Foda sobrenatural
Eu estava engolindo o primeiro borbotão daquela porra espessa e saborosa que o caralhão, com o qual eu havia bulido nos últimos quinze minutos, lançava na minha boca sedenta, quando simultaneamente o celular sobre a mesa de cabeceira começou a tocar. O Phillipe, que se contorcia e deixava escapar seus gemidos pelo prazer que minha boca macia proporcionava ao seu membro viril, esboçou um sorriso débil e contrariado quando o encarei. Gesticulei para que ele atendesse ao telefone, não pretendendo interromper a degustação da iguaria pela qual eu tanto me empenhara. Lá fora o sol matinal do domingo de inverno, já alto, banhava a copa da jabuticabeira do quintal abaixo da enorme porta de correr do quarto, onde maritacas e sabiás se deliciavam com as frutas maduras numa algazarra vibrante.
- Alô! Doutor Rodrigo? O doutor Bernardo da UTI quer conversar com o senhor. Vou passar a ligação. – disse a voz alquebrada da enfermeira do outro lado da linha, quando tomei o celular das mãos do Phillipe após ter lambido a última gota de seu sêmen.
- Rodrigo! Bom dia, é Bernardo da UTI, como vai? – disse a voz empastada do plantonista. – É sobre aquele seu paciente, o senhor Lewinski. – emendou.
- Como vai Bernardo? O estado dele piorou? – indaguei, me preparando para ouvir o que, no íntimo e baseado na experiência dos anos de profissão, já encarava como inevitável.
- Até que não. Nas últimas horas até apresentou uma melhora hemodinâmica, mas a frequência cardíaca só se mantém com a medicação. O fato é que ele acordou depois que reduzi a sedação e quer falar com você. – explicou.
- OK! Passo aí dentro de uma hora e meia. – falei, sob o olhar brochado do Phillipe, que via frustradas suas expectativas de dar vazão a seus instintos libidinosos. Beijei-o carinhosamente enquanto acariciava seu rosto carrancudo e áspero, devido a barba crescida, entre as minhas mãos.
- Pensei que hoje você seria somente meu. – resmungou, deixando-se cair preguiçosamente sobre os travesseiros.
- Não me demoro. No máximo em duas horas estou de volta. Você não queria conhecer aquele restaurante mediterrâneo? Podemos almoçar lá quando eu voltar, o que me diz? – retruquei, tentando aplacar sua decepção.
- É, mas eu queria começar pela sobremesa, aqui em casa! – brincou, num muxoxo malicioso. – Não devia ter me apaixonado por um médico. Só ganho sua atenção se estiver numa emergência.
- Coitadinho do meu meninão, tiraram o brinquedinho dele! – zombei
- Você é um sádico! Olha só o estado dele, agora explica para ele que ele vai ficar na mão. – rosnou ranzinza, levantando o edredom e descobrindo a rola dura que teimava em sair com sua cabeçorra reluzente da cueca de seda.
- Prometo que vou ser bem bonzinho com ele quando voltar. – falei rindo.
- Promessa é dívida! Vou cobrar! – exclamou, abrindo um sorriso doce e cumplice.
Cheguei ao hospital três quartos de hora depois. Analisei o prontuário do paciente para me inteirar de sua evolução nas últimas horas, e conversei rapidamente com plantonista antes de me aproximar do leito. O senhor Lewinski era um senhorzinho perto dos oitenta anos, um polonês de sobrancelhas largas e olhar bondoso que vinha de seus olhos azuis bastante pálidos. Tivera um infarto há pouco mais de duas semanas e demorou a chegar ao hospital depois do ataque. Uma área muito extensa da musculatura cardíaca havia sofrido com a isquemia provocada em vasos importantes. Submeti-o a algumas pontes de safena e melhorei como pude a perfusão do órgão, mas doenças associadas não colaboravam para um prognóstico favorável. Desde a cirurgia não conseguíamos tirá-lo da terapia intensiva.
- Bom dia senhor Lewinski! Vejo que o senhor resolveu colaborar comigo, eu já estava achando que o senhor não gostou do meu trabalho e estava tentando me boicotar. – brinquei, assim que segurei sua mão magra e ossuda.
- Estão colocando tanto remédio por todos esses tubos no meu corpo que já dava para eu abrir uma farmácia. – balbuciou com seu sotaque, que ficou ainda mais ininteligível com a sonda que mantinha a ventilação mecânica.
- Eles são necessários para seu restabelecimento. Com o tempo o senhor até vai gostar deles! – exclamei, procurando encorajá-lo.
- Duvido que isso aconteça. Esse corpo está velho e cansado, não tem mais disposição para enfrentar as dificuldades. – murmurou pessimista.
- Não é hora de entregar a partida, o jogo ainda não acabou. – retruquei, embora a falta de uma reação mais positiva à cirurgia começasse a me preocupar.
- O senhor deve fazê-lo desistir da ideia de se mudar. A vida dele, e a sua, vão estar seriamente ameaçadas se ele levar adiante os planos da mudança. – a voz dele repentinamente se tornara mais clara, embora não passasse de um murmúrio baixo e estertoroso. Mas, o que me fez concentrar toda atenção nele foi a lucidez com que pronunciava as palavras.
- Do que o senhor está falando? – indaguei, assustado com o conteúdo da conversa.
- Ele não vai sobreviver quando se revoltarem contra ele, e você vai sofrer as consequências quando ele não puder mais protegê-lo. Há muitas mortes relacionadas com aquele lugar. – sentenciou, agarrando minha mão e puxando-me para mais próximo dele. – Você precisa convencê-lo. Faça isso o mais breve possível. – continuou, ignorando meu olhar perplexo, pois ele sabia que eu estava entendendo do que se tratava.
O esforço exauriu suas forças, e a medicação que lhe fora ministrada pelo intracath, começava a fazer efeito. Enquanto suas pálpebras iam se fechando lentamente, minhas pernas pareciam estar se enchendo de chumbo; de tão pesadas não conseguia movê-las, nem me afastar do lado do leito. Eu jamais tivera contato com o senhor Lewinski antes dele ser encaminhado ao setor de cardiologia. Trocara não mais de algumas dezenas de frases com ele, sempre relacionadas à patologia que o trouxera a mim. Ele não podia saber nada a respeito da minha vida, muito menos sobre a intenção do Phillipe comprar uma propriedade no litoral sul da Bahia. No entanto, eu sabia que era disso que ele estava falando. Essa certeza me fez sentir um calafrio percorrendo minha espinha, e concretara meus pés no chão, ao lado daquele leito. Demorei um tempo para me recompor, e saí cambaleando como se um peso enorme tivesse sido colocado sobre os meus ombros.
- Tudo bem Rodrigo? O que ele queria? – a voz do Bernardo soava distante
- Tudo. Tudo bem! Eu não sei ... quer dizer, ele me disse que estava um pouco cansado de tantos medicamentos. – balbuciei confuso.
- Tirá-lo de casa num domingo, na sua folga. Ele me pareceu ter algo importante para te dizer. Ficou aflito quando eu disse que você não estava no hospital e que era sua folga. Insistiu para que o chamasse. – revelou o plantonista. – Deve estar confuso com tantos dias de internação. – completou.
- Sim. Creio que sim. Bom domingo e bom trabalho! – exclamei. As palavras do paciente não me deixavam pensar em mais nada.
Cheguei em casa e o Phillipe me aguardava, distraído com a televisão ligada, o computador ligado ao lado dele no assento do sofá, e uma caneca de café sobre a mesa lateral. O primeiro a notar que meu carro entrava na garagem foi Bono, nosso dogue de Bordeaux, que saiu disparado no meu encalço.
- Foi rápido! Como está seu paciente? – perguntou, seguindo o Bono, e me dando um beijo que acabou virando um chupão no meu pescoço.
- Estável! Acho que bem, dentro do possível. – respondi, abraçando e apertando-o com força contra meu corpo.
- O que foi? Tudo isso é saudade? – questionou, ao sentir a intensidade do meu afago.
- Para você saber que eu te amo muito. E, que não sei mais viver sem você. – declarei, acariciando a barba espinhuda que ele deixara por fazer.
O restaurante era realmente fantástico. Cercado por edifícios num bairro nobre da cidade o amplo terreno, cheio de árvores antigas e frondosas, parecia um oásis perdido entre o concreto. A construção moderna e emoldurada por amplos panos de vidro trazia para os dois amplos salões, um no térreo e outro na sobreloja, toda a atmosfera das varandas externas. Tivemos que esperar por cerca de uma hora antes que uma mesa vagasse e, ao nos depararmos com o enxuto menu, cujos pratos apareciam ilustrados por um magnífico trabalho fotográfico, entendemos o motivo de tanta concorrência.
- Você voltou meio estranho do hospital. Está preocupado com o estado do seu paciente? – perguntou o Phillipe.
- Como de costume. Ele não está nada bem. – respondi, me questionando se deveria mencionar minha conversa com ele. Pois conhecia bem a personalidade extremamente racional do Phillipe, que jamais daria crédito ao conselho do meu velho paciente.
- Mas há algo te preocupando, posso ver na sua expressão. Aquela leveza e sapequice de quem se lambuzava brincando com ... - nesse momento ele deu uma olhada para os lados, se inclinou para o meu lado sobre a mesa e sussurrou baixinho - ... mon gourdin esta manhã, desapareceu.
- Prometa que vai me ouvir até eu terminar e que não vai caçoar de mim depois. – falei, vendo sua expressão ficando séria.
