho discreto. Eu sorri feito um bobo para ela.
Quando as pessoas começaram a se despedir, já passava das dez horas. O Ethan não havia retornado. Quando a Mila manifestou o desejo de voltar para casa, segurei a Angélique.
- Eu a levo depois, está bem para você? – perguntei-lhe. Ela assentiu feliz. Eu não queria ficar sozinho.
Meus pais já haviam se recolhido e a Manoela e o Joaquim procuravam por um pouco de ordem nas coisas antes de se recolherem. A casa da Angélique ficava a uns oitocentos metros da nossa, numa curva que a estrada fazia pouco depois da ponte de pedras em arco que cruzava sobre um riacho. Caminhamos sem pressa. Eu perdido em meus pensamentos e, ela cheia deles e de desejos libidinosos. Ao lado da ponte desciam alguns degraus até a água. Muitas vezes costumávamos ficar sentados neles conversando. Naquela noite ela me pegou pela mão e me levou até eles. Beijei-a como naquela noite em Bergerac, enfiando minha língua em sua boca, tentando alcançar não sei o quê. Ela pegou no meu pau, que ficou duro enquanto eu a beijava. Ele ficava duro por qualquer coisa ultimamente. Desabotoei a blusa dela e enfiei a mão agarrando um dos seios dela. Ela soltou um gemido e tirou o sutiã me oferendo o mamilo enrijecido a centímetros da minha boca. Eu o mordi e ela tirou meu pau para fora da bermuda. Desajeitadamente deitei-me sobre ela, esfregando meu corpo e minha ereção contra o dela. Meti a mão entre suas coxas e puxei a calcinha até tê-la completamente entre os dedos. Senti novamente a mão dela se fechando ao redor da minha pica. Um sorriso apareceu no rosto dela. Eu retribuí. A Angélique conduziu meu cacete para dentro da sua vagina. Eu o pressionei ligeiramente e a penetrei. Foi como mergulhar numa taça de gelatina, só que morna. Fiquei me movimentando, o pau deslizava dentro daquele buraco macilento e úmido sem conseguir prazer. Forcei-o mais profundamente, ela gemeu. Acelerei os movimentos, ela gemeu. Assim que tirei a pica de dentro dela, um gozo ralo lambuzou suas coxas. Eu estava confuso, ela exultante.
- Como isso é bom! Espero não tê-la machucado com a minha falta de jeito. – menti, saindo de cima dela e me estirando no degrau.
- Você foi ótimo, Marcel! – respondeu, me puxando para um beijo. Eu queria sumir dali.
Deixei-a em casa sem lhe dar tempo de me beijar mais vezes. Voltei pelo caminho sob uma lua cheia que fazia sombra das árvores esparsas que margeavam a estrada. Havia um gosto na minha boca como se eu tivesse engolido fel, amargo e nauseante. Que loucura foi essa? Angélique não era virgem, não fui eu quem a descabacei. Foi ela que fez isso comigo. O ato foi tão mecânico, sem nenhum sentimento, que seria melhor jamais ter acontecido. Foi uma experiência horrível. Eu me recriminava por tê-la deixado acontecer. Isso só daria mais esperanças para a Angélique. Esperanças de que pudesse rolar algo entre a gente. Eu sabia que não queria nada com ela e, depois dessa loucura, eu não queria sexo com mulher alguma. Por sorte gozei fora dela. Aliás, eu andava gozando ao menor estímulo. Caso contrário, agora ainda estaria correndo o risco de uma gravidez indesejada, tornando tudo ainda mais catastrófico. Cheguei ao meu quarto suando de tão rápido que andei ou, quase corri de volta. Antes de me enfiar debaixo da ducha, abri discretamente a porta que dava para o quarto do Ethan. Estava completamente escuro e vazio. Debaixo da ducha comecei a chorar. Não sei o que aquele choro estava purgando, eu só queria chorar.
Quase não preguei o olho durante toda a madrugada, não sei se agitado pelo que tinha acontecido, ou pelo fato do Ethan não ter voltado para casa. Mas, ele estava lá na manhã seguinte, quando espiei pela fresta da porta de seu quarto. Ver seu corpão esparramado sobre a cama só de cueca deu um impulso no meu dia e, eu desci para o café tão animado quanto os passarinhos que cantavam lá fora do quintal, onde meus pais já haviam terminado sua refeição.
- Você voltou tarde para casa ontem. Por onde andou? Estava com o Ethan? – perguntou meu pai. Eles estão controlando meus passos, pensei comigo mesmo.
- Fui levar a Angélique até em casa. – respondi. Fiquei feliz por ter esse álibi naquele momento, isso os faria ver que minhas preocupações não estavam concentradas apenas no Ethan.
