***
VIII
O silêncio entre eles continuava e eu já estava perdendo a paciência quando de súbito, vi a pequena mão de uma aluna sentada na segunda fileira, levantada para o alto.
- Je l'ai lu, professeur. J'ai terminé samedi dernier.
(Eu li, professor. Terminei no último sábado.)
A doce voz chamou a minha atenção. E ao me virar em sua direção, um par de olhos incrivelmente azuis cruzaram com os meus. Não podia negar o quanto eram bonitos e marcantes. Os lábios carnudos se assemelhavam à uma pétala de rosa tamanha eram a maciez que demonstravam possuir, mesmo eu estando a uma certa distância. As bochechas do rosto eram vermelhas que contrastava com a pele branquinha.
Mantive minha postura rígida e olhar sério diante daquele rostinho perfeito, embora não fosse uma tarefa muito fácil. ''Certo mocinha, você é muito bonita, eu admito, mas pra mim não é o suficiente. Existe algum cérebro funcionando por debaixo destes cabelos lisos, brilhantes e negros?''
Bien. Et que pouvez-vous dire de lui?
(Bom. E o que pode dizer sobre ele?)
Vamos ver se a ''mademoiselle'' realmente leu o poema. Ri com sarcasmo em pensamento.
- Ce qui a retenu mon attention chez lui, c'est la forme poétique, qui est très longue. 4002 versets dans 290 strophes
(O que me chamou a atenção nele foi a forma poética que é bem longa. 4002 versos em 290 estrofes).
Muito bem. Você realmente o leu. E mesmo respondendo com calma, eu farejei nervosismo na sua voz. Por qual razão?
Meu personagem carrasco assustou o rostinho de boneca, tadinha!
- Quoi d'autre?
(O que mais?)
Ainda não estava totalmente convencido e queria mais respostas. Teria que me provar que não era somente uma patricinha fútil dos filmes americanos.
- C'est un récit rapide et sans beaucoup de détails.
(É uma narrativa rápida e sem muitos detalhes)
Era bom saber que estava diante de uma aluna que fazia nada mais, nada menos do que o óbvio: estudar. E então, lancei minha cartada final.
- Et combien de caractères a le poème?
(E quantos personagens o poema possui?)
- C-caractères?
(Personagens?)
E o que parecia impossível, aconteceu. Ela ficou mais branca do que já era e seus lindos olhos se assustaram. Não esperava por aquela pergunta.
- Si vous lisez le poème, vous savez certainement combien de caractères il a!
(Se você leu o poema, com certeza sabe a quantidade de personagens que ele possui!)
Achou mesmo que seu lindo rosto iria amolecer meu coração apenas porque respondeu as perguntas, petit princesse? Vamos lá, você estava indo tão bem! Não me decepcione agora...
Ela ficou pensativa por alguns segundos, respirou fundo, sua expressão no rosto se modificou como se tivesse se lembrado de algo e então finalmente respondeu.
- Le poème a dix caractères.
(O poema possui dez personagens).
Parabéns, você fez apontamentos relevantes sobre a estrutura. Claro que eu jamais iria levantar o seu ego lhe parabenizando formalmente na frente da turma.
Ainda a encarando, recuei alguns passos para trás na direção da minha mesa e olhei a lista de chamada deslizando a ponta da caneta por entre os nomes.
- Quel est votre nom?
(Qual o seu nome?)
Perguntei sem olhá-la novamente e ela prontamente me respondeu.
- Nívea. Nívea Caroline.
Nívea Caroline Martin Toledo.
Data de Nascimento: 02 de Fevereiro de 2005.
Eram as únicas informações contidas na lista de chamada. Anotei um 0,5 na direção do seu nome ao lado da planilha específica para o lançamento das notas das provas. De fato, ela respondeu corretamente a todas as perguntas. Não é porque eu estava sendo propositalmente insuportável que não saberia reconhecer e premiar de forma justa um aluno que se saira bem em uma pequena sabatina como aquela.
O mesmo eu não faria em relação ao restante da turma. Ainda estava furioso com a inércia dos outros sobre a leitura indicada. Terminando de fazer a anotação, me voltei para a turma com os olhos em chamas.
- Ce qui vient de se passer ici, je ne veux pas qu'on le répète! Je suis un enseignant de vingt étudiants et pas seulement d'un étudiant. Je veux que vous lisiez le poème et dans le prochain cours, je vais appeler l'un de vous pour en parler. Tout le monde a compris?
(O que acabou de acontecer aqui eu não quero que se repita! Eu sou professor de vinte alunos e não de apenas uma aluna. Eu quero que leiam o poema e na próxima aula eu vou chamar um de vocês para falar sobre ele. Todos entendidos?)
- Oui professeur! - todos responderam apavorados.
