Só fui dormir mesmo pela obrigação de ter de ir à escola na manhã seguinte. Mas, juro que pensei muitas vezes em continuar a leitura e faltar às aulas para poder dormir.
No domingo eu já havia levantado cedo, no sábado havia ido dormir tarde, conclusão: eu estava bobo de sono.
Aprontei-me para ir à escola sem nem saber o que estava fazendo. Desci para tomar o café e meus pais e Rafinha já estava à mesa.
- Não vai pentear o cabelo, querido? – perguntou mamãe.
Se minha mãe não pergunta, acho que iria para escola com o cabelo todo esguiçado, pois nem me lembrara de penteá-lo.
- Você parece um Zumbi, rapaz. Não dormiu direito?
Dormi sim – Não iria falar para o meu pai que ficará lendo a noite toda. Muito menos contar o que estava lendo – Mas, sei lá... To ainda sonolento. Já, já desperto.
A única coisa que me anima de ir prá escola naquele dia era saber que encontraria Marcos.
- Querido, estava comentando com o Rafael – minha mãe ou nos chamava pelo nome ou de amor, querido, meu filho, etc – como seus amigos são simpáticos, educados, gentis. Fico feliz de terem amigos assim. E o Ricardo Bruno !!! Que docinho de menino!!! Como ele é bonzinho!! Como cozinha bem! Aquele bolo estava uma delícia. O molho então... Quero que ele me dê a receita. Que ele colocou dentro daquele molho para ficar tão gostoso?
- Mamãe, depois da morte de John Kennedy, este é o maior mistério dos últimos cem anos. A pergunta que mais ouvi de sábado prá cá foi “o que ele colocou neste molho ?”
- Acho que vai ser mais fácil descobrir quem foram os assassinos de Kennedy – falou Rafinha. Todos nós rimos.
- Lucas, Rafael, sei que já falei, mas muito obrigado pela noite de ontem. Eu e sua mãe ficamos muito felizes com a homenagem. Se soubéssemos que teríamos uma surpresa daquela, nem teríamos nos dado o presente de uns dias no Guarujá. Foi o melhor aniversário de casamento que tivemos e graças a vocês.
O beijoqueiro do Rafa já se levantou e foi abraçar o papai e a mamãe e beijá-los. O Rafinha já é super grudento, e se tiver um pouquinho de emoção na conversa ele ficará abraçando e beijando a pessoa até esta sair correndo de tanta melação.
- Algo que me surpreendeu também foi aquela valsinha que o Rafael cantou. Lembro-me que o vovô a cantava, mas jamais imaginaria que vocês a conhecessem. Nem eu me lembrava da letra desta música.
- O Marcos que nos ensinou. Ele é um “expert” em musica antiga.
- Uca. Você não ta usando o termo correto. O Marcos é um arqueólgo de música. O moleque conhece tudo o que é velharia de música. Parece que ele tem cem anos.
Rafinha falou isso ainda sem saber que o Marcos me conquistara com “Love is in the air”.
- Ué. Ele gostabom gosto por sinal – completou meu pai.
A campainha toca.
- Quem deve ser a esta hora?
- Deve ser o Marcos, mamãe. Ele iria passar aqui para irmos juntos para escola. Já estou indo então. Vamos, Rafa.
- Não, Lucas. Esperem. Peça para ele entrar um instante. Quero cumprimentá-lo. Afinal, ele colaborou bastante para a homenagem que você nos fizeram.
- Vou chamá-lo então.
Seria redundante eu dizer que o Marcos estava lindo. Bermuda azul marinho e camiseta branca, como eu e o Rafa, mas estava lindo. Aquele cabelo que eu adorava, o sorriso permanente no rosto. E aquela cara de “garoto propaganda de creme dental” que contrastava com a minha cara de “morto-vivo” daquela manhã.
- Bom dia, dona Sílvia. Bom dia, “seu” Carlos.
- Oi, menino! Bom dia. Já tomou café? Sente-se aí.
- Obrigado. Acabei de tomar. Só passei para chamar o Lucas.
- E eu você vai ignorar ou devo ir andando cinco metros atrás de vocês?
- Desculpe, Rafinha. Corrigindo: Só passei para chamar o Lucas e o Rafael.
- Sem problemas, Marcos. Nesta casa, você será sempre bem vindo. Estávamos falando de seu gosto musical. É raro um garoto de sua idade se interessar por músicas como aquela que você escolheu para tocarem ontem. A molecada de hoje em dia tem um péssimo gosto musical. Outro dia tinha um garoto ao meu lado na fila do banco. Seus fones de ouvido estava com o som super alto e eu podia ouvir a tal da “Quebra Barraco” cantando que dá o cu é bom.