Quando ele desceu para o café da manhã, estava atrasado para as aulas. No entanto, foi maravilhoso receber seu sorriso de bom dia, especialmente por que ele estava com a camisa aberta e seu tórax parecia também estar sorrindo para mim.
- Que tal outro passeio de bicicleta esta tarde, assim que eu voltar de Bergerac? – perguntou-me displicentemente.
- Claro! Vou pensar num lugar legal para irmos. – respondi eufórico. Eu já não estava mais tão invisível aos seus olhos. Ainda havia esperanças.
Aquela manhã as horas pareciam não passar. Fui à cozinha umas três vezes para ver a quantas andava o almoço. A Manoela me questionou sobre aquelas visitas constantes.
- O que anda rondando na minha cozinha? Desembucha! Quando você começa a rondar por aqui sei que está querendo alguma coisa. – disse ela, numa voz firme, mas sem rancor.
- Nada! Será que nem se pode mais andar por aqui? – revidei.
- Se eu não te conhecesse até podia acreditar, mas depois de uma década, sei que está procurando por alguma coisa e, garanto, não vai ser na minha cozinha que vai encontrar. – retrucou ela. Eu devia ser como livro aberto, todos pareciam conseguir enxergar o que se passava na minha mente.
- Você anda muito ranzinza ultimamente! – exclamei. Ela riu.
- E você, sonhando com o impossível! – revidou. Será que estava na minha cara o que eu sentia pelo Ethan? Tratei de sumir da cozinha antes de ela ter certeza do que se passava comigo.
Saímos pouco depois do almoço. O sol a pino tornou as primeiras pedalas mais pesadas que de costume, obrigando-me a tirar a camiseta, embora soubesse que minha pele muito branca não era páreo para aquele sol. Acho que apenas quis imitar o Ethan, sem me dar conta de que seu bronzeado não era fruto apenas daquele verão. Conduzi-o em direção a Pomport, uns oito quilômetros a oeste de Monbazillac. Da estrada estreita e quase deserta àquela hora, que cortava os vinhedos, viam-se os antigos moinhos ao longo do trajeto. Eu estava distraído apontando para as ruínas de um deles incrustado entre os vinhedos quando um maluco passou pela estrada sem acostamento tirando uma fina, batendo o retrovisor externo no guidão da bicicleta e, me derrubando com bicicleta e tudo para dentro da valeta de drenagem das águas pluviais. Enquanto o Ethan xingava o sujeito e apontava o dedo do meio em riste, eu procurava me levar e avaliar os estragos. Um joelho, um cotovelo e a lateral da barriga com a pele esfolada e sangrando levemente, foi tudo que constatei. A bicicleta estava intacta, o que nos permitiu chegar até às margens do rio Gardonnette, um dos afluentes do Dordone, nos refrescar e eu limpar os ferimentos com a ajuda da camiseta molhada.
- Anotei a placa. Ao chegarmos a Pomport vamos acionar a gendarmerie. Não é possível que esse desgraçado fique impune. – afirmou o Ethan que, sentou-se ao lado e avaliou meus ferimentos.
- Foram apenas algumas escoriações. – ponderei, sob o olhar mais cuidadoso que já havia visto pousado sobre mim.
- Não importa! Ele podia ter te atropelado. – retrucou furioso, enquanto colocava minhas pernas sobre as suas e removia o sangue do meu joelho.
Eu não conseguia sentir as dores dos locais esfolados, apenas o calor do corpo do Ethan, tão próximo e cheio de zelo. Reprimi o desejo de tocar seu rosto e beijar sua boca, achando que isso fosse fazer com que se afastasse de mim. Quando me senti apto a retomar o passeio, recusando-me a voltar para casa, como ele havia sugerido, mostrei-lhe as edificações históricas que havia pelo caminho, explicando suscintamente suas origens. Numa parada diante do château de Sansext, do século XV, agora de propriedade de uma vinícola, ele me encarou com um sorriso admirado.
- Fico impressionado com seus conhecimentos. Acho que não existe nenhum monumento histórico dessa região do qual você não conheça a história. Sem mencionar sua facilidade de se comunicar em diversos idiomas. Dias atrás, ouvi você falando alemão com sua mãe, mais uma que eu não imaginava que você soubesse falar. Sua desenvoltura diante do piano é fantástica. Você parece saber tudo! – afirmou ele, enquanto dávamos alguns passos ao redor do château. Desta vez não tomei isso como uma gozação, mas como uma admiração sincera.
- Só não sei o que realmente importa! – exclamei tímido.
- E, o que é que importa? – questionou ele.
- Você sabe, eu sei que sabe. – respondi. Ele voltou a fixar o olhar em mim.
- Existe um tempo para tudo. Você vai saber quando for a hora. – disse displicentemente.
