Apesar de toda a alegria que me causava, eu não podia negar a brutalidade da verdade: jamais passaria daquilo. Jamais deixaria de ser só carne e pele e usufruto. Eu ia sempre ser jogado fora no instante em que ele gozasse.
“Foda-se.” Eu lembro que pensei. Lembro também que logo em seguida me dei conta de que ao dizer “foda-se” eu dizia “foda-se” para mim mesmo, coisa pra qual realmente eu estava pouco me fodendo.
Eu ali ainda não tinha me lembrado do mito do girassol, da pobre da Clítio que virou flor, plantada que ficava a vigiar Apolo dirigindo o carro do sol. Idiota feito eu. E Apolo lá em cima, nem aí, vivendo sua vida divina.
“Foda-se de novo.” Eu disse encarando o olho vermelho no espelho. “E foda-se mais e outra vez. Foda-se. Foda-se. Foda-se.”
Pra que me impedir a humilhação? De que orgulho eu precisava tomar conta? Eu era só o filho da empregada que morava de favor. Uma ninfa que ousou se dar a amar um deus.
Eu fui correndo pro banheiro. Lavei os cabelos que era pra justificar o olho vermelho, caso minha mãe me visse antes de eu chegar à gaveta da farmácia na cozinha.
“Tá com conjuntivite?” Foi seu João, que tomava um cafezinho à mesa da cozinha, quem logo me perguntou. Ao lado dele, um Maurício sem camisa que tomava o seu café da manhã.
“Que olho vermelho é esse?” Minha mãe tirou os olhos do fogão alarmada pela pergunta do seu João.
“Foi o shampoo, agora.”
Maurício continuou quieto, nem riu ou me olhou significativamente. Acho que teria sido interação demais comigo assim logo cedo. Se tivesse reagido de qualquer maneira ao que sabia ser sua culpa, teria denotado cumplicidade demais da parte dele para comigo. E ele não estava ali para nada disso.
“Só vou colocar um colírio pra parar de arder.” Disse já com o frasco de Moura Brasil na mão.
“Onde você se enfiou ontem?” Minha mãe não sabia o que significava “lavar roupa suja em casa”. Não a culpo. O nosso conceito de casa era bastante deturpado pra que ela pudesse.
“Eu te disse. Era aniversário do Matheus.”
“Que Matheus, Abel?”
“Mãe, eu te falei. O Matheus do curso de francês.” Aí, eu já estava perto o bastante para cutuca-la na barriga sem que os outros dois pudessem ver.
“Ah, o Matheus, claro.” Ela disse sínica, muito pouco convincente. “Vai tomar café, meu filho.”
“Bem, eu vou indo que tenho que levar o carro pra vistoria e isso toma tempo.” Seu João se levantou e saiu da cozinha sem ser notado quase.
“Filho, olha essa panela pra mim? Preciso ir ajeitar os banheiros.”
“Tá.” Respondi meio que trêmulo.
Assim que minha mãe saiu, o silêncio tomou conta da cozinha. Eu estava à mesa de frente pra ele, mas não me atrevia a olhá-lo. Queria falar, queria dizer que tinha gostado muito e queria de novo sempre que ele quisesse. Eu queria atestar com palavras o tamanho da humilhação toda. Mas ao invés disso, enchi uma caneca com café e fiquei quieto.
Maurício se levantou. Usava apenas um short velho de nylon sem cueca, pelo que pude ver. Ele levantou os braços e se espreguiçou. Os sovacos peludos abertos demoradamente como que convidando minha língua. O caminho de pelos na barriga e o pau levemente duro como acontece às vezes quando nos espreguiçamos. Ele o apertou e o desenho se discerniu perfeito por sobre o tecido.
...
Este capítulo continua no blog (o endereço se encontra no meu perfil aqui).
<3