- Diga. Prometo me comportar ... se conseguir! – exclamou, fazendo humor.
- Meu paciente não me conhece além da relação médico-paciente. Numa repentina melhora e driblando o efeito dos sedativos que estamos ministrando, ele pediu para conversar comigo. – comecei, encarando-o.
- Sim, foi por isso que você saiu esta manhã. Bem, e daí? – ele começava a ficar intrigado.
- Pois bem. Ele não me chamou para falar de seu estado clínico. Ele me disse para convencê-lo a não comprar aquela propriedade e não me mudar com você para lá, pois estaríamos correndo perigo. Segundo ele, que você não sobreviveria quando eles se revoltarem contra você e, eu sofreria as consequências quando você não pudesse mais me proteger, usando exatamente os termos que ele empregou. – revelei
- E você se deixou abalar por conta de uma sandice dessas? Como sabe que ele se referia aos nossos planos? Pode ter sido apenas uma lembrança antiga que lhe veio à mente e, que misturada a grande quantidade de medicamentos, pode ter confundido com fatos passados de sua própria vida. – sentenciou, valendo-se de sua racionalidade.
- Não sei explicar como, mas ele sabia exatamente do que estava falando. Não tenho dúvidas de que foi um aviso. – retruquei.
- Esse projeto da nossa mudança está te deixando preocupado. Você mesmo me disse que ainda tinha dúvidas se não estaríamos entrando numa fria, abandonando nossa vida aqui. Isso é sinal de que você não está completamente convencido de que é uma oportunidade e que podemos ter uma vida feliz por lá. – argumentou sensato.
- Mas não se trata apenas de uma indecisão minha. Ele mencionou coisas concretas e, o pior, sem nos conhecer e com uma lucidez espantosa.
- Amo você por essa sensibilidade toda, nunca conheci alguém tão sensível e carinhoso como você. Mas, não se deixe influenciar e nem conduza a sua vida apenas se guiando por essa sensibilidade. – aconselhou, pousando discretamente sua mão sobre a minha por baixo da mesa. – Esqueça isso, e vamos aproveitar esse dia lindo, essa comida maravilhosa, e não se esqueça de que você ainda está me devendo uma coisa. – disse, abrindo seu sorriso protetor.
Não havia uma explicação lógica para aquilo tudo, e eu era avesso a crendices cuja origem não fosse baseada em algo palpável, ou ao menos constatável baseado na fé. Resolvi que não me preocuparia mais com isso e deixaria a vida seguir seu destino. Afinal, eu havia me apaixonado pelo Phillipe, exatamente por essa firmeza e segurança que ele demonstrava.
Nós nos conhecemos há quatro anos quando eu fui a um congresso de cardiologia promovido pela sociedade europeia de cardiologia e que aconteceu no início do verão em Paris. Fui apresentar um trabalho científico realizado no nosso setor de cardiologia, no qual usamos um dispositivo fabricado pela empresa onde o Phillipe era o diretor de inovação tecnológica. Ele participava do stand da empresa na feira de produtos que acontecia paralela ao congresso, quando fomos apresentados pelo representante da empresa no Brasil. Notei que por baixo daquele terno risca de giz, que deixava a maioria dos homens com cara de cafajeste, se escondia um homem resoluto, equilibrado e viril. Nascido em Loudéac no interior da Bretanha, não fugia ao biótipo corpulento e maciço que caracteriza os homens daquela região, e que tanto amedrontou os conquistadores romanos durante a expansão de seu império. Refinado e ciente da atração que sua masculinidade exerce sobre as pessoas como quase todo homem francês, ele me examinou com um olhar que ia além do simples interesse por um médico estrangeiro que utilizava os produtos fabricados por sua empresa. Admirava sem constrangimento a singular harmonia dos traços suaves do meu rosto enquanto apertava demoradamente minhas mãos entre as suas.
- É uma honra conhecê-lo! Soube que seu trabalho está sendo muito comentado, e fico feliz que nosso produto tenha colaborado para esse sucesso. – disse, ao me cumprimentar pela primeira vez.
Convidou-me a conhecer a empresa para que eu conhecesse um pouco mais sobre as tecnologias empregadas nos produtos que fabricavam, e fez questão de me ciceronear durante minha estada em Paris, custeada, aliás, pela empresa dele. Em poucos jantares e encontros, quase sempre cercados por uma multidão de pessoas, pude sentir que ele se empenhava em me agradar e, principalmente, angariar minha atenção. Não foi difícil me acostumar a sua simpatia, nem ao crescente desejo que ele manifestava em relação a mim. Deixei-o ir avançando, mostrando-me receptivo e lisonjeado com sua intrepidez. Durante o jantar de encerramento do congresso, e vendo que suas últimas chances de conquista dependiam de uma abordagem mais contundente, ele se abriu corajosamente e, talvez também, ajudado por uns copos de vinho.
- Sabe de uma coisa? Eu gosto muito de viajar, e posso dizer que já estive em lugares fascinantes, mas depois de te conhecer decidi que preciso conhecer o Brasil o quanto antes. – segredou, quase ao pé do meu ouvido, na mesa cheia de congressistas.
- Se você se interessa por países um tanto quanto fora dos padrões, creio que vai achar o Brasil um lugar interessante. – retorqui
- Quanto ao lugar não sei dizer, mas se houver outros homens tão garbosos quanto você, vou me sentir no paraíso. – galanteou.
- Se a sua intenção foi me encabular, conseguiu! – revidei tímido
- Gostei de ver essa timidez, mas eu queria mesmo é te conquistar. – falou determinado.
- Pois isso você também conseguiu. – assegurei.
Ele deu um giro de carro por Paris comigo aquela noite, depois de findo o jantar de encerramento. Passamos pela charmosa avenida Champs-Élysées, pelos tranquilos cais do Sena, a Île de la Cité onde a cidade teria começado, e pelas ruas do animado bairro de Montparnasse. Depois deixamos o carro e fizemos uma caminhada pela esplanada e jardins do Trocadéro a passos lentos, deixando nossos corpos se resvalarem sutilmente. Paramos em frente ao monumental chafariz do palácio de Chaillot, todo iluminado por luzes amarelas que destacavam sua belíssima fachada.
- Lindo, não é? – disse ele, tão próximo de mim que pude sentir seu hálito morno.
- Sensacional. E a vista da Eiffel daqui também é fantástica. – comentei. Nesse instante senti que ele pegou na minha mão e entrelaçou seus dedos nos meus. Era uma mão quente, vigorosa, que fez meu coração palpitar acelerado no peito, e me encheu de alegria.
Passava de uma da manhã quando ele estacionou em frente à entrada iluminada do Fouquets Barriere, na esquina da George V com a Champs Elysées, onde eu estava hospedado. Para minha surpresa ele também desceu e entregou as chaves do carro ao manobrista que veio abrir a porta. Havia um sorriso caloroso em seu rosto quando ele me encarou, e eu tornei a pegar sua mão quando a porta do elevador se fechou atrás de nós. Meu corpo começou a se retesar quando ele começou a desfazer lentamente o nó da minha gravata, despejando o olhar libidinoso daqueles olhos verde-oliva sobre mim. Ele foi desabotoando a minha camisa num jogo de sedução calculado, tentando parecer frio e impassível. Deslizou os dedos grossos sobre meu peito liso e expos meus mamilos, seus olhos brilharam denunciando seu entusiasmo. Aproximou seus lábios e deu um selinho úmido sobre os meus biquinhos enrijecidos, depois beijou meus mamilos demoradamente, antes de se concentrar num deles e abocanhá-lo como se fosse me devorar. Afundei meus dedos em sua cabeleira, enquanto minhas pernas tremiam, eu arfava, e ele mastigava meu peitinho. Fui sendo despido aos poucos, peça por peça, sempre intercalado pela curiosidade voraz de suas mãos, que percorriam minha nudez e tocavam minha pele em brasa. Enquanto acariciava minhas coxas lisas, depositava beijos sobre a protuberância dos meus glúteos rijos. Ondas de uma quentura fluida se concentravam na minha pelve, e meu cuzinho se deliciava com espasmos incontroláveis. Puxei-o pelo braço até a banheira da suíte, e comecei a engendrar a mesma tática de despi-lo aos poucos, numa sequência lenta e torturante, mas ele já não conseguia manter a frieza de antes. Desabotoou a camisa e a atirou para o lado, abriu a calça até um limite estratégico, onde os grossos e abundantes pelos pubianos sobressaiam pelo cós da cueca, numa sedução impudica e sensual. O sorriso lascivo e convidativo me instigava a terminar o serviço. Ajoelhei-me diante dele e desci a calça pelas grossas coxas peludas. Embaixo da cueca um volume roliço e desmedido mostrava sua impaciência movendo-se como um soldado entrincheirado à espera de sair daquele encarceramento. Desci a cueca com as duas mãos até abaixo dos joelhos dele, o restante ele próprio se encarregou de fazer, dando um passo para fora dela e aproximando, ainda mais, aquela imensa pica que pendia sobre o sacão entre suas coxas firmes como o tronco de uma árvore. A ponta dos meus dedos mergulhou naqueles pentelhos densos antes de eu colocar a chapeleta arroxeada na minha boca. A maciez morna e úmida da minha boca tocando aquela parte tão sensível de sua anatomia, fez com que ele soltasse um gemido gutural que brotou do fundo de sua garganta. Lambi a pele que cobria as intrincadas ramificações das veias que circundavam aquela tora de carne, e comecei a chupar como um famélico aquele cacete babão que mal cabia na minha boca.