- Então talvez seja tarde demais! – devolvi, retribuindo o olhar que mergulhou fundo no dele, a ponto de desconcerta-lo.
- Nessa idade confundimos as coisas, os anos vão te ensinar isso.
- Eu não estou confuso em relação a isso. Sei o que estou sentindo e, ao mesmo tempo em que é maravilhoso, sua indiferença me machuca. – ousei confessar.
- Não sou indiferente a você, sou cauteloso, talvez até temeroso. – retrucou.
- Eu queria que não fosse. Queria que me mostrasse o que não sei. – afirmei, aproximando-me dele e colando desajeitadamente minha boca na dele.
- Ah, Marcel! Meu Marcel! – sussurrou ele, tomando-me em seus braços e me beijando com intensidade e volúpia, até eu sentir minhas pernas bambear.
Pouco depois, ele me soltou com um – não podemos fazer isso – enquanto seu sabor se dissipava nos meus lábios. Eu investi mais uma vez em sua direção, à procura de outro beijo, mas ele me afastou com firmeza, a despeito dos meus olhos marejados. Saímos dali calados e, passamos a meia hora seguinte sem trocar uma única palavra. Ao chegarmos à Pomport, demos de cara com uma viatura da gendarmerie, à qual o Ethan recorreu para comunicar o atropelamento. Eles foram ao encalço do veículo que descrevemos.
Durante o jantar nossos olhares se cruzaram diversas vezes sobre a mesa. Havia agora uma cumplicidade entre nós dois, e eu estava gostando disso. Eu nunca tinha me sentido tão conectado a ele.
Não sei se foi o calor ou se a lembrança do beijo do Ethan daquela tarde que não me deixavam pegar no sono. Eu me virava de um lado para o outro sobre o colchão e, cada parte do meu corpo que o tocava parecia estar em brasa. Isso sem mencionar as ereções que vinham e iam dentro do meu short aumentando minha inquietude. As venezianas que davam para o terraço que unia nossos quartos estavam abertas e, apesar disso, o quarto não ventilava. Quando pus em prática um exercício de concentração para ver se conseguia eliminar aquele furor que avassalava meu corpo, comecei a ouvir o velho e conhecido ranger da minha cama no quarto ao lado. O Ethan também estava tendo problemas para conciliar o sono. Passei então a me concentrar naquele som, imaginando como ele devia estar se sentindo, que motivos o estavam inquietando, que sensações não o estariam deixando dormir. Um pensamento doce passou pela minha mente. Podia ser o meu beijo. Imediatamente me senti feliz com essa suposição.
- Você está dormindo? – até me assustei com sua voz grave e seu vulto no vão escuro da porta, apesar de ele ter apenas sussurrado a pergunta.
- Não. – respondi, sem conseguir conter a alegria de ele ter me procurado.
- Por que não? – perguntou, um pouco dúbio.
- Calor. – respondi.
- Eu também. Está uma noite muito quente mesmo. – retrucou ele.
- Sim, está. Mas não é esse calor que não me deixa dormir. – afirmei, ousado.
- Não brinque com isso, Marcel! – advertiu, quando já estava sentado na minha cama.
- Por quê? Do que você tem medo? – questionei.
- De você. De machuca-lo. De você criar expectativas que nunca vão se concretizar. – respondeu.
- De admitir que está sentindo o mesmo tesão que eu sinto por você! – exclamei. – Você se esqueceu de mencionar. – completei.
Ele se lançou sobre mim, envolveu meu tronco em seus braços e me beijou num desejo irrefreável e lascivo. Minhas mãos se perderam em seus cabelos, e eu comecei a retribuir aquele beijo e a chupar aquela língua que se intrometia na minha boca de forma tão predadora. Ele se esfregava no meu corpo enquanto nossas bocas procuravam novas maneiras de se encaixar e, junto com a minha ereção, agora eu podia sentir a dele, enorme e incisiva me cutucando. Ergui meu corpo quando ele começou a baixar meu short para facilitar a descida dele pelas minhas coxas. Ao primeiro toque de suas mãos voluptuosas sobre as minhas nádegas soltei um gemido excitado. Ele me apalpou as carnes firmes e abundantes, enquanto forçava a língua dentro da minha garganta. Enquanto eu me contorcia sob seu peso, o Ethan ia se apoderando do meu corpo, deslizando suas mãos sobre a minha pele, tocando meu ventre, escorregando seus dedos ávidos até meus peitinhos, e apertando meus mamilos entre eles. Cada gemido meu o deixava mais fora de controle, mais louco de desejo, mais decidido a me possuir. Todas aquelas sensações eram novas para mim, mas eu me entregava a elas apesar de um receio que se avolumava em meu peito.
