GAROTO, EU ODEIO AMAR VOCÊ ~ [25] ~ VOLTA AS AULAS
O verão foi como um suspiro. Rápido e quente, deixando apenas a sensação de que poderia ter durado mais. As férias passaram num piscar de olhos e, quando dei por mim, já estava novamente no ritual de arrumar o material escolar na noite anterior ao grande dia. Primeiro dia de aula sempre carrega aquela mistura de ansiedade e expectativa, mas desta vez seria diferente. Terceiro ano. A reta final antes da vida adulta oficialmente começar. Cheguei cedo ao colégio. Os corredores ainda estavam relativamente vazios, com alguns alunos dispersos aqui e ali, compartilhando histórias das férias. Segui direto para o mural onde as turmas estavam distribuídas. Busquei meu nome na lista do 3E, e lá estava eu. Fiz uma varredura rápida para ver quem mais estaria comigo nesse último ano. Yan, Isaac e Carlos. Pelo menos isso era reconfortante. Meus olhos continuaram percorrendo a lista e então parei. Luke. Ele estaria na mesma turma que eu. Senti meu coração acelerar levemente. — Lucas! — A voz de Yan me tirou do transe. — Já viu a lista? Estamos todos juntos! — Acabei de ver — respondi, me virando para encontrar meu amigo de cabelos desgrenhados e o sorriso de sempre. — E o Luke também está na nossa sala — ele disse, como quem não quer nada, mas com um olhar que dizia tudo. — É, eu vi — tentei soar casual, mas sabia que ele podia perceber meu nervosismo. — Vamos logo, quero pegar um lugar bom — Isaac se juntou a nós, dando um tapa nas costas de cada um. Caminhamos juntos até a sala. A cada passo, minha curiosidade sobre como seria esse ano crescia. Marcelo já estava lá, guardando lugar para nós. O burburinho típico de primeiro dia de aula preenchia o ambiente. Fui até ele e nos cumprimentamos com nosso aperto de mão elaborado que criamos no ano anterior. — E aí, cara, como foram as férias? — perguntou Marcelo, ajeitando os óculos. — Tranquilas. Nada muito emocionante — respondi, embora minha mente tenha imediatamente viajado para aquele dia na praia com Luke. — E as suas? Antes que ele pudesse responder, uma voz familiar ecoou pela sala: — Cadê meu povo? Quem sentiu saudades da diva internacional? Era Camille, fazendo sua entrada triunfal como sempre. Ela estava com o cabelo diferente, mais curto e com mechas coloridas, mas a energia era a mesma. — Vadia!! — Yan sussurrou para mim ao meu lado. — Pensei ela ia sair do colegio Nossa conversa foi interrompida quando dois garotos idênticos entraram na sala. Eram os gêmeos Theo e Thomas Mendes. Conhecia eles de vista dos anos anteriores, mas nunca tínhamos estudado na mesma turma. Eles tinham aquela sintonia irritante de gêmeos, terminando as frases um do outro e se vestindo de forma parecida, embora Theo usasse um brinco na orelha esquerda para facilitar a identificação. — Olha só quem está aqui — disse Theo, sorrindo ao ver nosso grupo. — Parece que vamos ter um ano interessante — completou Thomas, com o mesmo sorriso enigmático. Havia algo nos gêmeos que sempre me intrigou. Talvez fosse a forma como pareciam compartilhar segredos só com olhares, ou como conseguiam ser populares sem realmente fazer parte de nenhum grupo específico. A sala foi enchendo aos poucos. Alguns rostos conhecidos, outros nem tanto. O professor de Matemática, que seria nosso professor principal deste ano, entrou na sala e pediu silêncio. — Bom dia, turma 3E. Bem-vindos ao último ano de vocês aqui no LEI. Espero que estejam prontos para trabalhar duro. Ele começou a fazer a chamada, e eu aproveitei para observar os cantos da sala que ainda não tinha reparado. Foi quando vi Luke entrando discretamente, com aquele jeito dele de parecer que não está tentando chamar atenção, mas conseguindo mesmo