- Você que sabe tudo de música, Marcos, já conhecia Hang Sloopy?
- Conhecia sim, mas só de ouvir, nunca havia a tocado.
- Eu conhecia por causa que o Rafa a usa para treinar batera. Mas nunca tinha parado para ver o significado de sua letra.
- Parece que foi feita especialmente para contar a história do RB.
Ficamos um tempão conversando, deitados em minha cama, eu com a cabeça no seu colo, me fazendo cafuné. Parávamos de conversar, dávamos longos beijos. Rolava uns pegas. Um poço mais de conversa. E o nosso “ficamento” ia seguindo este ciclo.
- Não vai para academia hoje, Lucas?
- Não. Quero ficar aqui com você. E hoje não quero mais ver a cara daquele Breno.
- Será que ele vai? Apanhou tanto. Será que agüenta “puxar uns ferros” ainda.
- Mas não quero correr o risco. E ta tão bom aqui com você. Marcos, você acredita que o Breno falará alguma coisa lá na escola sobre nó?
- Não sei. Não sei mesmo.
- E não está com medo?
- Estou, mas, o que poderemos fazer?
- Tem Razão.
E fizemos mais um ciclo de “ficação”: cafuné, agora no Marcos, mais beijação, mais pegas, desta vez quase gozamos, e mais conversa.
- Nossa Marcos!! Sei que já comentei no MSN, mas vou falar novamente. O “3º travesseiro” é muito bom. Eu não conseguia para de ler. E lia lembrando em você.
- Eu li de uma tacada só também. Em dois dias terminei.
- Olha, cara, vou te falar uma coisa, aqueles “negócios” que eles faziam me deixaram chocado…
- Que negócio? – Perguntou Marcos sabendo a que me referia.
- Ahhh… Tenho nojo. Não consigo nem falar e você sabe o que é…Engraçadinho.
- Uhauahuahuha. Que é que tem de mais?
- Que é que tem de mais? Lanche com porra, Milkshake com porra. Foi bom você ter me avisado assim nunca comerei nada na sua casa. Sabe lá o que você vai aprontar.
- Uhauahuhauh.
E mais um ciclo: cafuné, beijos, pegação
Um dia um amigo meu me falaria “estar sozinho é bom, você fica livre pra putarias e pega quem você quiser, mas ter um namorado, alguém só seu, prá trocar carinhos, é melhor ainda”.
- Lucas, você não engoliria minha porra?
- Que nojo, Marcos.
- Nojo por quê? Quem faz isso, o faz por tesão.
- Você tem tesão “disso”? Você tomaria a minha.
- Quem sabe…
E mais um ciclo. Desta vez gozamos. Nos limpamos em meu banheiro.
Quando eu ficava, namoricava, com as meninas, rolavam uns pegas também, mas eram mais sutis, disfarçados e não chegavam aos finalmentes. Meus amigos me contavam que com eles era a mesma coisa. A começar, nunca poderiam ficar trancados no quarto. Estivessem na casa deles ou delas. Vi que namorar homem era bem diferente. O negócio era “fogo” a todo momento. Era raro o dia em que eu ficava com Marcos e que não gozávamos.
- Marcos, queria perguntar algo, mas se não quiser não precise falar.
- Pergunte.
- É sobre aquele história que você começou a me contar… De que seria filho adotivo. Como você sabe disso.
- Eu vim hoje aqui para te falar sobre isso mesmo. Mas, depois com a história do RB acabei me esquecendo. - E continuou – Eu ouvi por diversas vezes, sem intenção alguma, trecho de conversas entre minha mãe e minha avó, coisas do tipo “vocês deveriam ter contado para ele quando criança”, ou, quando eu me aproximava “mamãe, ele vem vindo mude de assunto”. Várias e várias vezes, desde há muito tempo vi situações como essa, que sinceramente nem entendia. Até que um dia me interessei por um livro que vi na estante do quarto de meu pai. O livro estava a li há muito tempo sem ser mexido. Levei-o para meu quarto para. Comecei a ler aquele livro, mas logo nas primeiras páginas encontrei um recorte de jornal. Estava dobrado e guardado dentro do livro.
- E que tinha neste recorte de jornal?
Marcos enfiou a mão no bolso da bermuda que estava vestindo e me entregou aquele pedaço de papel já amarelado.
Trazia aquele jornal a notícia de um incêndio em um barraco numa cidade da região de Campinas em que foram encontrados dois corpos que pareciam ser de um homem e uma mulher. Os corpos antes de serem incinerados, provavelmente, também foram atingidos por disparos de bala de revolver. Num terreno pouco afastado do local a polícia encontrou duas crianças chorando. O casal chegara a pouquíssimo tempo de Paraná, segundo alguns vizinhos da favela. Ninguém sabia informar as razões daquelas mortes nem seus autores. Parecia tratar-se de “acerto de contas” entre marginais. O Casal dizia se chamar Antonio e Maria. Não foram encontrados documentos e as crianças foram encaminhadas a um abrigo.
Li aquilo e não sabia o que dizer. Apenas abracei Marcos.
- Converse com eles Marcos.
Ele estava chorando já. Fiquei sem graça de ter puxado aquele assunto novamente.