A urgência fez com que o Ethan se desvencilhasse de seu short tão afobadamente que nem o notei, apenas percebi, de um momento para o outro, que seu cacete úmido roçava minhas coxas. Nossas bocas não se soltavam, elas pareciam a melhor e mais prazerosa maneira de um penetrar na essência do outro. Alguns minutos depois, descobri que isso não era verdade. Havia um modo ainda mais íntimo de fazer isso. Embora meus pensamentos tivessem sido interrompidos repentinamente pela visão encantadora do caralhão do Ethan pendendo a centímetros do meu rosto, exalando seu cheiro almiscarado e másculo. Não titubeei nenhum segundo para cercar aquela verga impulsiva com os meus lábios. Ajustei-os delicada e suavemente ao redor da glande protuberante e molhada, tal qual estava fazendo enquanto nos beijávamos. O sabor dele me invadiu tão doce e perturbadoramente que comecei a sentir um frêmito percorrendo todo meu corpo. Sorvi o fluido espesso que brotava de sua uretra, engolindo-o com a salivação abundante que se formara em minha boca, como se eu estivesse diante da minha iguaria predileta. Ele soltou o ar por entre os dentes, prolongada e prazerosamente, quando sentiu que eu o chupava.
- Ah, Marcel! Eu já imaginava que iria delirar no momento em que esses seus lábios rubros e sensuais se amoldassem à minha pica, mas não sonhava com tanto prazer. – grunhiu ele, entre dentes.
- Você é delicioso! – exclamei, quase sem tirar a cabeçorra da boca.
Perdi a noção do tempo saboreando aquela jeba. Lambidinhas, chupadas, mordidinhas carinhosas só o faziam grunhir com mais intensidade e segurar-me pelos cabelos para que minha boca não se afastasse por muito tempo de seu falo, que ficava cada vez mais consistente e difícil de mover. Minha boca estava cheia de pré-gozo quando ele me virou de bruços e, começou a me lamber as preguinhas anais, após apartar meus glúteos com ambas as mãos. Eu gania com o corpo todo trêmulo com aquela sensação inusitada. Deixei uma rodela úmida sobre o lençol com a minha gozada precipitada, mas foi impossível contê-la diante de tanto tesão. Ao lançar-se sobre mim e sussurrar em minha nuca que me queria desde o primeiro dia em que chegara à nossa casa, eu consegui apenas sibilar um tênue assentimento.
- Quero ser seu! – sussurrei, antes de sentir a dor daquela verga me rasgando e liberar um ganido pungente, que ele abafou com um beijo demorado.
Parecia que aquele cacete não tinha fim. Ele ia me preenchendo tão profundamente como jamais pensei ser possível, alcançando meu âmago, ocupando cada espaço da minha ampola retal. Meus gemidos excitavam o Ethan e faziam-no estocar a pica uma voracidade descontrolada, sentindo que todo meu corpo lhe pertencia. Ele arfava, não de exaustão, mas de gana. Junto com a dor de suas bombadas vigorosas, que esfolavam minha mucosa anal, eu experienciava o mais sublime dos prazeres e, gania incontrolavelmente por ambos. Se tivessem me enfiado um pedaço de carvão em brasa no cu a sensação seria a mesma, depois de ele tirar a pica de dentro de mim, me virar de costas e colocar minhas pernas abertas sobre seus ombros largos. Encarei-o com doçura e esbocei um sorriso débil diante de seu olhar voraz para o meu cuzinho exposto e vulnerável. Ele entrou em mim mais uma vez, tão determinado e ganancioso quanto da primeira vez. Eu deixei escapar um grito sufocado pelo travesseiro que mordia para aplacar a dor pela qual já esperava e, para não acordar o restante da casa mergulhada no silêncio da madrugada. O vaivém recomeçou lenta e insidiosamente, nossos rostos se fitavam em silêncio, já não havia mais necessidade de palavras para expressar nossos sentimentos, bastavam aqueles olhares trocados em cumplicidade. O Ethan acelerava os movimentos, seu sacão abarrotado batia no meu rego arreganhado, pesada e sonoramente. Ele grunhia, pronunciava meu nome enquanto exalava o ar pelos maxilares cerrados, atordoado pelo prazer que sentia imerso naquele casulo acolhedor. Quando seu olhar me penetrou, tão profunda e contundentemente quanto o caralhão que estava no meu cuzinho, tive a certeza de que era a mais feliz das criaturas desse mundo e, de que ele havia chegado ao clímax. Nem mesmo a dor lancinante que se espalhava por minhas entranhas, provocada por suas estocadas firmes e vorazes, conseguia obnubilar toda aquela felicidade. Seus jatos de porra iam aderindo à minha mucosa anal esfolada e traziam o alívio pelo qual eu tanto esperava. Eu tinha feito aquele macho cobiçado gozar feito um touro, satisfazendo-o com meu cuzinho virgem, marcando seu peito com a minha inocência, entregue tão voluntária e abnegadamente. Algo me dizia, naquele momento, que poderiam se passar séculos e, ainda assim, ele teria gravado em sua memória o prazer que eu lhe proporcionara, independentemente de qual fosse o nosso futuro.
