(??Leiam os capítulos anteriores??).
Eu fiquei parada sem conseguir me mover olhando a pessoa que me chamava.
- Você não me ouviu buzinando? Entra aqui, tá chovendo muito!
E ele estava ali. O homem com quem eu convivia semanalmente nos últimos dois meses pedindo para entrar em seu carro. Cujas noites eu entregava o meu corpo em meio à pensamentos maliciosos. O responsável por me causar pontadas no peito todas as vezes em que entrava na sala de aula para fazer o seu trabalho. E que eu me perdia em devaneios admirando o rosto perfeito. O olhar sério, nada amigável, que sorria apenas em seu perfil de rede social... Eric Schneider estava diante de mim.
Desligou o motor, saiu dando a volta e veio em minha direção.
- Você tá me ouvindo? - ele perguntou me olhando atentamente, pois pensou que eu estava com algum tipo de paralisia. De fato, eu estava.
- Q-quê? - finalmente consegui esboçar uma mísera fala.
Ele sorriu de canto. Existia alguma possibilidade dos seus olhos serem mais azuis quando vistos de perto mesmo com os óculos? E somente a pesada chuva era testemunha daquele sorriso.
- Vem comigo, eu te levo pra casa - me conduzindo para o carro onde de imediato eu recuei.
- Não, tudo bem! Eu não moro longe. Só vou demorar a chegar pois andarei devagar - recusei dando uma justificativa.
- De jeito nenhum! - ele balançou a cabeça em negacão enquanto a chuva o ensopava - Eu seria um louco te deixando sozinha no meio desse temporal. Entra no carro.
Olhei para o carro pensativa. Ele estava sendo gentil em me oferecer uma carona. Uma gentileza inexistente na aulas.
- Tá... - foi o que consegui responder. Ele abriu a porta da frente e eu entrei fechando o guarda chuva molhado e o deixando no chão do assento ao lado dos meus pés.
Os meus sapatos pretos e meias brancas estavam encharcados de água. E ele deu a volta entrando rapidamente para reassumir o volante. Ajeitei minha saia de modo a cobrir o máximo as minhas coxas e recostei no assento, segurando firmemente o meu fichário. Não me atrevi em olhá-lo. Deu a partida e começou a dirigir lentamente pela rua. O breve silêncio entre nós fora quebrado.
- Nívea Caroline Martin Toledo - aquela voz deliciosa de toda segunda-feira pronunciara meu nome completo.
Fiquei confusa sem saber para onde olhar.
- Não é esse o seu nome? - ele me questionou de maneira tranquila.
Que homem era aquele do meu lado? Porque o professor grosseiro de Literatura não era.
- Sim, é esse. - respondi mecanicamente mantendo o olhar em frente.
- Sabia que o seu segundo nome é de Princesa?
- Sim, da Princesa Caroline de Mônaco.
- Exato - mantinha o olhar e atenção na direção - Você me impressionou muito, sabia?
A última frase martelou e ecoou na minha cabeça. Eu o impressionei e aquilo não era um treinamento.
- Como assim? - o meu fichário era o meu para-raio tentando controlar a tensão. O agarrava com toda a força que consegui reunir.
- A sua nota foi a máxima da turma e então acessei as outras disciplinas. Aliás, todo o seu histórico escolar. Você é uma aluna muito inteligente.
- Obrigada - foi o que consegui responder baixinho, quase inaudível, e engolindo em seco.
Era isso. As minhas notas o haviam impressionado, é claro. Abortar a missão ao pensar o mesmo que Melissa me disse no intervalo.
- Onde você mora?
- Onde eu moro?
- Se eu vou te levar para casa, isso é algo que eu preciso saber, não acha? - o sarcasmo na pergunta o tornava mais maravilhoso.
- Ah, claro - que pergunta idiota foi a minha - Eu moro em uma das ruas transversais à Avenida da sede do governo. A terceira rua. Residencial. Um prédio novo.
- Ah sim, sei onde é.
"A minha rua ou o meu prédio?"
Pensamentos aleatórios de uma pessoa apaixonada diante de uma resposta ambígua.
Me atrevi a olhá-lo discretamente. A calça preta social levemente úmida pela chuva evidenciava as coxas grossas. O professor era alto, mas quanto? Perto dele, eu me sentia uma anã. Segui o meu olhar até onde ele se confirmava como homem. O preto de algum jeito conseguia camuflar mas podia vê-lo em evidência. Existe a lenda urbana em que homens altos são agraciados com... Me senti latejar e rapidamente desviei os olhos em direção à minha janela. Respirei fundo.
- Me fala mais sobre você - puxava assunto enquanto descíamos de carro a longa rua do meu colégio. Ele realmente dirigia devagar ou estava cuidadoso por causa da chuva? Pensamento aleatório parte dois.
- O que quer saber? - indaguei.
Será que fui grosseira nessa pergunta?
- É sempre tão quietinha em aula? Ou apenas nas minhas aulas?
- Desde sempre. Em todas as aulas.
- Isso é bom. Além de inteligente, é uma aluna atenciosa.
- Minha nota de hoje confirmou isso.
- De fato - e ele sorriu, me chamando a atenção.
Um sorriso radiante que parecia iluminar tudo ao redor. E o medo dele ouvir as batidas do meu coração. Estaria ouvindo?