- Se eu realmente for filho adotivo, a única vantagem em saber desta história toda é que descobri que tenho um irmão. Fico com inveja de você quando vejo como se relaciona com o Rafa.
Ficamos um tempão sem falarmos nada. Ele apenas deitado no meu colo e eu mexendo em sua cabeça.
Por volta das 20 horas meus pais chegaram. Estávamos já os quatro na sala.
Meus pais sempre foram muito simpáticos com todos os amigos que levávamos a nossa casa, entretanto, com o Marcos e com o RB ele pegaram um carinho especial devido a participação que tiveram na comemoração do aniversário de casamento.
Tanto meu pai como minha mãe gostavam muito de cantar, por causa disso é que quando ainda pequenos, nos colocaram para estudar música. Como o Marcos conhecia bastante as músicas antigas, era raro ele ir embora sem cantar alguma coisa com meus pais.
- E essa, Marcos, vê se você conhece. – Meu pai falava e já cantava um trechinho da música. Se Marcos a conhecesse já se juntava a ele e cantavam juntos. As vezes minha mãe, deixava a cozinha onde preparava o jantar e fazia questão de cantar junto com eles também. Eu, Rafa e RB, assistíamos a eles se divertirem e vez ou outra sabíamos alguns versos do refrão e então fazíamos o coro.
Meu pai fez mais uma vez a pergunta “conhece esta, Marcos” e cantou um trechinho.
- “Seu” Carlos, esta eu não conheço.
- Poxa é a música gay do Roberto Carlos.
Quando ele falou a palavra gay a atenção de nó quatro imediatamente se voltou para meu pai. Até mesmo eu, Rafa e o R que estávamos jogando vídeo-game, esticamos nossas antenas para saber o que meu pai estava falando de um assunto que nos interessava muito:“GAY”.
- “Seu” Carlos, nunca ouvi falar que o Roberto Carlos tinha feito música gay, ou para os gays. Nem sabia que ele era engajado na luta GLS.
- Na verdade eu também não sei. Quem diz que a música é gay sou eu. Mas, ta na cara. É uma música onde o “cara” fala que não pode dizer o nome do amor dele. Muito estranho isso não poder dizer o nome da pessoa que ama.
- Mas, e se ele amasse alguém que já tivesse marido ou namorado. Também não poderia dizer o nome. Correto?
- Pode até ser. Mas, o contexto não me leva a esta impressão, Marcos.
Minha mãe aparece da porta da cozinha.
- Marcos, não dê muita atenção para o Carlos que ele é cheio de teorias mirabolantes.
- Teorias mirabolantes? Marcos – pegou um pedaço de papel e uma caneta junto a mesinha do telefone – a música se chama “Meu Grito” , foi composta pelo Roberto Carlos, mas ele não gravou não, acho que ficou com medo de se queimar. A música foi gravada pelo Agnaldo Timóteo. Quando você puder, pesquise a letra dela na internet e verá se a música é gay ou não.
- Ainda hoje eu verei.
Marcos e RB ficaram ainda mais um pouco em casa e logo foram embora.
RB antes de sair ainda nos deu uma boa notícia que nos deixou, nós três, muito contentes.
- Consegui minha transferência para o LG.
O LG, como já disse, tinha a “fama” de boa escola, é bom frisar sempre que a fama era exagerada. A lenda do LG. Era difícil conseguir vaga lá.
- Como você conseguiu? - Perguntou-lhe Rafinha
- Hoje, antes de vir pra cá, passei lá na secretaria da escola pela milionésima vez. E mais uma vez falaram que não tinha vaga. Havia um professor lá conversando com a secretária e com o diretor. Ele ouviu eles me falarem que não havia vaga. Não sei o que ele fez, mas quando eu estava saindo uma funcionária correu atrás de mim, e disse que o diretor tinha autorizado minha transferência.
- Ué… e por que você acha que este professor tem alguma coisa a ver com isso?
- Porque eu fiquei lá ajeitando a matrícula e quando sai novamente ele encontrou-se comigo, estava indo embora, e perguntou-me “derem-lhe a vaga ?”. Eu respondi que sim e ele disse “que bom, menos mal, espero que goste da escola”
- Aposto que era o Prof. Luke. – Falei.
- Muito gente fina, ele, mesmo. Tive aulas com ele. Geografia, né? – Disse Marcos.
- Sim. Amanhã tenho aula com ele.
- Mas, Sloopy, isso que você contou não quer dizer nada. Não significa que ele teve alguma participação para que você obtivesse vaga.
- Rafinha, tudo indica que teve sim. Pois já haviam me negado diversas vezes e a única coisa diferente que ocorreu hoje foi o fato deste professor estar lá. E escutei depois a secretaria falando “eu não dou palpite na sala de aula, não sei o porquê de darem palpite nos assuntos da secretaria”. Só sei que amanhã estarei lá com vocês com vocês e terei de andar bem menos.
RB estava estudando numa escola também de nosso bairro, porém bem mais longe de sua casa.
No outro dia Marcos mais uma vez passou em minha casa, e junto com Rafinha, muito alegre, pois sabia que veria o R na escola.
- Será que ele vai cair na minha classe? Ele é segundo ano também.
- Maninho, vou te dizer algo. Talvez seja melhor vocês estarem em classes separadas. Assim vocês não se distraem em conversas em sala de aula, nem chamam a atenção para o relacionamento de vocês, e, o melhor, não enjoam de ficarem juntos.