Nós três caímos no riso. O Rafa até se engasgou com o pedaço de pão que mordia. Olhamos um para o outro com cara de cumplicidade.
E meu pai continuava.
- Não me oponho que ela dê o cu quantas vezes quiser e para quem quiser. Se ela gosta, aproveite. Mas, tornar isso uma letra de música. Faça-me o favor.
- Carlos, não fale desta forma perto das crianças.
- Eles não são crianças. Mas, continuando, O Vinícius de Moraes, o Noel Rosa, o Cartola, cada vez que ouvem a “Quebra Barraco” cantando que gosta de dar o cu, devem se revirar em seus túmulos de tanta raiva. Se bem, que não admiro se daqui uns dias elegerem a “Quebra Barraco” para a Academia Brasileira de Letras.
Deixamos meu pai xingando a Tati Quebra-Barraco fomos pra escola.
- Lucas, meu cabelo ta bom ?
- Ta sim, por quê?
- Demorei para conseguir penteá-lo. Parece que ta faltando um pedaço. Desde ontem eu já estranhei. Lembra-se?
- Ta perfeito, desencana disto.
- Ta torto sim, Marcos. Você tem razão. Aqui ta faltando uma parte. Parece que foi cortado. Da bem pra ver. – Disse o intrometido do Rafinha.
- O Rafa ta brincando com você . Quer te deixar encucado. Não é, Rafinha? – perguntei e fiz uma cara feia para ele, sem que Marcos percebesse.
O Rafa entendeu meu olhar de reprovação.
- To brincando sim, Marcos. Uhauahuh. Seu cabelo ta normal.
Como a escola era bem perto de nossas casas, logo chegamos.
O portão principal do LG ficava numa travessa da principal avenida de nosso bairro. O sinal de entrada daria as sete horas, mas até que isto acontecesse, a grande maioria dos alunos ficava na rua e os carros mal conseguiam passar.
Um senhor de bigode, que chamávamos de gaucho, era o porteiro da escola, e ficava gritando no portão:
- Pessoal, entrem que vou trancar o portão assim que der o sinal.
Todo dia era a mesma coisa. As aulas acabavam começando mesmo somente lá pelas 7 e 15.
O LG, abreviação de Laurindo Guimarães, possuía diversas “tribos”, como acontecem em todas as escolas.
Lá estudavam roqueiros e skatistas, emos e funkeiros, ratos de academia, mauricinhos e manos, patricinhas e manas, nerd’s, militantes políticos de esquerda (com boina do Che Guervara e tudo mais), alunos do próprio bairro e muitos da periferia, etc. O LG era uma grande colcha de retalhos sócio-cultural, que eram atraídos pela boa fama que a escola possuía, apesar de ser pública.
Na realidade era mais fama, pois era uma escola cheia de qualidades, mas com muitos e muitos defeitos.
Sempre ouvi piadas a respeito do LG. Comentavam que era a escola onde se concentrava o maior número alunos de homossexuais. E que a sigla LG significava “Lésbicas e Gays”.
Naquele dia notei que a maior “tribo” da escola era de homossexuais. E observei que eles se subdividiam em grupos de acordo com as características da sexualidade de cada um.
Existia um grupo formado por três rapazes totalmente afeminados, assumidos e debochados. Andavam juntos para todos o canto.
Eles customizavam seus uniformes escolares para que este se adequassem melhor aos seus estilos de vestir. Assim suas camisetas eram baby look, as calças de boca larga, cintura baixa e qualquer outro detalhe feminino que pudessem colocar em suas roupas, faziam.
Eu estou me referindo a este grupo como eles, mas na realidade eram chamados, e gostavam de serem chamados de “As Panteras”.
Existiam alguns gays não assumidos, “As Panteras”, os enrustidos que disfarçavam a homossexualidade atrás da máscara de nerd. Sentavam-se na primeira carteira, eram quietinhos e bonzinhos. Não conseguiam disfarçar muito bem e todos “sacavam” que eram gays. Parecia que toda classe tinha um assim.
Existiam os gays descolados, com amigas “Paty” – parece que todo gay adora andar com uma “Paty” a tira colo – que eram assumidos externamente, freqüentavam o meio gls, bares e boates, mas na escola tinham comportamento discreto e ignoravam a existência dos moleques “héteros” para evitarem atritos. Adoravam jogar vôlei e jogavam muito bem.
Também existiam muitas lésbicas.