- Era isso que você queria, me fazer escravo do seu coração e do seu cuzinho? – questionou ele, formando um sorriso submisso nos lábios.
- Eu não seria tão pretencioso. Eu só queria te mostrar o quanto gosto de você e, o quanto você se tornou importante na minha vida. – devolvi. Ele tomou meu rosto em suas mãos e me beijou, deixando-se cair sobre mim. Eu o envolvi em meus braços e desejei que aquele instante fosse eterno.
Não me lembro de ter adormecido e, quando acordei com o sol já alto entrando pela porta aberta da varanda, o Ethan estava aconchegado nas minhas costas, a respiração tranquila resvalando na minha nuca e a jeba dura pressionada entre as minhas nádegas. Ele acordou pouco depois, ajeitando-se ao meu corpo e me apertando com o braço que me envolvia. Ficou calado por quase meia hora, talvez pensando que eu ainda dormia. Eu não quis que ele descobrisse que não, pois não queria que ele deixasse de me abraçar.
- Ó dorminhoco! Daqui a pouco vão estranhar que não descemos para o café, já deve ser tarde. – exclamou finalmente, acariciando um dos meus mamilos que preenchia sua mão.
- Faz tempo que estou acordado. Está tão bom ficar assim juntinho de você que não tenho vontade de sair daqui. – retorqui.
- Tenho que concordar com você. Mas, já pensou se a Manoela resolve vir te chamar, ou pior, um dos teus pais? – questionou.
- Iriam descobrir que sou a mais realizada e feliz das criaturas! – exclamei, com um sorriso dirigido a ele, antes de colar minha boca à sua.
- E eu, o mais vil dos tarados, que passei a noite toda me aproveitando do corpo delicioso de seu filho sedutor. – devolveu ele.
- Você me acha sedutor? – perguntei, com um quê de satisfação.
- Muito! Não é apenas seu corpo, essa sua bunda carnuda, esse par de coxas grossas e lisas, esse torso esculpido que seduzem. É esse seu sorriso puro, esse olhar curioso, esse elã que envolve cada um dos teus gestos que deixam a gente maluco. – respondeu.
- Nunca me disseram isso antes. Se eu não soubesse que você é o sujeito mais galanteador e predador que já conheci, até acreditaria nas tuas palavras. – retruquei.
- Pois pode ter certeza que muitos vão corroborar minhas palavras. Isso, se você não continuar enfurnado dentro de casa como um caramujo, se escondendo do mundo.
- Não me escondo do mundo! Só não sou um baladeiro. – afirmei.
- Tá bom! Vou deixar que pense assim. – devolveu ele. Dei um puxão de leve no caralhão dele em protesto. Ele soltou um ‘ai, isso dói’ antes de montar em mim e me enrabar sem nenhum constrangimento ou cautela.
Chegamos à cozinha com cara de culpa no meio da manhã. A Manoela nos encarou e, não consegui sustentar meu olhar, pois parecia estar escrito na minha testa que eu tinha aprontado alguma.
- Pensei que fossem passar o dia enfurnados nos quartos, nesse dia tão lindo e promissor. Na minha época a juventude não ficava trancada nos quartos, aproveitávamos cada minuto do dia. – disse ela.
- Perdi a hora. Isso não pode ser um pecado assim tão grave, uma vez que raramente acontece. – retruquei.
- Tudo depende do que o levou a perder a hora! – deixou escapar. Ela sabia, eu tinha certeza. Tal como meus pais, a Manoela tinha a capacidade de ler o que se passava na minha mente, e isso sempre me deixava apreensivo.
- O cansaço, ora essa! O que mais podia ser? – apressei-me a afirmar. Obviamente ela não acreditou. Meu caminhar de pernas fechadas, como se minhas entranhas fossem despencar do cu arregaçado e ardido e, a cara de satisfação do Ethan, deram-lhe muito mais informações do que meu argumento.
