A primeira suspeita de que havia algo de errado com o aluno mais carismático da minha sala foi reveladora, apesar de ter sido estranha e misteriosa também.
Estávamos na quarta - aula. Biologia.
Eu sabia que Mateus adorava Biologia, porque ele sempre aproveitava as brechas para fazer uma piada.
Por exemplo...
Um dia, durante a aula de Biologia, a professora perguntou como as plantas se alimentavam. Mateus levantou a mão e disse que era pela boca.
A piada era sem graça, mas todos riram, porque Mateus tinha um jeito especial de contar suas piadas, um jeito que deixava tudo muito mais engraçado, até mesmo a piada mais sem graça do mundo, aquela do elefante que caiu na lama.
Bem, voltando... Estávamos na aula de Biologia.
Mateus, que se sentava à minha frente, parecia se preparar. Eu tinha uma percepção avassaladora. Via os ombros dele movendo - se de um lado para o outro, a beirada das suas pernas tremendo debaixo da mesa, tudo, mesmo de costas.
Ele levantou a mão e perguntou:
--- Fala aí, profe. Qual vai ser a matéria de hoje? - disse num tom sarcástico.
A professora olhou para ele com profunda graça.
--- Águas - Vivas. Hoje vamos falar sobre as Águas - Vivas.
--- Aquelas dançarinas... - disse Mateus, rindo.
Todos comprimiram o riso. Eu também.
Acreditei que todos deveriam estar apreensivos, porque a última piada do Mateus, aquela da fotossíntese, resultou na fúria quase imediata da professora, que expulsou Mateus da sala.
Solange era realmente brava. Esta última piada com certeza não a comoveu. Só a deixou com mais raiva ainda, acreditava.
--- Se pretende atrapalhar minha aula com suas piadinhas, é melhor sair daqui agora mesmo.
--- Qual é, fessora? O ser humano não tem só um sentimento.
Isso, de alguma forma, pareceu mexer com todos, principalmente comigo, porque a frase era quase que poética. Um tanto profunda.
--- Ok, senhor Mateus. Posso continuar a aula?
--- Pode sim, fessora. Eu só...
Ele ia falar mais alguma coisa quando um celular começou a tocar. Era o dele.
Mateus se levantou, ficando de pé a minha frente, enfiou a mão no bolso da jaqueta e tirou o celular.
Reparei em cada movimento dele.
Quando ele olhou para tela do celular, sua expressão de alegria e euforia foi substituída por um lampejo de preocupação e tristeza.
--- Senhor, Mateus - disse a professora lá na frente da sala - Desligue o celular agora mesmo. Você está atrapalhando minha aula.
--- Desculpe, fessora! Posso ir lá fora para atender?
Todos o olharam com surpresa. Mateus dizendo desculpas não era tão comum.
Um brilho no olhar de Mateus brotou de repente.
--- Você deixa? - perguntou de novo.
--- Ahn... Claro, Mateus - disse a professora, parecendo acordar de um sonho - Vai lá.
--- Obrigado - esse obrigado saiu deprimido, coisa que me deixou intrigado.
Mateus caminhou até a porta da sala, abriu - a, e antes que saísse da sala, eu percebi uma tristeza e uma preocupação cobrir seu rosto novamente.
Esta foi a primeira suspeita de que algo estava errado com Mateus. Havia algo de muito importante naquela ligação, e eu iria descobrir o quê.
Daí tche, quando oportuno continue.