Um surto aos 40 O apartamento estava lotado de convidados. Amigos e alguns parentes meus e do Fernando se espalhavam por todos os cômodos. Vinham me cobrando há algumas semanas uma comemoração pelos meus quarenta anos, com mais entusiasmo do que eu em celebrá-los, por isso resolvi oferecer aquele pequeno jantar, cedendo às pressões. Há tempos eu não vinha me sentindo confortável dentro de mim mesmo. Se me perguntassem, seria incapaz de dizer por quê. Era como se tudo à minha volta estivesse desconectado dos meus anseios. A sensação era ruim e vinha criando um desânimo que só fazia crescer. Levantar todas as manhãs, colocar aqueles ternos alinhados e seguir pelo trânsito caótico ao som de alguma sonata de Mozart, Bach, Scarlatti ou Beethoven para chegar ao meu trabalho como gerente de um banco de investimentos vinha se tornando uma tortura cada vez maior. Eu havia me empenhado tanto para conseguir o posto, por que repentinamente qualquer pequeno contratempo me tirava de sério? A constante pressão para atingir metas cada vez mais inatingíveis ante a realidade econômica do país, só para satisfazer acionistas ávidos por lucros e resultados, que tinha me motivado até então, se tornaram um verdadeiro suplício. Eu só conseguia sentir raiva dos meus superiores e desprezo pela incompetência dos meus subordinados, numa indicação clara de que aquilo não servia mais para mim. A vida particular também não tinha mais o mesmo sabor de antes. O Fernando e eu estávamos juntos há 11 anos. Eu nunca me questionei quanto ao motivo que me levou a gostar dele. Fomos apresentados durante a inauguração de um restaurante que a esposa de um colega de trabalho havia montado. Não senti nenhuma atração por ele no primeiro momento, mas ele foi me ligando para combinar outros encontros e, quando dei por mim, estava indo para cama com ele praticamente todos os finais de semana. Havia algo de sereno e confortável na maneira dele lidar comigo e, creio que isso me atraiu nele. Nossa vida comum não tinha grandes percalços. Costumávamos tirar férias ao mesmo tempo para poder fazer alguma viagem, frequentávamos a casa de alguns poucos amigos e parentes que sabiam da nossa condição e, esporadicamente íamos ao cinema ou teatro. Uma vida um tanto insossa, mas que parecia agradar a ambos. Contudo, algo me levava a crer que tínhamos nos acomodado com aquela situação e, ela já não me completava como antes. Eu era capaz de entender que a vida de um casal não se resumia a uma eterna lua-de-mel, regada a sexo e luxúria, mas também aqui, eu não seria capaz de explicar por que me sentia tão sozinho. De uns tempos para cá eu dei para suspeitar de algumas saídas prolongadas do Fernando, não passavam de partidas de futebol que ele ia assistir no estádio acompanhado de alguns colegas e do marido de uma de suas primas e, às quais eu nunca quis acompanha-los, pelo completo desinteresse que tinha por futebol. Durante o jantarzinho, lá estava novamente o Fernando e o tal marido da prima numa conversa para lá de animada. Eu me perguntava o que podiam ter tanto em comum. Não fossem as mil dúvidas que vinham assolando minha mente nos últimos tempos, eu diria que estava com ciúmes daquela amizade. Ao contrário do marido da prima, o Fernando não era o mais másculo dos machos, embora eu não tivesse notado isso de início. Porém, ele satisfazia minhas necessidades na cama sem nenhuma dificuldade. Devo mesmo estar criando problemas onde não existem, concluí. A crise dos 40 havia me pegado de jeito, não restava dúvida. Tudo era enfadonho, tudo me exauria, tudo parecia fora de contexto, como bem lembravam os escritores, filósofos, psicólogos e outros tantos experts nos assuntos da alma. É uma fase, pensei comigo mesmo, vai passar. Era preciso apenas ser um pouco mais paciente, menos exigente, menos ranzinza, mais otimista. Mas, a fórmula para isso estava difícil de encontrar. Talvez não houvesse uma receita tipo bolo, pronta. Seria preciso criar a que atendesse às minhas necessidades. Um daqueles enfadonhos meetings gerenciais para alinhar as ações do banco tinha me levado a comprometer mais um final de semana numa curta viagem até um hotel fazenda onde aconteceriam as dinâmicas guiadas um outro daqueles gurus que juravam ter todas as soluções para os problemas das empresas. Ao longo da carreira eu havia participado de dezenas deles, vi poucos resultados práticos, a não ser o vertiginoso crescimento dos saldos bancários daqueles gurus. Nos períodos de descanso entre as palestras e atividades, ainda precisei aturar o assédio de um dos diretores que há tempos me atormentava com sua tara incontrolável, descarada e presunçosa pela minha bunda, numa atitude acintosa que plantava uma galhada na cabeça da esposa tipo perua tingida e plastificada. De tão desgostoso com toda aquela situação e dando vazão à minha vontade de chutar o pau da barraca, eu resolvi voltar para São Paulo antes do almoço de encerramento do meeting. Não podia ter tomado atitude mais errada. Cheguei em casa muito antes do previsto. Estranhei o silêncio que reinava no apartamento, embora tenha visto o carro do Fernando na garagem do condomínio. Ao abrir a porta do quarto flagrei o Fernando de quatro sobre a cama com o cacete do marido da prima entrando e saindo do cu dele num vaivém alucinado, enquanto ele esboçava uma careta de dor e prazer. Por alguns segundos não acreditei no que meus olhos contemplavam, mas algo como um grunhido de desespero saído da boca do Fernando, ao me ver parado diante da porta, me fez acreditar que aquela cena não era uma miragem, mas sim um pesadelo real. Precisei de um tempo para que minhas pernas atendessem à ordem que meu cérebro havia lhes enviado para sair dali. A caminho de nem sei onde, fui alcançado pelo Fernando, nu e caminhando desengonçadamente, tentando explicar o inexplicável. O marido da prima vinha logo atrás, terminando de vestir as calças onde enfiava apressadamente o caralho deixado a ver navios. - Eu não te esperava tão cedo, Rafael! Não tire conclusões precipitadas! – gaguejou o Fernando. - Estou vendo que não esperava mesmo! Cala a sua boca e não tente me dar explicações que não existem. – revidei alterado pela raiva que se apossava de mim. - Vamos conversar. Somos pessoas civilizadas e podemos chegar a um consenso sem dramas. – continuou ele, enquanto o marido da prima não sabia se fugia pela porta da frente ou se dava apoio ao amante tomado pelo pânico. - O que acabo de ver decreta o fim do que ainda podia existir entre nós. Arrume suas coisas e saia daqui com esse sujeito. Não tenho a menor vontade de ouvir sua voz ou qualquer coisa que venha de você. – retruquei, me contorcendo para não partir para cima daquele cretino cuja vilania fui incapaz de reconhecer a tempo de evitar uma cena como aquela. - Pelo amor de Deus Rafael! Seja razoável. Eu sei que o apartamento é seu, mas para onde eu vou? Cometi um deslize, eu sei. Juro que não vai acontecer novamente. – suplicava o Fernando, enquanto o outro me encarava já suspeitando que a desgraça não terminaria naquele flagrante. - Eu razoável? Deixe de ser idiota! Deslize cometeu esse panaca enfiando o caralho no teu cu. Você não existe como macho para mim, vivi anos nessa ilusão. Mas, finalmente meus olhos se abriram para a realidade. Saiam daqui! Fodam-se! Fodam-se! – gritei, liberando toda aquela dor do meu peito. - Eu suplico Rafael, vamos conversar! Preciso que você entenda que eu tenho as minhas necessidades. Sempre foi maravilhoso transar com você, mas eu precisava de mais do que apenas aquilo. – revelou. - Desde o princípio eu fui claro e honesto com você. Sou estrita e exclusivamente passivo, não foi isso que eu deixei claro? Jamais compreendi essas pessoas que hoje são mamãe e amanhã são papai, mesmo porque acredito que elas carregam essa ambiguidade para tudo o mais em suas vidas, criando problemas para si próprios e para quem com eles convive. A prova disso é o que acabo de presenciar. Além do que, eu não estou nem um pouco interessado nas tuas necessidades. Essas é você quem deveria saber administrar de forma digna. O que me revolta é a sua falta de caráter, a sua desonestidade, a pouca importância que você deu para a nossa relação, o desrespeito que tem para comigo trazendo seu macho para dentro da nossa cama. – desabafei. – É isso que não tem mais conserto e, é por isso que eu te quero fora daqui, fora da minha casa, fora da minha vida! – emendei, prestes a eu mesmo arrastá-lo porta afora. - Tem alguma chance de você não contar nada para a Marcela? – balbuciou o marido da prima do Fernando, mesmo sabendo que não havia a menor chance disso acontecer. - Seja homem seu cretino! Assuma o que fez! Pode ser que a Marcela e seus filhos sejam mais condescendentes com você, problema deles, mas não vou deixar de avisá-la como o marido se distrai fora de casa. Você faz ideia da dor que estou sentindo por ter sido traído numa relação de onze anos? – questionei. - Em nome desses onze anos eu te peço, Rafael, me ouve. – suplicou o Fernando. - Não apele para sentimentalismos. Em relação a você não sobrou nada, então nem tente enveredar por esse caminho. Se vocês fossem pessoas dignas jamais teriam feito o que fizeram. Se não estavam felizes com suas vidas que deixassem a Marcela e eu seguirmos nossos caminhos sem ter que passar por essa humilhação. – ponderei. O sujeito fugiu enquanto eu arrancava tudo que pertencia ao Fernando dos armários e gavetas. Ele recolhia tudo resmungando súplicas e desculpas ciente de que seu destino estava selado. Meu lado endiabrado também se encarregou de ligar para a Marcela no mesmo dia descrevendo pormenorizadamente a cena que havia presenciado horas antes. O marido ainda não havia chegado em casa, segundo ela me revelou. Supus que estivesse consolando o amante e, juntos arquitetando uma maneira de tornar menos vil a traição que haviam feito. Ela fazia longos silêncios do outro lado da linha e, por algumas vezes, pensei que tivesse desmaiado ou simplesmente desligado o telefone, talvez duvidando do meu relato. Mas, quando se fazia novamente presente, sua voz chorosa me dava conta de que também ela, há tempos, suspeitava dessa ligação assídua do marido com o primo. Recusei-me a encontra-la pessoalmente, conforme havia me sugerido, para nos consolarmos mutuamente. Já me bastava a humilhação pela qual passei dentro da minha própria casa, para passar por mais uma ouvindo suas lamúrias e um provável ataque de histeria em público. A saída do Fernando fez do apartamento um presídio para o qual eu relutava voltar todas as noites após o trabalho. Embora eu tivesse me livrado da cada uma das coisas acumuladas nesses onze anos que me remetiam à lembrança dele, cada parede parecia debochar da minha ingenuidade ante as barbaridades que deviam ter presenciado entre aqueles dois. Coloquei-o à venda, mesmo sem saber para onde ir se o negócio se concretizasse. Em três meses a imobiliária conseguiu um comprador e, me apresentou outros imóveis como opção de mudança. Nesse interim eu havia passado um final de semana numa pousada na serra da Mantiqueira procurando fugir dos meus problemas, e me encantado com os arredores rurais de uma cidadezinha típica do interior. O vento que farfalhava entre a folhagem dos arvoredos, aquele sol que se erguia lento, mas decidido sobre o cume das montanhas e, aquela paz que parecia reinar no descompromisso de cada semblante das pessoas do lugar pareciam ser tudo o que meu ser perdido estava precisando. Era uma loucura total pensar na possibilidade de viver naquele lugar, eu só podia estar devaneando ou, perdido o juízo. Foi exatamente essa a expressão que meu chefe no banco usou quando pedi minha demissão dois meses depois daquele final de semana. - Você só pode ter perdido o juízo! Abrir mão da sua carreira, sem mais nem menos, agora que está a alguns passos do auge. Nem vou levar este papel em consideração e, para te fazer voltar à realidade, vou dispensá-lo por duas semanas para que volte a raciocinar com toda a sua lógica e bom senso de sempre. – disse ele, amassando a carta de demissão que eu havia colocado em suas mãos. - É justamente meu juízo que estou tentando recuperar. E, não será aqui, em meio a tanta pressão, que vou conseguir. Fico grato por sua preocupação, mas minha decisão é definitiva. – sentenciei, encarando-o e pronunciando cada palavra com muita serenidade. - É outra oferta! Diga do quanto se trata e vamos ver se conseguimos cobri-la. Você sabe que seu crédito é bastante alto perante o conselho diretor, tenho certeza que não vão te deixar partir. – argumentou ele. - É definitivo, Reinaldo! É definitivo. – retruquei com firmeza. Não sei descrever a sensação de alívio que senti quando deixei o banco naquele final de tarde. Eu só podia estar precisando de um psiquiatra para justificar tamanha loucura, porém eu me sentia leve como uma pluma, capaz de voar para onde o vento me levasse. Parentes e amigos mais próximos também haviam me sugerido a ajuda de um psicólogo, especialmente os que ficaram sabendo como se deu meu rompimento com o Fernando. - É uma fase. Toda separação gera angustia e sofrimento, você não está imune a isso, portanto, pense bem e procure ajuda antes de enveredar por um caminho sem volta. – era o discurso que estava na boca de cada um que vinha me aconselhar. Tão logo o dinheiro da venda do apartamento estava na minha conta eu contatei algumas