- Jamais vou enjoar de estar ao lado de meu Sloopy.
Chegando no LG a mesma coisa de todos os dias. Todos os alunos no meio da rua e só entram quando da o sinal e o Gaucho começa a gritar.
Mas, neste dia, no portão estava dona Circe, inspetora de aluno voluntária. Ficava na escola o dia todo e dizia que trabalhava de graça, para dar qualidade de ensino para seus filhos que estudavam lá. No portão ela conferia quem estava com o uniforme ou sem. Quem estivesse sem a bermuda ou a camiseta mandava retornar para casa. Mesmo que o coitado morasse na “puta que pariu”. “Ordens da direção” dizia ela.
- De graça nada que ela trabalha aqui. - Disse Rodrigo que se encontrar conosco no portão. – Ela é a tesoureira da APM. O marido dela ta doente e desempregado. Nenhum filho dela trabalha. Será que alguém acredita que esta mulher não ganha um real aqui na escola?
Realmente os alunos comentavam muito a respeito da atuação de dona Circe tanto como inspetora, como tesoureira. Insinuavam o desvio de dinheiro, mas nunca até então eu soube nada de concreto a esse respeito.
Pude observar que a Circe mandou, Aline, minha colega de classe voltar para sua casa. A Aline ainda argumentou que caira leite sobre sua camiseta bem na hora que vinha para escola.
- Por isso que precisa ter duas camisetas.
Lembrei mais uma vez dos problemas da Aline, que mal tinha dinheiro para possuir uma camiseta, quanto mais duas.
- Essa mulher é uma bruxa. – Comentei.
- E olha que nome de bruxa ela tem mesmo – Falou Marcos, que depois explicou que Circe era o nome de uma feiticeira ou bruxa da mitologia grega.
Um dos filhos de dona Circe estudava também no terceiro ano do ensino médio, mas não era de minha classe. Ele era gay, pois estava escrito em sua cara. Não afirmo isso por causa do “radar” que eu poderia ter por ser gay. Ele realmente tinha todos os trejeitos e manias de gays. Não se assumia, mas não fazia nada para esconder. O Moleque era super antipático, metido a cantor e a dançarino. Participava de concursos de calouros na TV, mas nunca se destacou. Tinha não uma amiga “Paty” e sim várias. Não se desgrudavam. Parecia tratar-se de um harém. Mas ali, em vez de um sultão e quatro odaliscas, tínhamos apenas 5 odaliscas e nenhum sultão. Seu nome era Daniel.
O que passou a me intrigar muito quando ouvi a famosa frase “mãe sempre sabe” era o fato de diversas vezes ter ouvido dona Circe comentar que estava preocupada com aquelas meninas que não saiam de sua casa atrás de seu filho; que todas diziam que queriam ser suas noras; que tinha medo dele engravidar uma das meninas”. Direto e reto dona Circe fazia este tipo de comentário.
- O único perigo que estas meninas correm é dele roubar o esmalte delas. – Comentaria um dia comigo o Fabinho quando ouvimos mais uma vez dona Circe falar de seus medos.
Se mãe sabe, por qual razão Circe agia daquela forma? Ela não precisava dizer que o filho era gay, mas também não precisaria pintá-lo como o maior macho da Terra.
Antes de ir para minha sala de aula, disfarçadamente, marcos me entregou mais um embrulhinho. Tal como fizera no dia anterior.
Desta vez não era sonho de valsa e sim um ‘BIS”. No bilhetinho ele dizia que tudo que era bom merecia bis. Colocava na observação que seu amor tinha o tamanho agora de 5 dias e que continuava a crescer.
Desta vez não desgrudei o chocolate de minha mãe muito menos fechei os olhos. Pois o guloso do Rodrigo estava sentado ao meu lado pronto pra atacar.
- Que é isso? – Perguntou-me.
- É um negocinho que eu trouxe pra enfiar no cu de curioso.
- Ta nervosa é? Ta menstruada? – perguntou rindo.
Durante muito tempo o Marcos continuou a me dar todas as manhãs um bombom, um doce, ou apenas uma bala, mas sempre acompanhados de uma pequena declaração que renovava o seu amor, e o meu também é claro, a cada dia. Eu guardava os bilhetinhos românticos sempre no mesmo esconderijo: a capa do livro de português.
Não demorou muito e todos os alunos já estavam na sala. Era aula de geografia com o professor Luke.
O professor Luke era uma figura. Em seu Orkut, aparecia em seu avatar vestido como cavaleiro Jedi. Era fã da série Star Wars.
Simpático, brincalhão e inteligente. Sempre com algum tipo de chapéu na cabeça – boné, gorro, boina e até um modelo igual ao do Indiana Jones chegou a usar - sempre vestido com um avental de mangas compridas, branquíssimo e super bem passado. Nunca tinha um amassadinho sequer. Era muito estranho ver aquele professor de avental e chapéu de “Indiana”. Magro, alto. Deveria estar na casa dos quarenta anos, mas aparentava uns 35, mais ou menos. Deduzíamos a sua idade pelas informações que nos dava em sala de aula – “quando eu assisti a copa do mundo de 1978” ou outra hora citando que acompanhou as novelas “Éramos seis” ou “Escrava Isaura” em suas primeiras versões.