assim. Nossos olhares se cruzaram por um instante, e ele sorriu de leve, acenando com a cabeça antes de se sentar na fileira oposta à minha. — Temos alguns alunos novos este ano — disse o professor, ajustando os óculos. — Gostaria de pedir que se apresentassem rapidamente. Uma garota de cabelos cacheados e óculos redondos se levantou primeiro. — Olá, sou Tatiana Ribeiro, mas podem me chamar de Taty. Acabei de me mudar do Rio para cá e... bem, espero fazer novos amigos — ela falou com uma voz suave, mas confiante. Havia algo nela que transmitia uma tranquilidade interessante. Nossos olhares se encontraram quando ela se sentou, e ela sorriu de uma forma que me fez sentir que poderíamos nos dar bem. Havia uma inteligência nos olhos dela que me intrigou imediatamente. — Mais alguém? — perguntou o professor. Foi então que a porta se abriu com um estrondo teatral. Um garoto esguio de cabelos perfeitamente estilizados entrou, vestindo uma camiseta justa e calças justas. Ele parou no centro da sala, olhou para todos os lados como se estivesse em um palco e abriu os braços. — Bom dia, amores! Antonio Ferreira chegou para abençoar esta instituição de ensino com minha presença divina! — ele anunciou, fazendo uma reverência exagerada. A sala inteira ficou em silêncio por um segundo antes de explodir em risadas. O professor parecia não saber como reagir. — Mas, queridos e queridas, podem me chamar de Chanel. Sim, como a marca, porque, bem — ele deu uma voltinha — sou um luxo que nem todos podem ter. As risadas aumentaram. Antonio, ou melhor, Chanel, parecia florescer com a atenção. — Sr. Ferreira, obrigado pela... entusiástica apresentação — disse o professor, tentando esconder um sorriso. — Por favor, escolha um lugar e sente-se. — Claro, professor — respondeu Chanel, avaliando a sala com um olhar crítico. — Hmmm, vou sentar perto daquele gato ali — apontou para Carlos, que ficou visivelmente envergonhado, enquanto o resto da sala caía na gargalhada novamente. Carlos afundou na cadeira enquanto Chanel se instalava no lugar vago ao lado dele, arrumando sua mochila decorada com vários pins coloridos. — Não se preocupe, docinho, não mordo... a menos que você peça — sussurrou Chanel alto o suficiente para que vários alunos ao redor ouvissem, gerando mais uma onda de risadas. Aquela entrada me pegou de surpresa. Nunca tinha visto alguém tão confortável em sua própria pele logo no primeiro dia em uma escola nova. Havia algo refrescante na forma como Chanel não parecia se importar com o que os outros pensavam. Depois das apresentações, o professor começou a explicar o cronograma do ano letivo, mas eu mal conseguia prestar atenção. Meus olhos alternavam entre Luke, que rabiscava algo em seu caderno, Taty, que anotava tudo meticulosamente, e os gêmeos Theo e Thomas, que conversavam em sussurros entre si como se planejassem alguma coisa. Quando o sinal tocou anunciando o intervalo, todos saímos para o pátio. Yan e Isaac foram direto para a cantina, enquanto Carlos tentava educadamente escapar de Chanel, que não parava de falar. — Ei, você é o Lucas, certo? — ouvi uma voz ao meu lado. Era Taty. — Sim, sou eu — respondi, surpreso por ela saber meu nome. — Percebi que você estava prestando atenção em tudo durante a aula. Parece que você é o tipo observador — ela comentou, ajustando os óculos. — Apenas tentando me acostumar com a nova turma — respondi, sentindo-me estranhamente à vontade com ela. — Entendo. É meu primeiro ano aqui, então estou fazendo o mesmo. Observando, analisando... — ela sorriu. — Então... Rio de Janeiro, huh? Por que a mudança? — Trabalho dos meus pais. Eles são pesquisadores e conseguiram uma vaga na universidade daqui. Nossa conversa fluiu