As meninas homossexuais pareciam ser mais ousadas que os meninos. Algumas que namoravam, não se acanhavam de andarem de mãos dadas pelo pátio escolar.
Também não tinham medo de encarar uma briga, e talvez por isso não se via alunos ou alunas heterossexuais zombando das lésbicas. Ninguém mexia com elas, principalmente com um trio intitulado “irmãos metralhas” – não sei quem deu este nome, mas elas eram chamadas assim por todos, inclusive pelos professores – Paulão (Paula), Dudão (Maria Eduarda) e Monga. As três eram grandalhonas e fortes. Muito mais fortes que muitos rapazes. Eram altas, muito masculinas. Com certeza possuíam mais testosterona que “As Panteras”. Bonés usados com a aba para trás era a marca registrada dos Metralhas. A Monga era uma menina negra. Um dia um aluno quis ser politicamente correto e a chamou educadamente pelo nome, Cibele, pois achava que aquele apelido era racista – lembrava nome de macaca. Estavamos na hora do intervalo, o pátio cheio. Ela enfiou suas mãos por debaixo dos braços do menino, que não era tão pequeno e o levantou.
- M O N G A. Quando você for falar comigo me chame de Monga. Entendeu ?
Nunca mais ninguémousou chamar a Monga de Cibele.
Nem todas as lésbicas eram masculinizadas, inclusive, no LG tinha uma menina linda, modelo profissional, objeto de desejo de qualquer adolescente masculino heterossexual. Eu, e muitos alunos e professores, enxergávamos ser ela a aluna mais inteligente da escola. Super feminina e homossexual assumida.Seu nome era Ariadne. Diziam que ela já havia feito trabalho como modelo em Nova Yorque. Mas não sei se isso era verdade ou mais uma lenda escolar.Chamei a atenção de Marcos quanto a esta divisão que existia entre os gays.
- Pois é Lucas. E você se esqueceu de computar ainda aqueles que todos pensam que não são gays, que passam por pegadores, mas que na verdade gostam de “rola”.
- Como nós? -perguntei sem nem precisar ouvir a resposta.
O Rafa já se encontrara com alguns colegas de classe e se separara de nós.Subimos as escadas que nos levavam ao piso superior do prédio, onde se localizavam as salas de aula e nos despedimos. Cada um foi para sua sala.
- Nos vemos no intervalo - Disse Marcos.
- Te espero na arquibancada da quadra.
Fui para minha sala. Aos poucos todos os alunos foram chegando e sentando-se em seus lugares.
A primeira aula seria com a "diaba loira".
Desde criança, quando lia histórias em quadrinho ou assistia desenhos animados os personagens bonzinhos, os heróis, eram bonitos, bem penteados, sorridentes e bem vestidos. Já os vilões eram feios, mal encarados, cabelos esquisitos e vestiam-se de maneira exótica.
Na vida real as coisas não seguem esta regra.
A nossa professora de português era extremamente bela. Linda mesmo. Aquela mulher que poderia ser chamada de “muierão”. Cabelo aloirado, graças evolução da indústria de tinturas e um par de olhos verdes, comprados em alguma óptica qualquer. Porém, o resto do todo era natural. Corpo bem torneado, boa de peito e de bunda e uns pernões, que quando ela vestia saia, faziam a imaginação dos garotos da escola voar longe. Tinha por volta de quarenta anos, mas aparentava bem menos. Se vestia com elegância. Quando sorria, encantava. Parecia ser a alma mais doce da face da Terra.
Porém, o que possuía de arrogância, preconceito, desprezo pelos alunos e maldade (isso mesmo, maldade) era numa quantidade infinitamente maior que sua beleza e seu conhecimento em relação à matéria que ministrava.
Seu nome era Eme. “Dona” Eme.
Na realidade, Emengarda. Mas, jamais era chamada assim. Coitado do aluno que
a chama-se pelo seu nome de batismo. Seu destino estaria selado. Ganharia sua antipatia, seria perseguido e dificilmente conseguiria ser aprovado. Tudo isto feito numa dissimulação sem igual. Onde suas perseguições ganhariam ares de trabalho sério e rigor na avaliação, o que segundo ela, “muitos professores não tinham”.
- Ela deve odiar seu pais por lhe terem dado esse nome – cochichou ao meu ouvido, Rodrigo, no primeiro dia de aula.
Antes de eu conhecer Marcos, Rodrigo era o meu melhor amigo. Estudava com ele desde o primeiro ano do ensino médio. Fazíamos trabalhos juntos e mantínhamos a amizade além dos muros da escola. Rodrigo era um menino bonito, cabelos castanhos bem claros, mesma altura que a minha e bastante claro. Talvez pudesse parecer feio devido aos óculos e ao aparelho que usava nos dentes, mas não era não.