imobiliárias na cidadezinha da serra da Mantiqueira. Não demorei a ter retornos de áreas que estavam à venda e, tirei dois finais de semana para vê-las. O que me apresentavam ou era grande demais, luxuoso demais para as minhas posses, ou estava tão em ruinas que precisaria gastar uma verdadeira fortuna para recupera-las. Estava quase chegando à conclusão que tinha mesmo feito uma enorme cagada ao vender o apartamento e pedir demissão tão afoitamente; quando ao regressar de uma das visitas com o corretor de uma das imobiliárias ainda dentro do carro, resolvi parar um senhorzinho que guiava sua charrete pela estrada empoeirada para perguntar se ele não sabia de alguma propriedade que estivesse à venda por aquelas bandas. O corretor me encarou com um misto de afronta e desprezo. Ignorei-o completamente quando o senhorzinho se prontificou a me levar até uma propriedade que já havia ficado para trás na estrada. - Não quero tirá-lo do seu caminho. É só me dar as coordenadas que chego lá. – sugeri, ao vê-lo manobrar os cavalos para dar meia volta. - Não carece se preocupar! Levo os senhores até lá com muito gosto. – disse ele, trotando lentamente a nossa frente. – É o sítio do compadre Bonifácio. Ele teve que deixar o lugar por conta de uma doença no coração. Foi morar na cidade com os filhos e, o sítio está ao Deus dará. – emendou ao chegarmos diante de uma porteira. Não havia nada além de um casebre caindo aos pedaços, um telhado torto apoiado sobre colunas de madeira que já tinham cumprido sua missão há décadas e, um riacho que corria por entre um leito pedregoso rugindo como o ronronar de um gato adormecido. Aquele vazio era tudo do que eu precisava para me ocupar em preenchê-lo. Foi paixão à primeira vista. O corretor agora me olhava como se quisesse me degolar, ciente de que acabava de perder sua comissão. Na semana seguinte eu estava no cartório da cidadezinha assinando a escritura da propriedade. Hospedei-me numa pousada enquanto tentava colocar o casebre em condições habitáveis. Uma vez que lá não havia energia elétrica, a qual tinha sido cortada há tempos, o filete de água que saía das torneiras mais parecia lama e, aranhas, insetos e sabe-se lá que outros bichos tinham feito do lugar seu abrigo. Mais uma vez me convenci que havia endoidado, no entanto, eu sorria feito um bobo com o coração liberto. Foi uma corretora da outra imobiliária que me sugeriu um construtor quando perguntei se havia alguém na cidade que pudesse erguer uma casa no local. - Procure pelo Lucas Sampaio! – disse ela alvoroçadamente. – É o único por aqui que pode encarar uma obra dessas. É ele quem faz a maioria das construções tanto na cidade quanto do pessoal que precisa de alguma coisa nas propriedades rurais. – garantiu ela. - E onde encontro esse Lucas? - O escritório dele fica na praça central, é um sobradinho estreito no fim do quarteirão, bem ao lado direito da matriz, não tem como errar. – indicou ela. Minha ansiedade era tanta que disparei para o local que ela me indicou, mesmo sem um projeto em mãos, ou mesmo uma ideia concreta na cabeça. Hoje, quando me recordo desses fatos, não consigo deixar de pensar em que grau de insanidade eu estava naquela época. Tudo feito às pressas, tudo movido a emoções que brotavam feito flores delicadas em meu peito e, tão perecíveis quanto, mas que estavam me dando novas perspectivas. Para minha decepção, ninguém respondeu às batidas que dei na porta fechada da construção que precisava de reparos por todo canto. Comecei a desconfiar que ia entrar noutra fria ao procurar os serviços desse construtor, talvez um pedreiro metido a sabichão, pensei com meus botões. Quase não preguei o olho naquela noite. Um casal ocupava o quarto da pousada ao lado meu e estavam tirando todo o atraso de alguns séculos, pois treparam sem nenhuma discrição a noite toda. Mas, não era apenas isso que tirava meu sono, eu ficara até tarde rabiscando alguns esboços do que surgia na minha mente e, que poderia vir a ser minha futura casa. Vou finalmente poder ter um cachorro como sempre sonhei desde que o meu morreu quando eu ainda era adolescente. Talvez dois. Eu anotava tudo nas folhas de papel que estavam diante de mim. - Ai minha bucetinha! Ai Arnaldo, minha bucetinha! – esganiçava a mulher sendo fodida no quarto ao lado. Esses gemidos e, os rosnados guturais do macho que a comia foram os últimos sons que ouvi, já próximo a alvorada, antes de despencar na cama de roupa e tudo. Havia poucos hóspedes no salão onde estava sendo servido o café da manhã, porém, o assunto, em todas elas, era a performance do casal escandaloso. A dona da pousada passava de mesa em mesa dando seu costumeiro bom dia, com um constrangimento visível no rosto de quem também não tinha pregado o olho a noite toda. Os empregados seguraram um risinho sarcástico quando uma mulher de meia idade e um garotão bombado e tatuado ocuparam uma mesa junto à saída para a piscina. Não tive dúvida de que se tratava dos meus vizinhos de quarto. Eu tinha assuntos mais relevantes a tratar e procurei tomar meu café o mais brevemente possível. A porta precisando pintura, ontem trancada, estava entreaberta e, ouvia-se um sujeito berrando a plenos pulmões lá dentro. Ninguém me ouviu bater e nem veio me atender. Entrei cautelosamente, mas isso não impediu de as tábuas sob meus pés rangerem a cada pisada. Ele estava de costas para a entrada e não notou minha presença no primeiro momento. Era um sujeito de costas largas, tronco e pernas maçudas, enfiadas num jeans desbotado e numa camiseta justa empapada de suor debaixo das axilas, ele devia ter um metro e noventa de altura, cabelos sendo esculpidos pela mão que passava sobre eles enquanto ele gritava ao celular. Eu não queria estar no lugar de seu interlocutor, pois entre palavrões ele despejava sua fúria sobre o pobre infeliz sem nenhuma compaixão. Meu olhar se perdeu distraído vagando pelo cômodo enquanto ele não notava minha presença. - O que você quer? – o berro era dirigido a mim e cheguei a me assustar quando vi que ele me encarava, tão absorto eu estava em observar cada detalhe do ambiente. O rosto másculo onde cintilava um par de olhos castanhos, a barba densa por fazer e aquela atitude viril e desafiadora me fizeram sentir um tremendo e inoportuno tesão. – Diga de uma vez o que deseja, mas já vou avisando que não tenho tempo a perder. – emendou, ante meu silêncio. - Procuro o Lucas Sampaio. – disse, com a voz mais firme que consegui entoar. - Sou eu mesmo! O que quer? – repetiu com a pressa de quem estava querendo se ver livre de mim. - Bom dia! Me disseram que você constrói casas. Eu precisava dos seus serviços. – respondi. Só então ele pareceu se aperceber de mim. O olhar me mediu da cabeça aos pés. A bermuda curta e a camisa floral de estampas miúdas me pareceu a mais ridícula e inapropriada escolha para aquela manhã. - Em que sentido? – inquiriu ele, sem desviar o olhar de mim, o que era constrangedor. Ora em que sentido, em que sentido se procura um construtor senão para edificar uma casa? Sujeito estranho. - Comprei uma propriedade a uns dez quilômetros da cidade e estou querendo construir uma casa. Nada muito complexo nem extravagante. Algo que qualquer construtor, com um mínimo de experiência, consegue erguer! – minha última frase deve ter mexido com os brios do sujeito, pois ele passou a me olhar de maneira inexplicável. - Tem uma planta? – questionou. - Não! Apenas uns esboços que rabisquei esta madrugada. – expliquei, ante o olhar inquisitivo dele. A primeira gentileza que ele me dirigiu veio a seguir, quando me apontou a cadeira diante da mesa atulhada de croquis enrolados em tubos e uma papelada esparramada aleatoriamente. - Não dá para decifrar nada nesses rabiscos! Onde está a casa? Providenciar um ou dois cachorros? – ele girava o pedaço de papel nas mãos enormes e vigorosas à medida que tentava interpretar aqueles esboços. - Fui anotando tudo à medida que me vinham as ideias. Sou péssimo para desenhar! – aquilo parecia óbvio diante da cara que ele fez para os papéis. Caralho! Ele estava me intimidando. Eu parecia um garotinho que não tinha feito a lição de casa diante da professora durona. Por que ele colocou esse risinho na cara? - Me leve até o local e, no caminho, vá me contando o que pretende fazer. – disse ele. Ufa! Finalmente eu podia sair daquela situação sufocante. Apenas me iludi achando que tinha me safado daquele sufoco todo. Por insistência do Lucas fomos até a propriedade em seu veículo 4x4. Ele dirigia feito um maluco na estrada de terra malconservada, a ponto de eu achar que a qualquer momento meu café da manhã retornaria intacto boca afora. Eu lhe passava as informações que achava pertinentes a respeito do que desejava fazer, mas duvido que ele estivesse me ouvindo pois, além de me dirigir alguns sorrisos, ele examinava cada centímetro das minhas coxas grossas e lisas. Censurei-me mais uma vez pela falta de bom senso ao me vestir naquela manhã. Eu mais parecia um turista em férias numa praia. E, se algo podia ser terrivelmente constrangedor, era aquele homem abrutalhado me secando feito um adolescente vendo pela primeira vez os peitos de uma mulher. - Você comprou uma floresta! Onde pensa construir uma casa nesse terreno? – questionou ele. Olhando ao meu redor constatei que ele tinha razão. À exceção do casebre e uma pequena área ao redor, o restante estava coberto por árvores cujos galhos se emaranhavam nas copas densas. Devo ser mesmo um parvo, daí a compra da propriedade ter se dado tão prontamente. Deviam estar loucos para encontrar um trouxa disposto a comprar aquele matagal. - Podemos remover algumas naquele aclive e criar um platô para instalar a construção. – argumentei, tentando não demonstrar que tinha feito papel de idiota naquela aquisição afoita. - É viável, mas tem ideia do quanto isso pode custar? – lá estava eu mais uma vez sem uma resposta inteligente na boca. - Não! É para isso que gostaria de contratar seus serviços. – respondi, jogando para ele a responsabilidade de me orientar. Pelo visto funcionou, pois ele logo começou a me apresentar algumas possibilidades. - Afora essa área, você já encontrou algum outro local que também pudesse servir? – por que esse sujeito tinha que fazer essas perguntas? A única maneira de dar uma resposta sincera seria admitir que não tinha visto toda a propriedade e que ignorava completamente seus limites. – Você não examinou a propriedade toda, não é? – ele nem precisou esperar pela minha resposta, já tinha adivinhado que eu era uma pessoa sem conhecimento algum daquilo em que estava me metendo. - Não! – balbuciei, me sentindo um tolo completo. Ele olhou para mim e riu. - Está disposto a averiguar até onde vai a propriedade e encarar esse matagal todo? Quero preveni-lo de que essas pernas de fora não voltarão ilesas dessa incursão. – ele estava tripudiando da minha ingenuidade. - Vamos lá, não se preocupe com isso. Prefiro que se concentre em encontrarmos uma área para erguer a casa. – devolvi, procurando ser prático. Um novo risinho se esboçou no rosto dele só para me irritar. A propriedade era maior do que imaginava pelo mero conhecimento da área em hectares que consta na escritura. O Lucas sugeriu um local praticamente plano a uns 200 metros do casebre e, mais próximo de onde o riacho era um pouco mais estreito, porém a correnteza era mais intensa. - É o melhor local. Está praticamente pronto, a terraplanagem vai ser mínima e o solo parece bastante firme, sem contar que não está muito distante da entrada e da construção que pode vir a ser a morada de um caseiro. – concluiu ele. Nem preciso mencionar que ele estava mais do que certo. - É bem bacana! A vista daqui, depois de removidas algumas árvores vai ser deslumbrante. Dá para ver a estrada lá em baixo e as rochas naquele maciço de morros à direita. – concordei. - Posso perguntar o que te levou a procurar esse fim de mundo? – eu me surpreendi com a intromissão dele. Se aquilo era um final de mundo ele também vivia ali. Mas, não quis criar polêmicas e, respondi o mais sinceramente possível. - É um projeto de vida! – fiquei surpreso com o olhar que ele me lançou, era o primeiro no qual eu não via nenhuma crítica camuflada e, também não veio acompanhado de alguma observação irônica. - Está ocupado esta tarde? – questionou ele, assim que voltamos ao veículo e tomamos o rumo da cidade. - Não. - Então passe no escritório. Quero que me mostre o que deseja e, talvez possamos fazer inicialmente alguns esboços mais elucidativos do que aqueles que você me apresentou. – disse ele. - A que horas fica bom para você? - Quando você quiser! – retrucou ele. Pela primeira vez senti que podia confiar naquele olhar que, de alguma forma, me desconcertava. Embora minha vontade fosse a de me encontrar com o Lucas logo após o almoço, fiquei fazendo horas folheando impaciente algumas revistas que tinha levado até um recanto ao redor da piscina da pousada. No meio da tarde fui vencido pela ansiedade e rumei até o escritório dele. Encontrei-o dando ordens para uma garota que mal devia ter entrado nos dezoito anos. Foi ela quem notou a minha presença primeiramente, fazendo com que o Lucas se virasse na minha direção. Eu havia trocado aquela roupa de turista havaiano por um jeans e uma camiseta, me pareceu que ele ficou um tanto quanto decepcionado com essa troca. Cumprimentou-me com um Hã e me indicou novamente