(Sim, professor!)
- Ouvrez vos livres. Nous continuerons à parler de la période médiévale d'où nous nous étions arrêtés la semaine dernière. - ordenei firme.
(Abram seus livros. Vamos continuar a falar sobre o período medieval a partir de onde paramos semana passada.)
Retornei para a minha mesa e sentado, fiquei observando sério e com calma a única em sala de aula que se mostrou interessada na leitura e dona de uma beleza impressionante. Não me lembro de ter visto nada parecido antes. No entanto, me dei conta de que estava a admirando demais.
Tá maluco, Eric? Ela é sua aluna e menor de idade, entendeu? O estalo mental veio de imediato. A barreira da ética profissional estava muito bem construída ao meu redor. Nenhuma relação de proximidade com os alunos daquela escola! O assédio que eu sofria na faculdade já era o suficiente.
Ao se virar na minha direção após abrir o livro, seu rosto se transformou em um vermelho sangue até o pescoço pois percebeu que eu a observava. Pra completar o belo pacote, era tímida. Me peguei sorrindo de canto com aquela reação inesperada por parte dela.
Reli o seu nome: Nívea Caroline. Lindo.
***
De noite em casa, relaxado e esparramado na cama após um bom banho, estava lendo um texto de três folhas a respeito das mais recentes teses de mestrado aprovadas na Sorbonne. Embora eu estivesse de volta ao Brasil há dez anos, tudo a respeito do país que me acolheu eu procurava me manter atualizado principalmente em relação ao meu lugar de formação acadêmica.
Em meio à leitura, senti meu celular vibrar no meio da cama. Meu braço o alcançou e, sem tirar os olhos do texto, deslizei o dedo para aceitar a chamada e o levei ao meu ouvido direito.
- Boa noite, sobrevivente! - ela ironizou.
- Boa noite, dona piadista. - E riu do outro lado da linha.
- Como foi hoje?
- Tudo normal - deixei o texto de lado na cama e me sentei dando atenção à ligação.
- Que bom. O mocinho do filme de terror sempre se dá bem no final.
- A diferença, Luciana, é que ele precisa matar o vilão da história. E no meu caso, é domar e ter nas mãos algo em torno de sessenta alunos.
- Você se sairá bem.
- Estou começando a acreditar nisso também. Hoje aconteceu algo interessante na minha primeira turma do dia.
- O que houve?
- Questionei os alunos sobre a leitura bimestral e somente uma aluna respondeu a tudo o que eu perguntava.
- Mesmo? Então você possui alunos adolescentes com cérebro?
- Parece que sim. E sabe o que mais impressionou?
- O quê?
- É uma aluna linda. Nunca tinha visto um rosto tão perfeito quanto o dela antes.
- Uaaau! - Luciana começou a debochar - Então quer dizer que estou falando com uma versão franco-brasileira do Professor Humbert*? Tens uma Dolores* como aluna?
- Não fala merda! - rebati de imediato e começamos a rir - Não é porque é uma aluna bonita que eu vou passar a ter fantasias sexuais com ela.
Quando li o romance do escritor russo Vladimir Nobokov, intitulado de ''Lolita'', ainda no primeiro ano da faculdade, o que mais me chamou a atenção na história era que em nenhum momento o Professor Humbert demonstrava ter algum tipo de remorso ao se sentir atraído sexualmente por uma menina de apenas 12 anos. Era obcecado por ela e queria de toda forma se justificar ao leitor sobre o que sentia. Na época de seu lançamento, alguns críticos o descreveram como o melhor romance do ano, outros o condenaram como pedofilia pura e simples. Pessoalmente falando, tratava-se de uma obra de difícil compreensão ou qualquer forma de julgamento.
- Você amanhã estará no Campus que horas? - perguntei à ela.
- Devo chegar depois do almoço.
- Certo. Nos esbarramos por lá então. Beijão.
***
Terceira semana no colégio e dei sorte de chegar no refeitório e ele estar vazio. Me servi com o que queria no self service da ala dos professores e procurei me sentar em uma mesa mais isolada das restantes para almoçar em paz. O que talvez seria impossível uma vez que os alunos começavam a descer para o almoço.
Enquanto comia tranquilamente, olhando o celular, novamente o mesmo aroma doce que senti no meu primeiro dia em que estava na biblioteca, invade o ambiente. Desta vez, mais intenso. Quando percebi, a vi em pé colocando a bandeja da sua refeição na mesa que está um pouco à frente da minha. Ainda sem se sentar, ela também estava atenta ao seu aparelho quando finalmente o colocou na pequena bolsa de mão, puxando a cadeira e sentando-se em seguida para começar a comer.