- Quel de folie! Comment vous sucez bien ma bite! – gemeu o Phillipe, vendo meu empenho ao chupar seu cacete saboroso.
Algumas vezes percebi que ele estava prestes a ejacular na minha boca, mas suas intenções não se limitavam a isso, ele queria meu cuzinho, e a luxúria que transbordava de seu olhar me deixava com mais tesão. Ele me fez debruçar sobre a pilha que montara com os travesseiros. Toda alvura hígida dos meus glúteos estava exposta e a sua mercê. Com o sangue quase borbulhando em suas veias ele abriu meu rego e enfiou a língua no centro das minhas pregas rosadas. Não pude mais conter os gemidos que queriam brotar da minha boca. A língua ávida dele me excitava no meu ponto mais vulnerável, e meu pensamento se concentrou no meu maior desejo de então, sentir aquele macho entrando em mim. Virei o rosto para encará-lo com um olhar suplicante. Um sorriso malicioso e perverso se desenhou no contorno de seus lábios. A verga que já o torturava de tão dura foi colocada dentro do meu rego amparador, e quando a cabeçorra sentiu as contrações pulsáteis das minhas pregas, ele forçou a vara contra o meu ânus. Rendidas e indefesas elas se deixaram dilacerar por aquele intruso intrépido que queria se alojar em seu âmago. Deixei escapar um ganido rouco e abafado quando ele entrou em mim, ao mesmo tempo em que meus esfíncteres se fecharam abruptamente ao redor da pica dele. Ele a metia no meu cuzinho progressiva e paulatinamente, me fazendo gemer de prazer e dor. A jeba estocava as profundezas das minhas vísceras quando senti que o sacão dele batia contra meu rego espraiado. Perdi completamente a noção do tempo enquanto gania sob o efeito torturante e prazeroso do vaivém cadenciado com o qual ele bombava meu cuzinho. Gozei fartamente sob o efeito daquela posse voluptuosa e insana, pela qual senti toda a potência e vigor daquele macho. Os gemidos dele saiam como um sibilo rouco por entre seus dentes cerrados quando ele acelerou e aumentou a energia dos movimentos de sua pelve. Eu quase comecei a gritar de dor. E, de repente, senti a rola se avolumando contra a mucosa anal numa explosão de jatos de porra fartos e deliciosamente mornos, enquanto ele urrava descarregando toda a tensão que o consumia. Exausto e languidamente espreguiçado sobre a cama, esperei o cacete dele ir amolecendo devagarinho no meu cu, sentindo seus braços me envolverem com tanta força, como que temendo que eu escapasse. Beijei-o suave e demoradamente, pousando meus lábios ao longo do pescoço e da mandíbula, ao mesmo tempo em que deslizava minha mão entre os pelos do peito dele. Adormeci com o manso sobe e desce que sua respiração provocava em seu tronco, onde minha cabeça repousava em agradável segurança.
Apenas no café da manhã, que tomamos juntos no hotel, que mencionei minhas intensões de percorrer de carro, durante as próximas três semanas das minhas férias, as regiões da França que eu ainda não conhecia.
- Pois você vai conhecer uma França que poucos turistas chegam a conhecer. Vou te levar a lugares idílicos onde você pode conhecer a verdadeira alma francesa. – sentenciou decidido.
- Mas e o seu trabalho? Você deve ter seus compromissos e eu não quero atrapalhar. – retorqui, embora tivesse ficado feliz com a ideia de tê-lo ao meu lado por mais algumas semanas.
- Desde ontem, meu compromisso é com você. Eu dou um jeito no trabalho, faz tempo que eles me devem algumas regalias. – disse, tão contente quanto eu com a ideia de não nos separarmos tão brevemente. – Só me dê um ou dois dias para arranjar tudo, OK? E, Ah ... você vem hoje mesmo para a minha casa. – emendou.
- É bom saber que não preciso me separar de você! – exclamei com um sorriso tímido.
- Também não quero ficar sem você! – disse, enfiando uma perna entre as minhas.
Todo o esplendor do verão europeu se refletia nas paisagens que margeavam as rodovias que íamos percorrendo sem pressa. Pareceu-me que ele não havia idealizado um roteiro prévio, o que foi sensacional, pois permanecíamos mais ou menos tempo em algum lugar dependendo daquilo que mais nos atraísse. Partimos de Paris rumo a Alsácia, numa manhã que ameaçava chuva, mas ela não veio ao longo de todo aquele dia. Depois fomos descendo quase numa reta até chegarmos ao mediterrâneo, passando por cidadezinhas medievais e pelos campos cobertos do violeta intenso dos campos perfumados de lavanda na Provença. Contornamos os Pirineus na altura de Toulouse e seguimos em direção ao oeste até chegarmos a Bordeaux, cercada de vinhedos seculares, que nesta época estão com as folhagens verdinhas e carregados de cachos de uvas, maturando ao sol generoso do verão. Nossa única preocupação residia em encontrarmos um hotel pequeno e charmoso, bistrôs escondidos nas ruelas estreitas das pequenas aldeias, e lugares onde o charme francês predominasse.
Num final de tarde chegamos a Quinsac subindo pela rodovia D10 que cruzava pequenas propriedades entre a cidadezinha e o rio Garonne que naquela altura se bifurcava contornando a ilhota de La Lande que emergia entre suas águas. Um pequeno chateau mostrava seus telhados por entre as copas das árvores, paramos brevemente para apreciar sua singela fachada quando uma senhora vinha caminhando com seus dois cães, um casal de encorpados dogue de Bordeaux.
- Bonsoir! – cumprimentou com um sorriso maternal. – Vous avez recherché quelque chose? – indagou solícita.
O Phillipe perguntou por algum lugar para pernoitarmos e uma dica de onde se poderia saborear algum prato típico da região. Foi a deixa que ela precisava para extravasar os anos de viuvez e distanciamento dos filhos já casados e com suas próprias vidas. Ficamos ouvindo seu quase monólogo por mais de uma hora, nem tanto pelos assuntos, mas mais por sua simpatia e generosidade em nos servir uma xícara de chá. Um de seus cães permaneceu junto dela na poltrona que permitia ver da janela ao lado, o esparso movimento da rua. O outro desapareceu por uma porta que eu supus conduzir à cozinha. Estranhei esse comportamento e fiz uma breve menção ao fato. Ela então nos convidou a acompanha-la. Num canto da cozinha que servia de lavanderia, uma caixa de madeira forrada por um grosso colchonete abrigava uma ninhada de oito filhotes que disputavam esfomeados as tetas da cadela que havia desaparecido. Logo que me aproximei um deles saltou para fora da caixa e veio se alojar entre os meus tênis, mastigando os cordões para testar sua habilidade. Me encantei com o animalzinho que me encarava com seus olhos pretos, que pareciam duas jabuticabas reluzentes e curiosas. O Phillipe perguntou se estavam à venda e, diante de nosso interesse, ela o entregou como um presente, despedindo-se dele com um beijo terno e saudoso.
- Que nome vai dar a ele? – perguntou o Phillipe, assim que terminamos de nos despedir da senhora, e entrar no carro rumo ao Château Lestange que ela nos indicara.
- Não sei. Tem alguma sugestão? – respondi, enquanto me distraía brincando com ele no meu colo.
- Não faço a menor ideia. Sou péssimo para dar nomes. – retrucou. – Incrível como ele se afeiçoou a você tão prontamente. Deve ser um bom sujeito, tal qual sua antiga dona. – acrescentou, observando nosso entrosamento.
- Então vou chama-lo de Bono, em homenagem a bondade dessa senhora e por ele também ser tão bonzinho. – sentenciei decidido. – Certo Bono? Você agora se chama Bono, viu malandrinho?
O Château é uma imensa construção assobradada de tijolos aparentes e janelões brancos cercada por um gramado na fachada principal, e um extenso vinhedo nos fundos. Além da construção principal, um rústico cottage e uma casa de hóspedes revestida de pedras compõem a propriedade. Não havia mais acomodações disponíveis na casa principal, e a sugestão do proprietário foi imediatamente aceita, assim que ele nos mostrou as instalações do cottage. No térreo fica a sala com uma imensa lareira de pedras conjugada a uma pequena cozinha e um canto de refeições, um quarto com banheiro e uma enorme cama dupla com vista para um pequeno jardim privativo decorado com móveis rústicos. Em cima fica mais um quarto e banheiro que, de cara, descartamos por não oferecer o mesmo clima romântico que o do térreo. Fizemos longos passeios a pé pela região, nos embrenhamos nos vinhedos, degustamos as frutas deliciosamente doces e convivemos com a simplicidade daquela gente e paisagem rurais por três pernoites naquele chalé bucólico. Não sei se inspirados e revigorados pelo ar campestre, ou se pela afinidade crescente, mas aquelas foram as noites de amor mais tórridas que eu já vivenciara. Ao menor toque da pele do Phillipe com a minha eu sentia o tesão aflorando. O cheiro dele e de seu líquido viril pareciam estar se impregnando em mim e me enfeitiçando como uma poção mágica. E, o que eu comecei a sentir por aquele homem, mesmo que envolto numa atração recente e uma paixão efervescente, ganhava uma conotação mais profunda. Eu estava amando. Aquele estranho de alguns dias atrás estava tomado de amores por mim e, ao contrário de muitos outros homens, não escondia seu sentimento me fazendo as mais sinceras e reais declarações de amor.