- Professor, quantos anos o senhor tem? Pois, por tudo que conta que já assistiu, deve ter pelo menos 120.
A curiosidade dos alunos, em relação à idade dele, era realmente grande, pois seu aspecto jovial não “combinava” com todo o conhecimento, que tinha, referente à sua disciplina e a qualquer outro assunto. Mas sempre que perguntávamos sua idade, dava a mesma resposta.
- Não conto minha idade nem sob tortura.
O professor Luke era muito culto. Lia muito e sempre fazia citações dos livros que lera. Cantava na aula, usava músicas como texto de apoio. Era cinéfilo, sabia o nome, atores e ano de qualquer filme. Sua memória era exuberante. Citava datas e outros dados com total segurança. Sobre televisão então, parecia trabalhar no museu da TV brasileira. Recordava-se de “todos” os programas e nos citava fatos curiosos.
-“Em agosto de 1975, se não me engano dia 27, estrearia a novela Roque Santeiro, que foi vetada pela censura da ditadura militar e neste dia iniciou-se a reprise da novela selva de Pedra... A novela Roque Santeiro só viria a ser produzida e exibida em 1985 com a volta de democracia ao Brasil” – despejava as informações com a mesma facilidade que dizíamos o nosso nome,
Cansamos de tirar dúvidas com ele sobre outras disciplinas, até matemática, ou de assuntos que estavam no noticiário, ou seja, atualidades, que é como se referem a estes assuntos na escola.
Na aula daquele dia, devido à repercussão que houvera no noticiário nacional a respeito da violenta morte do travesti no nordeste, surgiu este assunto em sala de aula e com ele o assunto homossexualidade. Ao ouvir dezenas de diferentes opiniões dos alunos a respeito, o professor Luke lembrou que a mesma televisão que se aproveita de morte tão violenta, para ganhar audiência e fazer sensacionalismo é também grande responsável pela propagação do preconceito e discriminação aos homossexuais pela sociedade.
Como eu tinha visto aquela notícia no dia anterior e me impressionado – medo mesmo - com ela, fiquei muito interessado em saber o que o professor Luke quisera dizer com aquilo.
- Professor, de que forma a televisão é responsável por isso? – Perguntei-lhe.
Ele tinha o costume de chamar a nós todos de “senhor” e “senhorita”.
- Senhor, Lucas Augusto, a televisão é uma concessão do Estado, com E maiúsculo. To falando do Brasil. Ou seja, o país autoriza o senhor fulano ou beltrano a ter um canal de TV, e ganhar dinheiro com esse canal, para dentre outras coisas, levarem esclarecimentos para a população, informação, cultura e educação. A TV deveria então ajudar a acabar com todos os tipos de preconceitos. Mas, veja como a TV retrata o gay. O mostram de forma caricata nos programas de humor e como sendo a figura engraçada da novela.
- Mas tem gay afeminado mesmo, professor – Quem falou isso foi um menino que pertencia ao time de futsal da escola, assim como eu. Ele jogava muito bem e era o capitão do time. Seu nome era Caio. Bonitão, pegava muitas meninas. Fez a pergunta e olhou para Fabinho, com um sorriso malicioso.
- Lógico que existem gays afeminados. Mas eles não são obrigatoriamente engraçados, senhor Caio...
- “Caio” pinto do ordinário, isso sim – praguejou baixinho o Fabinho
- Mas todo gay é afeminado? – continuou o professor - Pergunto a vocês e eu mesmo respondo: não. Mas, a TV nunca, ou raramente, mostra outros “tipos” de gay. Não me lembro de ter assistido uma novela em que um gay tivesse sido o personagem central da trama. Lembro-me ainda de algumas novelas em que o gay não era caricato, nem engraçado e nem afeminado, mas, então ele apareceu como torturador, assassino, traidor, falso. Deixaram de mostrá-lo como o amiguinho engraçado e o mostraram como o bandido que só pensava em estragar a vida do “herói” da história. Sem dizer que nas novelas, dificilmente o gay tem direito a namorar, quase sempre acaba sozinho, e quando tem alguém, quando lhe dão um namorado, a emissora se recusa a mostrá-los se beijando. Para televisão beijo na boca heterossexual é romântico e bonito.
- E acrescentou - Já o beijo na boca gay é imoral. Acho que ainda demorará muitos anos para mostrarem em uma novela, em horário nobre, um beijo na boca entre homossexuais.
- Graças a Deus! – Exclamou uma aluna, evangélica. Ela era bonita, porém o coque, os óculos e seus posicionamentos radicais, fundamentados em princípios religiosos, acabavam deixando-a, feia e antipática para a maioria dos alunos. Sentava-se na primeira fileira, bem ao lado de Mariana, a puxa-saco. O professor Luke a ouviu, mas ignorou seu comentário?
E continuou, também comentou que não existia na TV brasileira programa diretamente direcionado à comunidade GLS – “e vejam pessoal, que este segmento da população é considerado como um dos que mais consomem, mais gastam, ou seja, “as bichas”, como os homofóbicos gostam de xingar, são “bichas, mas tem grana”, porém nenhum patrocinador quer colocar seu nome num programa GLS, para não se queimar com o restante da sociedade. Querem o dinheiro do gay, querem que os gays comprem seus produtos, mas não querem que vejam seus produtos como sendo uma marca GLS.”