a cadeira diante de sua mesa. Toda aquela bagunça sobre ela havia sumido, restavam apenas duas folhas de um papel amanteigado e algumas lapiseiras e réguas. Ele deu instruções à garota para não ser interrompido antes de ela desaparecer sabe-se lá para onde. - Bem! Estou pronto, sou todo ouvidos! – exclamou ele, num tom profissional. Enquanto eu expunha minhas ideias ele soltava um Ahã de quando em quando, os quais eu não sabia se significavam uma concordância ou apenas uma maneira de me fazer crer que estava me ouvindo. Depois, ele começou a fazer traços sobre uma das folhas de papel com tanta determinação que aos poucos o que estava na minha cabeça parecia tomar forma com uma precisão impressionante. - Sim, é isso! É exatamente isso! – afirmei eufórico. Ele sorriu. - São apenas esboços. Se você concordar, faremos uma planta em escala, o que me permitirá orçar a obra. – devolveu ele. - É isso! Sei que é isso, não vou mudar nada. – retruquei realizado. - De qualquer forma, leve esses desenhos, analise-os com cuidado e, veja se realmente te satisfazem. Uma casa não pode ser planejada por impulso! – afirmou. Ele parecia já saber que era assim que eu agia, por impulso e, menos conduzido pela razão. - Quando nos vemos novamente? - Estarei a sua disposição, é só me contatar pelo celular e combinamos, está bem assim? - Está! Está, sim. – eu não queria confirmar a impressão que ele fazia a meu respeito pedindo para deixarmos um horário agendado para o dia seguinte, porém era essa a minha vontade. Só meus nervos sabem o quanto me custou deixar o dia seguinte passar sem ligar para ele. Contudo, controlar minha ansiedade valeu a pena, pois me permitiu ter uma conversa descontraída com a dona da pousada a respeito do Lucas. - Não, ele não está na cidade há mais do que uns dois anos, talvez um pouco mais, não é Getúlio? – indagou ela para o marido, que estava próximo para confirmar sua afirmação, quando pedi algumas referências do Lucas. – Ele veio morar na casa de campo dos pais há pouco mais do que isso antes de abrir o escritório na cidade. Segundo a esposa do caseiro, que é cunhada de uma de nossas funcionárias, ele viveu na casa completamente recluso por quase um ano, recebendo apenas os pais que habitualmente vem à serra nos finais de semana e feriados e, os dois filhos que atualmente residem com os avós em São Paulo. – emendou. – A primeira obra da qual se tem notícia foi a que empreitou com os vizinhos da casa dos pais dele. Parece que precisavam de um pedreiro para tocar uma pequena reforma e ele juntou alguns peões para realiza-la. Depois disso, seus serviços foram sendo solicitados com mais frequência, o que o levou a abrir o escritório. Não sei qual é a formação dele, se é que tem alguma, pois a fama que acompanha seus trabalhos é bem diversa da de seu temperamento e educação. É um sujeito difícil de se lidar. É preciso tomar cuidado com ele, uma vez que não é preciso muito para presenciar uma de suas explosões de fúria. – concluiu ela, satisfeita pela fofoca bem conduzida. Disso eu já sabia, pois foi a primeira coisa que vi naquele homem. - E o que foi que trouxe o Lucas para cá, a senhora sabe? – indaguei, por curiosidade. - Ninguém sabe ao certo. Especula-se que tenha haver com a mãe de seus filhos, uma vez que ninguém por aqui nunca chegou a vê-la ou sabe algo a respeito dela. Especula-se que tenha havido uma separação litigiosa ou até que tenha morrido. Mas, isso são apenas fofocas para explicar o estado em que esse homem chegou por estas bandas e o tempo em que ficou enfurnado naquela casa. – explicou. Não me contive e liguei naquela mesma noite para o celular do Lucas. Ele atendeu com um alô ríspido, mas logo abrandou a voz quando se deu conta de que era eu. Então ele ainda não incluiu meu número na agenda de seu celular, concluí. Talvez não botasse fé que fosse realmente contratar seus serviços ou, pior, levar meu projeto adiante. - Podemos nos encontrar amanhã? Já tomei minha decisão. Faremos conforme seus esboços. Isso, é claro, se couberem no meu orçamento. - Faremos caber! Esteja no escritório amanhã cedo. – respondeu ele. - Assim espero. Boa noite! - Boa noite, Rafael! – fiquei segurando o celular nas mãos com um sorriso abobado por algum tempo depois daquele boa noite, antes de repetir para mim mesmo – Boa noite, Lucas. Assim que as plantas estavam prontas e o orçamento aprovado, começaram as obras. Tudo levou pouco mais do que uma quinzena, tempo que precisei para dar uma ajeitada na casinha semidestruída, onde pretendia morar durante as obras. Uma pintura nas paredes, troca de vidraças quebradas, a solicitação para que a concessionária religasse a energia elétrica, uma faxina completa e a aquisição de alguns itens básicos e comodidades deixaram o lugar habitável. - É aqui que pretende morar? – inquiriu o Lucas quando viu a transformação do lugar. - Sim! Qual é o problema? – questionei. - Nenhum. Só não me parece que você esteja habituado a algo tão primitivo. – observou ele. - Engano seu! – devolvi, disposto a não demonstrar meu amadorismo diante de tudo aquilo. - Não tem medo de passar as noites aqui sozinho nesse isolamento? – questionou ele. - Óbvio que não! Não entendi onde quer chegar com essa pergunta. – respondi sério. - Você é visivelmente um sujeito de cidade grande, só por isso. – retrucou. Estava na cara que ele me tomava por um babaca que não fazia a menor ideia de onde estava se metendo. Depois de algumas semanas de iniciadas as obras, eu realmente constatei que não era nada fácil viver naquele isolamento, especialmente à noite quando, tomado pela insônia, as horas para o amanhecer pareciam infindáveis. Todos os fatos dos últimos meses ficavam perambulando pelo meu pensamento. A traição do Fernando, a saída do emprego, aquela empreitada cujo final me parecia uma incógnita imprevisível e, o que a vida me reservava dali em diante eram enigmas que eu tentava desvendar. Disposto a não pensar muito nisso, resolvi colocar outro plano em ação, a aquisição de dois filhotes caninos. Precisei ir à pousada para pesquisar na Internet, pois essa comodidade ainda não estava disponível na minha caverna pré-histórica. Após visitar alguns canis adquiri um filhote de Border Collie e um Rottweiler, que passaram a preencher minhas horas com uma demanda maior que o previsto. Não perdi tempo em contar e mostrar a novidade para o Lucas. Não sei por que me dispus a isso, apenas queria compartilhar minha alegria com ele. - Você parece um garotão que acaba de conquistar o primeiro carro! – disse ele rindo, quando cheguei com os filhotes. – Se queria preencher seu tempo, por que não me disse, tem muito o que fazer na obra. – emendou desafiador. - Não seja por isso. Onde começo? – revidei, sem pestanejar - E você sabe lá pegar num martelo sequer, com essas mãos que não tocaram em nada mais que um teclado de computador ou uma caneta? – provocou. - Nunca é tarde para começar! – sujeitinho convencido. Ele riu. Não me fiz de rogado e, todos os dias, passei a ajudar em alguma coisa na obra. Realmente não era coisa para amadores, mas procurei demonstrar não ter pruridos para encarar a empreitada. Mesmo por que, estar a poucos passos do Lucas trabalhando num jeans com cinturão de couro donde pendiam algumas ferramentas, um par de botas enlameadas e uma camiseta sempre suada por cima daqueles músculos avantajados era a mais inspiradora das visões. A cada dia eu me deitava na reserva das minhas forças, mas satisfeito com o progresso da obra. O Lucas costumava ser o último a deixar o canteiro no final do dia. Ele ficava checando o que cada um do seu time tinha feito e planejava as atividades para o dia seguinte. Muitas vezes terminava ou complementava algum item que não tinha ficado a contento, sem se dar conta de que estava anoitecendo. Numa dessas ocasiões, uma sexta-feira, onde os peões tinham saído um pouco mais cedo devido às nuvens carregadas que se armavam no céu prenunciando um temporal iminente, ele acabou ficando retido. Precisei adverti-lo das condições da estrada com essas chuvas quando o temporal já despencava torrencialmente. Passava ligeiramente das dezenove horas quando ele entrou em seu 4x4 e partiu rumo a cidade. Cerca de vinte minutos depois, ouvi o ronco do motor do carro dele estacionando. Ele veio até a porta da casinha encharcado até a alma. - O que aconteceu? – perguntei, diante dele pingando água pelos cabelos. - A ponte. O rio está tão cheio que a ponte está totalmente submersa, nem sei se não vai ser levada pela correnteza. – anunciou. - Eu não tinha te avisado? A estrada fica ainda mais precária com chuva, mas você não me deu ouvidos. - Lamento pelo inconveniente, mas creio que vou precisar passar a noite por aqui. – disse ele, olhando a sua volta para a precariedade daqueles dois cômodos e, da única cama que estava num deles, a qual seria possivelmente a que teríamos que dividir. - Bem! Há de se dar um jeito. Primeiro, livre-se dessas roupas encharcadas. Onde foi que se molhou tanto, você não estava dentro do carro? – questionei. - Eu desci uns instantes para ver se conseguia ver a ponte e se seria possível atravessá-la. – respondeu ele, sabendo que tinha dado uma mancada. - Depois o amador sou eu! Que falta de juízo! Está querendo ser levado pela correnteza? - Você não vai querer bancar a minha mãe a essa altura do campeonato, vai? – retrucou ele. - Vamos, livre-se dessas roupas molhadas, vai acabar pegando uma pneumonia e atrasar minha obra! - Não tenho outras para vestir e, as suas certamente não vão caber em mim. – devolveu. - Com certeza não! – exclamei, isso com uma satisfação incrível. Não seria de todo mal descobrir como era aquele corpão sem roupas. - E então? - Então dispa-se, ou tem medo de que o veja pelado? – provoquei. - Não quero constrangê-lo! – não sei o que ele quis dizer com aquilo, embora soubesse que vê-lo sem roupa iria provocar algo em mim. - Deixa de ser besta! E convencido! Trate de se enfiar debaixo do chuveiro. – retruquei, jogando uma toalha seca em suas mãos. Quando ele retornou com a toalha enrolada na cintura para o cômodo que era sala e cozinha ao mesmo tempo, eu engoli em seco. Que homem. Que macho. Nem nos meus mais perturbadores sonhos de consumo eu havia imaginado um homem como aquele. - Que foi? – perguntou ele. Devia estar escrito na minha testa o quanto sua nudez me impressionara. - Nada! Ora, o que haveria de ser? Embora eu tentasse me distrair preparando algo para comermos e cuidando das necessidades dos filhotes, não conseguia desviar o rabo do olho daquele tronco viril onde seria capaz de me perder sem perguntar se haveria volta. O melhor de tudo aquilo é que pudemos conversar um pouco além do que se referia à obra. Em dada altura do papo ele enveredou por um caminho que eu não estava muito disposto a percorrer. - O que foi que efetivamente te trouxe para cá? Só o desejo de ter uma casa no campo não me parece motivo suficiente para justificar uma mudança. – questionou ele. - Eu precisava respirar novos ares. – não sabia se estava disposto a me abrir com um sujeito que mal conhecia, especialmente o Lucas, que me parecia um poço infindável de questões não resolvidas. - Novos ares também não levam alguém a deixar uma vida para trás. – afirmou. - Quem te disse que deixei uma vida para trás? – ele estava sendo meio invasivo, ou apenas bisbilhotando? - Não é preciso ser nenhum gênio para constatar isso. – respondeu. - Foram alguns aborrecimentos, desgostos com algumas coisas, esse tipo de razões. – eu encarava aqueles olhos e tinha vontade de contar tudo a ele. - Sei. Amores que não deram certo. – falou baixinho, como se expressasse o que ia pela mente. - E você, o que te trouxe para cá? – perguntei, para fugir de outra pergunta capciosa. - Pode-se dizer que as mesmas coisas. Desgostos, aborrecimentos e mais um zilhão de coisas. – respondeu. – Ele deve ter te decepcionado muito! – emendou, erguendo o olhar na minha direção. - O que te leva a crer que seja um ele e, não uma ela? – eu não fazia o gênero homossexual, embora fosse um sem a mínima vergonha de assumir minha condição, era apenas uma questão de discrição. - A maneira como olha para mim! – pimba, na lata, o cara sabia o quanto mexia comigo. Cacete, e agora, como me livro dessa? - Me desculpe, não quero ser ofensivo! Por favor, não pense que .... – balbuciei. - Não esquenta! Gosto da maneira como me olha. – disse, esboçando um sorriso. - Como assim? - Com vontade de me tocar, com um desejo contido, querendo que eu te pegue. - Nossa! Tão evidente assim? – gaguejei. - Não! É que sinto isso quando estou perto de você. – eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. De repente, ele se levantou e veio na minha direção. A toalha caiu e meu corpo começou a tremer. Suas mãos tocaram primeiramente meu rosto, ásperas e firmes. Eu não sabia por quanto tempo minhas pernas continuariam a me sustentar, por isso ousei espalmar as mãos sobre seus bíceps, uma massa compacta de músculos enrijecidos. Ele aprovou minha atitude com um sorriso largo, envolveu meu torso em seus braços e me trouxe para junto dele. Tão junto que o calor de seu corpo e o coração pulsando dentro dele reverberavam contra o meu peito. Para meu embaraço, ele me fitou nos olhos por infindáveis instantes, num silêncio avassalador. - Você é muito bonito! Foi a primeira coisa que chamou a minha atenção na primeira vez em que nos vimos. – disse