Adolescentes em ação [14] ~ Conversa franca com o Luke

Rb e Rafa foram curtir o que restava do intervalo na mini quadra de vôlei. Rodrigo foi xavecar uma mina do primeiro ano que há muito ele dava em cima. Ficamos eu e Marcos.

- Então o senhor se chama Marcos Lúcio...

- Não gosto de “Lúcio”. Quando me perguntou só digo que chamo Marcos mesmo.

- Mas eu gostei, pois tem a mesma origem de meu nome. Lucas e Lúcio se referem á luz.

- Que legal, somos duas lâmpadas então? – falou debochando.

- Vá em casa a tarde que eu vou pegar na locadora um filme que o Luke recomendou. Acho que ele vai falar a mesma coisa pra sua classe. Assim, assistimos juntos e podemos “trocar idéias” a respeito do filme.

Combinamos que ele estaria em casa às 3 horas.

- E o Breno? – perguntou-me.

- Que é que tem ele? Quer que o convide também para ver o filme?

- Engraçadinho. Ele mexeu com você hoje. Falou alguma coisa do que aconteceu ontem?

- Nada. “Tava” mudo. Não abriu a boca em sala de aula e nem fez uma gracinha sequer.

Deu o sinal para subirmos. Dona Circe destrancou o portão que permitia o acesso dos alunos às escadas.

Subimos junto com aquela manada nos empurrando.

Quando chegamos no corredor do piso superior, onde ficavam nossas salas de aula. Por toda extensão do corredor, bem como nas portas das salas de aula, estavam pregados cartazes feitos em impressoras de computador, em que aparecia a foto de Paulinho, o menino tímido de minha classe. Nos cartazes apareciam frases como “O último BV do LG”; “Ajudem um BV, se aceita qualquer tipo de boca”; “Procura-se uma boca para um BV” (BV = Boca Virgem).

Paulinho, que já era tímido, quando viu aquilo ficou parado. Ele estava de frente à porta de nossa sala, que ainda estava trancada e não sabia o que fazer. Não chorava, não falava, apenas tremia, transpirava muito estava com o corpo rígido. Fiquei com Marcos ao lado de Paulinho, sem saber o que fazer.

Nisso, aparece o professor Luke.

- Senhores, me façam um favor, arranquem todos os cartazes e tragam-nos para mim. Eu cuidarei do senhor Paulinho.

Fizemos o que Luke nos pediu e ele desceu com Paulinho.

Muitos alunos riam, gritavam BV, assoviavam. Porém, se calavam quando o professor Luke passava segurando e guiando Paulinho. Alguns poucos reprovaram aquele ato e o condenavam.

Já tinha ouvido falar que os adolescentes são cruéis. Não pensei que chegassem a tanto, afinal eu não era assim. Adolescentes que fazem este tipo de brincadeira não possuem sensibilidade nenhuma. São frios. Não se importam com o quanto irão magoar pessoas, que muitas vezes nada lhes fizeram, o que importa é a diversão. Neste dia aprendi que esse tipo de brincadeira se chamava Bulling.

A aula seguinte ao intervalo era também com o Snape, de terça-feira tínhamos duas aulas com ele. Uma antes e outra depois do intervalo.

O caso Paulinho tornou-se assunto da aula. Caso fosse aula do professor Luke, com certeza ele condenaria aquele ato e lembraria que se tratava de uma manifestação de intolerância e daria uma grande lição de moral.

Snape, além de não fazer nada parecido com o que Luke faria, “zombou” da desgraça que aquele fato representava para Paulinho.

- Ele não deveria ficar nervoso com a brincadeira, afinal, a boca dele é uma raridade e com certeza é mais valiosa. Ele deveria se sentir orgulhoso.

Como um professor, cuja obrigação é educar e aconselhar os alunos sempre sobre o melhor caminho podia fazer troça de um fato como aquele. Era difícil acreditar naquilo que ouvi.

- Gostaria de saber se um dia acontecesse algo semelhante com um filho seu, se o senhor agiria da mesma forma?

Nem seu onde arrumei coragem de dizer aquelas palavras. Na realidade nem sei se as disse consciente do que estava falando e das conseqüências que viriam por causa delas. Mas eu havia jurado para mim mesmo que a partir daquele dia lutaria pelos meu direitos. E defender o Paulinho era defender meus direitos, pois o que acontecia com ele naquele dia, poderia estar acontecendo comigo. Naquele dia os cartazes eram para humilhar o “Boca Virgem” Paulinho, mas amanhã poderiam aparecer cartazes falando da Bicha “Lucas”.

A classe fez silêncio no exato momento em que terminei de pronunciar aquela pergunta. Porém, um ou dois alunos fizeram um som exclamativo como se parecesse o silvar de cobras.

- Vixiii!!!!!

Snape ficou constrangido e surpreso.

- O que você me perguntou?

Ele pensou que fosse me intimidar, mas repeti a pergunta.

- Gostaria de saber se um dia acontecesse algo semelhante com um filho seu, se o senhor agiria da mesma forma?

- Rapaz – disse ele olhando para mim e desconsertado – fiz apenas uma brincadeira.

- E eu apenas uma pergunta. O senhor poderia responder?

A classe toda olhava para ele aguardando o que falaria. Mas, ele ficou quieto e prosseguiu com aquilo que chamava de “aula”

Tivemos mais duas aulas naquele dia, mas nem me recordo quais eram. Quando soou o sinal do para irmos embora, já no corredor Marcos se juntou a mim e ao Rodrigo.

Rodrigo, antes que eu dissesse uma só palavra, contou para Marcos, sobre o meu enfrentamento ao Snape.