- Professor, por que os gays têm mais grana? – perguntou um aluno chamado Paulinho. Dificilmente este moleque abria a boca. Parecia que não tinha amigos. Chegava sozinho, ia embora sozinho e permanecia sozinho no intervalo. Se pudesse nem sairia da sala de aula durante o intervalo, mas isto era proibido. Tirava boas notas.
- Porque não possuem família, esposa e filhos para sustentarem. E isso ocorre, não porque não querem, e sim são impedidos disto. As leis de nosso pais os impedem de se casarem e constituírem uma família legalmente organizada.
Lembrei-me de Marcel, que estava feliz da vida por viver na Espanha e poder se casar, ou, se unir civilmente, como me explicou no dia anterior.
- Mas ouvi dizer que adotar filho é permitido. – Comentou uma aluna cujo pai era advogado. Magricela, ruiva, simpática e participativa. Luana era seu nome.
- Adotar filhos até podem, senhorita Luana. Até bem porque não se pergunta e nem se pode perguntar se uma pessoa é homossexual ou não quando esta vai tentar fazer uma adoção. O ideal seria fazer isso sendo um casal, unido documentalmente, assim ambos os pais, ou ambas as mães, teriam seus nomes no registro da criança. E é bem fácil criar um filho com a ajuda de um parceiro ou parceira, num relacionamento estável, que criá-lo só.
- Mas professor, pode existir relacionamento estável mesmo sem ter casamento, concorda? Eu conheço um casal gay que já está junto há mais de 15 anos. – Agora era Fabinho quem falava.
- Senhor Fábio, concordo com o senhor. Casamento no papel não é sinônimo de estabilidade. Nem entre gays e nem entre heterossexuais. Muitos casais heterossexuais, homem e mulher, se casam e enfrentam problemas diversos. Muitas vezes, logo no primeiro ou segundo mês de casamento até pensam em se separar. Porém, param para pensar no compromisso que assumiram um com os outros, diante das respectivas famílias, diante da sociedade, suas obrigações legais, etc. Daí eles repensam a questão e procuram superar suas dificuldades e quando olham para trás, já estão casados há 10, 15, 20 anos. O gay quando casa, simplesmente junta os trapos. Muitas vezes os pais do gay pensam que aquele rapaz que mora com seu filho, simplesmente divide o apartamento com ele. Aquele cara é um estranho para a família do gay e vice-versa. Muitas vezes no relacionamento, “casamento”, gay o leque de relacionamento não se abre para a família do casal. Fica restrito a alguns amigos de ambos. Na primeira briga, como os vínculos que mantém este relacionamento são pequenos, são mais frágeis que os dos heterossexuais, separam-se e beijinho, beijinho e tchau, tchau. Resumindo: a falta do papel passado colabora para a fragilidade da união gay. Mas, podem existir sim relacionamentos gays que duram dezenas de anos. Bem mais estáveis e verdadeiros que de muitos casais heterossexuais que possuem a certidão de casamento.
- Professor, Quando o senhor disse que o homossexual consome e gasta mais, eu achei que eles gastassem mais porque ganhassem mais e não porque possuíam menos despesas. – Agora a aluna que fazia a observação era uma gótica. Sad era seu apelido.
- Mas ganham mais também, senhorita Sad.
- Ganham mais por quê? – Perguntou outro aluno gótico, amigo de Sad e que se sentava ao seu lado na sala de aula. Trevas, seu apelido.
- Senhor Trevas, a média salarial do homossexual é maior que a do heterossexual, e creio que isso aconteça simplesmente por um motivo: os homossexuais são mais inteligentes e estudiosos e acabam conseguindo melhores empregos.
- Dizer que os homossexuais são mais inteligentes, não é um tipo de preconceito às avessas? Se um heterossexual dissesse que os gays são mais burros haveria uma passeata GLS pelos corredores do LG, mas agora o senhor fez esta afirmação contra os heterossexuais. Isto não é um preconceito? Por qual razão o senhor afirma que os gays são mais inteligentes que os héteros? – A pergunta foi feita exatamente pela aluna evangélica que o professor já havia ignorado anteriormente.
A menina era inteligente. Apesar dela se mostrar “anti-gays”, eu reconhecia que ela argumentava bem. Fiquei com a impressão que tivesse até encurralado o professor. Porém, o professor Luke era um páreo duro. Quando um aluno discordava dele, permanecia em silêncio, olhava para o aluno por todo o instante que ele relatava seu ponto de vista, e quando este finalizava ele perguntava e agia da mesma forma que fizera naquele dia:
- A senhorita já terminou de argumentar? Então peço que agora me ouça, mesmo que discordar de mim. Se discordar de minha fala e quiser fazer mais alguma colocação, ao final dela, darei a palavra a senhorita novamente – O Professor Luke era extremamente democrático e educado. Costuma dizer “eu posso discordar de você, mas lutarei até a morte para garantir seu direito de se expressar”
- Acaba com essa rata branca, quatro olhos, professor. – Sussurrou, atrás de mim, o Fabinho, que assistia aquele debate como se fosse a batalha final entre o bem, que seriam os gays, naquele instante defendido por um simpatizante, o Professor Luke, versus o mal, os homofóbicos, que naquele momento ele via encarnado na aluna que discordara do professor. Marisa era seu nome.