Naquele dia, Eme, iria devolver algumas redações corrigidas Eram as primeiras atividades valendo nota que havíamos feito tendo ela como nossa professora. No primeiro e no segundo anos do ensino médio, a disciplina Português nos foi ministrada por outra professora.
Distribuía cada redação falando em voz alta a nota de cada aluno e um comentário. Como a maior parte da classe foi muito mal, os comentários feitos faziam com que as notas atribuídas parecessem menores do que eram.
- Alexandre, 3. O senhor tem certeza de que esta no terceiro ano do ensino médio? Sua redação parece ter sido feita por uma criança da quinta série.
Alexandre levanta-se e quando retorna para sua carteira, pudemos ler em seus lábios um xingamento:
- Vaca.
E a megera continuava.
- Aline, 2.
Aline era uma menina muito pobre. Sua mãe era empregada doméstica. Não tinha pai. Tinha mais dois irmão pequenos que ficavam sozinhos em casa enquanto ela vinha para escola de manhã. Faltou muito à escola nos anos anteriores por ter de cuidar deles. Estudou graças a sua vontade de querer a melhora de vida de sua família. Acreditava que a conseguiria através dos estudos.
- Menina, você tem certeza de que quer estudar? Nem todo mundo nasceu com vocação para os estudos, mas, o país também necessita de trabalhadores em outras áreas e não somente de pessoas formadas em faculdades. E pela forma como você escreve talvez fosse melhor você repensar que carreira seguirá.
Eme sabia que não podia dizer “o país precisa de trabalhadores braçais, garis, pedreiros, entregadores de pizza”, então disfarçava suas ofensas em jogo de palavras para caso algum aluno a denunciasse ela dizer que foi mal interpretada.
A mulher era muito ruim. Julgava-se superior aos alunos devido aos seus conhecimentos específicos da disciplina.“Esquecia-se” que tinha mais que o dobro de nossas idades e que um dia também fora estudante, e se aprendeu alguma coisa, foi graças a algum professor que teve com ela mais paciência do que tinha conosco.
Devido aos seus comentários, os alunos raramente faziam perguntas após suas explicações, e de um assunto ela passava para outro.
- Já que todo mundo entendeu, vamos a próxima matéria.
Na realidade, poucos entendiam suas explicações. A tensão causada pelo medo impedia a compreensão de assuntos até fáceis. Por conseqüência, também conseguia manter a disciplina devido a preocupação que os alunos tinham em não perderem nada de suas “explicações”, já que tínhamos medo de fazer perguntas. Eu também tinha medo dela.
Sua metodologia era baseada no terrorismo.
- Ela foi colega de classe do Bin Laden – Disse-me Rodrigo certa vez.
Aline foi se sentar e uma lágrima escorreu em seu rosto. Fiquei com o coração partido ao vê-la chorar. Eu sabia dos problemas de Aline porque certa vez ela me perguntara se minha mãe não estava precisando de faxineira, pois sua mãe estava desempregada e contou-me sobre sua vida.
Eme continuou a chamar os alunos pela ordem alfabética até que chegou o meu nome.
- Lucas, 6,5. – e comentou - Se cultivasse o hábito de ler poderia escrever bem melhor que isso.
- Como ela podia dizer algo como aquilo sendo que mal me conhecia? - Pensei.
Não fazia um mês que o ano letivo houvera se iniciado e na semana do carnaval nem aula teve. Desta forma,ela tivera pouquíssimo contato comigo.
Eu adorava, e adoro ler. Passei a noite toda lendo e estava com muito sono por causa disso. Só fui para escola naquele dia devido a esta atividade que seria entregue.
Minha nota tinha sido uma das melhores da classe e ela invés de me incentivar, me desestimulava. Senti vontade de mandá-la tomar no cu.
Fabinho, uma das “Panteras”, ouviu eu fazer este meu comentário irado com Rodrigo e, mesmo sem nunca ter dirigido a palavra mim, cutucou-me no ombro. Ao virar-me, recomendou:
- Não mande não. Vai que ela gosta. E para essa bruxa eu não desejo o bem.
Fabinho era muito magro e alto. Mulato, deixava o cabelo crescer e alisava-o, puxando uma franja sobre a testa. Usava uma toca para manter o cabelo alisado. Várias vezes o vi, com as outras duas panteras, “desfilar” no corredor onde desembocavam as salas de aula, como se fossem modelos internacionais.