ele, tão mansa e sedutoramente que me deixou encabulado. - Talvez você esteja precisando de óculos! – exclamei nervoso, tentando parecer natural. Com o polegar ele contornou minha boca antes de se aproximar e beijá-la libidinosa e vorazmente. Abri-me para que conseguisse penetrar sua língua nela. Mais uma vez, ele se sentiu recompensado com a minha abertura. Passei meus braços ao redor de seu pescoço enquanto ele me erguia pelas nádegas que estavam completamente em suas mãos, sem que interrompêssemos aquele primeiro beijo compactuado. Ao mesmo tempo em que eu enrodilhava minhas pernas ao redor dele, suas mãos baixavam minha calça e cueca de uma só vez, deixando minha bunda nua e acessível à sua volúpia. Foi dessa forma que ele caminhou até o quarto e me soltou sobre a cama, inclinando-se sobre mim e continuando a consumir a minha boca numa voracidade insana. Meu corpo era transpassado por espasmos tão intensos como se eu estivesse tendo minha primeira experiência sexual. - Excitado? – perguntou retórica e sarcasticamente, pois meus mamilos enrijecidos, o corpo todo tremendo e minha respiração em suspenso já seriam evidências mais que suficientes para comprovar meu tesão. - Você deveria ser punido por ser tão sarcástico! – devolvi, acariciando com a ponta dos dedos sua nuca junto à implantação dos cabelos, o que percebi provocar nele o mesmo tesão que eu estava sentindo. - E você por encontrar minhas zonas erógenas com tamanha facilidade. – revidou, voltando a me beijar. - Por enquanto só encontrei uma, preciso explorar mais um pouco para encontrar as outras. – devolvi. Ele se deixou cair pesadamente ao meu lado com as pernas abertas. - Vá em frente! São todas suas. Desvencilhado das roupas, sentei-me sobre suas coxas. Lentamente deslizei as mãos espalmadas sobre aquele peito largo onde os pelos densos formavam redemoinhos antes de seguirem em direção à região púbica. Acariciei-os sem pressa, encarando-o para conferir cada mudança na sua expressão. Ele tentava disfarçar, mas o toque ao redor do umbigo começou a provocar uma ereção que me deu a certeza de ter encontrado outro ponto sensível naquele corpão. - Já estou no dois a zero! – tripudiei. - Essas mãos macias são golpe baixo. – disse sorrindo. Inclinei-me sobre ele, o que ele aproveitou para voltar a bolinar minhas nádegas, aproximando meu rosto do dele e mordiscando o lóbulo de uma de suas orelhas. Além de dar um apertão nos meus glúteos, ele soltou o ar por entre os dentes, indicando que eu havia feito mais um gol. - Três a zero! – brinquei. - Você sabe que isso vai te custar caro, não sabe? – previniu. - Estou disposto a pagar o que for. – respondi, enquanto lambia e mordiscava o bordo inferior de sua mandíbula, e seguia soltando beijos úmidos aleatoriamente em seu pescoço. A ereção se completou no mesmo instante. Ele rodopiava um dedo gananciosamente sobre a minha rosquinha, me levando à loucura. - Quatro a zero! – sussurrei. - Nã na nã! Quatro a um! Ou vai querer me convencer que esse buraquinho aqui não conta? – questionou safado. - Ok, não vou negar! – exclamei, saindo de cima das pernas dele e mergulhando a mão em sua virilha, tateando sorrateiro até sentir a rola pulsando selvagemente entre meus dedos. - Jogo sujo! – grunhiu ele. - Você ainda não viu nada! – sussurrei, fechando meus lábios ao redor da cabeçorra molhada de pré-gozo. O pequeno quarto foi envolvido por um sonoro chiado que atestou a minha vitória, pelo menos por enquanto. Chupei a pica do Lucas carinhosa e dedicadamente, sorvendo aquele sumo másculo e perfumado, enquanto ele agarrava meus cabelos e, vez ou outra, se contraía todo para não deixar o gozo escapar precocemente. - Ah Rafael! Vou te pegar de jeito, tá sabendo, não é? – grunhiu ele, enquanto eu continuava a mordiscar e chupar aquela verga suculenta e imensa. Tomado pelo tesão que começava a aflorar seus instintos mais primitivos, ele voltou a me beijar, mordeu meu queixo, desceu lambendo meu pescoço, percorreu um caminho pelo meu peito até chegar aos mamilos. Chupou-os alternadamente, de início, como se estivesse provando qual o mais saboroso. Em seguida, concentrou-se num deles mordiscando-o em toda a volta, até segurar o biquinho rijo entre os dentes e puxá-lo até me ouvir ganir. Ele repetiu o movimento até meu mamilo ficar inchado e a pele ao redor marcada pelos seus dentes. Depois, girou meu corpo me colocando de bruços, abriu minhas pernas e minhas nádegas. Eu já não passava de um boneco a mercê de sua tara. A visão da minha rosquinha rosada o ensandeceu. Partiu para cima dela com a língua ávida e começou a lambê-la lascivamente. Não consegui me conter de tanto tesão, e gemi de prazer, sentindo aquele macho me saboreando a intimidade. Ele apenas parava brevemente de lamber meu cuzinho para mordiscar minhas nádegas. Eu gemia num êxtase que jamais imaginei sentir. Meu corpo se agitava sobre a cama tomado pelos espasmos, pelo tesão, pela vontade de me entregar àquele macho. Como que para me subjugar, ele foi inclinando todo o peso de seu corpo sobre o meu. O calor que emanava dele e a atmosfera carregada de hormônios em ebulição me fizeram capitular. Quando os beijos e os chupões no meu cangote o asseguraram de que eu estava à sua disposição, a pica molhada de pré-gozo roçou atrevidamente a porta do meu cuzinho. Bastou que ele a forçasse umas duas ou três vezes para que a resistência que o meu temor havia imposto aos esfíncteres anais fosse rompida. O cacetão mergulhou naquela maciez úmida e quente. Eu gani, ele gemeu. Um impulso bruto meteu o caralhão mais para dentro, tornei a ganir. Aos poucos, nossas respirações arfantes chegavam a uma cadência única. Éramos apenas um e só ser. Era como se estivéssemos nos fundindo um no outro, tal qual dois metais para formar uma liga. A cada impulso eu sentia a verga grossa dele atolando nas minhas entranhas, a mais sublime e prazerosa sensação que já havia experimentado. Quanto mais ele bombava meu cuzinho, esfolando minha mucosa anal, devassando meu corpo, mais certeza eu tinha de que nunca estivera com um macho de verdade antes. Ele me predava ao mesmo tempo em que me transmitia a mais real e verdadeira segurança, acompanhada de um carinho como nunca senti na minha vida. - Viu no que dá me provocar com aqueles afagos e tentações? Eu avisei que ia te pegar de jeito, você não vai poder me acusar de nada. – ronronou ele, com o cacete tão enfiado no meu cuzinho que o sacão dele ficara preso entre os meus glúteos, profundamente alojado no meu reguinho. - Não vou te acusar de nada! Era exatamente aí que eu queria que você estivesse, nenhum milímetro a menos de onde está. – murmurei esgotado. - Ainda bem! Porque não pretendo sair daqui tão cedo. – sussurrou. - Fique! Fique, por que é aí que eu quero te guardar, te acarinhar e te aconchegar. – balbuciei. - Então me agasalha, meu tesudinho! – grunhiu ele, antes de intensificar as estocadas cujo ritmo ganhava força e cadência. - Ai Lucas! – gani, quando uma delas comprimiu minha próstata contra o púbis, irradiando uma dor lancinante através de meu baixo ventre, me fazendo lambuzar o lençol com um gozo interminável. - Nem pense em pedir arrego! Você me trouxe a um ponto sem volta, me deixou louco de tesão. – afirmou, enquanto bombava meu cuzinho alucinadamente, sabendo que estava me machucando. Embora esse macho estivesse exaurindo todas as minhas forças, eu jamais pensei em pedir arrego, pois ele estava sendo a resposta para os anseios de toda uma vida, um macho autêntico, um macho genuíno, na acepção da palavra. As mãos dele, encaixadas na minha cintura, me puxavam com força contra sua virilha atolando aquela pica cavalar no fundo do meu cu. Suas coxas me cobriam como um garanhão cobre uma égua. Era exatamente assim que eu me sentia naquele momento, uma égua prestes a ser inseminada. E, foi isso que ele fez ao retesar as coxas à minha volta, me prendendo numa contensão carnal e ejaculando seu gozo farto, pegajoso e tépido no meu cuzinho. Eu conseguia sentir cada um daqueles jatos escorrendo pela mucosa anal esfolada, aliviando um pouco a ardência que a torturava. Eu mal cabia em mim de tanta felicidade ao ouvir seu gemido rouco e gutural emergindo com vigor do fundo do peito, era o mais sublime dos sons, a confirmação de ter satisfeito o macho ao mesmo tempo em que sentia o melhor momento da minha vida. Depois de ficar por um tempo relaxadamente deitado sobre mim, esperando a ereção diminuir, ele deitou-se ao meu lado com a cabeça apoiada em ambas as mãos. Tomei seu rosto entre as minhas e sussurrei um muito obrigado, antes de cobrir seu rosto hirsuto de beijos suaves, sentindo a barba dele espetar meus lábios. Ele trouxe minha cabeça para junto do peito dele e me abraçou, não sem antes deslizar algumas vezes a mão sobre a minha bunda. Enquanto as pontas dos meus dedos brincavam com os pelos do peito dele, ele mergulhou no sono, tão mansa e confortavelmente como uma criança exausta. Não o culpei por isso. Havia dias que o trabalho na obra se tornara mais intenso e árduo, obrigando-o a jornadas exaustivas. Ao me levantar para buscar um cobertor, pois havia esfriado bastante com o avançar da noite, constatei que o lençol estava manchado de sangue. Era do meu cuzinho. Foi a primeira vez que isso aconteceu em todas as vezes que me deitei com um homem. Me senti um tolo deslumbrado, explodindo de felicidade, por sangrar feito uma virgem aos quarenta anos de idade. Ao cobrir o Lucas com o cobertor, olhei para aquela pica agora flácida, tão linda e simultaneamente tão brutalmente imensa, como um devoto admirando a imagem de seu santo. O Lucas acordou durante a noite, ao voltar do banheiro alojou-se nas minhas costas e abraçou meu tronco. Embora afirmasse que não queria me acordar, sua respiração morna no meu cangote me desertou antes das encoxadas que, aos poucos, iam endurecendo o pau que roçava meu rego. - Esta mancha de sangue no lençol está me enchendo de ideias! – exclamou ele, voltando a me beijar a nuca. - Fico me perguntando se vou sobreviver até amanhã cedo com todas essas suas ideias. – ronronei dengoso. - Tenho certeza que sim! – garantiu, metendo a rola no meu cu num deslizar contínuo e dolorido. Ainda chovia no meio da manhã do sábado enquanto tomávamos café. Cada encontro dos nossos olhares logo se transformava num sorriso de cumplicidade. Trocamos poucas palavras sobre a esbornia da noite anterior, como se elas pudessem ofuscar o prazer que havíamos tido. Quando ele resolveu partir, relutei em pedir para que ficasse, embora fosse essa a minha vontade. Não comece a botar caraminholas na sua cabeça. Tanto ele quanto você estavam carentes, próximos, aquela chuva convidativa, a casinha sem atrativos ou distrações, foi esse conjunto que os levou para a cama, portanto, não criei fantasias que vão se dissipar tão rapidamente quanto essas nuvens de chuva, alertava o meu lado racional. Enquanto isso, meu lado emocional não queria deixar aquele homem dar um passo para longe de mim. - Vou ver como está a ponte. Com a diminuição da chuva o leito do rio deve ter voltado ao normal e já deve ser possível atravessá-la. Nos vemos na segunda! – disse ele ao se despedir. - É provável! Mesmo assim, dirija com cuidado, a estrada deve estar muito pior agora. – respondi. Ele titubeou um pouco antes de entrar no carro, como se quisesse fazer ou dizer mais alguma coisa ou, mesmo não partir. Aproximei-me dele e tocando seu rosto coloquei um beijo tímido no canto de sua boca. Ele sorriu e partiu. Cerca de vinte minutos depois, ouvi o carro dele estacionando ao lado da casa. - A ponte está liberada, cheia de galhos emaranhados nas defensas, mas transitável. Voltei para ver se você quer alguma coisa da cidade, se precisa de alguma coisa. – disse ele. - De você! – exclamei. Ele me apertou contra o corpo e me beijou voraz e demoradamente. Constatar que ele havia retornado com uma desculpa esfarrapada só para estar comigo novamente foi o que de melhor podia estar acontecendo. O Lucas acabou passando o fim de semana comigo. À medida que a obra progredia, crescia nossa intimidade. Logo após aquele fim de semana orgiástico o Lucas passou a ficar comigo também durante algumas noites. De início, eram esporádicas, quando a preguiça ou cansaço o demoviam de regressar à cidade. Com o tempo, já não havia mais necessidade de algum pretexto, exceto o de ter meu acalanto sexual. Embora eu estivesse tremendamente feliz com essa situação, procurava me acautelar para não sofrer algum revés mais diante. Costumávamos conversar longamente, enrodilhados na cama, após as transas, o que ia nos aproximando cada vez mais um do outro. Ele voltou a me perguntar o que tinha me movido a vir parar na serra da Mantiqueira, alegando que eu tinha sido evasivo e superficial nas minhas respostas anteriores. Não sei o que o levou a se fixar nessa questão e, mais uma vez, tive pudores em lhe contar a verdade. - Não fui evasivo! Já te expliquei que estava entediado com tudo à minha volta, precisando de uma mudança radical para reencontrar um sentido na vida. – respondi. - Devia ser muito tédio, pois dificilmente alguém abandona tudo sem mais nem menos. – retrucou ele. - Pois eu te faço a mesma pergunta, o que te trouxe para cá? Você nunca me falou nada sobre isso. – revidei. - Porque é um assunto do qual não gosto de falar. – devolveu secamente. - Deixei tudo para trás porque fui traído, da maneira mais sórdida possível, pelo homem ao qual dediquei onze anos da minha vida. Flagrei-o em nossa cama sendo enrabado pelo marido de uma prima dele, ao regressar de uma viagem à trabalho. – revelei, procurando não encará-lo temendo que fizesse alguma expressão de dó ou pena. - Esse sujeito só pode ser um tremendo idiota! – disse ele apenas e, me encarando e tomando meu rosto nas mãos, repetiu. – Um tremendo idiota! - Foi o preço que paguei por ele ter omitido que era versátil, que gostava de jogar nos dois times, embora eu sempre houvesse deixado claro que era estritamente passivo. Segundo ele, foram suas necessidades que o levaram a cometer o que ele chamou de deslize. Irônico, não?