Capítulo 21
Você, que resolveu acompanhar minha história, muito provavelmente está me chamando de puta pra baixo, agora. Não tiro sua razão, mas em minha defesa quero dizer que sofrer de amor e ou doença disfarçada de amor não é coisa fácil, viu. Rasga a gente em muitas direções e a carência chega tão densa que qualquer oferta de afeto é muito bem-vinda.
Ademais, gostaria de pedir que guarde para mais tarde os xingamentos que tem pra mim. Você não gostará de tê-los desperdiçado com coisa tão pouca.
E em vez de ficar me justificando, melhor eu seguir de onde parei.
Cuspi a porra do segundo cara e, talvez, ainda uns vestígios da do primeiro. Me sentei esperando, vegetal, de olhar perdido, vidrado no nada, só deixando o tempo escorrer.
Me mexi apenas para pegar um Dramin na mala. Não ia aguentar a agonia de ver a viagem passando na minha frente e eu ali sem poder fazer nada pra adiantar a chegada. Me mexi de novo, é claro, mas só quando a vozinha me indicava que era hora de embarcar.
Queria estar logo em casa e sentir o ar de Maurício. Eu estava afogando. Queria dar fim aquele silêncio de uma vez, me humilhar de novo pelo que fosse da atenção dele. Maurício não ia ter como me ignorar em carne e osso em sua frente. Bem, Willoughby ignorou Marianne quando acabaram se encontrando e, apesar de tê-la olhado, o fez apenas por ter sido surpreendido por seu nome tão estridentemente chamado.
Pelo menos isso eu o obrigaria a fazer. Aparecer na porta de seu quarto, abri-la num rompante, e vociferando “Maurício” e ia perguntar quem ele pensava que era, se tinha ficado maluco de vez ou o quê. Isso, no mínimo, ia fazer com que me olhasse. Ia destitui-lo de sua glória por um instante nem que fosse só mesmo pra que percebesse a inconveniência da minha humilhação insistente.
Não podia deixar de alimentar a esperança de que, talvez, me vendo, ele não resistisse e achasse de me usar que fosse. Vai ver se eu ligasse pra ele, e se ele me atendesse, ficaria nervoso ao saber que eu estava chegando e que ninguém ia me buscar. Podia ser que seu sentimento de posse o fizesse levantar de pronto e ir me buscar, ainda que todo altivo e silencioso, me humilhando o quanto pudesse, mas não ia aguentar me deixar dando sopa pelo Galeão.
Dormi no voo, grogue e exausto que estava. Dormi e acordei muitas vezes. Além de sentir frio e tormenta (apesar da tranquilidade do voo), fui invadido por sonhos sem nexo, chatos, arrastados. Mas antes que eu me desse conta, estava desembarcando sob efeito de um cafezinho que pedi a aeromoça na saída.
Minha respiração acelerava e começava a falhar. Eu me sentia quente e meu coração, desesperado, batia muito mais que o necessário, muito, muito em vão, pra dizer a verdade.
Liguei pra ele. Desligado ou fora da área de cobertura. Liguei, duas, três, sete vezes. Desligado, desligado, deligado, fora da área. Desligado ou fora da área de cobertura em todas as sete. O que havia com esse cara?
Puxei minha mala pra fora do aeroporto e tomei um táxi desses que ficam esperando ali. O taxista, que não era de se jogar fora, se insinuou pra mim durante toda a viagem, mas eu me achava obstinado demais a ver Maurício que nem me daria a nenhum tipo de desvio. Continuei na minha, no banco de trás, fingindo lerdeza.
Quase duas da manhã quando passei a chave no portão. Os olhos diligentes procuraram logo pelo carro de Maurício. Estava lá. Ufa! Estacionado no canto, como quem vai indo pra cozinha. Segui o carro e entrei pelos fundos, larguei a mala ali mesmo ao lado da porta e não perdi tempo.
Nem senti os degraus da escada, acho que os subi de dois em dois, de três em três; cheguei ao topo um tanto esbaforido, taquei a mão na maçaneta de sua porta e abri para o embrulho desagradável que se fez dono do meu estômago.
A cama estava vazia. O quarto, o banheiro, até os armários, tudo vazio. Maurício em lugar nenhum, suas coisas também não. Sobrando de debaixo da cama, a ponta azul de nylon de um short no qual minha cara já tinha sido esfregada com Maurício dentro. Tinha manchas de ejaculações guardadas sem banho e mijos alguns.
Na escrivaninha dele, jazia o celular pra o qual eu tanto tinha enviado mensagens, tanto tinha ligado. Ali. Morto, abandonado. Um ato simbólico e bastante claro. O único meio que eu tinha pra falar com ele, ali, largado, como eu, largado.
Deitei na cama dele com o short nas mãos e, obviamente, no rosto em seguida, me esfregando nele como se Maurício o usasse ainda. Sentindo seus cheiros, quase podia sentir seus gostos. Fiquei ali amargando, mas como que respirando ar puro: mijo de Maurício, sua virilidade.
Não teria voltado pra Búzios levando todas as suas roupas. Onde estava ele? Será que tinha se cansado da mãe e se mudado? Se mudado tinha, era óbvio, ninguém leva os pertences todos se pretende voltar em breve... Mas onde?
Talvez, na porta de entrada agora mesmo. Eu não tinha ouvido nada até que a porta se abriu e fez-se um estardalhaço.
Este capítulo continua no blog Conto Sigiloso (o endereço se encontra no meu perfil aqui).
continua , esta muito interresante