''Então o doce perfume pertencia à ela?'' pensei não deixando de observá-la. Não percebeu que eu a fitava enquanto comia quietinha as batatas fritas, sozinha em uma mesa.
Tão bonita e aparentemente sem amigos. Foi o que pude concluir após vê-la terminar de comer, levantar com a bandeja em mãos deixando-a no local apropriado de recolhimento e indo em direção ao banheiro das meninas. O seu corpo não passou despercebido por mim mesmo caminhando e se distanciando por entre as mesas: os quadris, as coxas e o bumbum redondos e convidativos para uma jovem de apenas 15 anos. A saia do uniforme na cor vinho em tamanho comportado poderia disfarçar, mas meus olhos escanearam aquelas formas e uma determinada parte do meu corpo reagiu indo contra tudo aquilo que eu já havia delimitado: senti meu pau apertar e pulsar com força dentro da calça diante daquela visão.
Eric Schneider o que deu em você? Ficar excitado com o corpo de uma aluna? Há vários bumbuns redondos e gostosos por esse mundo afora e a última coisa que pode acontecer é ficar de pau duro no seu local de trabalho!
Precisei de alguns minutos para que eu voltasse ao meu ''normal'' e deixar o refeitório. Voltei para a sala dos professores e me peguei pensando no que tinha acontecido. Uma insanidade a qual eu desejava que não se repetisse.
IX
O relógio na tela do meu celular marcava 8h30 da manhã. A turma estava em silêncio concentrada na bateria de exercícios que eu havia passado com questões importantes sobre o Período Medieval na Literatura Francesa e que poderiam cair na prova. Inclusive ela era a mais concentrada. Uma aluna aplicada. Sempre se sentava nas segunda fileira e escrevia muito, atenta à tudo o que eu explicava. Ela não fazia ideia mas eu percebia o quanto ela me olhava de um jeito diferente ou talvez igual às minhas outras alunas que certamente me fantasiavam das maneiras mais luxuriosas possíveis.
Sentado com a cadeira e a cabeça encostadas na parede e o braço direito apoiado na mesa, eu tinha no meu campo de visão uma linda menina com os cabelos pretos e lisos, presos em um coque apertado no alto da cabeça exibindo seu pescoço alvo. A blusa branca do uniforme não me permitia ver muito dos seios mas a saia vinho estava discretamente suspensa e eu pude vislumbrar um par delicioso de coxas grossas. Se era gostosa de corpo, me veio um pensamento sujo de como ela seria por entre as pernas.
Esse pensamento mais uma vez se tornou traiçoeiro e apertou meu pau contra a minha calça jeans escura. Quanto mais eu me remexia na cadeira tentando conter o evidente tesão por aquela mocinha, mais gostosa era a fricção dentro do tecido da cueca. Fechei os olhos me condenando pelo meu corpo estar reagindo daquele jeito. Seria desesperador saber que a barreira da ética fortemente construída ao meu redor estava sendo atingida por algo carnal em relação a uma aluna e menor de idade. Ela tinha idade para ser a minha filha!!!!
***
Aquilo não poderia estar acontecendo. Durante as semanas que se seguiram, minha cabeça se voltava para a beleza daquela jovem a qual eu via apenas uma vez na semana. Me pegava fitando-a diversas vezes não deixando ela perceber e estava me sentindo um perfeito imbecil. Merda! Gritava comigo mesmo internamente. Eu precisava parar de pensar nela, mas como? As complicações que eu teria, se algo mais concreto acontecesse com uma aluna, seriam inimagináveis. Principalmente ela: rica, muito bem nascida e criada. Ao mesmo tempo em que, nos momentos que eu a observava, inexplicavelmente via uma certa doçura no seu olhar. A patricinha futil, certeza que fora uma invenção da minha cabeça.
***
Domingo à noite, antes de me preparar para dormir, uma pilha de provas universitárias estava pronta na minha mesa de trabalho. Já as avaliações do colégio eu guardava cuidadosamente na minha mochila para o dia seguinte. Seis folhas. Não daria moleza ao entrar na arena. Seria o momento em que saberia se eles eram mesmo bons alunos e merecedores de estarem naquele colégio caríssimo.
No dia seguinte, cheguei na sala pontualmente no horário, com o envelope das provas em mãos. Deixei a mochila na mesa, retirando a lista de presença e observei todos devidamente sentados. O medo era evidente neles e eu me deliciava com a cena. Voltei minha atenção para o envelope e tirei um bloco com folhas brancas e grampeadas.
- Bonjour. Je veux juste un stylo, un crayon et une gomme sur vos tables. Les téléphones portables sont éteints. Je veux que personne ne regarde autour de moi. Et pour m'en assurer, je vous observerai du fond de la pièce.