- esclareci. - Para alguns talvez não seja importante rotular as pessoas segundo suas preferências sexuais, mas acredito que isso evitaria muita dor. – disse ele. - Você parece falar com propriedade. Não querendo ser invasivo, você já teve outros relacionamentos homossexuais? – questionei. - Não, nunca! Fui assediado algumas vezes, mas não me senti compelido a experimentar. - Posso fazer uma ideia! Qual é o gay que não gostaria de ter um homem como você? - Foi isso que sentiu por mim? – perguntou capcioso. - Para ser franco, não vou negar que fiquei impressionado com seu porte na primeira vez em que nos vimos. Mas, não criei expectativas a seu respeito, talvez até por conta da minha desilusão recente. Recebi com surpresa seu interesse por mim. – respondi. - Você me atraiu logo de cara como nunca me senti atraído por outro homem. Eu nem suspeitava da sua condição, mas a cada dia encontrava mais beleza em você. – revelou. - Só posso me sentir um sortudo. – balbuciei encabulado. - Eu fiquei viúvo há questão de cinco anos. Foi isso que me trouxe para a serra. Perder minha mulher foi como perder o chão, a razão de viver. Meus meninos estavam então com nove e quatro anos e, nem eles me pareciam um motivo suficiente para continuar vivo. Tínhamos tatos planos, uma vida cheia de projetos, a maioria esboçados por ela, e tudo ficou sem uma realização. Até recentemente eu apenas tocava um dia após o outro, incapaz de fazer planos, de mirar no futuro, pois ele me pareceu ser sempre sombrio. Abandonei meu posto de diretor de projetos internacionais numa construtora em São Paulo e vim afogar minhas dores na solidão da serra. – ele estava com a cabeça apoiada nas minhas coxas e falava pausadamente olhando para o teto, a expressão de dor ainda estampada em seu rosto. - Não precisa falar sobre isso se ainda te machuca tanto. – afirmei, acariciando seus cabelos. - É a primeira vez que falo com alguém sobre isso. À exceção dos meus pais e alguns parentes, poucos sabem que mergulhei no fundo do poço, abandonando até meus filhos. Mas, eu não podia olhar no rosto deles sem me lembrar dela. Fui um covarde e um fraco. Eles estão pagando pela minha fraqueza. – sentenciou ele, com os olhos marejados. - Você não é um fraco! É o homem mais decidido e responsável que já conheci. Ninguém é capaz de avaliar o tamanho e a intensidade da dor que vai dentro dos outros. Todos têm um tempo para processar as perdas antes de seguir adiante. Você está no seu tempo, só isso! – ponderei. - Vejo algumas das características da minha mulher em você. Constatei isso naquele dia em que viemos desbravar a propriedade pela primeira vez. O mesmo entusiasmo por novidades, a cabeça cheia de projetos sem a mínima ideia de como realiza-los, a maneira como olhava para mim como aquele que seria o único a te tirar da enrascada em que se enfiou. É tudo tão parecido e, me fez sentir que eu seria capaz de te ajudar resgatando a mim mesmo da inutilidade em que vivia. – confessou. - Uau! Vou começar a chorar. Se eu não fosse tão romântico, iria tomar isso como uma declaração de amor. – afirmei, procurando engolir aquele nó que se formara na minha garganta. - Nunca fui bom em declarações de amor. - Não se saiu nada mal nessa. Só espero que não esteja procurando em mim um substituto para sua mulher, procurando por características em comum. – questionei. - Não. Não me entenda mal. Quando mencionei essas características não tive a intensão de fazer comparações. É que elas só me lembraram o jeito dela. Com você é tudo tão novo e inusitado, como se, de repente, as nuvens de um céu carregado se abrissem e deixassem o sol passar novamente. – esclareceu. - Eu gostaria de ser esse sol a voltar a aquecê-lo aqui dentro. – afirmei, colocando a mão sobre o coração dele. - Seria precipitado da minha parte se eu dissesse que é isso que estou sentindo por você? – perguntou ele, agora levantando a cabeça e me fitando diretamente nos olhos. - Não! Porque é a mesma coisa que cresce dentro de mim a cada dia que passamos juntos. – devolvi. Um beijo terno encerrou aquele assunto difícil, tornando-o menos doloroso. Depois de muitos, aquele tinha sido um fim de semana no qual o Lucas não havia dormido comigo. Por isso, estranhei quando identifiquei sua chamada ao celular no meio da manhã do domingo. Ele queria que eu fosse encontra-lo na cidade para almoçarmos juntos. Por todo o percurso até a cidade fiquei imaginando o que poderia estar por trás daquele convite. A serra ficava um pouco mais agitada nos finais de semana por conta das pessoas que vinham desfrutar das amenidades, paisagens e tranquilidade daqueles vales e montanhas. Havíamos combinado de nos encontrar num restaurante que, à hora em cheguei, estava lotado de carros no estacionamento. Ele veio ao meu encontro assim que pisei dentro do restaurante, tinha um sorriso enigmático estampado no rosto cuja barba estava por fazer, bem ao meu gosto de ficar a acaricia-lo. À mesa em que me levou, num canto discreto com vista privilegiada para o vale que se descortinava abaixo e, cuja reserva devia ter sido arranjada com antecedência junto aos proprietários que o conheciam bem, estavam dois garotos. Um deles na adolescência e o outro a poucos anos de entrar nela, eles me encararam com curiosidade, o menor sorridente e o maior com indiferença. - Este é meu amigo Rafael, para quem o papai está construindo uma casa aqui perto. E, estes são meus filhos, Thiago e Marcelinho. – apresentou-nos o Lucas. - Oi! – dito por pura obrigação. - Oi! – dito com um sorriso inocente e curioso. - Oi, Thiago! Oi, Marcelinho! – dito com uma repentina insegurança que se apossara de mim. - Onde fica a sua casa? – perguntou o Marcelinho. - É um pouco fora da cidade, seu pai pode te levar lá uma hora dessas, se você quiser. - Tem algum bicho lá? - Tem. Dois filhotes de cachorro. - Qual o nome deles? - Que monte de perguntas são essas, Marcelinho? - Eu só queria saber. - Um deles se chama Thor, o outro Charlie. - Você me leva lá para conhecer eles, papai, depois do almoço? - Hoje não, filhão. Outro dia eu levo, ok? - Ah! Eu queria hoje. Comi pouco, pois a comida descia com dificuldade. Não restava dúvida de que eu estava mais nervoso do que aqueles garotos, ridícula e infantilmente nervoso. Se eu estivesse certo, já havia descoberto a razão daquele convite. O Lucas estava não só querendo me trazer para a sua vida, como querendo trazer a dele para a minha. Apesar de encantadoramente feliz com essa possibilidade, eu tremia só de pensar no que isso significava. O pequeno era um menino falante e sociável. Nunca passei por um interrogatório tão diversificado e vasto, que o Lucas ficava acompanhando com um risinho petulante, a cada saia justa que eu me via. Por outro lado, o adolescente apenas me encarava um pouco disfarçadamente, tentando adivinhar o significado daquele encontro. Às poucas perguntas que tive coragem de lhe dirigir, ele respondeu com a maior economia de palavras possível. Atribuí o fato à adolescência, mais do que a sua personalidade, apesar da total falta de conhecimento que eu tinha sobre crianças e, particularmente, adolescentes. Tudo o que eu sabia se resumia à voz corrente – adolescentes são um aborrecimento constante – pelo empenho que o Lucas fazia para que o Thiago se entrosasse em nossa conversa, eu pude constatar que a afirmação era verdadeira. - Algum problema Thiago? Por que está tão calado? Me conta um pouco como vão as coisas na escola? Você quase não comeu nada, não gostou do seu pedido? – insistiu o Lucas. - Não tô a fim de conversar na frente de estranhos sobre as minhas coisas. E tô sem fome, só isso! Eu disse que não estava querendo vir nesse almoço, preferia almoçar com o vô e a vó. – respondeu o moleque. - Não seja grosseiro! Temos pouca oportunidade de ficar juntos e quando ficamos você se comporta dessa maneira. – censurou o Lucas. - Não estou nem aí de ficarmos juntos. É muito melhor ficar em São Paulo com meus amigos. – provocou o Thiago. Antes que o Lucas respondesse e, pela cara dele eu sabia que não seria do modo mais compreensivo e tranquilo, toquei minha coxa na dele por baixo da mesa, o que o fez me encarar e me ver demovê-lo da intensão com um olhar brando. - Lembro que também não gostava de sair com os meus pais quando tinha a sua idade, têm tantas outras coisas legais para fazer que parece que estamos perdendo um montão de coisas interessantes. – afirmei. O garoto me encarou sem esboçar uma resposta, mesmo tendo a vontade de chutar o pau da barraca. - Eu gosto de ficar com você, papai! Por que eu não posso morar com você na casa do vovô o tempo todo? – questionou o Marcelinho. - Por que você tem que ir para escola. – respondeu o Lucas, ainda tenso com o entrevero com o Thiago. Ao nos despedirmos diante do restaurante, próximo aos carros, o Marcelinho deu um salto no meu colo e se pendurou no meu pescoço. O Thiago rosnou um Tchau forçado pelo olhar severo do Lucas, enquanto esse me sussurrou ao ouvido que nos veríamos à noite. Ao entrar no carro eu estava com as mãos suadas e tenso como os cabos de aço que sustentam uma ponte. Que experiência, pensei comigo mesmo. Apaixonado por um homem que você só terá se souber administrar a bagagem que virá no contrapeso. O Lucas me fez esquecer de tudo aquilo quando entrou em mim naquela noite, cheio de desejos insaciados, sabendo que eu havia me tornado seu fulcro naquele mar turbulento em que se encontrava. Não havia como não amá-lo quando aquela verga musculosa pulsava no meu cuzinho, enquanto meu otimismo me dizia que tudo se arranjaria com o tempo, com paciência e amor. Para comemorar a finalização do telhado, resolvemos oferecer um churrasco aos peões da obra no sábado imediatamente após a instalação da última telha. O Lucas trouxe os filhos que haviam chegado naquela manhã na casa dos avós. Com isso eu cumpria a minha promessa ao Marcelinho de apresenta-lo aos filhotes. O garoto mal cabia em si de tanta felicidade e, os filhotes encontraram, enfim, alguém com tanta ou mais energia do que eles. O Thiago, como já era de se esperar, parecia estar cumprindo uma penitência que certamente lhe tinha sido imposta pelo pai. Não se deu sequer ao trabalho de ver como era a obra, limitando-se a colocar os fones de ouvido do celular e sentar-se num tronco de uma das árvores que precisamos derrubar, o qual o Lucas tinha transformado num banco rústico, instalado numa posição que permitia uma bela visão da estrada serpenteando no vale abaixo. Ao vir da cidade, o Lucas havia esquecido as cervejas e refrigerantes no escritório. Ofereci-me a busca-los enquanto ele se encarregava de pôr as carnes para assar. Para isso convidei o Thiago para me acompanhar, uma vez que o Marcelinho não tinha disposição alguma para deixar seus novos amigos. Ele não relutou, limitando-se a proferir um Hã e cumprir mais uma etapa de sua penitência. Apesar dele não tirar os fones do ouvido, tentei puxar conversa, mas tudo que recebi como resposta foram alguns monossílabos emitidos por pura falta de opção. Esta estava sendo a maior barreira que o meu relacionamento com o Lucas estava enfrentando e, eu me questionei se conseguiríamos transpô-la algum dia, ou se ela impediria que aquilo ao que eu, de minha parte, já considerava um relacionamento. A volta parecia ter o mesmo destino da ida, até que pouco depois dos limites da cidade, eu o questionei se não gostaria de ir dirigindo até em casa. - Não sei dirigir! Além disso, sou menor de idade. – respondeu ele, tirando finalmente dos fones dos ouvidos. - Meu pai me ensinou a dirigir quando eu tinha a sua idade. Eu achei divertido. – devolvi. – Claro que nunca pude dirigir sem a presença dele e, apenas em locais ermos. - Meu pai nunca iria me ensinar a dirigir! – retrucou ele. - Como você sabe? Você já pediu alguma vez para ele te ensinar? - Ele não tem nenhum interesse pelo que quero ou gosto de fazer. – foi a resposta dada com a voz melancólica. - Não conheço nada sobre a relação de vocês, mas não acredito que seu pai não te ame e não se interesse pelo que acontecesse com você e seu irmão. – ponderei. - Pois é exatamente assim! - Bem! Você precisa se mudar para cá se quiser dirigir. – exclamei, parando na beira da estrada e trocando de lugar com ele. – repentinamente, senti que um novo Thiago estava ao meu lado, ainda tentando não parecer tão deslumbrado com a ideia de poder dirigir, sem dar bandeira. Dadas as explicações necessárias, deixei-o colocar o carro em movimento. Ele transpirava, o joelho que controlava a embreagem tremia e suas mãos agarravam o volante como se ele estivesse se segurando numa corda de rapel. Depois de alguns trancos nos quais o motor morria, uns sons do câmbio arranhando e um