- Senhorita Marisa, a resposta é simples. A lei da sobrevivência é que fez o gay mais inteligente e estudioso. Tal qual a girafa que para sobreviver desenvolveu ao longo de milhares de anos, um pescoço comprido para alcançar, nas altas árvores, as folhas que lhe serviam de alimento. Inteligência nada mais é do que a capacidade para resolver problemas. Alguém tem dúvidas aqui que na vida do homossexual é mais cheia de problemas que a de qualquer heterossexual. Oras, se um homossexual a vida toda foi obrigados a enfrentar os diversos problemas que sua condição sexual lhe trazia, lógico que sua capacidade de raciocínio desenvolveu-se mais. E ainda senhorita Marisa, neste mundo machista, homofóbico, preconceituoso e discriminador, o gay notou que para enfrentar estes problemas, necessitava era de dinheiro. Ganhar dinheiro como? Destacando-se dos demais. E destacar-se como? Através de estudos e da boa qualificação profissional e assim conseguir melhores empregos.
E completou Luke: - Mas, muito disso que acabei de dizer esta baseado em estudos próprios, meu mesmo, que podem estar errados. Quanto à passeata, os heterossexuais só não farão uma aqui pelos corredores do LG, pelo simples fato de nunca ter existido discriminação, por parte da sociedade a eles. E o que expus não foi um preconceito, no sentido pejorativo desta palavra, contra os heterossexuais, mas sim um pré conceito, um conceito prévio, uma hipótese para estudos, uma teoria.
- Não concordo. Dificilmente vemos gays como gerente, diretores de empresa, cargos de chefia. Se eles são mais inteligentes, por qual razão não são chefes? – rebateu Marisa.
- A maldita não cala a boca mesmo. Eu vou lá e vou acabar com a desgraçada. Vou desmanchar aquele coque horroroso que ela usa. Vou cortar seu cabelo todinho e vou transformá-lo em uma peruca pra eu me montar, fazer show e “bater cabelo” – Esbravejava o Fabinho às minhas costas.
- Calma, Fabinho. Vamos ouvir o que o professor vai falar pra ela. Eu estava ansioso para saber como o professor Luke rebateria aquela argumentação da Marisa.
- Muito obrigado dona Marisa. – A menina olhou surpresa para o professor – A senhora tocou num ponto que precisava ser falado mesmo. Os gays não assumem cargos de chefia pelo simples fato de serem discriminados quando surgem oportunidades de promoções. Fica difícil para pessoas preconceituosas e homofóbicas reconhecerem os valores intelectuais daqueles que tratam como inferiores ou anormais. Muitos imbecis, ainda, acham que o gay em cargo de chefia poderá assediar sexualmente seus subordinados. Como se chefes heterossexuais fossem puros e incapazes de cometerem tal crime. Nós veremos o gay em cargo de chefia quando o cargo é público, preenchido por concurso, onde o único critério de escolha é a competência de cada um como é o caso do LG, em que o Diretor Jorge é homossexual assumido. Sei disso porque numa festa de confraternização aqui da escola, apresentou a nós professores o seu namorado, com o qual vive junto há anos.
Marisa não falou mais nada. Não parecia também que tivesse concordado, mas parecia que não lhe sobrara mais nenhum argumento para rebater tudo que foi dito pelo professor Luke.
- Xeque mate.- Falou Fabinho radiante de alegria.- O Luke acabou com aquela crente do rabo quente. Ela teve de calar a boca e ficar quietinha sentada em cima de seu rabo.
- Não xingue, Fabinho. Isso também é uma discriminação. – Falei.
- Classe, no primeiro dia de aula eu disse a todos vocês que não deveriam “crer” nas coisas que eu digo. Sou apenas mais uma fonte de informação, como também são os livros, a TV, o computador, os jornais e revistas, os padres e pastores (falou e deu uma olhadinha para Marisa), os demais professores, seus pais e seus vizinhos. Procuro dar a melhor informação e com a maior correção possível. Quero que vocês juntem todas as informações que possuem, não importando onde as consigam, e formulem a própria opinião e não apenas repitam o que seus professores dizem em sala de aula ou o que leram em livros. Não quero que concordem comigo pelo simples fato de eu ser professor. Concordem comigo se suas idéias, após analisarem diversas informações de fontes diferentes, coincidirem com as minhas idéias.
Era irônico aquilo. Primeiro o professor Luke despejava “trocentos” argumentos num debate qualquer com um aluno e conseguia convencer a quase todos que o ouviam. Depois procurava convencer estes mesmos alunos, que agora concordavam com suas idéias, a repensarem se ele estava certo ou não.
- Eu não estou aqui para induzir aluno, nem fazer lavagem cerebral. Quero ajudar a desenvolver seres pensantes e que possuam idéias próprias.
A aula estava quase para terminar, foi aula dupla e o tempo passou sem nem notarmos, quando o professor Luke ainda fez algumas explicações.
- Não quero que me vejam como um defensor da causa GLS...