(Bom dia. Só quero caneta, lápis e borracha nas mesas de vocês. Celulares desligados. Não quero ninguém olhando para os lados. E para ter certeza disso, eu estarei observando vocês do fundo da sala.)
Passei toda a semana anterior redigindo provas. Era uma coisa que me deixava esgotado, exigia minha atenção total e com isso, deixei minha aparência um pouco de lado e minha barba estava um pouco crescida. O que me deixou de péssimo humor.
Distribuí as provas e ao terminar, deixei o envelope vazio sobre a mesa e peguei a cadeira me dirigindo para o fundo da sala.
Um dos alunos que eu mal sabia o nome direito levantou o braço com a intenção de tirar uma dúvida. Como assim tinha dúvidas? Se ele de fato estudou para a prova não tinha razão para ter dúvidas. Foi o que eu lhe respondi rispidamente. Anunciei que eles teriam os dois períodos de aula para a realização da prova e os autorizei a começarem.
Queria ver se aquela era realmente a melhor das três turmas de primeiro ano e se a média acima de 9 continuaria a ser mantida. Observava atentamente cada um e nenhum deles ousava virar a cabeça para o lado. Não poderiam saber em que direção eu estava olhando e caso eu flagrasse a cola por parte de qualquer um, era zero!
Faltava uns quinze minutos para o término quando percebo uma movimentação vinda de uma das fileiras da frente. Era ela. Que perturbava meu corpo e minha mente. Que conseguia colocar em xeque a porra do meu auto-controle. Que possuía duas safiras no lugar dos olhos. E que tinha um jeito meigo intrigante.
Levantou-se da mesa, veio até o meio da sala e me olhou receosa. ''Porque você se levantou da mesa, mocinha? Quer me desestabilizar com esse corpo repleto de curvas?Pois bem, conseguiu!''
- J'ai terminé, professeur!
(Eu terminei, professor!)
Tinha me esquecido o quão suave era a sua voz. Era quieta e calada o tempo todo, como eu poderia lembrar? O perfume de bebê, os quadris salientes mesmo com a saia. E mirando-a dos pés à cabeça, tive que cruzar minha perna em forma de quatro uma vez que eu não poderia cortar ou arrancar o meu pau pra fora. Seria o único meio de acabar com a ereção que se formou.
- Reste assis! Il reste encore quelques minutes et quand j'aurai terminé, je rassemblerai les preuves sur les tables!
(Continue sentada! Ainda faltam alguns minutos e quando acabar eu vou recolher das mesas!)
Doeu no meu peito falar do jeito grosseiro que eu falei, por mais que ela não merecesse. E seus olhos sentiram a grosseria ao ficarem úmidos de imediato. Precisava tirar essa menina da minha cabeça de uma vez por todas.
O sinal tocou e então me levantei recolhendo as provas, começando pelos alunos sentados ao fundo. Ao me aproximar da minha tentação, sua prova estava na beira da mesa e ela permanecia de cabeça baixa sem me olhar nos olhos. Terminei de recolher e enquanto guardava as provas de volta no envelope, minha doce aluna era apenas tristeza, com a mão apoiada no próprio colo e tentando se aliviar. E porque eu estava me sentindo mal ao vê-la daquele jeito, caralho? Ela tinha que permanecer sentada na porra do seu lugar, esperar o tempo da prova acabar e assunto encerrado!
X
Deixei todas as provas para serem corrigidas no final de semana. No colégio havia um prazo de até 15 dias a partir do dia da aplicação para que as notas fossem lançadas no portal do site e assim os pais e responsáveis teriam acesso. A faculdade também estava em semana de avaliação e eu teria que voltar a minha atenção para os meus alunos que eu considerava favoritos.
Tirei o sábado para descansar e apenas no fim da tarde comecei a maratona de correção. Primeiro, pelas provas da faculdade pois eram muitas as turmas e só depois iria, quem sabe, me divertir um bocado com as possíveis pérolas em língua francesa vindas dos alunos ainda cheirando a leite materno. Três turmas. Levaria um tempo considerável corrigindo.
As primeiras provas que corrigi foram dos alunos do terceiro ano. Para a minha surpresa, todos foram muito bem alcançando notas acima de 9,5 como a Jacqueline havia me alertado. Realmente eles sonhavam com a Sorbonne e se continuassem assim durante todo o ano, tanto na minha disciplina quanto nas outras, seriam aprovados. Terminada a correção, lancei imediatamente na lista de chamada e no portal do aluno. Uns cinco alunos conseguiram tirar 10. Fiquei muito satisfeito com o resultado.
Desde o início da minha carreira, adotei uma mania curiosa durante o processo de correção que era não olhar o nome do aluno na primeira folha, que tirou determinada nota. Somente após a finalização, para aí sim saber quem é e então lançar em modo escrito e online.