Com o sorriso, surgia uma constatação: O homem que estava ali ao meu lado me levando para casa era completamente diferente do homem quase tirano da primeira aula do dia.
O carro deixara a longa rua do colégio e então nos deparamos com a Rua principal do bairro completamente parada por causa do trânsito. A chuva não deu trégua. Diante deste acontecimento mais inesperado da minha vida até então, minha mochila continuava pendurada nas minhas costas e então senti um certo incômodo. Deixei o fichário em meu colo e a coloquei de frente pra mim abrindo um zíper pequeno onde estava o meu celular. Olhei a hora no visor que marcava 18h20 e o guardei de volta. Mochila e fichário cobriam, junto da saia, as minhas coxas formando um pequeno monte no meu colo.
- Isso vai levar um tempo. A chuva travou o trânsito - ele alertou.
- Tudo bem, não estamos tão longe - respondi conformada.
- Você tem hora para chegar em casa? - me perguntou com certa preocupação.
- Em dias normais estou em casa antes das 18h. Com a chuva, eu passei o último horário na biblioteca. Mas o colégio estava fechando.
- Você fez bem.
Me sentia mais relaxada após observá-lo e perceber que ele era tranquilo fora do ambiente de trabalho. Então porque adotava uma postura tão hostil? Era profissional no que fazia e explicava tão bem a disciplina que não fazia sentido.
Preferi ficar em silêncio novamente.
Eu não morava tão longe mas o trajeto sendo de carro, seria necessário passar por algumas ruas até chegar na Avenida e então, pegar o caminho para a minha rua. Estávamos em uma altura onde o sinal ficou vermelho. E mesmo quietinha, percebi o azul dos seus olhos me encarando. Olhei para ele de volta e meu corpo se arrepiou.
- O que foi? - perguntei sem jeito.
- Nada. Não posso te olhar? - e sorriu novamente de canto.
- Pode - eu sorri pequeno. E desejava sumir de dentro daquele carro.
- Porque o seu rosto está vermelho?
- Fui à praia ontem.
- Bom. Perguntei pois você parece nervosa.
Procurava me manter calma. Cadê a minha casa?
- Impressão sua.
- Fique tranquila, eu não mordo.
- Durante as aulas fica parecendo que sim. - dei uma resposta beirando o atrevimento e evitando ao máximo cruzar o meu olhar com o dele.
- Que bom que pareço, pois é assim que preciso ser. Impor respeito em um grupo de adolescentes não é fácil para um professor - falou firme e sério.
- Comme un personnage?
- Exactement. Comme un personnage.
(- Como um personagem?)
(- Exatamente. Como um personagem.)
O sinal do trânsito mudou para o verde e ele então engatou a marcha dando partida. A mão direita firme no freio de mão não era nada demais mas lhe dava um ar imponente, de comando... Domínio.
Era isso. Fazendo algo normal como dirigir, Eric era o tipo de homem que além de impor respeito em aula parecia estar sempre fazendo as coisas do seu jeito. E era gostoso pensar nele daquela maneira. Mais uma vez, reagi pulsante por entre as pernas e me esfreguei discretamente.
Continuamos no trânsito lento e após alguns minutos finalmente chegamos. Era um misto de sensações: alívio por chegar em casa, tensa por estar ao lado de um príncipe e surpresa por descobrir que ele é um homem bem diferente daquele de dentro das dependências do colégio.
Apontei o prédio e ele parou na calçada em frente.
- Merci - agradeci à ele o olhando serenamente.
- Ce n'était rien* - ele respondeu desviando o olhar - Na verdade eu nem deveria ter feito isso.
(Não foi nada*)
- Porque não? - o perguntei curiosa - Você fez uma gentileza.
- Não é correto. Por sorte, a rua do colégio estava deserta e ninguém viu você entrar no meu carro.
- E isso iria te prejudicar?
- Muito.
E me olhou sério por alguns segundos que pareciam pra mim uma eternidade.
- Você não tem apenas o segundo nome de Princesa...
- Não?
- Não. O rosto também... E você é tão pequena...
Aquelas palavras eram como se mil alfinetes estivessem dentro da minha cabeça. No meu sonho, ele dizia a mesma coisa. E agora era real. Meu coração acelerava e parecia que iria sair de dentro do peito.
Esticara o braço, encostando o cotovelo na lateral superior do meu assento com a intenção de acariciar o meu rosto com o dedo indicador e o do meio. E assim o fez. Me olhando como se estivesse hipnotizado.
- Une princesse. Une petit princesse...
A leve carícia converteu-se em um gesto onde a sua mão enorme segurou o meu rosto e no que se aproximara de mim, pude sentir os lábios quentes junto aos meus, a barba macia, curta e espessa.
E tudo escureceu ao meu redor.
Continua...
Nota da autora: Já estava mais do que na hora de um dos pontos altos da história finalmente acontecer. Para manter a coerência, infelizmente eu não posso pular etapas. Nívea é uma jovem tímida e completamente inexperiente como vimos em várias passagens da história. Não poderia fazer com que essa carona se transformasse em uma narrativa de sexo selvagem. Espero que compreendam.
Adorei a leitura deste capítulo. Parabéns, Parabéns e Parabéns !!!