naturalmente, e havia algo na maneira direta como Taty falava que me fazia sentir que poderíamos ser bons amigos. Enquanto conversávamos, vi Luke se aproximando com Yan e Isaac. Ele olhou para mim e fez um aceno discreto com a cabeça. Retribuí o gesto, sentindo meu estômago dar uma pequena cambalhota. — Aquele é Luke, não é? — perguntou Taty, seguindo meu olhar. — Vocês são amigos? — Mais ou menos — respondi vagamente, não querendo entrar em detalhes sobre nossa complicada relação. O resto do dia passou num borrão de apresentações de professores, explicações sobre o currículo e as típicas atividades de primeiro dia. Quando o último sinal tocou, eu me sentia mental e emocionalmente exausto, mas também estranhamente animado com as possibilidades que este ano trazia. Enquanto guardava meus livros na mochila, senti alguém se aproximar. — Lucas — era Luke. — Sua voz trouxe de volta todas as sensações daquele dia na praia. O cheiro do mar, o calor do sol, a proximidade... — Oii — respondi, tentando manter a compostura. — — Amigos? — ele disse com um sorriso leve. — Olha, parece que vamos passar bastante tempo juntos este ano. — É o que parece — concordei, ajustando a alça da mochila nervosamente. — Não vamos tornar as coisas difíceis, podemos ser amigos, não quero te tratar como estranho. — Tudo bem, também não quero que as coisas entre a gente sejam estranha — ele se afastou, juntando-se a seus amigos que o esperavam na porta. Fiquei parado ali por um momento, observando-o sair. Este ano prometia ser diferente. Taty aproximou-se novamente. — Então... "mais ou menos amigos", hein? — ela comentou com um sorriso sabido. — É complicado — respondi sinceramente. — As melhores coisas geralmente são — ela deu de ombros, jogando a mochila nas costas. — Vamos? Saímos juntos da sala, e enquanto caminhávamos pelos corredores, vi os gêmeos Theo e Thomas observando atentamente um mural de avisos, Chanel fazendo Camille rir histericamente com alguma história, e meus amigos de sempre, Yan e Isaac, esperando por mim no portão. Este seria, sem dúvida, um ano para lembrar. A primeira semana de aula passou num turbilhão de compromissos, trabalhos e tarefas. Era difícil acreditar o quanto os professores já estavam pressionando com o vestibular, mesmo sendo apenas o começo do ano. A turma 3E estava se ajustando bem – os gêmeos Theo e Thomas já haviam se tornado o centro das atenções com suas brincadeiras coordenadas, Chanel tinha conquistado todo mundo com seu humor afiado, e Taty e eu estávamos cada vez mais próximos, dividindo anotações e comentários sobre os professores. E Luke... bem, Luke e eu tínhamos mantido uma distância respeitosa. Conversávamos ocasionalmente nos intervalos, trocávamos olhares durante as aulas, mas nada além disso. Era como se ambos estivéssemos tentando descobrir como agir depois de tudo que havia acontecido. Estava em casa naquela tarde de quinta-feira, tentando me concentrar em um trabalho de literatura, quando meu celular vibrou. A mensagem fez meu coração acelerar instantaneamente. Luke: Você está em casa? Respirei fundo antes de responder. Eu: Sim, estou. Luke: Posso passar aí? Preciso conversar com você. Eu: Claro, pode vir. Passei os próximos minutos inquieto, arrumando meu quarto às pressas, jogando roupas sujas dentro do armário e tentando parecer casual. Thanos, percebeu minha agitação e não parava de correr pela casa, como se compartilhasse da minha ansiedade. Quando a campainha tocou, quase tropecei nos próprios pés correndo para a porta. Respirei fundo, contei até três e abri, tentando parecer relaxado. Luke estava parado ali, com aquele jeito despretensiosamente bonito. Jeans, camiseta branca simples, o cabelo levemente