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A semana de provas do primeiro bimestre havia começado. Eu praticamente respirava todo o conteúdo das disciplinas ensinadas naqueles dois meses. Dormia muito pouco e me alimentava muito mal. Entretanto, eu precisava manter minhas boas notas como sempre.
"Como será a prova dele?" eu pensava apreensiva na sala de aula aguardando sua chegada. Todos os alunos também estavam tensos pois se o Professor Eric era um carrasco em aulas normais, a prova dele não seria diferente.
Chegou pontualmente no horário, segurando um envelope em mãos, fazendo o mesmo ritual: deixou a mochila na mesa, retirando a lista de presença e observando de modo sério todos os alunos devidamente sentados. Voltou-se para o envelope de onde tirou um bloco com folhas brancas e grampeadas.
- Bonjour. Je veux juste un stylo, un crayon et une gomme sur vos tables. Les téléphones portables sont éteints. Je veux que personne ne regarde autour de moi. Et pour m'en assurer, je vous observerai du fond de la pièce.
(Bom dia. Só quero caneta, lápis e borracha nas mesas de vocês. Celulares desligados. Não quero ninguém olhando para os lados. E para ter certeza disso, eu estarei observando vocês do fundo da sala.)
Enquanto ele falava, percebi que a sua barba estava um pouco maior do que de costume. Preparar provas exigia muito, deveria estar sem tempo para se cuidar e fora esse detalhe, ele estava impecavelmente bem arrumado.
Os alunos estavam em total silêncio mas a atmosfera pesada pairava na sala. O professor começou a caminhar de mesa em mesa distribuindo as provas. Logo que recebi a minha, veio o pânico: folheei e então vi que eram seis páginas. As três primeiras folhas dedicadas ao poema estudado e o restante abordava a Literatura Medieval Francesa em geral. Todas as questões eram discursivas. Engoli em seco. Ao término da distribuição, ele deixou o envelope vazio na mesa, pegou a sua cadeira e se dirigiu ao fundo da sala onde se sentou. Ouço a voz do Frederik, o representante da turma, sentado algumas mesas atrás de mim.
- Professeur, puis-je poser une question?
- Avez-vous étudié pour l'examen?
- Oui professeur, mais...
(- Professor, posso tirar uma dúvida?
- Você estudou para a prova?
- Sim professor, mas...)
E antes que ele terminasse de responder a sua rispidez habitual não perdoou.
- Si vous avez étudié pour l'examen, vous n'avez aucun doute! - e virou se para todos - Vous aurez les deux périodes de notre cours pour passer le test. Tu peux commencer!
(Se você estudou para a prova, você não tem dúvidas! Vocês terão os dois períodos da nossa aula para fazerem a prova. Podem começar!)
Aquela resposta grosseira me gelou a nuca. E se eu tivesse com alguma dúvida? E se me surgisse um branco? Eu precisava me acalmar. Respirei fundo e iniciei a leitura das questões calmamente respondendo-as à lapis. Um erro de caneta poderia ser fatal. Pouco mais de duas horas era o tempo disponível. Nas provas das outras disciplinas, teríamos o mesmo tempo então porque a prova dele estava me deixando desse jeito? Talvez porque mais uma vez eu queria que ele me notasse conseguindo uma boa nota, talvez por medo de eu não conseguir. Será que sem nenhuma demonstração, ele estava no aguardo do meu desempenho? E porque em um momento de tensão máxima eu estava sonhando com o fato dele reparar em mim?
O tempo ia passando e felizmente, respondi todas as questões. Fiz a leitura de cada resposta dada e passei a caneta. Eu não fazia ideia da hora e se faltava muito para terminar. Prova devidamente finalizada, levantei da minha mesa, virando-se e olhando para ele que permanecia sentado ao fundo.
- J'ai terminé, professeur!
(Eu terminei, professor!)
O olhar impassível e seco. Era impressão minha ou o azul dos olhos dele se transformaram em raio-x me mirando dos pés à cabeça?