Todos aqueles dias cheios de dúvidas e questionamento sobre o início tumultuado de nossa relação se esvaíram como que por encanto depois daquela noite. Um havia praticamente se tornado a sombra do outro. Eram raros os momentos em que não estávamos juntos em passeios pelos vilarejos vizinhos, nos refrescando na água corrente do tanque de pedras quando meus amigos vinham passar o dia conosco ou, simplesmente sentados sob a sombra das árvores do jardim lendo ou jogando conversa fora. Ficávamos afastados apenas o suficiente para que o Ethan continuasse a frequentar seu curso ou, por breves momentos em que eu desempenhava alguma tarefa pedida pelos meus pais. Compensávamos esses momentos perdidos à noite, ora da cama de um, ora na cama do outro, nos amando até sucumbirmos às nossas forças, como se isso fosse o único objetivo de nossas vidas. Da minha, ao menos, eu tinha certeza.
Eu nunca tinha sentido um verão passar tão rapidamente. Tomado de uma melancolia que já não conseguia mais esconder de ninguém, vi os dias que faltavam para a partida do Ethan se aproximarem com a mesma velocidade de um furacão. Quando o dia finalmente chegou, sugeri acompanhar o Ethan, que ainda passaria duas semanas em Paris antes de regressar à Austrália. Meu pai ainda tinha coisas a resolver na vinícola antes de regressar a Paris.
- Ao invés de ficar num hotel ele poderia passar uns dias lá em casa e, de quebra, eu podia mostrar um pouco da cidade para ele. – argumentei com meus pais, durante o último jantar na casa de Monbazillac.
- Sim, claro! O apartamento está a sua disposição, seria inapropriado deixar que ficasse na impessoalidade de um hotel, quando sua visita nos deu tanto prazer. – afirmou meu pai. Ele também sabia, eu tinha a certeza.
No dia seguinte, logo após o café da manhã, o Joaquim nos levou de carro até a estação de Bordeaux onde pegamos o trem até Paris. Tão logo nos acomodamos no trem e ele começou a deixar a estação ganhando velocidade, o Ethan pegou minha mão e a segurou na dele. Senti imediatamente a intenção dele por trás desse gesto singelo, me mostrar que se sentia conectado a mim. Eu estava explodindo de felicidade por poder ficar duas semanas inteiras sozinho na companhia do Ethan, embora algo no fundo do meu peito me causasse uma dor compressiva me avisando que aquela felicidade tinha data certa para terminar. Procurei sufocar essa dor não pensando no assunto e, tratando apenas de preencher nossos dias levando o Ethan aos meus locais preferidos de Paris e, mostrando-lhe tudo que desejava conhecer. Meu quarto tinha mudado seu cheiro, havia ganhado um que mesclava o meu com o do Ethan, adquirido durante as noites que passamos fazendo sexo entre aquelas conhecidas e aconchegantes paredes.
- Amo você Ethan! – afirmei numa dessas noites, enquanto seu cacete perdia a rigidez dentro de mim, após ter me inundado de porra.
- Também amo você, Marcel! Nunca amei alguém tanto assim. – disse ele.
- Não quero que você vá embora. Acho que não vou suportar. – disse, sentindo meus olhos marejarem.
- Não pense nisso agora! Viva esse momento, ele todo nosso, só nosso. Nada é para sempre, você já deveria saber disso. – retrucou ele.
- Mas vai doer muito! – exclamei, já chorando.
- Não será a única coisa que vai doer durante a sua vida. É preciso aprender a conviver com isso também. – ele já era um homem, sem nenhuma dúvida, e eu não passava de um garotão inexperiente, com medo da vida. Fiquei em silêncio, aproveitando a carícia de seus dedos secando as lágrimas do meu rosto. Nunca havia me sentido tão impotente.
Meus pais chegaram de Monbazillac na véspera da partida do Ethan, a tempo de se despedirem dele. Foi minha mãe quem nos levou ao aeroporto. Havia um silêncio pesado pairando dentro carro durante todo o trajeto, só interrompido por uma ou outra frase sem grande importância. Eu estava me segurando para não cair no choro. Mas, a cada deglutida, não conseguia fazer desaparecer aquele nó que se formara na minha garganta. Antes do Ethan colocar suas bagagens no carro, ainda no meu quarto, ele me tomou em seus braços com os olhos marejados de uma dor que vinha do fundo de sua alma.
- Não vou poder fazer isso no aeroporto, ainda mais diante da sua mãe, por isso quero me despedir de você aqui, onde você me proporcionou os melhores momentos da minha vida. – disse, antes de me beijar demoradamente. Eu não tinha nenhuma resposta além das lágrimas que desciam pela minha face.