ziguezaguear pela estrada, o carro começou a seguir lentamente para o nosso destino. Foi a primeira vez que vi um arremedo de sorriso naquele rosto, e sentenças completas em resposta às minhas perguntas. - Pensei que vocês não voltassem mais! O que significa isso? – questionou o Lucas, assim que veio apressado ao nosso encontro ao chegarmos em casa. Imediatamente o Thiago reassumiu sua cara de adolescente enfadado. - E eu que o churrasco já estivesse pronto! – devolvi. - Ele não tem idade para dirigir! Será que você ficou tão irresponsável quanto ele? Vocês podiam ter tido um acidente! - Mas não tivemos! E, nem eu e nem ele somos irresponsáveis! Sabemos muito bem o que estamos fazendo! – devolvi com um sorriso, enquanto piscava para o Thiago. - Depois você vai me explicar que maluquice foi essa! – exclamou o Lucas, em voz baixa, já fora do alcance dos ouvidos de qualquer um. - Com todo prazer, meu senhor! – debochei, ante a expressão carrancuda dele. Já havia anoitecido, os peãos há muito tinham voltado para casa quando o Lucas se preparava para partir também. - Ah pai, eu quero ficar. Vamos dormir aqui hoje, só hoje? – pediu o Marcelinho, que já esboçava sinais de estar no limite de suas forças. - Não dá, filhão! Esta é a casa do Rafael e como você pode ver não tem lugar para dormir aqui. – respondeu o Lucas. Achei que ele fosse começar a fazer birra, mas ele se limitou a sentar no chão e devolver aos filhotes as carícias que estes lhe davam na forma de lambidas, enquanto algumas lágrimas desciam em silêncio pelo rostinho afogueado. Não sabendo se ia me arrepender do que estava prestes a fazer, mas deixando um pouco meus temores de lado, resolvi propor que ficassem. - Que tal se montássemos um acampamento no meio da sala, tenho dois colchões infláveis e vocês dois podem se ajeitar no meu quarto, o que acham? – não sei se aquele olhar do Lucas era de surpresa ou de censura. - Vamos! Eu quero acampar, pai! – respondeu de pronto o Marcelinho. - E você Thiago, tudo bem passar uma noite no improviso? – perguntei, sem muita esperança de um acordo. - Ok, tudo bem! – respondeu ele. Foi hilária a expressão que se formou no rosto do Lucas, pois ele jamais esperou por essa resposta. - Bem! Então depois do jantar vamos montar uns ninhos de guaxo por aí, e fazer de conta que estamos acampando. – retruquei, sob o olhar incrédulo do Lucas. - O que é um guaxo, Rafael? – perguntou curioso o Marcelinho. - É um bichinho muito do danado que ficou sem mãe e agora está tentando ser feliz mesmo assim, fazendo uma porção de coisas divertidas. – imediatamente após soltar essas palavras, me arrependi de ter entrado numa seara cujos pormenores dolorosos eu desconhecia. O Marcelinho pareceu não compreender todo o significado das minhas palavras. Já o Thiago viu nelas um esforço de minha parte em amenizar aquela vida insossa que vivia. O Marcelinho foi o primeiro a literalmente desmaiar no colo do pai pouco depois do jantar. O Thiago ficou se distraindo com joguinhos no celular. O Lucas e eu afastamos um pouco a escassa mobília criando espaço para montar os colchões infláveis próximos ao fogão a lenha, um remanescente deixado pelos antigos moradores e, que se mostrava providencial nas noites frias da serra. Com os garotos acomodados no meu quarto, o Lucas veio me encoxar enquanto fungava no meu cangote. - Dia cheio, hein? - Nem me fale! - Não pense que esqueci que você me deve um monte de explicações. – recordou ele. - Tem certeza? E você vai querer ouvi-las agora? – questionei, levando a mão para trás e pegando no pau dele. - Golpe baixo! – sussurrou ele. - Tem razão! Hoje não podemos! É arriscado demais. – devolvi, arfando de tesão com aquela pica endurecendo resvalando nas minhas coxas. - Você diz isso agora que me deixou nesse estado? É só você controlar seus gemidos. – sugeriu, temendo ficar sem atolar a rola no cuzinho que o estava deixando excitado. - Você não é nem maluco de tentar qualquer coisa com seus filhos no quarto ao lado! Segura a sua! – retruquei, escapando de sua investida. Acordei duas ou três vezes durante a noite com o Lucas grudado nas minhas costas, aboletado sobre o meu colchão, ora com a mão dentro da minha bermuda bolinando minha bunda, ora esfregando aquele cacete úmido no meu rego. Precisei me valer do meu lado racional para não ceder aos desejos lascivos do meu cu, que não queria outra coisa que não deixar aquele rolão se enfurnar em suas profundezas. Tirar os garotos da cama não foi tarefa fácil. Estava próximo do meio-dia quando o Lucas se empenhou nessa tarefa, depois de receber uma ligação da mãe convidando a todos para almoçar com eles. - Vou te mostrar todos os brinquedos que tenho na casa da vovó - disse o Marcelinho, entusiasmado com a possibilidade de me mostrar seus tesouros. - Outro dia prometo que vou conhecer seus brinquedos, ok? – devolvi, resolvido a não acompanha-los. - É cedo para eu conhecer seus pais, Lucas! Vamos com calma que eu não sei se estou preparado para tanto. – argumentei. - Vai parecer uma desfeita, uma falta de interesse de sua parte. – ponderou ele. - Dê uma desculpa qualquer, pois eu estou apavorado só com a ideia de ficar frente a frente com eles. - Não é do seu feitio fugir assim tão fácil. – retrucou ele. – Ademais, não sou bom em inventar mentiras. Vamos! São só algumas horas e você não precisa fazer nada além de deixar seu charme falar por si. – emendou, na conversa que tivemos à meia boca para que os meninos não nos ouvissem. Como eu previ, o encontro foi um desastre. Tudo começou à mesa, depois das apresentações formais e tensas, quando o Thiago não tirava os fones do celular do ouvido, desafiando os reiterados pedidos da avó e do pai. Quando o Lucas finalmente perdeu a paciência, arrancou o celular das mãos dele e o atirou contra a parede. Um silêncio catastrófico se formou antes do Thiago ameaçar se levantar da mesa. - Fique onde está! Não teste meus limites porque não vou hesitar em te dar umas boas bofetadas. – ameaçou e, virando-se para o pai, proferiu o que velho não esperava. – Eu expliquei a vocês uma centena de vezes porque não queria que esses meninos tivessem um celular. Mas, você precisou bancar o bonzinho e contrariar minhas ordens. Está aí o resultado, agora eu é que passo por malvado. - Não seja ridículo! Já basta seu total desinteresse por esses meninos, e ainda quer privá-los do que os amigos têm. – acusou o velho. - É você quem fica enfiando essas ideias na cabeça deles! Sempre me acusando de ser ausente, de não me importar com eles, de querer ter uma vida sem responsabilidades. Se não tem coisa melhor para ensiná-los, que fique calado! – revidou o Lucas. Eu queria evaporar no ar como água fervente ebulindo de uma panela. Enquanto isso o Thiago aproveitou para desaparecer na surdina. A velha disfarçadamente inventou de fazer alguma coisa na cozinha, no que logo foi seguida pelo marido. O Lucas bufava feito um touro com os punhos cerrados. A placidez com a qual o Marcelinho acompanhava a cena me fez perceber que ele já devia ter visto esse espetáculo algumas vezes. Antes que eu pudesse colocar a minha mão sobre a do Lucas tentando acalmá-lo, ele seguiu determinado atrás do pai. Os berros, agora vindos da cozinha, vinham carregados de acusações e rancores guardados há tempos. - Se você tivesse um mínimo de preocupação com seus filhos não teria abandonado seu emprego, suas responsabilidades para com eles, para vir se esconder feito um rato, depois que que sua mulher morreu. – o velho jogava sujo. - Eu nunca abandonei meus filhos! É essa mentira que você gosta de contar para eles, para que se revoltem contra mim. – defendeu-se o Lucas. - Não! Então que nome você dá ao fato de vir se esconder aqui, de passar meses sem uma ocupação, de começar a agir como um João-Ninguém transformando-se e aliando-se a peões de obra, jogando pelo ralo a educação que te proporcionamos? - Disso você gosta de se vangloriar, que financiou os meus estudos e dos da Letícia, para nos jogar na cara a sua benevolência! Ao passo que ela e eu nunca estivemos à altura das tuas expectativas. No início minha mulher não servia para mim, bem como o marido da Letícia para ela, depois de morta, fui eu quem não dei o devido valor a ela. Tudo fruto da sua cabeça doentia! - Eu tenho cabeça doentia? Que explicação você dá para trazer esse homem, com quem você resolveu se amasiar ou sabe-se lá que tipo de depravação cometer, para dentro da minha casa e para conviver com seus filhos? - Pelo amor de Deus, parem com isso! – ouvi a velha esganiçar, antes de levar o Marcelinho para o jardim a fim de poupá-lo de tudo aquilo. Despedi-me do menino com um abraço que ele não quis soltar e um beijo prometendo que em breve nos veríamos novamente e, orientando-o a procurar pelo Thiago. Sem carro, dirigi-me até o portão da chácara, enquanto procurava algum sinal de vida na estrada vazia. Percorri-a em direção a cidade, que não ficava muito distante, na esperança de encontrar um meio de voltar para o meu canto. As lágrimas desciam pelo meu rosto, mornas e sofridas. Por ser um fim de semana, demorei a conseguir um taxi na praça central, pois os turistas demandavam toda a capacidade da cidade. Eu estava a menos de um quilômetro de casa quando o celular tocou, exibindo o rosto do Lucas. - Onde diabos você se enfiou? – a voz ainda continuava alterada pela discussão com o pai. - Estou chegando em casa. Amanhã nos falamos. Até! – respondi, desligando em seguida sem dar chance dele esticar a conversa. Amarguei uma noite de insônia, remoendo aquele ódio que o velho destilara por todos os poros. Só então consegui descobrir a origem da revolta do Thiago. O avô valeu-se da instabilidade comum à idade para incutir no neto as mesmas frustrações que ele carregava no peito contra o filho. Fiquei conjecturando se valia à pena eu entrar nesse balaio de gatos, enquanto eu mesmo procurava reaver a minha estabilidade interior. Mal havia amanhecido quando o Lucas chegou à obra. Fui acordado pelos murros que ele desferia contra a porta da casinha. - Por que partiu sem se despedir de mim? – eu não sabia se ele estava brincando ou, simplesmente, se esquecido da tragédia da véspera. - O que você queria que eu fizesse? Foi demais para mim, Lucas. Foi simplesmente demais. – respondi desanimado. - Não dê importância ao que não tem! - Seu pai abomina o que você está fazendo e você diz que não tem importância? Ele execrou cada minuto que eu passei junto a família dele. Você acha que algum dia ele vai aceitar que você mantenha um relacionamento com outro homem? Ou, que vai deixar de envenenar seus filhos contra essa relação? – questionei. - O que ele pensa não importa! Você e eu, é isso que importa! – respondeu. - Não sei se consigo conviver com todo esse peso sobre nossas cabeças. - O que você quer dizer com isso? - Que precisamos ser práticos e racionais! Você tem seus filhos para se preocupar. – argumentei. - E você não quer ter esse estorvo em sua vida! - Eu nunca disse que seus filhos são um estorvo! Não desvirtue as minhas palavras! – retruquei ofendido. - Pronto! Já estou brigando novamente. Minha vida se resume a isso, brigar por tudo que eu quero e acho certo. - É melhor voltarmos a agir como de início, você como empreiteiro e eu como quem contratou seus serviços. Assim ninguém acaba se machucando. – só eu sei o quanto precisei me controlar para proferir aquelas palavras sem começar a chorar diante dele. - Se você prefere assim! Tudo bem! É provável que eu tenha me enganado sobre os teus sentimentos por mim. De agora em diante, estarei empenhado em te entregar a obra a seu contento. – ele foi duro ao me lançar isso na cara. Eu não deixei de participar das tarefas na obra por um único dia sequer. Toda vez que ficava perto do Lucas, ou via-o trabalhando com aquela camiseta suada colada ao corpo, aqueles músculos se retesando e triplicando de volume quando ele fazia algum esforço, aquelas coxas vigorosas quase rasgando o jeans e seu arrojo ao instruir os peões de como proceder quando algo emperrava, ficava me questionando se tinha tomado de decisão acertada, pois meu coração continuava mais ligado a ele do que nunca. Antes de entrar no carro para partir nos finais de tarde, ele me lançava um olhar na esperança de que eu pedisse para ele ficar, para que abrisse meus braços e acolhesse seu corpo cansado dentro deles, para que fizesse aquele fogo que ardia dentro dele se transformar numa ereção que seria acolhida pelo meu cuzinho macio. Porém, dia após dia, ele voltava desolado para casa sem ter conseguido seu intento, enquanto eu me recolhia e enxugava aquelas lágrimas que teimavam em contrariar minha determinação. - Sei que talvez seja um pouco tarde, dado o avançado da obra, mas ainda seria possível acrescentar um quarto à casa? – perguntei-o numa manhã, quando minhas ponderações e convicções sobre um futuro ao lado dele já tinham caído por terra. - Impossível não é! Mas, vai dar um bocado de trabalho encaixar mais um cômodo sem que fique parecendo um remendo. – respondeu ele. - Um não, dois! Um quarto e um banheiro anexo. – esclareci. - Posso saber o que te levou a querer aumentar a casa agora? - Acho que posso precisar, se for receber mais visitas de familiares ou amigos. - Mas você já tem um quarto sobrando! - Talvez seja pouco. Me ajude a pensar numa solução. Eu imaginei que poderíamos fazer essa inserção bem aqui. – afirmei, apontando