Com os alunos do segundo ano, a média geral não me surpreendeu. Haviam notas desde 9,1 até 9,8. Nenhuma nota 10. Mas o resultado eu também considerei satisfatório.
E finalmente, com os alunos do primeiro ano, a média ficou um pouco abaixo da outras duas séries. Não tive notas menores que 9 mas também nenhuma próxima de 9,8 e muito menos a nota 10. A maior nota da turma rompeu a barreira de 9,5 sendo 9,6. Por curiosidade, separei a prova para ver de quem era o tal feito.
Meu coração disparou quando li o nome. Era o lindo nome. A letrinha redonda, cheia de capricho e cuidado. A nota máxima era dela, da minha linda aluna. Espontaneamente, surgiu um sorriso no meu rosto observando a primeira folha ao mesmo tempo que lamentei um pouco. Porque você tirou 9,6 e não o 10, ma petit princesse? Onde você errou?
Revisei a correção com calma e vi que tinha tirado pontos por erros bobos em sua ortografia. Poderia dar aqueles 0,5 que ela conseguiu mas achei mais prudente deixá-lo reservado no caso das próximas avaliações ela tirasse uma média mais baixa.
Meu coração disparou de um jeito inexplicável. Após terminar o lançamento, pude ter acesso ao seu histórico escolar e vi que não havia nenhuma nota abaixo de 9,5 nas disciplinas, desde a sua fase de alfabetização em Língua Francesa quando ainda era uma criança. Uma aluna extremamente inteligente!
E o que a princípio era admiração por um belo rosto, transformou-se aos poucos em atração. Algo que crescia e ganhava forma dentro de mim, mesmo eu lutando com todas as forças contra isso. Me considerava o pior dos seres humanos por sentir o que estava sentindo, me odiando por perder o controle da situação. Aquela menina era uma adolescente de apenas 15 anos. Vinte anos de diferença de idade nos separavam. E eu não sabia absolutamente nada a respeito dela além do convívio semanal em aula e o seu excepcional histórico escolar.
Jamais pensei que isso um dia aconteceria comigo. Me sentir atraído por uma das minhas alunas e não encontrar uma saída. Poderia pedir desligamento do colégio sem dar maiores detalhes, mas seria um total desrespeito com a Instituição e principalmente com a Luciana que não iria desistir até me fazer confessar o real motivo da minha demissão. Ou seguiria em frente e continuaria a minha batalha interna de sentimentos, deixando que o destino se encarregasse de tudo.
Minha barreira tão bem construída estava se rachando. E eu não saberia se na próxima aula ao vê-la, eu conseguiria cumprir com maestria o papel do meu odioso personagem.
***
No domingo seguinte, Luciana me ligou de manhã para mais uma caminhada na praia e mesmo com o Sol escaldante que fazia, eu recusei. Precisava de um dia para ficar na companhia dos meus pensamentos. Me preparar para estar diante dela.
Eu vivia um conflito interno pois, ao mesmo tempo que deveria eliminar esse sentimento crescente dentro de mim, eu me sentia entorpecido ao pensar na minha doce aluna. Uma droga deliciosa a qual eu não queria parar de consumir.
***
E então, era isso. Mais um dia em que eu entraria na arena. Mas, ao invés de enfrentar vinte leões como toda segunda-feira, a batalha seria de igual para igual. E o meu adversário seria algo que eu não tinha mais certeza se estava conseguindo dominar: meu sentimento por ela. Estava em desvantagem e me sentindo um monstro porque essa dominação era em forma de uma adolescente. Uma linda adolescente. Inteligente, olhar doce, atenciosa nas aulas... E que estava fazendo meu coração bater acelerado toda vez que eu pensava naquele mar azul dos seus olhos.
- Bonjour à tous! - cumprimentei normalmente à todos logo que entrei em sala e eles o fizeram de volta.
Sabia que teria de encará-la. Deixei todo o meu material na mesa e retirei do envelope apenas uma prova que era a dela. Procurei manter um semblante mais amigável diante da turma antes de comentar sobre a avaliação e anunciar o resultado.
- Eh bien, j'ai le résultat du test et je voudrais dire que j'ai été très satisfait des notes. Vous avez tous très bien fait - anunciei.
(Bom, estou com o resultado da prova e gostaria de dizer que eu fiquei muito satisfeito com as notas. Todos vocês foram muito bem.)
Realmente, eu estava contente com o rendimento daquela turma. Esses dois meses de convívio foram surpreendentes e aos poucos, a imagem de indisciplina que eu fazia deles foi se dissipando. Mas eu não iria baixar a guarda de jeito nenhum. Continuaria a ser rígido com eles pois o método estava funcionando.
- Et en plus - suspirei - J'ai été surpris par une note de tête.