Quando nos pusemos na estrada novamente, restavam nove dias para o término de nossas férias, que ele, depois de Quinsac, passou a chamar de lune de miel e, cujas palavras, ele pronunciava com um sorriso maroto na cara de safado. Tenho a certeza de que ele sabia que, ao pronunciar estas três palavras, meu cuzinho esfolado e ardendo, se contorcia de desejo. De alguma forma isso o deixava puerilmente feliz. Na nossa subida rumo ao norte, ao contrário de todo o trajeto até então rodado, ele havia fixado um destino, íamos para a pequena Vannes na costa do Atlântico.
- Quero que você conheça uma pessoa, aliás, duas. – disse, cerca de uma antes de me relevar nosso destino.
- Quem? Seus pais? – perguntei curioso com a novidade.
- Meu pai já faleceu faz seis anos. – respondeu, com uma melancolia na voz que denotava a importância dessa perda na vida dele.
- Sinto muito! O que ele fazia? – disse, procurando afastá-lo dessa lembrança dolorosa.
- Era engenheiro. Devemos ter passado por pelo menos umas quatro a cinco pontes e viadutos que ele projetou nos anos em que esteve à frente das obras rodoviárias do Ministério do Desenvolvimento. – sentenciou.
- Que bacana! Você deve ter muito orgulho dele. – ponderei.
- Sim, tenho. Não só pelo seu legado à França, mas pelo homem justo e digno que sempre foi. – E você, seus pais são vivos? – perguntou.
- Sim, os dois. Meu pai é empresário, se fez sozinho. Também me orgulho muito dele. – respondi.
Vannes é uma pequena comuna litorânea na Bretanha, na desembocadura dos rios Vincin e Marle. É uma cidade mercado, voltada à pesca, e com uma história de mais de 2000 anos. Sua catedral gótica se acha encerrada nas muralhas que cercavam a cidade velha. Paramos em frente a uma casa de estilo contemporâneo na Boulevard de la Résistance, ele buzinou duas vezes e o portão automático se abriu. Um garotinho de mais ou menos dez anos e uma garotinha um pouco mais jovem vieram correndo em nossa direção, disputando quem chegaria primeiro. Por uns instantes, senti que meu coração experimentava um sentimento de aflição. Seria o receio do passado daquele homem, do qual eu pouco sabia, e que talvez estivesse para ser revelado aos poucos, feito um conta gotas, que vai deixando os fatos surgirem gradativamente?
- Tonton Phillipe! – exclamaram em uníssono atirando-se sobre ele. Uma mulher esbelta e loira seguia as crianças, esboçando um sorriso familiar e afetivo.
- Mon Dieux! J’ai été surpris mon petit frère. Ça fait longtemps! – exclamou abraçando-o calorosamente. Enquanto eu voltava a respirar mais aliviadamente.
As duas pessoas que ele queria me apresentar, e eu a elas, eram sua mãe e sua irmã. Depois que enviuvou, a mãe decidira abandonar Paris e se mudou para a casa da filha e do genro, onde estaria mais próxima dos netos e podia se sentir útil. Não percebi nenhum espanto em seus rostos quando ele me apresentou como seu namorado, o que me fez pensar que talvez eu não tenha sido o único e, certamente, não o primeiro. Eu tinha muitas coisas a perguntar a ele, só então me dei conta disso. Obviamente um homem de trinta e quatro anos tem um passado. Será que eu estava disposto a conhecer esse passado em detalhes? Que importância teria esse passado nas nossas vidas futuras? Eu me via cada vez mais cheio de questões em aberto.
Claude, a irmã dele, e o marido só nos deixaram partir dois dias depois e, mesmo assim, sob protestos, alegando que não aceitavam uma breve visita de médico. Eram seus únicos parentes vivos, e eu fiquei imaginando, o quão apegadas a ele elas deviam ser. Quando ele mencionou sua intenção de deixar o emprego e se mudar para o Brasil, vi o semblante das duas se anuviar de tristeza e apreensão.
- Preciso começar a por em prática o que sonhei para mim. Vocês sabem que sempre quis me mudar para um lugar onde pudesse iniciar meu próprio negócio, e que esse negócio devia de alguma forma, estar ligado à produção de alimentos. Sempre imaginei uma das nossas ex-colônias como um destino plausível, mas acho que o Brasil também serve. Especialmente agora, que não sou mais um completo estranho para as pessoas de lá. – disse, enfatizando a última frase com um sorriso, enquanto pegava uma das minhas mãos e a levava até os lábios.
- É duro saber que você vai ficar ainda mais distante de nós. No entanto, acho que você encontrou a pessoa certa para te fazer feliz, e isso me basta. – proclamou a mãe, nos abraçando como uma galinha que recolhe os pintinhos debaixo das asas ao anoitecer.
Dois dias depois estávamos de volta a Paris. Eu embarcava no dia seguinte de volta ao Brasil, e ele iniciaria os preparativos para nos reencontramos dentro de no máximo dois meses. Tempo que ele julgava suficiente para deixar o emprego, organizar sua mudança, e se definir quanto ao que faria no novo país.
- Cuide bem dele por mim. – disse, dirigindo-se ao Bono, e enfiando a cara na grade da caixa pela qual ele lambia seus dedos.
Eu ainda segurava o nó que comprimia meu peito, e teimava em sair pela minha garganta quando cruzei o portão 5 do setor de embarque do terminal 2 do aeroporto Charles de Gaulle, após deixar os braços acolhedores do Phillipe. Seu beijo úmido e sofrido ainda formigava nos meus lábios, quando acenei pela última vez para seu rosto compenetrado onde um sorriso torto tentava disfarçar sua dor.
Não sei se pela expectativa, ou pelas saudades que nossas conversas via Web não conseguiam aplacar, mas aqueles foram os dois meses mais longos da minha vida. Fui busca-lo num sábado de manhã bem cedo, o primeiro da primavera que estava começando. Nossa última conversa tinha acontecido via Whatsapp poucos minutos antes dele embarcar no final da noite anterior. O jeans charmosamente gasto ressaltando suas coxas grossas, a camisa propositalmente fora da calça e o blazer mostarda que eu havia comprado para ele numa das lojas de Bordeaux, enquanto passeávamos pela Rue Saint Catherine numa tarde chuvosa, me trouxeram de volta o homem que eu havia deixado na França. Vigoroso, sorridente e explodindo de tesão.
- Você ficou ainda mais gostoso! – disse ele quando entramos no carro e ele me enfiou a língua na boca num beijo sensual e saudosista. – Acho que sob a luz desse sol tropical sua pele fica mais tesuda. – acrescentou, enfiando a mão pela cintura da minha camisa. – Meu pau endureceu três vezes durante o voo, enquanto eu pensava em você. – sussurrou no meu ouvido.
- Você não deveria estar cansado da viagem? – perguntei, tentando conter seu ímpeto.
- Não para comer você todinho. – sentenciou malicioso. – Je veux enculer vous jusqu’à je reste entierément comblé!
- Tarado! Quanta saudade do meu taradão! – exclamei, voltando a abraça-lo e a beijar seu rosto barbudo.
Ficamos morando na minha casa em São Paulo por três anos. Nesse período o Phillipe aprendeu a falar português, embora seu sotaque permanecesse bastante carregado, trabalhou numa empresa de importação e exportação de produtos agrícolas, essencialmente frutas diferenciadas com padrão gourmet, e foi se familiarizando com esse tipo de comércio, uma vez que havia definido que produziria cacau orgânico e investiria numa fábrica de chocolates artesanais e de padrão internacional. No último ano viajamos diversas vezes para a região de Itacaré no litoral sul baiano, onde estava reflorescendo o plantio do cacau abandonado há décadas devido ao assoreamento do porto, que acabou sendo transferido para Ilhéus, e uma praga que dizimou as lavouras há quase quarenta anos atrás. Algumas das antigas propriedades, quase todas falidas, estavam à venda, e era atrás de uma destas que o Phillipe estava. Sua ideia era reestruturar uma dessas propriedades e reiniciar a atividade com mais tecnologia e novos conceitos. Acabamos encontrando uma antiga fazenda ao norte do rio das Contas. Enorme e praticamente abandonada, nada fazia lembrar sua suntuosidade da época áurea do cacau, quando pertencia a um dos coronéis da região. A sede estava em ruínas, implantada numa elevação do terreno em um local privilegiado pela vista deslumbrante que proporcionava; não se conseguia mais imaginar como deveria ter sido em seu apogeu, pois restavam apenas algumas paredes de taipa e um trecho ínfimo do telhado. O Phillipe investiu uma pequena parte do seu patrimônio para adquiri-la, e começou a reforma-la, iniciando pela lavoura de cacau. Além de ajudar o Phillipe no negócio, eu abri uma clínica em Itacaré, que carece de serviços médicos, só para não abandonar minha profissão.