um ponto específico numa planta que trazia comigo. - Se formos fazer essa ampliação é bom começar já! Preciso de um tempo para bolar alguma coisa que fique esteticamente bonito. - Pode ser essa noite? Você janta comigo e depois estudamos uma maneira de resolver a questão? – questionei. - Pode! – o brilho no olhar dele havia renascido. A conclusão a que cheguei foi que não conseguiria abrir mão dele. Com ou sem problemas, eu estava disposto a enfrenta-los ao lado dele. O amor que sentia por aquele homem não admitia mais receios. Ele foi cauteloso ao se aproximar de mim após termos conseguido uma solução para o quarto extra. Deu-me um daqueles seus sorrisos avassaladores, algo tímido, algo libidinoso. Prendeu minhas mãos entre as dele quando lhe estendi uma xícara de chá fumegante para afugentar o friozinho que aumentava com o avançar da noite. Precisei me conter para não rir quando em seu rosto se formou uma expressão semelhante a que os filhotes faziam quando queriam subir na minha cama, carentes e querendo aconchego. - Vai me deixar passar a noite aqui? Na sua cama? Dentro de você? – arriscou, com a safadeza transbordando junto com a alegria. Eu lhe devolvi um sorriso que nada mais era do que um sim. Sem perder um segundo sequer, ele me puxou para junto de si, ainda estava rescindindo a suor, um cheiro másculo capaz de me fazer cair de quatro sem a menor dificuldade. Colou sua boca na minha e a penetrou com a língua voraz. Suas mãos entraram debaixo da minha camiseta e a fizeram sair pela cabeça. Eu ia protestar dizendo que precisava de um banho, tanto quanto ele, mas a boca se fechou ao redor de um dos meus mamilos cravando os dentes numa mordida gulosa e dolorida, que me fez gemer. Antes de voltar a colocar suas mãos sobre meu corpo, ele tirou a própria camiseta e a atirou a um canto. Ele tinha a certeza de que seu torso nu e peludo seria capaz de me seduzir e, sobrepujar qualquer empecilho que eu viesse a inventar para não me entregar a ele. - Precisamos de um banho! – balbuciei, no curto espaço de tempo que ele deixava entre os beijos concupiscentes que me roubava. Sem responder, para não tirar seus lábios dos meus, ele foi me conduzindo até o chuveiro, abriu a água sem se preocupar de ainda estarmos parcialmente vestidos e começou a me despir. - Amo esse seu corpo tesudo, sabia? – rosnou sôfrego. - Só o corpo? – provoquei. - Tudo! Você bem sabe. Mas, no momento, estou querendo esse cuzinho! Estava morrendo de saudades dele. – grunhia ele, empenhando-se em ter meu corpo nu em suas mãos o mais afoitamente possível. Ante a ereção monstruosa que latejava debaixo do jeans dele, eu comecei a desabotoá-lo e abrir a braguilha, até libertar aquele colosso com um salto para fora. As mãos dele massageavam minhas nádegas e seus dedos vasculhavam o rego à procura das minhas preguinhas. Ao encontra-las, ele me encarou e enfiou o dedo no meu cuzinho, como que determinando que aquilo lhe pertencia. Ajoelhei-me diante dele para livrá-lo das botas que estavam encharcadas e difíceis de remover. Numa das vezes em que ergui meu olhar para ver se ele estava disposto a me ajudar a tirá-las, ele colocou a pica na minha boca. Chupei-a com a água do chuveiro despencando na minha cara, saborosa e suculenta devido ao tesão que o fazia lançar o pré-gozo na minha boca. Eu tinha para mim que ele nunca havia sido chupado com tanto empenho e, muito menos, que quem o houvesse chupado tivesse engolido seu sumo e também sua porra como eu fazia. Pois o prazer que se instalava nele quando eu o mamava era de uma intensidade única, que o fazia grunhir e se contorcer. Era exatamente assim que ele estava naquele momento, loucamente excitado, enquanto minha língua se movia ao redor da glande totalmente abocanhada entre meus lábios. O jeans molhado parecia não querer desgrudar daquelas coxas musculosas, apesar da força que eu empregava nesse afã. Ele não me deixou insistir na retirada de suas botas, pois isso significava que eu precisava baixar a cabeça e, tudo o que ele desejava naquele avassalador sentimento de prazer era despejar seu gozo na minha boca. Ele o fez prendendo minha cabeça entre as mãos ao mesmo tempo em que soltava um grunhido rouco, acariciando meu rosto enquanto eu engolia sua gala quente e espessa. Minutos depois, era eu quem gania na cama sob seu peso, gozando enquanto ele estocava meu cuzinho com impulsos fortes e bruscos. Ao tomar sua cabeça nas mãos e trazê-la para o meu peito, ele inundou meu cuzinho de porra. Um longo beijo selou aquela reconciliação, sem que a rola fosse retirada das minhas entranhas. A casa ficou pronta depois de quase um ano em obras. Havia duas semanas que os peões deixaram o canteiro. Eu não me cansava de ficar circulando pelos cômodos vazios, feliz pelo que tinha conquistado. Sentava-me no chão, em alguma parte da casa, por horas que não sentia passar, e ficava imaginando como decorar aquele lugar. Tinha decidido que iria a São Paulo, para chamar uma amiga que já tinha decorado meu apartamento, para me auxiliar nessa tarefa. Seria no próximo final de semana, uma vez que o Lucas deixara de passa-los comigo para ficar com os filhos. Ele vinha uma ou duas vezes por semana, chegava tarde da noite, cansado e muitas vezes faminto, me levava para cama e me penetrava até exaurir suas últimas forças, adormecia no meu regaço, sem mesmo tirar a rola do meu cuzinho. Na manhã seguinte, eu acordava sozinho e com as entranhas úmidas, sobre o travesseiro dele costumava encontrar um bilhete curto – Amo você! Beijão! – escrito às pressas. Acabei não precisando ir a São Paulo, minha amiga e o marido se prontificaram a vir conhecer a casa. Hospedei-os da melhor maneira que as precárias condições permitiam, o que não os impediu de ficarem contentes com o nosso reencontro depois de tanto tempo. - Veja o que consegue fazer por mim. Vou logo avisando que precisa ser algo simples, com ar campestre, sem luxos, pois minha conta bancária está quase a zero. – adverti. - Cara, você é fantástico! O lugar é lindo e seu bom gosto aparece em cada detalhe. Só não sei porque construiu uma casa tão ampla? – pelo jeito com que ela me encarou, percebi que queria arrancar algum dos meus segredos. - Assim tenho como receber os amigos, dos quais tenho sentido muitas saudades. – respondi, tentando disfarçar. - Ou seria para colocar alguém em sua vida? – questionou curiosa. – Pela tua cara sei que deve estar rolando alguma coisa. Você está muito feliz para quem viveu um ano escondido do mundo nesse isolamento. Vamos lá, queremos o serviço completo. – fez coro o marido. - Conheci um cara! – antes que pudesse continuar, um sonoro Ah saiu da boca de ambos. – É o engenheiro que construiu a casa, um viúvo com dois filhos e, uma longa história não muito regrada. – confessei, para acabar com a curiosidade deles. - Viúvo! Com filhos! Ou você é muito corajoso, ou é maluco mesmo. – disse minha amiga. - Pergunte ao meu coração por que ele não é capaz de fazer escolhas menos complicadas. – revidei. - Falando em escolhas complicadas, adivinhe quem encontramos no shopping há questão de quanto, Ronaldo, cinco, talvez seis semanas? – perguntou ela. - Posso até imaginar e, te garanto, não estou nem um pouco interessado. – respondi, sabendo tratar-se do Fernando. - Pois eu vou te contar mesmo assim! Ele tentou fugir quando nos viu no corredor do shopping, ao perceber que não funcionaria, veio nos cumprimentar com um sorriso amarelo. Disse que estava sozinho e tinha voltado a morar com a mãe. O tal marido da prima culpou-o por tudo que tinha acontecido e deu-lhe um chute na bunda depois da esposa ter pedido o divórcio, e, feito da vida dele um verdadeiro inferno. Toda a família dele e da esposa virou-se contra ele, indignadas pelo mal exemplo que estava dando aos filhos. Até do emprego ele precisou sair, pois não aguentou a pressão dos cochichos que aconteciam nos bastidores sobre sua sexualidade. Quanto ao Fernando, não resta dúvida de que estava ali à caça, mais do que propriamente para fazer compras. – revelou ela. - Sinceramente, o destino dele não me importa. Nem tudo foi culpa dele, fui eu quem fez a escolha errada. Só não o imagino morando com a mãe, pois ela queria vê-lo pelas costas. Ela sempre me tratou como se eu fosse um pervertido que tinha desvirtuado o filho de cujas preferências sexuais ela nunca sonhou, ou se fez de cega para não enxergar o óbvio. Os dois sempre viveram à turras! – retruquei. - Não acredito que você continua colocando panos quentes na sacanagem que ele fez com você! – disse o amigo da minha amiga. – O cara é um mau caráter! - Que seja! Hoje ele é passado, mais do que passado! O Lucas me fez enxergar o quão errônea tinha sido a minha escolha. – afirmei. - Ah! O felizardo se chama Lucas! Trate de apresenta-lo ligeirinho, quero saber quem é a figura. – disse ela rindo. Naquele e, no final de semana seguinte, percorremos algumas cidadezinhas da serra onde encontramos praticamente tudo para mobiliar a casa da maneira como eu sonhara. Se ela me achava um sujeito de bom gosto, o dela vinha acompanhado da experiência como designer de interiores. Em nenhum dos finais de semana consegui apresenta-los ao Lucas, pois ele tinha ido a São Paulo para ficar com os filhos. Aliás, nem eu o tinha visto nas últimas duas semanas e, já me preocupava com o que poderia estar acontecendo, pois nem no escritório da cidade consegui obter notícias dele. Tudo o que a garota pode me informar é que ele havia trazido umas tralhas que tinha jogado na parte superior do sobrado e, ao que parecia ele estava dormindo em meio a elas. Eu estava louco para mostrar a casa mobiliada para o Lucas, mas em resposta a uma das minhas mensagens deixadas em sua caixa postal, ele me garantiu que em breve estaria comigo e curioso para ver o que eu tinha feito. A resposta terminava com um – Te amo, beijão! – que só conseguiu me encher de preocupações. Essas ganharam proporções alarmantes quando encontrei apenas os pais dele, acompanhados pelo Thiago e pelo Marcelinho, almoçando no mesmo restaurante onde o Lucas costumava leva-los. O Marcelinho correu ao meu encontro assim que me viu entrar, pulando no meu colo sem nenhum pudor. Resolvi cumprimentar os pais dele, apesar de saber que eles não faziam a menor questão dessa formalidade. - Posso ir visitar o Thor e o Charlie? – questionou o Marcelinho. - Talvez outro dia! – respondeu de pronto o avô, procurando evitar que o neto tivesse contato comigo. Para minha surpresa, o garoto fincou o pé e começou a fazer birra diante da curiosidade de quem estava ao redor. - Eu quero ir, vô! Se o papai estivesse aqui você tinha que deixar eu ir. – argumentou o garoto. - Mas não está! E você vai se comportar se não quiser ficar de castigo. – revidou o velho, envergonhado com a cena. - Não me importo de leva-lo para ver os cães e traze-lo de volta antes do anoitecer, se me permitirem? – prontifiquei-me, ante as súplicas do garoto. - Muito obrigado, não será necessário! Ele precisa aprender a obedecer. – retrucou o velho. - Ele é apenas uma criança! – exclamou a avó, um pouco mais condescendente. O Thiago também resolveu vir comigo, talvez esperando que eu o deixasse dirigir até em casa. Fiquei feliz em realizar o desejo de ambos. Eles por sua vez também me pareceram mais soltos do que ao lado dos avós. Mostrei-lhes a casa pronta. Eles ficaram fascinados. - Posso vir morar com você, o Thor e o Charlie? – perguntou o Marcelinho. - Será que seu pai aprovaria isso? – perguntei. - Fala para ele vir também! – crianças têm soluções simples para questões complexas. - Vou contar um segredo para vocês. Fica sendo o nosso segredo, ok? - O que é? Eu não conto para ninguém, eu juro! Você também Thiago, jura, para ele contar logo o segredo. - Esse quarto aqui é para vocês dois. Achei que gostariam de ter um lugar só para vocês quando vierem me visitar. - Só quando vier visitar? Eu queria morar aqui. – afirmou o Marcelinho. Enquanto isso, o Thiago me encarava com um misto de emoção e incredulidade. Quando o Marcelinho voltou a correr atrás dos cães, ele começou timidamente a se abrir. - Quero pedir desculpas a você! No dia daquela briga na mesa do almoço... A culpa foi minha. – começou ele. – Eu estava com raiva do meu pai e de você. Meu avô sempre ficou enchendo a minha cabeça dizendo que meu pai era um fraco, que não queria saber mais da gente depois que minha mãe morreu, que tinha se transformado num sujeito sem eira nem beira. E, eu ficava com raiva por que meu pai não vinha buscar a gente e, quando vinha, era só por algumas horas. Por isso, eu comecei a provoca-lo, como naquele dia. Por que estava com raiva! – revelou. - Você não precisa se desculpar por nada. É natural que queria estar com seu pai. Esteja certo que ele também quer isso, por que não existe nada mais importante na vida dele do que você e o Marcelinho. – devolvi, ante o sofrimento estampado no rosto do menino. - Depois que você foi embora, naquele dia, meu pai e meu avô continuaram brigando e, meu pai jogou na cara do meu avô que te ama. Eu achei que ele ia ficar com você e deixar a gente com meus avós para sempre. Não é só o Marcelinho que quer morar com o meu pai, eu também quero. Meu avô continuou falando mal dele e dizendo que tinha se transformado num viado, ao invés de assumir a responsabilidade de nos criar. Tem um colega no colégio que tem dois pais, ele é um cara legal, e nunca se