Os dias que se seguiram foram os piores da minha vida. Um vazio enorme no meu peito tinha me feito murchar como uma planta sem água. Nada me interessava, à mesa a comida não descia, na cama sem o calor do corpo do Ethan as noites pareciam intermináveis. Diante da minha prostração, meu pai me pegou para uma conversa mais do que esquisita. Ele falava com a certeza de que aquela amizade com o Ethan tinha sido muito mais do que isso. Especialmente, por que eu nunca tinha ficado daquele jeito depois da partida dos outros hóspedes que tivemos na vinícola. Eu quase não falei, apenas o ouvi; mesmo por que tudo o que eu pudesse revelar, ele parecia já saber. Naquele dia meu pai me disse uma grande verdade. Só nos é concedido um único coração e corpo durante toda a vida, não devemos nos furtar ao prazer de usá-los com bom senso enquanto ainda somos jovens, mesmo que isso às vezes possa nos causar alguma dor, pois haverá um tempo em nosso coração já não se apegará tanto a alguém e, o nosso corpo estará tão feio que ninguém mais vai deseja-lo, quando não, até sentir aversão a ele.
Foram os primeiros dias na universidade que me tiraram, aos poucos, daquele marasmo, embora não conseguissem fazer o mesmo com aquela dor no meu peito. Eles apenas confirmaram a máxima de que a vida segue independente do que tenha ficado no passado e, mais cedo ou mais tarde, tudo que acontece em nossas vidas se transforma em passado.
Na véspera do Natal daquele ano o Ethan ligou para nos desejar boas festas e, para me convidar a passar um mês após as festas de fim de ano em Melbourne, onde reside sua família. Mal pude me conter enquanto fazia a contagem regressiva para a data da viagem. De repente, tudo começou a ganhar vida dentro de mim outra vez. A simples ideia de poder tocar seu corpo novamente me deixava excitado e de pau duro. Nem nas vezes em que a ideia de que ele talvez não fosse mais me desejar sexualmente, conseguia aquietar meu tesão. Algo dentro de mim me dizia que ele me desejava com tanto ardor quanto eu.
Passei a primeira semana na casa dele em Melbourne. Sua família era fantástica e tinha uma descontração não encontrada na Europa. Ele me levou a inúmeros passeios, mostrou-me as praias e gozava de mim por causa da pele branca.
- O que você queria, que eu fosse bronzeado morando em Paris? – eu questionava. Ele abria um sorriso e me agarrava, principalmente quando eu estava com pouca roupa.
- Estou te zoando! Sou tarado por cada palmo desse corpo e do perfume dessa pele. – afirmou, me trazendo para junto do torso para um beijo libidinoso enquanto procurava tirar qualquer roupa que estivesse cobrindo seus locais prediletos. Eu não tinha porque duvidar disso, uma vez que desde a primeira noite da minha chegada, ele transava comigo com o mesmo ímpeto e intensidade dos dias em Monbazillac.
Na semana seguinte fomos até o vale do Yarra, a mais ou menos 70 quilômetros de Melbourne, onde ficava a vinícola da família. Ela era bem maior do que a nossa. As terras na qual estavam instalados os vinhedos se perdiam de vista; aliás, como tudo na Austrália. Eu não estava acostumado a ver tantas paisagens nessa vastidão com tão pouco construído sobre elas. Nas últimas duas, o Ethan me levou primeiro até Sidney onde passamos dias maravilhosos e cheios de atividades; depois, para Adelaide por outra semana incrível.
- E então, gostou? – perguntou-me quando estávamos novamente na cama no quarto dele em Melbourne, após ele ter me enrabado duas vezes seguidas para conseguir aliviar seus culhões.
- Da viagem ou do que acabamos de fazer? – perguntei para provocá-lo.
- Eu ficaria feliz se você se manifestasse sobre ambos. – retrucou, mesmo já sabendo da resposta.
- A viagem foi fantástica. Amei a Austrália! Tudo é imenso. – afirmei. – Quanto ao seu desempenho, foi incrível, como sempre. Mesmo por que eu não tenho um parâmetro de comparação. – emendei, noutra provocação.
- Se dependesse só de mim, você jamais teria outro parâmetro para comparar! – exclamou, perdendo por um breve instante aquele sorriso ladino que estava estampado em seu rosto e, que eu acariciava e cobria de beijos.
Só no dia seguinte vim a compreender a extensão de suas palavras, quando ele me apresentou a namorada que havia retornado de uma viagem. Eu não sei que cara eu fiz quando nos cumprimentamos, pois ela me encarou como se eu fosse um alienígena recém-despencado na terra. Fiquei tão atônito que não conseguia me expressar durante um torturante almoço em família às vésperas da minha partida, principalmente por que o assunto dominante foi o casamento deles, planejado para acontecer na primavera daquele ano. O Ethan estava perdido para sempre para mim, era só no que conseguia pensar. Ele percebeu minha angústia, mas não conseguia encontrar um meio menos doloroso de me fazer saber disso. Foi estranho o que senti enquanto via seu semblante perturbado. Eu não conseguia culpa-lo de nada, não sentia raiva dele, pelo contrário. De alguma forma, no meu íntimo, eu sabia que aquilo ia acontecer algum dia, que nossos destinos não estariam atrelados um ao outro. Ter ciência disso não tirava a dor que estava sentindo, mas serviu para que um bocado de maturidade passasse a fazer parte de mim.