Quando a casa ampla, cujos telhados se estendiam em grandes beirais formando avarandados que refrescavam a casa das altas temperaturas do lugar, ficou pronta nos mudamos cheios de planos e sonhos. Quase ao mesmo tempo foram concluídas as obras de uma pequena vila de trabalhadores, composta por vinte e cinco casas dispostas em filas de cinco unidades e separadas por pátios gramados formando uma espécie de tabuleiro. Nela iriam residir aqueles funcionários e suas famílias imprescindíveis para a lida na lavoura e na produção do chocolate. Na casa principal ficamos com a dona Sebastiana, uma negra de sessenta e oito anos, ainda cheia de vitalidade e esposa do seu Benedito responsável pela multiplicação das mudas de cacaueiro, como cozinheira; a Cleonice, filha mais velha de outro funcionário da vila, como responsável por todo serviço da casa, e o Moacir, um índio guerém de vinte e quatro anos, grande e parrudo, de pele acobreada e cabelos longos que ele trazia amarrados num rabo de cavalo que caía por suas costas espadaúdas, como uma espécie de faz-tudo. Ele era o único funcionário regular que morava fora da fazenda, numa área onde sua tribo havia sido confinada depois de perder suas terras para os colonizadores portugueses.
Nosso primeiro ano em Itacaré correu relativamente bem. Os planos estavam sendo postos em prática, os cultivares antigos que se achavam quase soterrados pela mata nativa local foram revitalizados e após o desbaste das árvores forneceram sua primeira colheita. As instalações para o processamento das sementes transformando-as em amêndoas estavam tinindo de novas. Assim como as estufas para produção das mudas. A pequena indústria para produção de chocolates ficara pronta bem a tempo de produzir sua primeira leva, com o fornecimento de matéria-prima de produtores vizinhos que se interessaram pelo projeto do Phillipe, e se tornariam parceiros na demanda que nossa fazenda sozinha não conseguiria produzir. As intercorrências que ocorreram foram pontuais e não conseguiram abalar nosso ânimo.
Estávamos no verão quando o sol surgia muito cedo por cima do arvoredo denso que cercava a casa, e elevava a temperatura até perto dos trinta graus. A alta umidade causada pelas pancadas de chuva que caiam quase todas as tardes fazia pensar que estávamos dentro de uma panela de água fervente. O Phillipe se tornava indócil nessa época, não sei se pelo calor ou pela maior demanda de trabalho nesse período. Ele se agitava muito durante o sono e, não raro, acordava em plena madrugada cheio de tesão e se apoderava do meu corpo quase nu dormindo ao alcance de suas mãos. Ás vezes eu acordava sobressaltado com a pica dele sendo cravada nas minhas preguinhas relaxadas, num ímpeto que me fazia ganir de dor, e que me levava a censurá-lo por sua gana brutal. Mas quando seus beijos cobiçosos e abrasadores devoravam a pele da minha nuca ou das minhas costas, e seus braços musculosos me apertavam contra seu peito peludo, eu me deixava dominar pelo desejo e me entregava lascivo.
- Dormiu bem? – acostumara-se a perguntar, no dia seguinte durante o café da manhã, com a voz traquina de quem havia transgredido alguma regra.
- Estou todo esfolado! Me sinto como uma res na qual se calcou um ferro em brasa. – protestava, depois de dar uma olhava em redor para ver se a Sebastiana não podia nos ouvir.
- Não deixa de ser verdade. Estou demarcando meu território. – dizia, caçoando da minha fragilidade.
Como isso foi se repetindo mais amiúde, comecei a protestar com mais veemência diante das restrições que minhas preguinhas machucadas enfrentavam durante as tarefas do dia-a-dia. Ele voltava a me cobrir de chamegos tentando obter minha cumplicidade e resignação. Estávamos nesse clima de acusação e retratação quando numa noite, onde a lua cheia espalhava seu clarão pelo quarto, senti um cheiro muito forte e, um pouco enjoativo, como de flores pairando no ar quente e estagnado. Não conseguia associar aquele aroma a nenhuma das inúmeras plantas que cercavam a casa, e aquele cheiro condensado parecia roubar minhas forças. Eu me revirei diversas vezes na cama antes de começar a vislumbrar diversas imagens oníricas flutuando na minha mente. Elas não formavam algo que fizesse sentido, apenas se sucediam aleatoriamente, me deixando confuso e perturbadoramente inerte. Eu vivenciava uma experiência angustiante e dolorosa, embora não tivesse forças para me desvencilhar do que me afligia. No dia seguinte tanto o Phillipe como eu acordamos muito mais tarde do que normalmente. Era quase meio dia quando acordei confuso e desorientado, como se estivesse me recobrando de uma anestesia, o corpo dolorido como se um peso enorme tivesse me comprimido a noite toda e, o mais assustador, com as coxas empapadas de sangue que se espalhava numa grande mancha sobre os lençóis. Sacudi o Phillipe que parecia estar se restabelecendo do mesmo torpor que eu vivenciara.
- O que aconteceu? O que é isso? Você está sangrando? – balbuciou, esfregando os olhos e completamente atordoado.
- Não sei. Parece que esse sangue todo está vindo do meu cuzinho. Estou com a pelve toda dolorida. – disse, ao constatar aterrorizado que meu cu havia sido dilacerado.
- Mas eu não te peguei com tanta brutalidade a ponto de te deixar desse jeito! – exclamou, recordando-se de como havíamos feito amor ao nos deitarmos. Ao mesmo tempo em que se lembrava de ter dormido embalado por pesadelos.
- Você anda meio bruto demais comigo, e também muito tarado. – protestei. Embora não me recordasse de ter sentido mais dor do que aquela que seu caralhão normalmente me impunha.
- Por que dormimos tanto hoje? Veja, é quase meio dia! – exclamou, voltando a checar o relógio.
- Não sei o que aconteceu, mas tive uma noite péssima. – sentenciei, caminhando com dificuldade até o banheiro.
- Eu também. Tive pesadelos, e não me lembro de um dia ter tido pesadelos. – anunciou.
Quando entramos na cozinha, o almoço já estava adiantado e a Sebastiana nos encarou com olhar de espanto. A mesa do café ainda estava posta na pequena copa anexa.
- Está tudo bem? – perguntou, recolocando a tampa sobre uma panela de onde saía um aroma fumegante que me embrulhou o estomago. – Pensei que vossuncês não iam levantar mais. – exclamou, com seu sotaque típico.
- Perdemos a hora Sebastiana, só isso! – retrucou o Phillipe, enquanto eu nem tinha forças para responder.
Pouco mais de uma semana depois, acordei nas mesmas condições, ferido e encharcado de sangue. Eu não sabia se tinha visto ou apenas sonhado com partes de uma figura assustadora. Parecia a cabeça de um lobo enorme, peluda e acinzentada. Na sequência surgiu um braço humano, muito musculoso e que me comprimia contra o colchão. Depois um cheiro semelhante ao que o Bono exalava quando estava tomando banho ou com os pelos molhados. Outra imagem me revelou um cacetão descomunal, do tamanho de uma pica de touro ou de um garanhão. Um riso sádico onde dentes pontiagudos pingavam sangue parecia se afundar na minha pele até esta se romper. Era um pesadelo horrível que deixava meu corpo mutilado. Lembro-me de ter gritado pedindo pelo Phillipe, e uma risada estridente se sobrepor aos meus gritos, abafando-os sem que ele os ouvisse. O Phillipe também se queixou não se recordava de nada, exceto do sono conturbado por figuras disformes que de alguma forma povoavam seus pesadelos sem que ele pudesse reagir, e chegou a pensar que estavam nos dopando.
- Que absurdo. Quem faria isso? Ainda mais sem que percebêssemos nada? – argumentei.
- Como você explica o fato de termos perdido a hora outra vez? Eu nunca durmo tanto. – retrucou. – Você confere o que a Sebastiana prepara para o almoço e jantar? – insinuou.
- Normalmente digo a ela o que fazer, e quando está pronto ela me chama para ver se está tudo conforme eu pedi. – sentenciei. – Você não está pensando que ela anda colocando coisas na nossa comida? A troco de que ela faria isso? – questionei.
- Não estou afirmando nada. Mas o que pode estar acontecendo então? – ele estava tão desorientado quanto eu. – Eu simplesmente apago e só acordo no dia seguinte, atordoado e enjoado.
Como as ocorrências foram se tornando mais frequentes, resolvi abordar o assunto com a Sebastiana, sem deixar transparecer que ela pudesse estar envolvida.
- Meu pai Xangô! O que vossuncê tá me contando? Isso é coisa do capeta! – sentenciou alarmada, depois que lhe contei, não pormenorizadamente, que acordava sangrando. – Ele já tomou conta desse lugar uma vez. – emendou, pensativa.
- Do que você está falando Sebastiana? – perguntei incrédulo.
Ela então iniciou uma longa e pausada narrativa, contando que sua mãe trabalhara para os donos dessa propriedade antes dela ser vendida umas duas ou três vezes até que nós a comprássemos. A casa e a dona foram incendiadas, deixando em pé apenas as ruínas que vimos ao conhecer a propriedade. O coronel fora assassinado misteriosamente enquanto dormia com uma série de estacas enfiadas em seu corpo. Os filhos do casal, ainda pequenos desapareceram sem que ninguém mais tivesse notícias deles. E ela me garantiu que aquilo tinha acontecido por obra do capeta, um espectro que amaldiçoara o lugar que era considerado sagrado pelos índios gueréns, e onde eles enterravam seus mortos.
- Isso não existe Sebastiana. São lendas desse povo simples. Mortos não voltam para reivindicar nada. – assegurei.
- Os mortos não, mas as entidades vivas deles sim! – ela afirmou isso com tanta convicção que senti um calafrio. E só então, comecei a fazer uma ligação entre a aversão que ela sentia pelo Moacir e as pilhérias com as quais ele a provocava.