(E além disso, eu fui surpreendido com uma nota máxima.)
- Quelqu'un en a-t-il eu 10? - uma das alunas perguntou.
(Alguém tirou dez?)
-Presque - eu respondi - J'ai été surpris avec un score de 9,6.
(Quase. Fui surpreendido com uma nota 9,6).
Toda a turma se entreolhou e começou a murmurar devido à nota máxima tirada entre algum deles. E eu não poderia mais evitar. Olhei dentro daqueles lindos olhos por poucos segundos que pareciam uma eternidade. Meu coração batia descontroladamente mas me mantive firme. Ela me olhava com estranheza e se virou para trás pensando que eu poderia estar olhando para outro aluno.
- Félicitations - lhe entreguei a prova olhando-a com ternura - Vous avez fait un excellent test.
(Parabéns. Você fez uma excelente prova).
Continuei a observar a expressão assustada que ela havia feito diante do resultado que estava na primeira folha. Dei um sorriso discreto, encantado com aquele lindo rosto. Respirei fundo, me voltei para a minha mesa pegando o envelope e comecei a distribuir as provas para o restante da turma. Ao terminar, me sentei e passei a observá-la novamente. Seu rosto que já estava vermelho, ficou ainda mais ao perceber que eu a encarava.
O que eu poderia fazer diante do que estava acontecendo? A atração que eu sentia por ela já me dominava por inteiro, não podia mais negar. No entanto, o dia estava apenas começando e eu precisava seguir em frente. Me levantei novamente com o livro em mãos, dizendo para a turma que as notas estavam devidamente lançadas no site do colégio e iniciei a aula do dia falando sobre o novo período a ser estudado: o Período Renascentista na Literatura.
***
Depois de almoçar, fiquei o restante do intervalo na sala dos professores quieto. Discretamente, acessei o site do colégio, novamente fui até o seu histórico escolar e vi que as notas das outras disciplinas haviam sido lançadas. A inteligência dela se confirmava na tela diante dos meus olhos.
Como poderíamos nos aproximar sendo que eu mesmo construí um muro entre os meus alunos? Tanto ela, como os outros, estranhariam essa minha aproximação do nada. Inventaria um desculpa dizendo que queria conversar a respeito das excelentes notas. Mas em que ocasião? E Onde?
O dia que começara ensolarado, estava sendo dominado por rajadas de vento o que aliviou o calor insuportável. Faltava alguns minutos para o sinal tocar e então saí da sala seguindo para a turma do segundo ano. O horário da tarde estava apenas começando.
XI
Fim de um dia de trabalho e, devido ao calor do decorrer do dia, uma chuva quase que apocalíptica caía na cidade. Fiquei na sala dos professores esperando ela passar e nada. Eram 18h quando infelizmente precisei ir embora a contra gosto pois o expediente geral do colégio terminara. Apesar da minha experiência ao volante, eu não gostava de dirigir com chuva forte. No entanto, não havia outra solução. A sorte era que o estacionamento possuía cobertura e então não precisaria sair correndo até o meu carro debaixo d'água.
Entrei, joguei minha mochila no banco traseiro, dei a partida e conduzi com calma até a saída. Sendo uma rua de ladeira, o cuidado deveria ser redobrado.
Estava dirigindo bem devagar e com o dilúvio, a rua estava completamente deserta. Ou ao menos deveria estar. Um enorme guarda-chuva cor de rosa chamou a minha atenção na calçada do lado direito. A sua dona caminhava lentamente e parecia segurar algo junto ao seu tronco. Carregava uma mochila também na cor rosa e a saia vinho me fez concluir que era uma aluna do colégio.
Manobrei o carro para um pouco mais perto da calçada e ao fazê-lo reparei nos quadris. Eram aqueles quadris. Aquilo não estava acontecendo. Não poderia ser quem eu estava pensando. Mas sim, era ela... Sozinha e protegida apenas pelo guarda-chuva. ''Que raio de pais são esses que pagam uma fortuna de mensalidade, mas são incapazes de colocarem um motorista particular à disposição da filha, para que ela volte pra casa em segurança, inferno???'' foi o que eu pensei na hora.
Comecei a buzinar para chamar a sua atenção mas foi em vão. Continuava a andar lentamente sem nem ao menos olhar para o lado. Me aproximei com o carro o máximo que pude perto da calçada e consegui ficar próximo à ela. Abaixei o vidro do carona e então tive a certeza ao ver seu rosto.
- Ei, mocinha! - a chamei e ela ficou parada ao me ver e ouvir minha voz - Você não me ouviu buzinando? Entra aqui, tá chovendo muito!
Ela não se movia de jeito nenhum. Parecia estar em choque ou que estava vendo um fantasma.