- Ladys and gentlemans , and now miss Niome Campbel.
Ele mesmo se anunciava e saia andando passos largos, pisando firme numa linha reta imaginária que parecia estar desenhada no chão. Seus quadris balançavam de um lado para o outro. Ele olhava um ponto fixo, “fazia um carão”, como ele mesmo dizia a respeito daquela sua expressão, e ia “bonita”, como ele também dizia. Chegava ao final do corredor, dava um rodopio - as vezes parecia que ia cair - fazia uma leve pose com o objeto que carregava, que poderia ser uma blusa ou a bolsa de uma aluna que pegava emprestada para o “desfile”e voltava para o início da “passarela”, onde era cumprimentado pelas outras panteras, Dani, de Daniel, e Michely (com Y no final, fazia questão de lembrar-nos), na realidade, Michel. Ambos altos e magricelos como a “amiga”.
- Arrasooooouuu !!! – Dizia um.
- Abalou Milão!!! – Dizia o outro
E se revezavam a desfilar até enquanto podiam.
Bastava terem uma oportunidade, no intervalo entre uma aula e outra, quando os professores mudam de sala e os alunos “voam” para os corredores, que começava o “LG Fashion Week” como chamavam suas exibições.
Quando Eme terminou de distribuir as redações, passou algumas observações na lousa sobre os erros mais freqüentes que constatara e mandou que as reescrevêssemos e as entregássemos ao final de sua aula, que naquele dia era dupla.
Meus colegas e eu reescrevíamos com tanto ódio que dificilmente poderíamos produzir redações melhores do que as que já haviamos feito.
A aula demorou a acabar. Uma verdadeira eternidade. Mas eis que soa o sinal. Ouve-se um “graças a Deus”.
- Quem disse isso?!? – grita Eme.
- Isso o que professora? – perguntou uma aluna puxa-saco que se sentava bem na frente da mesa dos professores - toda classe também tem uma dessas, que basta a professora entrar diz coisas como “que blusa bonita a da senhora”; “estava tão cansada hoje, mas vim só por causa da sua aula” ou “quer que eu apague a lousa, professora?” – e o pior é que Mariana, este é o nome da “PS”, sabia exatamente a que Eme estava se referindo. Porém, quanto maior o “inferno” e mais irritada com a classe a professora estivesse, a puxa-saco se sentiria mais feliz, assim poderia se mostrar mais solícita e solidária à ela e ganhar mais uns “pontinhos” com a bruxa
- Algum engraçadinho, Mariana, que não teve educação de berço, disse “graças a Deus” quando chegou o fim da aula. Como se eu não estivesse aqui para ensiná-los e sim para torturá-los. Quem acha que minha aula é uma tortura, que não venha mais aqui...
Ela parecia que nunca mais pararia de falar.
- Se a pessoa que falou não se apresentar, vou falar pra direção punir a classe toda – ameaçou encerrando seu discurso.
Fez-se um silêncio.
Escutávamos o demônio bater o pé no chão.
Até que ouvimos alguém dizer:
- Foi eu quem disse isso “profe”. – era Fabinho - Mas a senhora levou a mal a toa, pois não estava me referindo a sua aula. Dei graças a Deus porque estou morrendo (deu muita ênfase ao morrendo) de dor de cabeça e não via a hora de poder sair pra tomar um remédio. E eu só não pedi pra sair antes porque não perco sua aula de jeito nenhum. A senhora é a melhor professora que temos.
Olhávamos um para cara do outro, fazendo o maior esforço para segurarmos o riso, devido a forma cínica como Fabinho pronunciava aquelas palavras.
Satã sabia que Fabinho estava mentindo, mas diante da explicação dada ela não tinha como puni-lo.
Eu quase morri de medo porque Fabinho me usou para confirmar sua história.
- Lucas, não é verdade que perguntei se você não tinha um comprimido pra dor de cabeça?
Fui pego de surpresa com a pergunta e fiquei mudo.
- Então, Lucas, ele te pediu remédio ou não? – Inquiriu-me o demo.
- Si..sim. Pediu sim. – Disse gaguejando.
Eme nada mais falou. Pegou seu material de trabalho, sua bolsa e saiu.
Alguém ainda falou baixinho “esqueceu-se da vassoura”. Ela já não mais poderia ouvi-lo, mas a classe toda ouviu e caiu na risada.
Por essas e por outras era chamada de diaba loira, demônio colorido, irmâ do satanáz. Irmã mais velha lembrava sempre Fabinho:
- Foi ela que ensinou o irmãozinho “coisa ruim” a atazanar o mundo com maldades.
CONTINUA...