- Reste assis! Il reste encore quelques minutes et quand j'aurai terminé, je rassemblerai les preuves sur les tables!
(Continue sentada! Ainda faltam alguns minutos e quando acabar eu vou recolher das mesas!)
Parecia que uma espada havia me cortado ao meio. Como poderia ser tão lindo e tão grosseiro? Me sentei de volta, senti minha respiração faltando e vontade de chorar. O que eu fiz errado? Parecia que algo estava preso na minha garganta me deixando sufocada e um furacão estivesse em meus pensamentos.
Os minutos se passaram e finalmente o sinal tocou anunciando o fim dos dois períodos. Deixei minha prova cuidadosamente na beira da mesa e senti que ele já estava de pé recolhendo cada uma. Fez o mesmo com a minha e enfim, pude relaxar na cadeira o meu corpo completamente tenso. Não ousei olhar para ele tamanha era a minha mágoa por receber uma resposta daquela. Era o fim da primeira prova da semana mas parecia que já havia feito todas as outras e que um trator tinha passado por mim.
...
Com todas as provas finalizadas, eu consegui relaxar. De tão focada que eu estava, nem sequer acessei rede social e mensagens. Apenas segui a Melissa no dia que nos conhecemos. E quando finalmente me atualizei, ela estava me seguindo de volta e curtiu todas as minhas fotos. Ela era uma fofa.
Queridona, o que houve com vc? Ainda em prova? - era uma das mensagens.
Enviei um áudio para ela saber que eu estava viva.
> "Oi Melissa. Então, terminei minhas provas hoje. Finalmente tô respirando e saindo do colégio agora. Foi mal o sumiço."
Guardei o telefone na mochila e fui para casa. O meu colégio ficava um pouco longe de onde eu morava, no entanto eu voltava a pé quase sempre. Uma vez ou outra durante a semana, minha mãe passava de carro na porta para me buscar.
Chegando em casa, após um banho e finalmente relaxando só de calcinha na cama, vejo uma mensagem dela de retorno:
- Ah então, show! Vem aqui pra casa hoje! Sexta-feira significa pizza, a gente pede uma gigantesca. E vou te apresentar o Felipe.
"Felipe... Será o cara da rede que estava com ela?"
Senti uma movimentação vinda do corredor que parecia ser os meus pais.
- Filha, chegamos! - era a voz da minha mãe vinda do corredor.
Coloquei uma roupa qualquer tirada da gaveta e fui até o quarto deles.
- Mon petit - meu pai veio e abraçou - como foram as provas?
- Cansativas. Mas hoje foi o último dia.
- Que bom, meu amor. Espero que tenha se saído bem em todas elas, como sempre - minha mãe otimista.
- Saberemos, Helena. Assim que acessarmos as notas.
Apenas sorri para eles. Um sorriso cansado mas sincero.
- Está muito abatida. Você mal tocou na comida essa semana durante o jantar.
- Eu sei, mãe. Estudei muito, não pensei em mais nada.
- Pois então, a partir de hoje, vai voltar a comer direito, avez-vous bien entendu?*- papai me abraçou e me beijou nos cabelos. (ouviu bem?)*
- Oui papa.
Olhei para os dois e minha mãe com o olhar terno de sempre.
- Então, eu queria contar uma coisa para vocês.
- Quoi mon chéri? - meu pai perguntou curioso.(o que minha querida?)
- Acho que fiz uma nova amiga.
- É mesmo? Que bom, meu amor - minha mãe sorria para mim - e quem é ela?
- É a menina que mora aqui do lado. O nome dela é Melissa.
- Oui, eu conheço ela. Já a vi aqui no elevador com o pai. Elle a les "cheveux de feu!"
(Ela tem os cabelos de fogo)
- Jacques, por Deus, não fale assim da menina! - minha mãe o repreendeu.
- Mais c'est vrai!* Nunca vi cabelos tão vermelhos iguais o dela.