Enquanto eu relatava minha conversa com a Sebastiana para o Phillipe, e ele zombava da crendice simplória de seus argumentos, me veio à lembrança do conselho do senhor Lewinski.
- Você está se deixando levar por essas pessoas que não sabem o que estão dizendo. – sentenciou em tom de censura. – Alguém deve estar interessado em nos assustar, e por isso estão armando esse complô. – acrescentou.
- Quem poderia desejar nos ver longe daqui? Além do que, o conselho do senhor Lewinski aconteceu antes de nos mudarmos para cá. Não sei mais o que pensar. – disse, abatido e preocupado com o rumo que as coisas estavam tomando.
- Também não sei o porquê disso estar acontecendo, mas certamente existe uma explicação lógica para tudo isso. E, é o que vou descobrir. – proclamou.
Os negócios deslancharam. O importador europeu, que comprara quase toda nossa produção de pasta de cacau e chocolates com recheios de frutas exóticas brasileiras, triplicara o pedido. Contratamos mais pessoas e elaboramos um projeto de produção mais racional que não tirasse a característica artesanal dos produtos, mas que fosse capaz de lidar com uma demanda aquecida. No meio desse stress pela ampliação da produção, o Phillipe pela primeira vez fez alusão ao fato de que eu o poderia estar drogando para poder fornicar livremente com um amante. Caí num choro copioso quando ele terminou de verbalizar as frases acusatórias.
- Eu te amo mais do que tudo nesse mundo. Jamais faria isso com você ou com quer que seja. Se estou com você é por que te amo, e quero estar com você. – disse com a voz embargada pelas lágrimas que embaralhavam minha visão. – E que tipo de amante seria esse que me mutila no afã de que foder? – questionei arrasado.
- Desculpe! Não sei o que estou dizendo. Isso está mexendo com os meus nervos. Me perdoe, nunca conheci alguém tão carinhoso e dedicado como você. – arrependeu-se, tomando-me em seus braços e me apertando contra o peito como que para me proteger de sua própria fúria.
Contudo os pesadelos não cessaram, nem meu cuzinho teve alento da selvageria que o arregaçava impiedosamente. Numa madrugada consegui distinguir um vulto no quarto, antes daquele cheiro nauseabundo de flores me fazer adormecer. Soltei um grito e sacudi o Phillipe que já havia sucumbido ao efeito daquela catinga. Quando ele esboçou um movimento para erguer o troco nu, escutei um urro saindo de sua boca e ele despencar de volta na cama como se fosse um saco. O vulto o atingira com alguma coisa que minha visão obnubilada não distinguia, e ele se contorcia como se estivesse convulsionando, ao mesmo tempo em que emitia urros cada vez mais extintos. Meu corpo, que parecia ter a consistência de uma gelatina, foi violentamente arremessado contra a cama e, enquanto meu rosto era mergulhado no travesseiro onde mal eu conseguia respirar, pude ver mais uma vez aquele caralhão duro e o sacão balançando entre um par de coxas musculosas antes dele afundar no meu cu. Meus próprios gritos foram me deixando mais alerta, afastando aquele torpor que tentava me aniquilar. Mesmo assim, depois de algum tempo sentindo o vaivém daquele mastro me esfolando, perdi os sentidos.
Na manhã seguinte, com o sol já alto, e o ruído da casa indicando que as pessoas já estavam cuidando de suas tarefas, me deparei com o corpo inerte do Phillipe parcialmente pendurado para fora da cama, e duas estacas de madeira mergulhadas em seu peito, onde a pele lívida e já azulada acentuava seu aspecto cadavérico.
Meu grito ecoou por toda a casa como um lamento pungente e fúnebre. A Sebastiana e a Cleonice batiam na porta fechada do quarto e imploravam por uma resposta. Me enrolei no roupão que estava aos pés da cama e cambaleei até a porta sem forças. Quando elas se confrontaram com a cena dentro do quarto, ambas deixaram escapar um grito. A Cleonice saiu correndo berrando por socorro, enquanto a Sebastiana tentava me amparar ao ver que eu ia perdendo o equilíbrio e tombando contra o batente.
- Foi o capeta! – balbuciou, com os olhos esbugalhados, me fitando como se estivesse vendo um fantasma.
Eu falava coisas desconexas e apontava para a cama onde o rosto do Phillipe me encarava sem vida. Meu peito foi arrebatado por soluços tão potentes que o choro saia mais como um ganido do que como um pranto irrefreado. Eu não conseguia reunir forças para me aproximar dele. A vitalidade e toda a energia de seu corpo viril haviam desaparecido, o que pendia da lateral cama se parecia com um boneco de marionete, e não com o homem que eu tanto amava.
Pouco depois a casa estava cercada de funcionários curiosos que se aglomeravam nas varandas, e os mais íntimos se arriscaram e enfiaram a cara pela porta do quarto que mais parecia um cenário de filme de terror. Eles cochichavam e me encaravam com um olhar desolado e de pena. Eu ouvia frases perdidas no meio daquele burburinho. É preciso chamar a polícia. Será que foi ele quem matou o patrão? Ouvi dizer que eram um casal de viados. Talvez tenham se desentendido, rico briga feito cão e gato quando se trata de dinheiro.
- Saiam daqui! Já chega de bisbilhotice, voltem ao trabalho, que este não se faz sozinho. – sentenciou a voz grave do Benedito, que teve ajuda da mulher para dispersar o grupo.
- Vossuncê precisa sair daqui patrãozinho! Venha, vamos até a cozinha que eu lhe preparo algo que o mantenha em pé. – disse a Sebastiana, procurando me arrastar para fora do quarto.
- Eu preciso ficar aqui. Olhe para ele ‘Bastiana’ ele não pode ficar sem mim. O que vou fazer da minha vida agora, sem ele? – balbuciei.
- A ‘Bastiana’ tem razão patrãozinho, o senhor não pode ficar aqui, e nem deve mexer em nada. Isso pode complicar sua vida, deixe a polícia chegar. Vá com ela e procure se acalmar. – as palavras do Benedito eram sensatas, mas eu me recusava a abandonar meu amor ali, ao desamparo.
Dois policiais militares, e pouco depois um delegado acompanhado de um policial civil chegaram cerca de duas horas depois. Eu respondia as perguntas do delegado, um homem mais ou menos da minha idade, pouco mais alto do que eu, mas muito encorpado, com cabelos negros muito reluzentes e uma pele bronzeada pelo sol. Eu percebi que ele analisava cada uma das minhas respostas como se não acreditasse nelas. Chegou a repetir algumas perguntas mais do que três vezes, sempre com outras palavras.
- Já acionei a polícia técnica. Depois de eles liberarem o local, será feita a remoção do corpo, e então o senhor terá que me acompanhar até a delegacia. – determinou, sem nenhuma emoção na voz. – Ah! E eu o aconselho a solicitar os serviços de um advogado. Seria bom que ele estivesse presente quando o senhor prestar seu depoimento. – acrescentou.
- Um advogado? Mas ele foi assassinado. Vocês precisam descobrir quem fez isso com ele. – falei, sem conseguir raciocinar claramente.
- É exatamente isso que estamos fazendo. Também quero tomar o depoimento dos funcionários da casa, e de quem o senhor julgar importante para esclarecer o que se passou aqui.
Nunca me senti tão perdido e desamparado antes. Eu me sentia como se uma avalanche tivesse caído sobre mim, e me cerceasse todos os movimentos. Fui o último a prestar depoimento, depois que o Benedito, a Sebastiana, a Cleonice, o Moacir e mais dois encarregados pelos funcionários foram ouvidos. Já era noite daquele fatídico dia quando o interrogatório começou, e um advogado, conseguido às pressas, me prestava mais um apoio moral do que profissional. Repeti a mesma história que havia contado ao delegado naquela manhã, e ele me fez pela enésima vez as mesmas perguntas. Foi constrangedor expor a minha intimidade com o Phillipe para aquele estranho que eu sabia estar me considerando o principal suspeito da morte do meu amado. Ele parecia não se contentar com minhas respostas e exigia detalhes. Detalhes que soavam como pecaminosos e pervertidos diante daqueles que não conheciam nada sobre o amor entre dois homens.
- Qual era exatamente sua relação com o senhor Phillipe Bayard? – os olhos argutos do delegado aguardavam minha resposta.
- Ele é meu marido. – balbuciei.
- Temos a informação de que o senhor e o senhor Phillipe tiveram uma discussão há cerca de três semanas, e que o motivo teria sido a brutalidade com a qual ele penetrara com seu pênis avantajado o seu ânus, chegando a fazê-lo sangrar a ponto de produzir uma grande mancha de sangue no lençol. Isso é verídico? – as palavras dele soaram levianas e promiscuas.
- Não, não é verdade. Não sei como dizer isso, mas ... bem, o Phillipe é um homem, cheio de vitalidade, e ... bem, ás vezes um pouco afoito. E quando vi que estava com sangue entre as coxas pensei que fosse devido ...., devido ao fato dele ter feito amor comigo. – eu gaguejava ao colocar a descoberto o que eu e ele tínhamos de mais íntimo.
- E então o senhor o acusou de tê-lo violentado? E, em seguida, os senhores discutiram. – nada daquilo era verdade, e eu me perguntava quem teria dito um absurdo desses ao delegado.
- Eu nunca discuti com o Phillipe. Desde que nos conhecemos eu e ele sempre tivemos um relacionamento harmonioso e feliz. Nossos pontos de vista divergentes sobre um determinado assunto sempre foram resolvidos com um aceitando os argumentos do outro.