queixou de ter dois pais, ao invés de um pai e uma mãe. Ele disse que eles não ficam fazendo sacanagens, o máximo que fazem é se beijar e se abraçar na frente dele. Nada parecido com o que eu avô fica falando para gente. – a angustia na voz daquele menino me emocionava até o fundo da alma. - Seu avô teve uma formação onde se escondia tudo o que não fosse, como eles chamam, normal, dos outros. Só chamam de família o que é formado por um homem, uma mulher e seus filhos. Mesmo que haja um monte de problemas, é nisso que acreditam. Por isso ele não consegue compreender que dois homens se apaixonem um pelo outro, ou que duas mulheres façam o mesmo. Mas a realidade não é essa. As pessoas gostam umas das outras independentemente do sexo. Porém, poucas têm a coragem de admitir e assumir isso. Elas sabem que vão sofrer e ser discriminadas. A bronca do seu avô com seu pai vem do fato dele não ter se transformado exatamente no filho que ele havia idealizado. Quanto a você e seu irmão quererem morar com seu pai, já disseram isso a ele? Nunca deixe de conversar abertamente com seu pai, sem rodeios, sem receios, ele sempre vai gostar de saber o que se passa no íntimo de vocês. – argumentei. - Eu acho você um cara legal! Juro que não acredito no que meu avô fala. – confessou ele. - Eu também te acho um cara legal! Sei que você só está preocupado com o amor do seu pai. Ele é todo seu e do seu irmão, esteja certo disso. Cada um de nós reage de uma maneira diante das perdas que a vida nos impõem. Seu pai precisou do tempo dele para assimilar a morte da sua mãe. Não foi fraqueza, falta de amor por vocês ou irresponsabilidade da parte dele, foi tão somente o tempo que ele precisou para superar a perda. Você é um garoto. Não me interprete mal, não quero dizer que seja criança. O que eu quero dizer é que você é um adolescente e deve viver como um deles, pois você só terá uma chance para isso. E essa chance, é agora. Você não deve se preocupar com a felicidade do seu pai, ele mesmo vai se encarregar de encontra-la. Você não deve assumir esses problemas entre seu pai e seu avô, é jovem demais para carregar toda essa carga. Eu quero que você saiba que sou seu amigo. Não aquele amiguinho de colégio, de sacanagens, de atos inconsequentes, mas aquele amigo que está aqui para te ouvir quando você quiser contar alguma coisa que está acontecendo com você, que já passou por todas as dúvidas e dificuldades da adolescência e, que não quer ser um sabichão com todas as respostas, mas o cara que está a fim de fazer você encontrar um caminho para a sua felicidade. – declarei. Ele me abraçou e começou a chorar, como acho que nunca teve coragem de chorar antes. Só eu sei o esforço que fiz para não cair no choro com ele, só para que ele soubesse que encontraria em mim uma rocha onde se apoiar. Reencontrei-me com o Lucas na noite seguinte. Como de outras vezes, depois de ele ter tido um dia estafante. Questionei-o pelo desaparecimento, por não ter dado notícias, por me deixar aflito. - Eu já imaginava que você tinha se mudado para a casa nova. Ficou incrível com a decoração. - Graças a você! – retruquei, abraçando seu torso e deitando minha cabeça em seu ombro, cheio de saudades daqueles músculos e daquele cheiro. - Só fiz o que você me pediu! Esse chamego todo, é de saudades? Pelo visto vou me dar bem essa noite! – disse ele, rindo e me puxando para um beijo. - Por onde andou? Até os meninos estavam preocupados. – insisti. - Fui a São Paulo resolver umas pendências, visitar minha irmã e meu cunhado, e dar um basta no poder de influência do meu pai sobre as minhas escolhas. – respondeu ele. – Falei com os garotos pelo celular e eles me disseram que estiveram com você no final de semana, que novidade foi essa? – emendou. Contei rapidamente como havia se dado nosso encontro, sem entrar em mais detalhes. - Vou precisar dos seus serviços! – disse eu, durante o jantar. - É bom mesmo! Ando numa secura danada. Nem sei quantas cuecas engomei pensando nessa sua bundinha. – devolveu ele, com a expressão de um adolescente tarado. - Estou vendo que anda mesmo sentindo minha falta, mas não é disso que estou falando seu libertino! Preciso que construa mais um espaço, ainda não me resolvi onde, pois quero começar a fazer pães artesanais de fermentação natural. Minha conta bancária está uma tragédia, a grana da venda do apartamento se foi e, os trocados que sobraram precisam me sustentar até eu conseguir fazer algum dinheiro. Faz tempo que pensei em fazer alguma coisa no ramo de alimentação. Cheguei a fazer um curso de panificação quando ainda estava na financeira, só para me distrair. Porém, andei conversando com a dona da pousada onde eu fiquei nas primeiras semanas, com o dono daquele seu restaurante preferido na praça e eles me garantiram que teriam interesse, se meus produtos agradarem a clientela. Também andei pesquisando e há inúmeras pousadas e restaurantes nos municípios que compõem a serra, potenciais clientes. Já me decidi que este será meu novo projeto! – conclui, sob o olhar risinho dele. - Se eu mesmo não tivesse experimentado, não acreditaria que você tem todo esse fogo no rabo! Outro projeto de vida? Lembra, quando visitamos o terreno pela primeira vez e eu te perguntei o que tinha te trazido para cá, você me respondeu – um projeto de vida! – essas palavras nunca mais pararam de ecoar nos meus ouvidos. Foram elas que me animaram a sair do casulo no qual eu havia me escondido depois da morte da minha esposa. O contato cada vez próximo com você me fez enxergar a luz que você emana e, que tem iluminado meu caminho até agora. Por isso, já não aguento esperar mais, preciso te perguntar uma coisa... – ele estancou, mais pelo receio de uma resposta do que pela pergunta em si. - Pergunte, você nunca foi de fazer rodeios. Sempre soube muito bem como conseguir o que queria de mim. – retruquei. - Catar você de jeito é fácil, mas te perguntar o que quero perguntar já não é tão simples assim. – afirmou. - Está me chamando de fácil? – questionei indignado, embora soubesse que ele só estava querendo ganhar tempo para me questionar sobre o que realmente importava. - É, tenho que admitir que não foi tão complicado assim convencê-lo a me deixar entrar aqui. – respondeu, apertando minha nádega. - Vou me lembrar disso na próxima vez que esse bagulhão aí começar a endurecer! – zombei. - Será que você pode me incluir, quando digo eu quero dizer eu e mais tudo o que vem no pacote, nesses seus inúmeros projetos de vida? – nesse meio tempo ele foi sacando do bolso algo que estava me intrigando desde que ele havia chegado, pois inicialmente achei que fosse outra daquelas suas ereções desenfreadas, uma caixinha com duas alianças. Na hora perdi o prumo, perdi a linha do que estava pensando, perdi o fôlego, perdi a noção de onde estava. Só voltei e encontrar cada uma dessas coisas quando fitei aquele olhar carinhoso e doce pousado sobre mim, esperando uma resposta, a resposta que há meses eu tinha pronta e ensaiada, mas que não consegui transformar em palavras, só numa lágrima que rolou pelo meu rosto. - Acho que isso é um sim! – gracejou ele, permanecendo com a caixinha na mão estirada na minha frente. - Sim! É um sim! – murmurei, procurando segurar o choro. Esse homem diante de mim havia conseguido arrancar mais emoções do fundo da minha alma, em tão poucos meses, do que qualquer outra pessoa ao longo desses quarenta anos. – Quero te mostrar um lugar da casa onde você ainda não esteve. – disse, conduzindo-o até aquele último quarto que havíamos incluído à construção. - Um quarto para os meninos! – exclamou. Agora foi ele quem mal disfarçou os olhos marejados de emoção. – Então você já estava cheio de segundas intenções para comigo? – mangou, para disfarçar o impacto emocional que aquele aposento decorado lhe causou. - Digamos que me apaixonei pelo paizão gostoso deles! - Gostoso, é? Vou te mostrar uma coisa bem gostosa que eu tenho aqui, todinha para você! Minutos depois, estávamos no quarto. Havíamos entrado sem acender as luzes, a enorme porta que dava para o jardim ainda estava aberta, deixando entrar um ar perfumado da folhagem das árvores ao redor da casa. O cortinado leve e transparente se movia com a brisa quase estagnada da noite abafada. Através dele, via-se o acender pontilhado das luzes de vagalumes que voavam pela noite escura. Mesmo no escuro não precisei tatear muito pelas pernas dele até encontrar a rigidez da pica úmida. Tomei-a nas mãos numa carícia suave. Ele gemeu. Ajustei meus lábios no entorno da cabeçorra. Ele gemeu. Seu sumo viril delatava a intensidade do tesão dele. A ponta da minha língua percorreu cada centímetro daquela jeba maçuda e reta, me permitindo sentir o sangue latejar dentro do emaranhado de veias grossas. O cheiro másculo dele entrava nas minhas narinas, competindo com o ar e, me fazendo arfar de desejo. Meu rosto estava parcialmente imerso naquele chumaço de pentelhos, quando coloquei uma das bolas na boca e a chupei delicadamente. Ela teimava em me escapar devido a incapacidade de ele se manter parado ante aquele estímulo sedutor. - Você e essa boca vão acabar me matando de tesão qualquer dia desses. – sibilou entre os dentes, enquanto o caralhão pesado deslizava pelas minhas faces. Ao me soerguer em seus braços, enrodilhei minhas coxas ao redor de seu flanco. Beijei-o oferecida e impudicamente, ao mesmo tempo em que deixava minha bunda, aberta por suas mãos deslizar sobre o cacete que roçava a portinha do meu cu. Gemi quando a rola me rasgou, mas deixei que todo meu peso se apoiasse em suas mãos, e a pica deslizou completa e devassamente para dentro de mim. - Amo você, meu macho safado! – gemi, junto a orelha dele, enquanto a lambia e mordiscava. - Amo você, meu projeto de vida! – grunhiu ele, movendo a pelve para que a estocada firme terminasse de enfiar seu pau no meu cuzinho. Ele foi depositando meu corpo sobre a cama lenta e cuidadosamente, sem desviar o olhar apaixonado do meu e, sem deixar a rola escapar do meu cu. Indolentemente fui abrindo as pernas, ele se encaixou entre elas e começou a me estocar. Olhávamos um para outro, cúmplices daquele amor que crescia com toda aquela intimidade. Aquele macho sedento, excitado pelo meu corpo, como um garanhão sentindo o cheiro do cio de égua, metendo sua pica indomada em mim, me fizeram gozar, lambuzando meu ventre. A cadência dos movimentos bruscos da pelve dele aumentando, a urgência se apossando de seu sacão, a dor dos golpes no fundo das minhas entranhas, os gemidos guturais dele e, meus ganidos ecoando pelo quarto fizeram-no explodir em êxtase, enchendo minha ampola retal com seus jatos viscosos de porra. O longo beijo que se seguiu selou nossa união. O Lucas se mudou definitivamente para nossa casa assim que começaram as obras do espaço que sediaria minha modesta fábrica de pães. Os garotos só vieram depois do fim do ano letivo. A princípio, o Lucas relutou em tirá-los do conceituado colégio em São Paulo e trazê-los para junto de nós. Cedeu ante os pedidos insistentes deles, e meu argumento de que eles precisavam muito mais do amor e da presença dele do que de uma instrução primorosa e cara bancada pelo avô, pois isso eles conseguiriam pelo esforço próprio e, pela nossa dedicação em ajudá-los nessa tarefa. - Não é à toa que esses meninos te amam! E o pai deles também! Foi o Lucas quem financiou o espaço da fábrica de pães, impondo-me seus brios de macho quando insisti em pagar pelos serviços. Pouco mais de oito semanas eu estava produzindo a primeira leva de pães de fermentação natural, com a responsabilidade deles serem meu cartão de visitas. O sucesso que fizeram foi maior do que havia imaginado e, poucos meses depois precisei contratar ajuda para dar conta dos pedidos. Em toda serra não havia concorrentes o que facilitou a expansão. Entre os braços do Lucas, deitados em nossa cama, ele me estimulava a fazer planos para a abertura de uma padaria na cidade, enquanto ouvíamos os garotos em seu quarto discutindo por conta da pontuação de um jogo de videogame e, os cães latindo para que eles parassem de discutir. Aqueles sons ecoando pela casa nos davam a sensação de que a vida não poderia ser mais plena de felicidade.
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Conto primoroso, com tesão, drama e paixão na medida certa!!! Personagens densos, reais... E nos faz questionar escolhas... Se eu tivesse a certeza de encontrar um macho desses, largava tudo tbm!!!!
Simplimente linda sua história, me encantou do começo ao fim. Fiquei muito feliz com o final feliz dos dois. Queria um homem assim como Lucas pra mim.❤
Poucos escritores aqui do site escrevem com a mesma maestria que você. Tudo muito bem dosado, trama, sensualidade, amor, tristeza. Fico feliz cada vez que vejo uma nova postagem, e não sossego até terminar de ler. Já pensou em compilar seus contos e transformar em livro? Muito grato pela ótima leitura. Grande abraço.
Antes de mais, VOTADO !
De seguida:
- Este conto a ser verdadeiro, é um espectáculo, uma História de vida lindo muito linda.
Para ser sincero, nem sei, que dizer, apenas, Gostei, o que a vida nos prega... Obrigado por contar sua História !
De todos os contos lidos nesse site. Com certeza, esse foi o melhor conto em todos os sentidos. Mesmo sendo longo, não se perde em nenhum momento a atenção e que vai acotecer.
Parabenizo pelo lindo conto.
Daria para fazer um filme.