- Mas eu vejo sim professor – era Fabinho – eu sou homossexual assumido, sou “uma” gay mesmo e posso falar. O senhor foi o melhor advogado da causa gay que eu já ouvi.
- Obrigado pelos elogios, senhor Fábio. Os gays foram e são super discriminados. Até mesmo a história os discrimina. Poucos livros citam que Adolph Hitler determinou, na Segunda Guerra Mundial, o extermínio de milhares de homossexuais. Porém, os livros só costumam citar os judeus. Entretanto, o que eu quero que o senhor e os demais alunos entendam é que mais importante que defender a causa gay é defender o combate a intolerância. O que é intolerância? È a incapacidade que o ser humano tem de tolerar, agüentar, aceitar aquele que é diferente ou que ele pensa que é diferente. Por causa da intolerância é que o mundo está cheio de males: guerras, desigualdades, injustiças. Quando todos os homens do planeta aceitarem uns aos outros respeitando suas diferenças. O mundo será bem melhor. Combatendo a intolerância eu estou lutando contra a discriminação, do homossexual, do pobre, da mulher, do negro, do idoso, do portador de deficiência, pessoas de religiões diferentes, etc.
Pensávamos que ele finalizaria a aula, mas não.
Vou passar um dever de casa que irão gostar muito. Para entenderem bem o que é intolerância, quero que vejam o filme “Vidas sem rumo”. É um filme baseado num romance que se tornou muito famoso entre os adolescentes nos Estados Unidos. O romance é de uma escritora chamada Susan Eloise Hinton. A história mexeu tanto com os jovens dos EUA, que o filme s foi produzido porque um grupo de estudantes fez um abaixo assinado e encaminharam este pedido para um cineasta de muito sucesso chamado Francis Ford Coppola, implorando que ele o produzisse.
- O filme é gay, professor? Porque se for, eu não vou assistir não.
- Não é não, senhor Caio, mas mesmo que fosse, creio que não teria problema algum o senhor assistir. Creio que o senhor já tem certeza de sua masculinidade, e desta forma, se a temática do filme fosse gay, não influenciaria o senhor. Correto ?. Ou o senhor ainda está em dúvida em relação à sua sexualidade?
A classe toda caiu em gargalhada. Caio ficou sem graça. Mas, ele mereceu.
- O filme - completou o professor – trata da intolerância sim, mas não aborda a temática gay. Trata-se de uma cidade que é dividida pelo trilho do trem. De um lado moram os jovens pobres, Greasers, que usam brilhantina nos cabelos, usam jaquetas de couro, fogem da escola e se metem em brigas. Do outro lado moram os jovens ricos, almofadinhas, os socks. Os dois grupos são rivais e o filme gira em torno desta rivalidade.
- Professor...
- Fale Fabinho.
- Só não gostei que o filme não é de temática gay, porque eu iria adorar. Mas, vou assistir do mesmo modo. Todos os filmes que o senhor nos recomendou até hoje foram muito bons.
- Fabinho. Não precisa ficar triste não. Vou te contar duas coisas que você irá se animar em ver o filme.
- Então diga, professor Luke.
-Uma é que foram reunidos neste filme todos astros jovens mais bonitos e de maior sucesso da época em que foi feito. Estão lá Tom Cruise, C.Thomas Howell, Ralph Machio e outros. Dizem os críticos que foi a maior concentração de “galãs” num só filme. E aparecem sem camisa e tudo mais... rsrs
- Que tudo!!! E a outra coisa, professor?
- A outra é que no meu modo de ver, a relação de amizade mostrada no filme, entre os dois garotos adolescentes, Ponyboy e Johnny Cade, era uma relação que ia mais além que amizade, mas que devido à época em que o romance foi escrito, sua autora preferiu não explicitar. Mas, Fabinho, isto é apenas uma opinião minha.
- Tenho quase que certeza que sua opinião está correta, professor. Agora é que eu vou ver mesmo. Hoje mesmo vou assistir.
Pensei a mesma coisa que Fabinho. Queria ver aquele filme naquela tarde mesmo. “Vou chamar o Marcos para assistir comigo”, pensei
O carisma e as atitudes democráticas do professor Luke, alinhadas com seu conhecimento e sua capacidade de transmitir o conteúdo em sala de aula, tornava-o o professor mais querido e respeitado da escola. Todos os anos ele era escolhido paraninfo de “formatura pelas turmas do ensino médio. “Também ele não reprova ninguém, passa todo mundo”, diziam os outros professores invejosos que nunca, ou raramente, eram homenageados. Realmente, todos os alunos do professor Luke acabavam sendo promovidos, ninguém reprovava. Entretanto ninguém queria matar sua aula, que era a mais interessante da escola. Ninguém deixava de cumprir as tarefas que passava. Todos aprendiam. Alunos de outras turmas e séries, que não tinham aula com ele, pediam para assistir sua aula. Os trabalhos de final de ano do professor Luke eram super divertidos, além de bem elaborados.
Num destes, os alunos montaram diversas barraca com objetos, comidas, fotos, etc, que mostravam a cultura de diversos países. Os alunos iam vestidos com trajes típicos e apresentavam danças ou outros números culturais das respectivas nações. Quem não era aluno do Professor Luke ficava muito irritado quando assistia essas apresentações. “Por que aquele chato do meu professor não faz um trabalho desse? Só passa matéria na lousa e dá questionário” – era um dos comentários que costumávamos ouvir.