- O senhor Bayard o acusou de ter um amante. – a afirmação me acertou como se um projétil tivesse entrado no meu peito.
- Quem afirmou isso está mentindo, baseado em trechos de uma conversa ouvida atrás das portas, e da qual a pessoa não tem nenhum conhecimento. Como eu já reafirmei inúmeras vezes, cada um desses episódios era acompanhado de um torpor que nos deixava sonolentos até tarde no dia seguinte, e para o qual não tínhamos uma explicação lógica. Se o Phillipe chegou a mencionar uma frase dessas, eu não a registrei, pois eu e ele nos amamos. – revidei.
- O senhor tem mais alguma coisa a acrescentar? – inquiriu o delegado, depois de mais de três horas me torturando com suas perguntas. Quando eu balancei a cabeça negativamente, ele ditou uma sequência de frases protocolares ao escrivão que transcrevia o depoimento. – Assine estas vias se julgar que estão conforme o que conversamos aqui. – sentenciou, me estendendo os papeis que o advogado interceptou antes que eu os pegasse. Depois de lê-los, ele me liberou para assiná-los.
- Quando o senhor vai começar a investigar a morte do Phillipe? – questionei.
- Nosso trabalho está em pleno andamento. Assim que a polícia técnica nos fornecer os laudos da perícia realizada em sua casa, vamos concluir o inquérito. – ele me respondeu mecanicamente, como se fosse uma resposta padrão para aquele tipo de pergunta.
- Mas, e se o culpado desaparecer nesse tempo? Ou se ele voltar e atentar contra mim? – indaguei.
- Isso não vai acontecer! – sua convicção me chocou. – Se o senhor se sente ameaçado, sugiro que reforce a vigilância em sua casa. Estamos em pleno verão e o destacamento policial da cidade é pequeno, apesar do reforço que recebemos, não temos como designar alguém para protegê-lo. - emendou. - Desnecessário dizer, mas o senhor não pode se ausentar da cidade sem o conhecimento das autoridades. – não havia dúvida; para ele o caso estava resolvido, e eu era o culpado.
Eu ia protestar contra aquele abuso, quando o advogado segurou meu braço e meneou a cabeça, me desencorajando a falar qualquer coisa. Enquanto saiamos da delegacia ele me orientou a providenciar o enterro assim que o corpo fosse liberado no IML de Ilhéus no dia seguinte. Como eu não me sentia com forças para tratar de tanta burocracia, ele se prontificou a tratar do assunto.
Até então meus pais e minha família não sabiam de nada. Outro dilema que começou a me afligir foi como eu daria essa notícia à irmã e à mãe do Phillipe do outro lado do oceano. Como dizer que o filho, o irmão estava morto, e que eu era o suspeito dessa tragédia? O choro ia e vinha a cada pensamento que me lembrava do nosso cotidiano. Meus pais vieram no dia seguinte, trazendo um advogado que assessorava os negócios do meu pai. Chegaram quando eu me encontrava no velório segurando a mão enregelada e rija do Phillipe, com o olhar mergulhado em lágrimas que pareciam não ter fim. O gemido sofrido e choroso da irmã do Phillipe ao telefone não saia da minha mente, e eu ficava imaginando as cenas de desespero e angústia que deviam estar acontecendo naquela casa descontraída e feliz à beira mar. Eu me perguntava, por que eu precisava passar por tanto sofrimento, por que me tiraram a razão de viver? Não encontrava nenhuma resposta, só a dor continuava ali, me aniquilando sem piedade.
Passaram-se duas semanas. Voltei a ficar só, agora mais só do que nunca, depois que meus pais precisaram voltar para São Paulo. Os funcionários esperavam de mim uma certeza. Que certeza eu podia dar se nem eu mesmo sabia o que seria de mim? Abandonar nosso sonho? Abandonar o sonho de toda uma vida do meu amado, que deixou tudo para trás para viver comigo e construir um futuro para nós dois? Não, eu não podia fazer isso com ele. Não podia trair aquele amor tão intenso e verdadeiro. O delegado vira e mexe estava de volta, sem anunciar sua vinda. Tornava a me questionar sobre pontos que eu já havia esclarecido, como quem não soubesse que já conhecia as respostas. Fazia o mesmo com os empregados, depois ia embora sem dizer nada.
- Sebastiana! No dia que prestei meu depoimento na delegacia, o delegado me disse que sabia que eu e o Phillipe havíamos brigado. Você sabe me dizer de onde ele tirou essa informação? – perguntei, durante um jantar onde ficava revirando a comida no prato sem o menor apetite.
- Foi a enxerida da Cleonice! Já ralhei com ela e desde então não a deixo mais andando livremente pela casa. Vossuncê sabe que eu nunca ia comentar nada com quem quer que fosse sobre sua vida com o patrão. Vossuncês são como meus fío! – a dedicação dela me comove desde que a conheci melhor, poucos meses depois dela e do Benedito virem trabalhar conosco.
- Fez bem Sebastiana. Obrigado por ser tão boa comigo e com o Phillipe. Saiba que eu gosto muito de você e do Benedito, assim como ele também gostava.
- Vossuncês são muito bom com a gente! E eu sei o quando vossuncês se gostava. – confidenciou. – O povo daqui é muito curioso, e a Cleonice acha que por trabalhar na casa pode ficar dando notícia para esse povo metido. Mas comigo ela não se cria. – acrescentou resoluta.
- Desculpe atrapalhar, mas o delegado está aí e quer conversar com o senhor. – disse a Cleonice, ouvindo as últimas palavras da Sebastiana.
- Já deu o recado, agora chispa daqui, não quero ver sua cara antes de terminar seu serviço. Anda! – vociferou a Sebastiana.
O delegado me aguardava na varanda da frente. Estranhei ele estar vestido mais informalmente, só de calça e camisa, sem gravata e paletó, o que evidenciava seu corpo musculoso.
- O senhor por aqui de novo, tem alguma novidade? – perguntei, já saturado daquelas visitas enigmáticas e constantes.
- Não. Os laudos ainda não saíram, de modo que não tenho novidades. Eu queria lhe fazer mais algumas perguntas, se não se importar? – retrucou me encarando.
- Não sei mais o que o senhor pode querer saber. Eu já disse tudo o que sabia. – retorqui.
- O senhor sabia que papeis estavam naquele cofre do quarto onde se deu o crime? – começou, pausadamente.
- Nunca colocamos nada de valor naquele cofre. Eram papeis do Phillipe, a maioria contratos, a escritura dessa propriedade, e talvez outros papeis particulares dele. – respondi, não atinando com a relação desses papeis com o assassinato.
- O senhor Bayard era um homem rico, o senhor sabia disso, não? – continuou.
- Ele tinha algum patrimônio, mas daí a taxá-lo de rico. Não sei que importância isso tem agora. – respondi.
- O senhor sabia que naqueles papéis havia um documento, para ser mais preciso, um testamento feito em São Paulo deixando todos os bens dele para o senhor? – as palavras dele me fizeram perder o chão, e eu me deixei cair na poltrona de vime mais próxima.
- Eu nunca soube que ele havia feito um testamento. – asseverei.
- Pois deixou. Tudo em seu nome. E pelo que pudemos apurar, trata-se de uma boa quantia. – seu tom era irônico, o que me irritou profundamente.
- O senhor está insinuando que eu matei meu marido por causa dessa suposta fortuna? – berrei descontrolado.
- O dinheiro é um grande causador de problemas! – exclamou.
- Saia daqui! Me deixe em paz! Eu não trocaria um único dia ao lado dele por quantia alguma. Se o senhor não consegue encontrar quem o tirou de mim, não se dê ao trabalho de vir me perturbar. – disse exasperado, deixando-o sozinho parado na varanda.
Não consegui pegar no sono naquela noite. As palavras acusatórias do delegado me atormentavam. O coaxar dos sapos lá fora, estimulados pela chuva torrencial que caíra no início da noite, fazia fundo para meus pensamentos, como uma orquestra que acompanha o barítono. ‘A VIDA DELE, E A SUA, VÃO ESTAR SERIAMENTE AMEAÇADAS SE ELE LEVAR ADIANTE OS PLANOS DA MUDANÇA’. ‘ELE NÃO VAI SOBREVIVER QUANDO SE REVOLTAREM CONTRA ELE, E VOCÊ VAI SOFRER AS CONSEQUÊNCIAS QUANDO ELE NÃO PUDER MAIS PROTEGÊ-LO’. Era a primeira vez que eu voltava a me lembrar textualmente das palavras do senhor Lewinski, quando fui atender ao seu chamado no hospital. O presságio que tanto me abalara na época, e ao qual o Phillipe me convencera a refutar. Pouco mais de um ano depois ele se cumprira. Será que seria importante o delegado saber disso? Eu não o mencionara no meu depoimento. Provavelmente não, ele já estava certo de quem havia cometido o crime.
