“Acho que eu consigo conviver com o povão mais um pouco. Não faz tanto mal assim.”
“Não.” Era engraçado ver o imperador que morava na voz de Maurício se dirigindo a outra pessoa. Me arrepiava mesmo que não fosse pra mim. Era de uma brandura odiosa e fria. Falava num tom como se sua voz fosse a lei que todos estavam esperando pra obedecer.
“Você precisa ir.” Tão bom em ser maior, o todo lorde. E as pessoas todas encolhiam e escolhiam se avassalar às suas afirmativas definitivas, augustas.
O primo de Eliza, vale lembrar nessa hora tão dramática, olhou de Maurício para a prima, muda e com os olhos esbugalhados. Ele se levantou e saiu, bastante dignamente com o queixo arrebitado, sem falar mais nada. Que ser humano era aquele? Eu, hoje, acho até engraçado.
“Me desculpem por isso.” Maurício disse aos seus convidados. "Fiquem à vontade a casa é de vocês."
Ele veio tão decidido na nossa direção que eu achei que ia apanhar, ou coisa assim.
"Me desculpa." Olhou no olho de Fernando apenas pra desferir o meio aceno de cabeça, grave e cordato. Nada mais que isso. Só o necessário pra mostrar que era bom anfitrião, que era fino, nobre. É que é muito comum as pessoas confundirem altivez com nobreza. Mas o lorde inglês pra inglês ver era ainda uma opção muito mais preferível do que o fogo que me queimou pelo segundo inteiro em que nossos olhos se encontraram.
"Giulia, eu vou subir." Pegou na mão dela. "Se quiser ficar lá comigo, se achar que deve ir pra casa, se quiser ficar. Faz como você decidir. Se entende com Abel aí. Foi mal."
"Relaxa. Vou ficar aqui um pouquinho comentando o bafão e depois vou pra casa." Maurício soltou uma risada curta, mas sincera.
"Maurício." Eliza chamou indignada, ele já estava na metade da escada e parou pra olhá-la.
"Você expulsou o meu primo?" Ela era burra? Precisava de um programa inteiro do Telecurso pra explicar pra ela?
"A gente pode conversar isso sozinho." Se virou e a deixou lá.
"Cara, você tá bem?" Giulia lembrou de Fernando. Eu tinha esquecido, saboreando a expressão de atriz indicada, mas não premiada na cara de Eliza. "Nada a ver esse garoto."
"Tô tranquilo." Não estava.
"Quer sair daqui?" Eu perguntei.
"Acho que é bom."
"E eu? Hein?"
"Espera um pouquinho." Fernando disse. "A gente só vai se despedir."
"Hein?" Fui seguindo Fernando que parecia precisar sair daquela casa e chegar aonde pudesse respirar.
"Ah, eu não tô mais à vontade aqui. Aliás, já não tava. E esse cara", apontou pro andar de cima, "é um bocado estranho, parece um robô." Eu acabei gargalhando ainda meio trêmulo.
"Vai que ele resolve entrar numa comigo? Não sei."
"A gente fica lá fora."
"Eu prefiro ir mesmo."
"Não liga não, viu?" Uma das meninas do bufê colocou a mão no ombro de Fernando.
"Valeu." Ele balançou a cabeça. "Quer ir comigo?"
"Tá. Não, pera. Minha mãe."
"Claro. Verdade. Ele leva se precisar?"
"Leva sim. Ele só não tava em casa. A gente fica um pouquinho no carro, conversando?"
"Poxa, quero ir embora."
"Ganho um beijo?" Ele sorriu murcho, mas me beijou. Também murcho.
"Não liga praquele idiota. O que ele sabe da vida? Nasceu rico e nunca teve que fazer nada pra isso. Vive do que o pai fez. Não deixa gente assim desmerecer você." Agarrei-o com fogo.
"Você é bom, lindo, honesto e gostoso." Beijei de novo. Isso pareceu deixá-lo um pouco mais alegrinho.
"Tchau."
"Tchau. Me avisa quando chegar."
Fiquei olhando ele ir me sentindo culpado, mas cruzei o portão e só pensava em Maurício.
Este capítulo continua no blog Conto Sigiloso ( o endereço se encontra no meu perfil aqui).