- Não me queira mal. Eu já estava meio que namorando a Lindsey quando fui à França. Nesses últimos meses vi que casar-me com ela é a coisa certa a fazer. – começou ele. – Não pense que eu não estava sendo sincero quando disse que te amava, pois estava. Acontece que eu não sei se conseguiria levar um relacionamento como o nosso numa boa. Quando estou ao seu lado estou cheio de certezas, mas basta você não estar para que eu fique em dúvida. Acho que não estou preparado para enfrentar as consequências do amor que sinto por você. – emendou.
- Lembra-se de que eu um dia disse que nunca ia te cobrar nada? Você é o que de mais importante aconteceu na minha vida. Você me ensinou a amar. Talvez isso não esteja me bastando agora, tenho vontade de chorar, de me encolher em seus braços para que toda essa dor passe. Mas, eu sei que não vai passar como num passe de mágica. Por que eu te amo muito! – nem sei como consegui fazer aquelas palavras saírem em meio ao choro que tentava controlar. Mesmo assim ele me abraçou e me deixou chorar em seu peito quente.
Foi preciso que se passassem três anos antes de eu conseguir enxergar o Michel como uma oportunidade que a vida estava de dando para voltar a ser feliz.
É verão outra vez aqui em Monbazillac. Foi mais um dia quente e a noite não estava sendo muito menos abafada. O Michel e eu nos mudamos definitivamente para cá depois que perdi meus pais. Nossa pequena vinícola colecionara um bocado de prêmios ao longo desses últimos anos e, eu tinha orgulho disso. Nós ocupávamos o quarto principal da casa agora, e havíamos deixado as portas da varanda abertas por causa do calor. Uma sensação de déjà vu tomou conta de mim ao terminarmos de fazer amor. Aquela conversa, logo após a partida do Ethan, com o meu falecido pai também voltou à tona. A rola do Michel ainda amolecia dentro do meu cu quando uma lágrima oriunda de lembranças antigas rolou pelo canto do meu olho. Ele a secou com um beijo carinhoso, ciente de que ela vinha de alguma memória triste. Não me perguntou nada, pois me conhecia como o conteúdo de um livro, cujas páginas já havia percorrido, inúmeras vezes, da frente para trás e, de trás para frente, nesses últimos quarenta anos.
- É o verão que me deixa assim tão sentimental. – sussurrei. Ele apenas me abriu seu sorriso, e eu me dei conta de que cada dia da vida até ali tinha valido à pena, de que amar tinha valido à pena.

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Comentários


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coroa zs Comentou em 22/02/2020

Mais um conto maravilhoso seu. Difícil escolher o melhor. Todos são poéticos e ardentes. Valeu!

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leofer20 Comentou em 17/10/2019

Que conto lindo, me lembra de "Me chame pelo meu nome" mas numa versão ainda melhor. Saudades dos seus contos. Fico feliz que ainda está publicando.

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moonlight Comentou em 19/08/2019

Me parece Call Me By Your Name.

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casalbisexpa Comentou em 18/08/2019

delicia de conto .. só faltou as fotos

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galderia Comentou em 17/08/2019

Não é apenas uma (mais uma) história. É um guião para um filme, com uma lindíssima ( e invulgar) história de amor humano. Parabéns, deu o exemplo perfeito de cultura e erotismo!

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Comentou em 16/08/2019

Votado. Que linda história simplesmente amei. Uma história muito bem narrada e uma linguagem muito poética. Parabéns.




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Ficha do conto

Foto Perfil kherr
kherr

Nome do conto:
O verão da minha vida

Codigo do conto:
142971

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
16/08/2019

Quant.de Votos:
6

Quant.de Fotos:
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