No mesmo instante, desliguei o motor do carro e saí dando a volta, me aproximando dela que segurava o guarda-chuva e o seu fichário junto ao tronco. Realmente ela permanecia sem reagir.
- Você tá me ouvindo? - perguntei novamente.
- Q-quê? - enfim, ela respondeu.
Não consegui segurar um meio sorriso ao estar tão perto dela e perceber seu semblante assustado. Meus olhos rapidamente se direcionaram para aqueles lábios que eram maiores se vistos de perto.
- Vem comigo, eu te levo pra casa - a conduzi para o carro onde de imediato ela recuou.
- Não, tudo bem! Eu não moro longe. Só vou demorar a chegar pois andarei devagar - ela recusou, respondendo com uma desculpa qualquer.
- De jeito nenhum! - balancei a cabeça em negação enquanto a chuva me deixava encharcado - Eu seria um louco te deixando sozinha no meio desse temporal. Entra no carro.
Ela olhava para o carro pensativa e eu pensava na merda gigantesca que estava fazendo, ao oferecer carona para alguém que eu precisava manter distância.
- Tá... - foi o que ela se esforçou para responder.
Abri a porta da frente e ela entrou ligeiro. Dei a volta entrando rapidamente para reassumir o volante. Ela se ajeitava de todo jeito no assento cobrindo as lindas coxas com a saia, se recostando e segurando com força o fichário sem olhar pra mim. Eu já estava ensopado mas isso não era problema algum. Dei a partida e dirigi com calma pela rua. Ela estava ali, do meu lado. Puta merda, o perfume de bebê dominava o carro por completo! E eu precisava quebrar o silêncio que se formou.
- Nívea Caroline Martin Toledo... Não é esse seu nome? - pronunciei e perguntei tranquilamente.
- Sim, é esse. - ela me respondeu de um jeito automático sem me encarar.
Mesmo mantendo meus olhos atentos na direção, percebi que ela estava tensa e segurava o seu fichário com certa força. Estaria nervosa porque lhe ofereci uma carona? Será que ela estava pensando que eu era um maníaco assediador? Se fosse isso, eu precisava acabar com essa impressão.
- Sabia que o seu segundo nome é de Princesa? - perguntei de um modo amigável.
- Sim, da Princesa Caroline de Mônaco.
- Exato. Você me impressionou muito, sabia?
- Como assim? - ela perguntou confusa se agarrando no fichário com força.
- A sua nota foi a máxima da turma e então acessei as outras disciplinas. Aliás, todo o seu histórico escolar. Você é uma aluna muito inteligente.
- Obrigada - ela agradeceu sem jeito e ainda demonstrando tensão por estar dentro do carro.
Eu nunca poderia imaginar que ficaria próximo à ela de um modo tão inesperado. Principalmente pelo fato de estabelecer essa barreira firme entre professor e aluno. Mas, no caso dela, esta barreira se encontrava frágil há algum tempo. Pensava nela todas as noites antes de ir dormir. O meu desejo de uma aproximação finalmente estava acontecendo e eu tinha dois caminhos: me manteria frio enquanto a levava para a sua casa ou me desarmava do meu personagem para não assustá-la. A segunda opção falou mais alto dentro de mim.
- Onde você mora?
- Onde eu moro?
- Se eu vou te levar para casa, isso é algo que eu preciso saber, não acha? - questionei com ironia.
- Ah, claro. Eu moro em uma das ruas transversais à Avenida da sede do governo. A terceira rua. Residencial. Um prédio novo.
- Ah sim, sei onde é.
Ela morava em um dos endereços mais caros do bairro. E a impressão que eu tinha a seu respeito sobre ser uma adolescente fútil e mimada foi se tornando nula. O que me fazia ficar à vontade em saber mais sobre ela.
- Me fala mais sobre você - decidi arriscar.
- O que quer saber?
- É sempre tão quietinha em aula? Ou apenas nas minhas aulas?
- Desde sempre. Em todas as aulas.
- Isso é bom. Além de inteligente, é uma aluna atenciosa.
- Minha nota de hoje confirmou isso.
- De fato - acabei sorrindo com o comentário.
Era a primeira vez que eu sorria para um aluno e senti ela me olhando de um jeito diferente. Não era uma patricinha. E muito menos era a típica garota popular no colégio uma vez que estava sempre solitária nos intervalos.
Saímos da longa rua do colégio e encontramos a rua principal do bairro parada pelo trânsito. Chuva e mais chuva. Percebi ela tirando a mochila das suas costas, colocando de frente e abrindo um pequeno zíper onde estava o seu celular no que ela olhou a tela guardando de volta. Acabou se formando um monte em seu colo que me impediu de vislumbrar seu par de coxas grossas.
- Isso vai levar um tempo. A chuva travou o trânsito - alertei.