(Mas é verdade)*
Eu ri com a comparação. O senso de humor do meu pai era ótimo.
- Ela me convidou para comer pizza na casa dela hoje. Tem algum problema? - perguntei para ambos.
- De jeito nenhum, filha. Pode ir sim! - minha mãe permitiu.
- Traz ela aqui para eu e sua mãe conhecermos.
- Querido, por favor. Sem piadas com a mocinha!
- De jeito nenhum. Quero conhecê-la apenas.
- Tá bom, vou falar com ela - saí do quarto e mandei outra mensagem.
"Melissa, vc tá ocupada? Falei com os meus pais e eles querem conhecer você!"
Nesse tempo, fui até meu quarto para trocar de roupa. Pus uma blusa regata cor de rosa e uma saia jeans não muito curta, mas o tamanho incomum do meu quadril e bumbum deixavam a saia apertada em mim. Penteei meus cabelos e borrifei de leve um perfume de aroma suave.
A campainha toca. Deveria ser ela. Saí rapidamente em direção à porta.
- Pode deixar que eu atendo! - falei em bom tom enquanto atravessava a sala.
Ao abri-la, Melissa me abraçou carinhosamente e muito animada.
- Oieee, como vc está? Nossa, tá abatida. Foram as provas né?
- Sim, elas me consumiram. Entra.
Ela entrou ao mesmo tempo em que conversava de um jeito bem tagarela.
- Naquele dia quando a gente se conheceu, eu nem te contei. Eu também estava em prova e elas acabaram ontem mesmo.
- Que bom, estamos livre delas até o meio do ano.
- Sim! Mas então, cadê seus pais?
- Estão no quarto, eles já vem.
A tagarelice dela meio que combinava com o jeito despojado de se vestir. Os longos e pesados cabelos amarrados em um coque folgado no alto da cabeça mostrava ainda mais a beleza do seu rosto. Calçava uma sandália modelo birken usada por hippies e um vestido amarelo de alça finas com decote reto horizontal que cobria os pequenos seios evidenciando apenas os bicos.
Nisso, minha mãe ainda com a roupa de trabalho mas descalça, apareceu primeiro na sala muito simpática.
- Olá, tudo bom? então você é a nova amiga da Nívea? Muito prazer, Helena.
- Oi, Dona Helena. Prazer em conhecê-la - se cumprimentaram com dois beijos no rosto.
- Fiquei super contente quando vi que teria novos vizinhos. E só agora que um dos apartamentos do primeiro andar foi ocupado.
- Ah sim, isso leva tempo. Acredito que até o fim do ano, todos estejam com moradores.
Meu pai veio logo em seguida, com um sorrisinho simpático e um olhar analítico para Melissa como se ela fosse de outro planeta.
- Ravi de vous rencontrer* - ele lhe estendeu a mão. (prazer em conhecê-la)*
- Oi? - lhe cumprimentou de volta sem entender uma palavra.
- Pai, ela não fala francês - o adverti.
- Como assim, você é francesa? - Melissa se voltou para mim espantada.
- Uma longa história, prometo te contar.
- Me desculpe. É força do hábito - papai muito educado se corrigiu.
- Então, hoje ma petit será sequestrada por causa de uma pizza - ele brincou.
- Sim, mas o local do sequestro é bem perto, aqui ao lado - percebi que Melissa também era bem humorada.
- E então? Vamos lá pra casa? O Felipe deve estar terminando de tomar banho.
- E quem é Felipe? - papai questionou.
- Meu meio-irmão.
Fiquei pensativa e de imediato me veio à mente o dia do flagrante: "Como assim meio-irmão?"
- Ótimo. Vamos marcar um dia para conhecer os seus pais, querida - minha mãe sugeriu.
- Sim, com certeza. Vamos Nívea?
- Claro. Até mais - me despedi dos meus pais.
- Amanhã é sábado, não precisa se preocupar em voltar tarde pra casa.
- Merci, papa.