Aquele cheiro adocicado e enjoativo de flores começou a se misturar com meus pensamentos, e ficava cada vez mais difícil distinguir o que era pensamento e o que era sonho. Eu senti que estava adormecendo, embora me recusasse a me entregar ao cansaço. O quarto ficou frio, talvez fosse a falta daquele corpo musculoso onde eu me aconchegava antes de dormir. Imagens flutuavam na penumbra. Minha pele estava gelada e arrepiada, como se eu estivesse nu. Aquele rosto de lobo acinzentado me encarava. O que estava acontecendo com as minhas pernas, eu as sentia pesadas como chumbo, mas elas estavam se abrindo. Mais um sonho irreal que me afligia. A glande enorme vertendo pre-gozo estava próxima do meu rosto, eu podia senti o cheiro daquele líquido se mesclando ao das flores. Depois a dor, ela fez com que eu me agitasse, mas havia pouco espaço para se mexer. Ela ia se espalhando pela minha pelve na medida em que algo grande e desconfortável ia entrando em mim. Eu gritava, mas a voz não saia. Eu levei os braços até as minhas coxas, queria tirar aquilo de dentro de mim. Mas só conseguia sentir que alguma coisa me impedia de chegar até ali. Era quente e não era a minha pele. Dois clarões iluminaram por uma fração de segundos o teto do quarto, depois que ouvi os dois estampidos que me lembraram dos rojões do ano novo. Fui esmagado por um peso que caiu sobre mim, o cheiro de cachorro molhado também voltara. Nada fazia sentido, tudo eram imagens flutuando no nada. Eu mergulhei no silêncio.
- Ele está acordando! – a voz grossa e calma se parecia com a do Phillipe.
Eu quis esboçar um sorriso, mas meus músculos não me obedeciam, afinal fora apenas um pesadelo. A luz vinha de todos os lados e incomodava meus olhos, que a custo eu tentava abrir. Minha cabeça estava apoiada num colo quente e vigoroso, o colo do Phillipe.
- Eu sabia que era um pesadelo! Eu amo você. Não faça mais isso comigo. – balbuciei com dificuldade.
- Deve estar delirando, ele perdeu muito sangue outra vez. – Sebastiana, a voz é sua, mas está tão longe.
- Ainda é o efeito da droga. Traga algo para cobri-lo. – sua voz está diferente meu amor.
O teto girava cada vez mais lentamente, até parar. Quando as conversas começaram a ficar mais nítidas, cessaram. Um rosto me encarava de maneira amistosa e protetora, o do delegado. Sua mão pesada afastou a mecha de cabelo que estava na minha testa.
- Como está se sentindo? – perguntou carinhosamente.
- O que ... quem ... o que faz aqui? – eu não sabia o que perguntar primeiro.
- Acalme-se. Você está em seu quarto. Venha que eu te ajudo a se sentar. – suas palavras denotavam uma solicitude que eu desconhecia.
- Minhas roupas, onde estão minhas roupas? O que estou fazendo nu aqui na cama? – disse, agarrando o lençol que me cobria.
- Olhe bem para mim. Preste atenção! Eu o encontrei esta madrugada aqui na cama, você já estava nu e ... – ele temia minha reação ao continuar, por isso procurou se certificar se eu estava em condições de enfrentar a realidade.
- Você estava de madrugada na minha cama! – exclamei apavorado.
- Não! Havia alguém com você, alguém que estava te machucando. – ele procurava coragem para revelar os fatos. Só então notei que alguma coisa pegajosa e úmida estava entre as minhas coxas.
- Estou sangrando? – gemi, vertendo uma lágrima que saltou dos meus olhos, e constatando horrorizado que estava deitado sobre uma poça de sangue.
- Vai ficar tudo bem, procure se acalmar. – disse, ao me apertar contra o peito.
- Vossuncê foi atacado patrãozinho! – revelou a Sebastiana, que me acudia com toalhas e uma bacia com água morna, desvendando assim o que o delegado temia proferir.
- Atacado? – indaguei estupefato.
- Consegue se levantar ou quer que eu ajude? – perguntou o delegado, antes que eu acenasse que sim. – Vou deixa-lo, depois de conseguir se limpar, eu o espero em frente ao quarto. – acrescentou.
Ele me amparou assim que passei pela porta do quarto. Tudo ainda me parecia estranho e o chão parecia estar se movendo sob os meus pés. Caminhamos lado a lado até a frente da casa, um braço dele circundava minha cintura. Tive a sensação de que ele estava gostando de me ter assim tão próximo. Os mesmos policiais militares que estiveram lá na manhã que sucedeu ao assassinato do Phillipe, me cumprimentaram discreta e respeitosamente. Eu pude ver dois pés descalços saindo debaixo de sacos plásticos que cobriam um volume irregular.
- O que aconteceu? Quem está debaixo daqueles sacos? – havia aflição na minha pergunta.
O delegado fez sinal para os policiais e um deles retirou os sacos. O Moacir jazia sobre o gramado, com uma estranha máscara de pele acinzentada e peluda cobrindo sua cabeça e a parte superior dos ombros. Estava completamente nu, e preso ao caralho havia uma espécie de capa que aumentava muito a espessura da rola, repleta de saliências circundando todo o comprimento da pica. Só a cabeçorra e o sacão estavam de fora. Havia sangue em sua virilha e na parte frontal das coxas. Numa parte lateral do tórax havia dois ferimentos onde também havia sangue e a pele parecia ter explodido de dentro para fora dilacerando-se numa circunferência de aproximadamente dez centímetros de diâmetro.
- O que significa isso? – indaguei, procurando por uma resposta naqueles rostos que acompanhavam cada uma das minhas reações.
- Eu precisei disparar contra ele. Era ele quem estava te seviciando quando entrei no quarto atraído por seus gemidos. Foi com isso que está ao redor do pênis dele que ele estava te machucando. Foi ele quem matou o senhor Bayard depois de perceber que ele tencionava defendê-lo. – suas explicações iam entrando em meus ouvidos enquanto eu fazia força para captar todo o contexto.
- Como assim? – ainda faltavam detalhes para eu compreender o que havia se passado.
- Ele é um descendente dos índios gueréns que habitavam a região há muito tempo atrás. Eles foram expulsos pelos índios tupiniquins, da etnia tupi que era sua rival, e depois mais uma vez pelos portugueses que chegaram a estas bandas na época da colonização. Alguns desses índios ainda perambulam por aí, intitulando-se guerreiros e dispostos a prejudicar aqueles que julgam ter usurpado suas terras. Como faziam quando canibalizavam seus inimigos capturados. Ele colocou uma substância que estamos levando para análise, no conduto do ar condicionado que vai da unidade externa para dentro do quarto. Encontramos uma pequena fração numa garrafa próxima a varanda do quarto. Por meio dessa substância ele os entorpecia, o que o deixava livre para praticar a sodomia com você, sem que houvesse reação tanto de sua parte quando do senhor Phillipe. Creio que a intenção inicial dele era gerar atrito na relação de vocês para que se desentendessem e abandonassem a ideia de se estabelecer aqui, onde os ancestrais dele enterravam seus mortos, o que me parece ficava muito próximo do local onde está a casa; mas, por algum motivo, naquela noite o efeito da droga não foi o esperado e o senhor Bayard conseguiu esboçar uma reação, por isso ele cravou aquelas estacas nele. Elas têm uns desenhos que remetem a símbolos da etnia tapuia, a qual o grupo dele pertence. – revelou, com a certeza de haver feito um bom trabalho.
- Eu disse que era o capeta! O capeta estava dentro dele patrãozinho! Meus orixás me avisaram! – exclamou a Sebastiana, que se aproximava com uma bandeja e algumas xícaras de café fumegante.
- Como você pode ver, a crendice popular por estas bandas não conhece limites. Os índios com seus rituais, os africanos com o candomblé e a macumba, as beatas católicas com seu fervor aos santos, tudo se miscigena num caldeirão de superstições.
Eu ouvia aquele discurso mais desolado do que nunca. Havia perdido a pessoa mais importante da minha vida por causa de crenças absurdas. Perguntei ao delegado o que ia acontecer de agora em diante.
- Vamos retirá-lo daqui. Será montado um inquérito no qual preciso de seu testemunho. O anterior será encerrado. E então você pode seguir a vida normal. – disse.
Haveria uma vida normal depois disso? Que vida seria normal sem o Phillipe? De repente me senti tão abandonado. Como viver naquela solidão?
Só prestei novo depoimento três dias depois. O delegado veio me apanhar em casa, acho que tentando se redimir de suas acusações veladas. No caminho me perguntou se eu já sabia o que faria da minha vida, com real interesse.
- Estou tão perdido que qualquer decisão que vá tomar agora pode ser um erro do qual vou me arrepender no futuro. – respondi.
- É uma postura sensata. Não deixe que isso abale sua vida. Sei que pode soar pretencioso, mas o tempo vai tirar essa dor do seu peito. – era confortante ouvir aquilo, especialmente do homem que pretendia me jogar numa cadeia.
- Só não consigo entender por que o Moacir foi tão cruel. Sempre o tratamos muito bem. – disse, ainda intrigado com uma atitude tão radical.
- Talvez ele estivesse com ciúmes, pelo senhor Bayard ter o que ele não podia ter. – aquilo me soou tão estranho que o encarei inquisidoramente.
- Você deve ter plena ciência de sua beleza e, pelo que seus funcionários me disseram, era extremamente carinhoso com seu parceiro. Quem não sonha encontrar alguém assim? – ele abriu um sorriso tímido na minha direção e apoiou uma das mãos na minha perna.
- Mas essa insanidade acabou comigo. Acabou com o amor da minha vida. – disse, sentindo um nó se formando em minha garganta.
- Você é jovem, o futuro pode te trazer um novo amor. Tomara que ele desfrute desse mesmo carinho e devoção que você dedicou ao Phillipe. – Haveria outra profecia em suas palavras?