- Tudo bem, não estamos tão longe - ela me respondeu aparentemente tranquila.
- Você tem hora para chegar em casa? - perguntei com certa preocupação.
- Em dias normais estou em casa antes das 18h. Com a chuva, eu passei o último horário na biblioteca. Mas o colégio estava fechando.
- Você fez bem.
A tensão que ela demonstrava ao estar comigo parecia ter diminuído. Estava mais pensativa e o silêncio a dominou. O sinal do trânsito ficou vermelho e aproveitei para observar a beleza do seu rosto. Ela me olhou de volta e vi os pêlos do seu braço se arrepiarem.
- O que foi? - ela perguntou sem graça.
- Nada. Não posso te olhar? - dei um sorriso de canto ao perceber que estava envergonhada.
- Pode - e deu um pequeno sorriso olhando na direção da janela.
- Porque o seu rosto está vermelho?
- Fui à praia ontem.
- Bom. Perguntei pois você parece nervosa.
- Impressão sua - ela ficou tensa novamente.
Porque ela ficava assim? Nervosa e linda.
- Fique tranquila, eu não mordo.
- Durante as aulas fica parecendo que sim.
Então ela percebeu o meu personagem em sala de aula?
- Que bom que pareço, pois é assim que preciso ser. Impor respeito em um grupo de adolescentes não é fácil para um professor - rebati sério.
- Comme un personnage?
- Exactement. Comme un personnage.
(- Como um personagem?)
(- Exatamente. Como um personagem.)
O sinal do trânsito mudou para o verde e então dei partida no carro e permanecemos em silêncio. Eu daria o mundo para saber o que ela estaria pensando ao meu respeito.
Era maravilhoso tê-la tão perto de mim. Enquanto dirigia, eu tentava buscar o seu olhar em direção ao meu mas era impossível pois ela não me encarava mais. Estava com a atenção voltada para o trânsito e talvez ansiosa para chegar em casa.
Mais alguns minutos se passaram e finalmente chegamos no endereço que ela tinha me indicado. Me apontou o prédio e eu parei na calçada em frente. De alto padrão, luxuoso e em uma rua, de fato, residencial.
Era isso. Tinha chegado ao fim a companhia da aluna mais linda que eu já tive em 10 anos de profissão. Todos os músculos do meu corpo estavam tensos devido à minha roupa ainda úmida mas principalmente por causa dela. Procurava me acalmar respirando profundamente mas era difícil. Nunca fiquei desse jeito diante de mulher nenhuma. Minhas mãos seguravam o volante com força e mesmo tentando me aproximar como eu queria, minha razão entrou em cena e sinalizou a loucura que eu havia feito em lhe oferecer uma simples carona.
- Merci - ela me agradeceu com todo o mel doce existente na voz.
- Ce n'était rien* - respondi sem olhá-la - Na verdade eu nem deveria ter feito isso.
(Não foi nada*)
- Porque não? Você fez uma gentileza.
- Não é correto. Por sorte, a rua do colégio estava deserta e ninguém viu você entrar no meu carro.
- E isso iria te prejudicar?
- Muito.
Me virei em sua direção e tudo o que eu conseguia enxergar eram aqueles lábios perfeitos. Eu tentei de todas as formas exterminar o desejo que estava sentindo por ela mas estando tão próximo, era impossível.
- Você não tem apenas o segundo nome de Princesa...
- Não?
- Não. O rosto também... E você é tão pequena...
Razão e emoção. Mente e coração. Batalhas difíceis onde eu era, ao mesmo tempo, o mediador e gladiador. E estava saindo derrotado.
Encostei o cotovelo na lateral superior do assento dela na intenção de acariciar o seu lindo rosto com o meu dedo indicador e o do meio. E seu olhar se tornou mais azul do que eu poderia imaginar, devido a uma iniciativa minha, inesperada por ela. A pele era perfeitamente macia feito seda...
- Une princesse. Une petit princesse...
A palma da minha mão segurou o seu rosto e, como se estivesse enfeitiçado, fui atraído na direção dos seus lábios provocantes. Macios e doces como eram na minha imaginação e eu estava tendo a certeza naquele instante.
E eu joguei toda forma de racionalidade para o espaço.
Continua...
Nota da autora: Galera que me acompanha desde o início, é o seguinte: Como o intervalo de dias entre o primeiro capítulo do Especial e este ficou longo, ao invés de três, irei dividir o especial em quatro partes. Somente assim para vocês não ficarem mais tempo esperando ok? É uma falta de respeito da minha parte com leitores tão fiéis que adoram a série. Sendo quatro, não vou me cobrar tanto e sentirei menos pressão para as duas últimas partes.
Beijos e peço desculpas pelo hiato.
delicia de conto