Capítulo 11
Que merda! O pior de tudo é que metade do carro de Fernando estava no caminho de Maurício. O doce Fernando se mexeu rápido, mas constrangido.
"Desculpa aí, cara." Gritou correndo.
Maurício não se deu ao trabalho de baixar a janela. Eu, querendo me desintegrar, em pé, ridiculamente, parado, assistia a Fernando ligar o carro para andar dois metros e parar novamente. Maurício só esperou o portão abrir o suficiente e entrou de uma arrancada.
"Te arrumei problema?"
"Não." Não pelo que ele imaginava ter arrumado. Não era exatamente problema que o carro da visita do filho da empregada estivesse no caminho do patrão. Como também não era problema que a visita beijasse ou beijasse-gay o filho da empregada no portão da casa. O problema era que o filho da empregada era de uso pessoal e intransferível do patrão, mas que se fodessem, o patrão e o seu patronato. Cara mais grosseiro.
Me agarrei a Fernando, agora, beijando com mais fogo, o abracei apertado e como era gostoso sentir aquele abraço dele, macio e fofo, quente.
"Eu não sei o que vai ser de mim até o momento em que eu te vir de novo." Ele disse já de volta ao volante.
"Poxa, sabia que eu preciso ir ao mercado amanhã?" Ele abriu um sorriso largo. "Eu tenho que comprar... é deixa eu ver... jiló. Tenho que comprar jiló. Não fico sem, menino."
"Vou escolher os melhores pra você."
Eu entrei e corri o caminho até a casa cantando:
"Livre estou. Livre estou." Porque a sessão era dublada. "É tempo de mudar. Aqui estou eu, vendo a luz brilhar. Tempestade vem. O frio não vai mesmo me incomodar."
Terminei à porta, me recompus e entrei sério, fazendo teatro para ninguém.
"Bem, que bom." Pensei. Mas uma fisgada aguda da verdade colocou tudo abaixo: eu queria que ele estivesse ali. Não porque queria que me visse triunfante, eu nem estava. Era só pra vê-lo mesmo. Cruzar meus olhos com os seus só pra ver se eles me contavam alguma coisa.
Eu não estava livre coisa nenhuma. Foi bom curtir o breve momento de acreditar que sim, no entanto. Sabia Deus quando ia ter outro momento assim. Por outro lado, reconhecer e assumir que eu não estava nada livre, me deixava livre pra me alegrar que ele tivesse visto alguém me beijando.
Isso era bom por duas razões: ele vira que eu era beijável, que era coisa que se podia fazer e que ninguém morria por isso e, de lambujem, me vira sendo beijado por outro, que não era ele; me vira fechado no abraço de outro, sendo desejado por outro.
Cantei e dancei em silêncio no quarto. Celebrando e construindo o meu próprio castelo de gelo. Mesmo a despeito de saber que quando os ventos do inverno de Maurício soprassem pro meu lado, não ia ter Elza certa que me salvasse.
De repente fui tomado por uma vontade avassaladora de comer salada de frutas com sorvete. Sei lá, acho que ia ter um gostinho de vitória. Tinha tirado a calça e dançava só de blusa porque tava a fim de dar pinta de vestido e não me incomodei em ir assim mesmo pra cozinha.
Sentei no banco alto que acompanhava a ilha central da cozinha, de costas pra porta. Nos fones de ouvido "Say you'll be there", das Spice Girls. Eu tinha, tenho, uma certa fixação pelo que acontecia no mundo quando eu estava nascendo. E as Spice eram um desses acontecimentos. Me dividia entre encher a boca de frutas e tirar onda de sexta Spice:
"I'll give you everything, on this I swear.
Just promise you'll always be there.
I'm giving you everything.
All that joy can bring, this I swear.
And all that I want from you
Is a promise you will be there ."¹
Ora cantava, ora dublava e fazia show de drag, tomando a colher por microfone, estava tão compenetrado, imagine a vergonha, que nem dei conta de que Maurício tinha entrado na cozinha. Só fui notá-lo quando ele foi até o freezer e ele tinha um leve ar de riso naquele rosto nojento-lindo dele.
Este capítulo continua no blog Conto Sigiloso (o endereço se encontra no meu perfil aqui).
melhor conto da vida <3