bagunçado. Nossos olhares se encontraram, e por um momento ficamos apenas ali, em silêncio. – Oi – ele disse finalmente. – Ei, entra – respondi, dando espaço para ele passar. Thanos imediatamente correu para recebê-lo, pulando animadamente em suas pernas. Luke sempre teve um jeito especial com meu cachorro. – E aí, garoto! – ele se abaixou para fazer carinho em Thanos, que se contorcia de alegria. – Sentiu minha falta? Observei enquanto Luke brincava com Thanos, jogando a bolinha pela sala algumas vezes. Era estranho como ele parecia pertencer àquele espaço, como se nunca tivesse deixado de frequentar minha casa. Depois de alguns minutos, nos dirigimos para o meu quarto. Fechei a porta atrás de nós, e o silêncio pareceu pesar toneladas. Sentei na beira da cama enquanto Luke ficou de pé, olhando para as fotos na minha parede. Algumas delas incluíam nós dois. – E então? – perguntei finalmente, incapaz de suportar o silêncio por mais tempo. Luke se virou para mim, seu rosto uma mistura de emoções que eu não conseguia decifrar completamente. – Não consigo te esquecer – ele disse, as palavras saindo como se tivessem sido arrancadas dele. – E eu estava pensando, e se a gente der mais uma chance um para o outro? Senti meu coração dar um salto. Era exatamente o que eu queria ouvir, mas ao mesmo tempo, tinha medo do que isso significava. – Você sabe que eu te amo, Luke. Eu gosto de você! – respondi, minha voz quase falhando. – Vai ser um ano difícil, o pré-vestibular não é fácil... – ele passou a mão pelo cabelo, um gesto que sempre fazia quando estava nervoso. – Mas sei lá, eu queria que nosso namoro desse certo. Havia tanto para dizer, tantas desculpas para pedir novamente. As lembranças do que tinha acontecido com Paul, seu irmão, ainda pairavam sobre nós como uma nuvem escura. – Luke, eu errei, eu sei que fiquei com o Paul, não devia ter feito isso – disse, sentindo o peso da culpa novamente. – Mas eu fui sincero, eu poderia ter escondido de você. Ele sentou ao meu lado na cama, mantendo uma pequena distância entre nós. – Eu sei, e por isso que estou pensativo – confessou, olhando para as próprias mãos. – Eu estou com muita raiva do meu irmão por ter feito isso, ele não devia ter feito isso comigo, mas ele me odeia, essa é a verdade – sua voz tremeu levemente. – Ele sempre joga na minha cara que sou o filho favorito, que eu posso fazer o que eu quiser que sempre meus pais vão me apoiar, então eu acho que você foi só mais uma vítima dele. Nunca tinha ouvido Luke falar tão abertamente sobre sua relação com Paul. Sempre suspeitei que havia tensão entre eles, mas não imaginava que fosse tão profundo. – Eu assumo minha culpa, já te disse – falei com sinceridade. – Eu devia sim ter resistido, mas infelizmente a carne foi fraca, e já pedi desculpas. Continuamos conversando por algum tempo, debatendo sobre o que tinha acontecido, sobre nossos sentimentos, sobre o que queríamos. Eventualmente, as palavras se esgotaram e ficamos apenas deitados lado a lado na minha cama, em silêncio, olhando um para o outro. Naquele momento de quietude, me permiti admirar seu rosto, seus olhos, sua boca. Luke sempre teve esse poder de me acalmar. Era algo mágico quando estávamos juntos; tudo ao redor parecia desaparecer. Pensei em beijá-lo, mas não sabia qual seria sua reação, então apenas esperei, esperando que ele tomasse alguma atitude. O silêncio se prolongou até que, subitamente, Luke se levantou. – Preciso ir embora – ele disse, ajeitando a camiseta. – Já? – não consegui esconder a decepção na minha voz. – Sim, só queria conversar com você mais calma – ele explicou, ainda sem me olhar diretamente. – Sei lá, tudo ainda é muito recente. Há uma semana atrás você tava me traindo