E saímos na direção do apartamento vizinho. Ao entrarmos, o lugar era bem parecido com o meu apartamento. Apenas a localização dos cômodos era diferente. Uma coisa tínhamos em comum: nossas mães possuíam bom gosto com decoração.
Imediatamente, Melissa totalmente curiosa me perguntou afoita.
- Me conta isso! Você é francesa?
Sorri para ela. Era bonitinha a curiosidade.
- Então, eu nasci no Brasil mas meu pai tem dupla cidadania. Ele nasceu no Brasil também e quando tinha doze anos, se mudou com meus avós e os irmãos para a França. Eles sim são franceses.
- Nossa, que lindo. E sua mãe?
- Minha mãe é brasileira. Um dia eu te conto a história de como eles se conheceram.
- Ah, conta sim. Adoro histórias de amor. Ei, agora que eu lembrei! Por isso o seu perfil no Instagram está escrito em dois idiomas. Eu tapada, não tinha reparado.
- Exato. Assim meus tios e primos podem manter contato comigo por lá.
Ouvimos um barulho de porta se abrir no corredor e um rapaz alto e branco usando uma calça de moleton cinza veio até nós duas secando rapidamente os cabelos pretos e curtos, cortados em estilo desfiado nas pontas com uma toalha branca. Era ele! Ele que estava na rede da varanda com a Melissa. Não senti minhas pernas quando o vi. Estava sem camisa o que evidenciava seu abdômen zerado em boa forma. E o rosto? O maxilar esculpido, olhar negro e puxado. Me fitava com atenção de um jeito que parecia já me conhecer.
- Nívea, esse é o Felipe.
- Oi - acenei pra ele rapidamente com um sorriso amarelo.
Ele sorriu de forma debochada, certeza que me percebeu sem graça, se aproximou de mim, segurando meu rosto e me deu dois beijos, um em cada lado da bochecha quase perto do meus lábios.
- Finalmente estou conhecendo a vizinha francesinha - ele acariciou de leve meu rosto.
- Você já sabe? - perguntei.
- Não é apenas a Mel que te segue - e piscou pra mim me causando um nó na garganta.
- Ah, claro. Vou fazer o mesmo agora - peguei meu celular e o segui de volta. Mexia no celular com as minhas mãos tremendo levemente de nervosismo, causado pelo gesto dele. Não havia reparado antes que Felipe também se tornara meu seguidor.
- Vamos pedir a pizza? - Melissa perguntou.
- Ué, pensei que vc já tivesse pedido - lhe disse confusa.
- Ainda não, vamos pedir os três juntos.
- Por mim, peçam o sabor que quiserem - Felipe se virou para o corredor - vou estender a toalha e já volto.
Observei ele saindo da sala, os ombros largos completavam a beleza atlética.
- Pode falar, ele é ou não é um gato? - Melissa me cutucou falando baixinho.
- Oi?
- Tu ficou babando por ele, eu vi. O Felipe causa isso mesmo.
- É.. Seu irmão é muito bonito.
- Ele não é meu irmão.
- Desculpe. Seu meio-irmão.
- Também não - ela me olhou advertidamente - Ele é filho apenas do meu padrasto que se casou com a minha mãe.
- Ah... Entendi. - sorri sem jeito pra ela, pensativa.
Então era isso. Tudo estava fazendo sentido naquele momento.
Continua...
Nota da autora: Sim, capítulo longo e sem momentos picantes. Mas eu precisava de uma passagem onde a amizade entre Nívea e Melissa acontecesse em definitivo e também introduzir o Felipe na história. Talvez esse processo da amizade entre elas dure por mais um capitulo. Melissa será uma personagem de importância na trama.
Sem momentos picantes, mas necessários para o perfeito entendimento da trama. Concordo plenamente. Votado !!!
Muito excitante seu conto amor, me deu um tesão enorme, votado é claro! Leia meu último conto, adoraria sua opinião, bjinhos Ângela e Carlos