Nem seria preciso dizer que a “Diaba Loira” odiava o Professor Luke. Eles eram completamente diferentes. A única coisa que possuíam em comum é que ambos eram advogados.
A diaba, sempre que podia, falava algo em sala de aula para atacar o professor Luke.
“Tem professor que fica com brincadeirinhas e musiquinhas e dancinhas, eu prefiro dar aula” – Dizia com sarcasmo.
Só não citava que, no ENEM, na disciplina geografia era que os alunos do LG apresentavam melhores desempenhos, todos os anos.
O professor Luke também gostava de futebol. Vivia jogando com os alunos nos intervalos.
- Professor Luke, este ano o senhor será técnico do nosso time no inter-classes, não se esqueça.
- Senhor Lucas Augusto, o senhor já me pediu isto e eu disse sim.
- Estou apenas confirmando, professor.
- Está confirmado, senhor Lucas .Augusto. Mais alguma coisa?
- Sim, eu adicionei o senhor no Orkut e no MSN. Tudo bem?
- Sem problemas, senhor Lucas Augusto, foi para isso que eu os criei.
Aula se aproximava do fim e fez a chamada.
- Alguém sabe por que a Aline faltou, perguntou? – Ele sempre notava a falta dos alunos e se preocupava com isto.
- Ela não faltou. Foi barrada na portaria, por causa do uniforme – explicou Rodrigo – estava sem a camiseta.
- E desde quando isso é motivo para ser impedido de assistir aula? – O professor Luke demonstrou ficar irritado. Ele gostava de Aline e sabia das dificuldades que ela tinha para estudar.
- A dona Circe disse que isso foi uma decisão do Conselho de Escola.
- Quer dizer que se amanhã o conselho de escola determinar que não serão aceitas mais matriculas de negros, por exemplo, esta regra será cumprida? Lógico que não. Pois temos leis maiores que impedem essa discriminação. No caso a Constituição Federal.. Do mesmo modo temos leis maiores que dizem que nenhum aluno poderá ser impedido de assistir aula por falta de uniforme ou de qualquer outro material.
- Quer dizer que esta regra que o conselho de escola colocou é ilegal, professor? – Perguntei surpreso.
- Totalmente ilegal. Acho o uniforme uma coisa boa, ajuda na segurança dos alunos e os iguala de tal modo que não aparecem as diferenças econômicas. Porém, acho um absurdo impedir de estudar um aluno que levantou cedo, veio muitas vezes de lugares distantes e está querendo assistir aula.
Continuou a sua fala.
- Tudo isso acontece porque vocês são de uma geração que aceita calada tudo que lhes é imposto. Não participam de nenhuma forma das decisões que influenciam na vida de vocês. Brigam porque o colega sentou na “sua” cadeira e pouco se importam se um professor da uma aula de boa qualidade ou não. Se eu quisesse, eu facilmente agiria aqui em sala de aula como um ditador e vocês nunca reclamariam. Mas, não é da minha índole ser ditador, ser autoritário, então estou sempre ouvindo o que todos tem a dizer. Classe, não estou dizendo que vocês são inertes, parados, passivos, em relação apenas aos problemas que enfrentam na escola. Vocês são assim em relação a tudo. E não pode ser assim. Como enfrentarão os problemas que encontrarão pela frente em suas vidas? Irão abaixar a cabeça para tudo e todos?
Farão o que lhes mandam e não terão liberdade? Liberdade é a maior riqueza que tem o ser humano. Liberdade de pensar e agir. Quem aceita o que lhe é imposto não é uma pessoa livre. Espero que pensem nisso. Vocês são novos ainda, são adolescentes, e ainda têm tempo para agirem. Será que eu nunca poderei ver estes adolescentes em ação? – e apontou com o braço todos os alunos da classe, mas notamos que ele se referia a todos adolescentes do LG, da cidade e até do país.
Fiquei pensando nas palavras do professor Luke. Realmente eu era um jovem que nunca havia questionado nada, sempre aceitei a tudo sem nem perguntar o porquê. E agora que havia me descoberto homossexual, será que se eu mantivesse esse comportamento inerte, parado, passivo, como disse o professor, será que eu conseguiria enfrentar todos os preconceito que eu já estava consciente que apareceriam à minha frente? Tomei uma decisão. Talvez a mais importante que tenha tomado na vida. Eu ia mudar. A partir daquele dia, antes de aceitar qualquer coisa, iria querer entendê-la. Nada mais me seria imposto. Eu iria me interessar mais pelas coisas que estivessem relacionadas à minha vida. E iria lutar muito por todos os meus direitos.
Soou a campainha.
- Rodrigo, é aula de quem agora? – Não achava meu horário de aulas.
- Química, Snape.
- Puta que pariu! – urrei de raiva - depois de uma aula tão boa, aula com o Snape.
Snape era o professor de química. Ganhou este apelido pelo fato de se parecer (e ser tão antipático quanto) com o Severo Snape, professor de poções mágicas, nos filmes da série Harry Potter. E como ele era um “bruxo poderoso”, era casado com uma bruxa.
Sim, o Snape era casado com a Diaba Loira.
CONTINUA….