com meu irmão, a gente brigou, e enfim, tem muita coisa para acontecer ainda. Senti uma pontada de frustração. Era sempre assim com Luke – ele se aproximava e depois recuava. – Luke, a gente combinou que iríamos conversar quando retomássemos nosso namoro – argumentei, levantando-me também. – Poxa, eu fui sincero com você, eu tentei resolver da melhor maneira, de uma forma que a gente não se ferisse um ao outro, e eu sei que eu errei... Fiz uma pausa, reunindo coragem para o que queria dizer a seguir. – Você sabe que não vamos conseguir ficar muito tempo separados – continuei, minha voz mais firme. – Você pode não admitir, mas você sempre vai voltar pra mim, e eu sempre vou voltar pra você, porque é isso que eu sinto aqui – coloquei a mão no peito. – O que eu sinto não é algo pequeno, é algo grande. Eu te amo, Luke, te amo de verdade. Algo mudou em seus olhos naquele momento. Sem dizer uma palavra, Luke se aproximou de mim e me beijou. Foi como se uma corrente elétrica percorresse meu corpo quando nossas línguas se encontraram. Suas mãos passavam pelo meu corpo, e o mundo parecia ter parado de girar. Luke era meu amigo, meu porto seguro. Eu não queria saber de nada, apenas pensava em seu beijo, sentia suas mãos e me entregava àquele momento. Quando finalmente nos afastamos, ele me olhou com uma expressão que misturava desejo e confusão. – Preciso ir – ele disse, a voz rouca. – Amanhã a gente se fala na escola, ok? – Tudo bem! Até amanhã – respondi, sorrindo para ele, tentando esconder a tempestade de emoções que sentia. Depois que Luke saiu, fiquei sentado na beira da cama por um longo tempo, revivendo aquele beijo na minha mente. Foi um beijo que significou tudo e nada ao mesmo tempo. Percebi que eu e Luke estaríamos em algo completamente incerto novamente, mas decidi não forçar a barra. Deixaria as coisas simplesmente acontecerem, sem pressionar. Talvez fosse assim que deveria ser entre nós – intenso, complicado e imprevisível. Naquela noite, enquanto tentava dormir, não conseguia parar de pensar em como esse ano seria diferente. Não apenas pelos desafios do vestibular que se aproximava, mas por toda essa constelação de novos relacionamentos que estavam se formando – Taty e sua amizade sincera, os gêmeos e seus segredos, Chanel e seu jeito único de encarar o mundo, e Luke... sempre Luke, orbitando ao meu redor, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. O sono chegou tarde, embalado pela lembrança de seus lábios nos meus e pela incerteza do que o amanhã traria. No dia seguinte, cheguei à escola com o coração ainda acelerado pelas lembranças da tarde anterior. Não sabia como Luke agiria depois daquele beijo - se seria distante, se fingiria que nada aconteceu, ou se assumiria algo na frente dos outros. Conhecendo-o como eu conhecia, apostava mais na segunda opção. Quando entrei na sala, Luke já estava lá, conversando com alguns colegas. Nossos olhares se cruzaram e, para minha surpresa, ele sorriu e acenou. – Bom dia – ele disse quando passei por sua carteira para chegar ao meu lugar. – Bom dia – respondi, tentando não demonstrar o quanto aquele simples cumprimento tinha afetado meu humor. Yan chegou logo depois e se sentou ao meu lado, notando imediatamente meu estado de espírito. – Que cara é essa? Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, tirando os livros da mochila. Olhei ao redor para garantir que ninguém estava prestando atenção e me inclinei para contar o que tinha acontecido. – Luke foi lá em casa ontem – sussurrei. Os olhos de Yan se arregalaram. – E aí? Conta tudo! – A gente conversou... sobre nós, sobre o que aconteceu com o Paul. E... a gente se beijou. – Eu sabia! – Yan deu um soco leve no meu ombro, sorrindo de orelha a orelha. – Vocês estão juntos de novo? – Não sei – confessei. – Foi estranho. Depois do beijo ele disse que precisava ir embora e que a gente se falava hoje na escola. Yan olhou na direção de Luke, que agora prestava atenção no professor que acabara de entrar. – É questão de tempo pra vocês voltarem a namorar e esquecerem tudo isso – ele disse com convicção. – Vocês são tipo aqueles ímãs que, não importa quantas vezes você tente separar, sempre acabam se atraindo de novo. Em partes, eu concordava com ele. Luke e eu tínhamos essa conexão inexplicável desde o primeiro momento. Mas também havia tantas complicações, tantas feridas ainda abertas... As aulas da manhã passaram num borrão de equações, datas históricas e literaturas que eu mal conseguia absorver. Minha mente estava em outro lugar, revivendo o beijo, tentando decifrar o comportamento de Luke, imaginando possibilidades. Quando o sinal do intervalo tocou, Yan e eu fomos para o pátio e encontramos uma mesa vazia. Mal tínhamos nos sentado quando ouvi uma voz animada se aproximando. – Olá meus lindos, posso me juntar aqui com vocês? – era Chanel, já puxando uma cadeira e se sentando antes mesmo de ouvir nossa resposta. – Claro – respondi, sorrindo com seu jeito espontâneo. Chanel olhou ao redor do refeitório e depois se inclinou sobre a mesa, como quem vai compartilhar um segredo de estado. – Ahh, nossa, essa escola é um bafo, não é, menina? – ele disse, e então apontou para mim e Yan. – Vem cá, vocês são um casal? Yan quase engasgou com o suco. – Não, eu namoro o Isaac – ele respondeu, recuperando-se. Os olhos de Chanel se iluminaram como se tivesse acabado de ganhar na loteria. – Passada que vocês são do vale! – ele exclamou, batendo palmas levemente. – E você, Lucas? Não sei exatamente o que me levou a abrir o jogo assim, tão abertamente. Talvez fosse o jeito desarmado de Chanel, sua autenticidade que parecia convidar à sinceridade. Ou talvez eu só precisasse desabafar com alguém que não estivesse já imerso na minha história. – Bom, eu namorava a Camille, daí troquei a Camille pra ficar com o Luke, e traí o Luke com o Carlos, o Carlos é apaixonado por mim, e a gente já brigou, e no final das férias eu traí o Luke com o irmão dele – despejei tudo de uma vez. – Essa é minha história, e sim, sou do vale também. Chanel levou as mãos ao rosto em uma expressão teatral de choque. – GENTE, EU TÔ PASSADA! – ele exclamou, alto o suficiente para algumas pessoas nas mesas próximas olharem em nossa direção. – Não diria nunca que você era gay... e gente, tô muito passada com essa novela mexicana aqui! Yan deu de ombros, como quem diz "pois é". – E conselho que eu dou, se eu fosse você não andava com a Camille – ele disse para Chanel. – Ela pode querer te usar, ela é uma vadia. – Senti uma energia perigosa vindo dela, não vou mentir – Chanel respondeu, ajeitando uma mecha do cabelo. – Mas mal sabe ela que perigo também é meu sobrenome. Observei Chanel por um momento, intrigado com sua confiança e o jeito como parecia tão confortável em sua própria pele. – Você sempre foi assim? Sempre deu pinta? – perguntei, curioso. – Na escola sim, mas em casa eu sou um verdadeiro macho – ele respondeu, ajeitando-se na cadeira e cruzando os braços de forma exagerada. Yan e eu explodimos em risadas. – Macho? Como assim? – perguntou Yan entre risos. – Ai, mona, meu pai não sabe, né? – Chanel explicou, baixando um pouco a voz. – Mas em casa faço a linha machinho, converso com voz grossa, não uso makes, eu sou uma verdadeira atriz. – Nossa, eu só acredito vendo – comentei, sorrindo. – Bom, quando você me ver com meu pai em algum canto, jamais me chame de Chanel – ele disse com um tom sério, que logo se quebrou em um sorriso. – Me trate como um homem de verdade – completou, rindo. – Pode deixar – prometi. – Bom, então já que fomos todos do vale, posso andar com vocês, né? – Chanel perguntou, como quem não quer nada. – Claro – respondi sem hesitar. – Seja bem-vinda ao grupo dos excluídos – disse Yan com um gesto teatral. Chanel fez uma careta de indignação. – Meu amor, eu não estou excluída, tá bem? – ele protestou, empinando o nariz. – Eu sou A CHANEL, e eu vou causar esse ano, aguarde e verás. – Você já conhece o Gossip? – Yan perguntou, mudando de assunto. – O que é isso? – É o insta de fofoca aqui do colégio, tipo o Gossip Girl – explicou Yan. – Lá sempre tem algumas fofocas. Cuidado pra você não sair. O rosto de Chanel se iluminou como uma árvore de Natal. – AI QUE TUDO! JÁ QUERO SEGUIR ESSE BLOGUE! JÁ QUERO SER EXALTADA, QUERO CAUSAR PRA APARECER NESSE GOSSIP! Era impossível não rir com Chanel. Ele tinha uma energia contagiante, um jeito de falar e gesticular que transformava qualquer assunto em algo divertido. Percebi que nem eu nem Yan tínhamos a menor vergonha de andar ou ser vistos com ele. Em outros tempos, talvez eu tivesse preconceito, mas hoje não. Chanel seria uma boa adição ao nosso grupo. Isaac e Luke chegaram pouco depois e se juntaram à mesa. Notei que Luke escolheu o lugar ao meu lado, nossos ombros quase se tocando. Ele e Isaac estranharam um pouco o jeito extravagante de Chanel no início, mas não demorou muito para que estivessem rindo com suas histórias e comentários afiados. Foi então que vi Taty entrando no pátio, olhando em volta como quem procura um lugar. Quando nossos olhares se cruzaram, fiz um gesto para ela se juntar a nós. Ela hesitou por um momento, mas depois veio em nossa direção. – Oi, gente – ela disse timidamente, sentando-se na última cadeira vaga. – NOSSA, VOCÊ NÃO USA MUITA MAKE, NÉ? – Chanel disparou sem rodeios, analisando o rosto limpo de Taty. – Não, eu não gosto muito – ela respondeu, levemente desconcertada com a abordagem direta. – Sapatão? – perguntou Chanel sem qualquer cerimônia. O pátio inteiro pareceu fazer silêncio naquele momento, ou talvez fosse só a minha impressão. Taty ficou vermelha, mas respondeu com firmeza: – Sim! Um sorriso enorme se abriu no rosto de Chanel. – Então temos nosso grupinho GLS aqui da nossa sala, né? Gays e lésbicas – ele declarou com orgulho. – Iremos DESTRUIR essa escola, eu quero CAUSARRRRRR! E foi assim, naquela mesa, entre risos e confissões, que nosso grupo se formou oficialmente. Eu e Luke, com nosso relacionamento complicado; Isaac e Yan, o casal mais estável entre nós; Chanel com sua personalidade explosiva; e Taty, que ainda estava se encontrando naquele novo ambiente. Seis pessoas completamente diferentes, unidas por algo maior que nossas diferenças. Enquanto observava todos conversando e rindo, senti a mão de Luke tocar discretamente a minha por baixo da mesa. Nossos dedos se entrelaçaram por um breve momento, e quando olhei para ele, vi um sorriso pequeno, quase secreto, em seus lábios. Talvez Yan estivesse certo. Talvez fosse apenas questão de tempo. O sinal tocou, anunciando o fim do intervalo. Levantamos para voltar à sala, e enquanto caminhávamos pelos corredores – Chanel na frente, fazendo uma performance dramática sobre como odiava matemática; Yan e Isaac de mãos dadas; Taty conversando com Luke sobre algum livro – tive a certeza de que aquele terceiro ano seria inesquecível, para o bem ou para o mal. Naquele momento, com meus novos e velhos amigos ao meu redor, senti uma estranha paz. Não importava o que tinha acontecido antes ou o que ainda estava por vir. Por ora, era bom simplesmente pertencer.
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