- Lucas, você tá fudido agora na mão da Diaba. O Snape é um bosta, mais a Diaba vai querer te matar.

- Eu sei Rodrigo, mas fiz o que achei que fosse correto.

Notei que Marcos se preocupou comigo.

- Não pense nisso agora. Faria o mesmo que você.

Descemos os três para o portão de saída dos alunos.

Bem antes de chegarmos aos portões, vejo andando “saltitantemente” em nossa direção uma “figurinha” magrela e alta para sua idade, com os dois braços abertos e uma mochila rosa nas costas, parecia uma baliza, destas que vão a frente das fanfarras nos desfiles de sete de setembro. Era o Globeleza.

Quando nos viu reduziu a velocidade do andar e dos saltitos.

- Oi Lucas. Oi Marcos. Tudo bem ? – cumprimentou-nos esticando bastante os Is da palavra oi.

Cumprimentamos o Globeleza sem nem pararmos de andar.

- Humm!! Estão amiguinhos, hein. – Gracejou Rodrigo.

- Pare de encher o saco Rodrigo e vamos embora que já estou com fome – falei.

Mas, Rodrigo estava atacado aquele dia.

- Minha crise de novo. Ai que vontade de dar meu cu.

Cheguei em casa, almocei, e fui tirar um cochilo até a hora que Marcos chegasse para assistirmos “Vidas sem Rumo”, por volta das 15 horas.

- Dona Lúcia, cadê o Rafa ?

- Ta almoçando lá no quarto dele.

Rafinha tinha o costume de fazer seu prato e almoçar vendo Globo Esporte, em seu quarto.

Só fazia isso durante a semana quando mamãe estava no trabalho. Ela não permitia que ele levasse o prato para o quarto porque dizia que era uma oportunidade da família estar reunida, já que durante toda a semana, meus pais somente nos viam de manhã, antes de irmos para a escola e depois das 20 h, quando retornavam do trabalho. Outro motivo que fazia mamãe proibir o Rafa de almoçar no quarto era o fato dele sempre esquecê-los no quarto.

Almocei, também vendo Globo esporte, porém na cozinha, conversando com Dona Lúcia.

- O Marcel me ligou ontem. Ele está muito contente com o trabalho lá na Espanha, acho que não volta mais para o Brasil. Não para morar pelo menos. – contou-me Dona Lúcia enquanto eu almoçava.

- Legal. Fico feliz por ele. Ele merece. – Não quis fazer maiores comentários porque adorava futebol e gostava de ficar por dentro de tudo que estava acontecendo no mundo futebolístico, e também, porque eu não iria dizer para a Dona Lúcia que o motivo real da alegria de Marcel era seu futuro casamento com um espanhol.

Terminei de almoçar e fui ao quarto do Rafa. O GE já havia terminado e pelo jeito meu irmão também iria cochilar.

Tenho a leve impressão que na casa de quase todos os adolescentes, que estudam de manhã e não trabalham, neste horário estão dormindo com a TV ligada, babando no travesseiro ou na almofada do sofá.

- Viu o que fizeram com o moleque da minha classe lá no LG?

- Vi sim Uca. Fiquei com muita dó do moleque. Quem fez isso?

- Não sei não Rafa. Mas to achando que deve ter sido o Caio ou o Breno, ou qualquer um da turminha deles. Ou ainda a turma toda.

- Você ta falando o Caio que joga futsal conosco no time da escola?

- Ele mesmo. Apesar de ser “gente fina” com a gente lá no futebol, em sala de aula ele faz umas brincadeiras e tem umas atitudes que eu não gosto. E já aviso, nem deixa ele desconfiar que “nós curtimos aquele lance”.

Era tão difícil para eu dizer “não deixe ele desconfiar que somos gays ou homossexuais”. Não por não me aceitar e sim por não ter me acostumado ainda com a situação.

Deixei o Rafa no quarto dele e fui matar a saudade de minha cama. “O terceiro travesseiro” estava no criado mudo e a vontade de ler foi bem maior que a de dormir.

Olhei no relógio e vi que eram 13h15min.

Decidi que leria até as 14h e depois dormiria até a hora que Marcos chegasse.

A leitura daquele romance me fazia viajar. O amor de Marcos e Renato me fazia pensar se eu e o meu Marcos viveríamos uma amor como aquele. O livro me alucinava. Nunca fumei maconha ou usei qualquer tipo de droga, como faziam muitos colegas meus do LG. Então não sei dizer se as viagens que eles diziam que faziam quando queimavam “uma erva” era tão fantástica quanto aquela que aquele livro me proporcionava, Eu viajava pelos locais onde os personagens do livro se encontravam e me sentia um amigo deles que o acompanhavam a todo momento. Mas, eis que viro a página, mais uma descrição de uma cena nojenta.

- Nojeira eu não agüento.

Deixei o livro de lado e fui dormir um pouco.

Acordei com o Rafa me chamando.

- O Marcos ta ai. Disse que vocês vão ver um filme.

- Por que não mandou ele subir?

- Eu mandei, mas ele pediu para eu te acordar primeiro e depois você o chamaria.

Gritei para Marcos subir.

- Que filme vocês vão assistir? Putaria?

- Não Rafa. Trabalho de geografia.

- Documentário?

- Nada. Um filme que fala de dois grupos rivais que se enfrentam. Assita com agente. O Luke disse que é muito bom.

- Vou chamar o Sloopy pra vir assistir também. Tem problema?

- Lógico que não Rafa.

- Mas ele só chega lá pelas quatro horas. A mãe megera dele pediu para ele remover uma pilha de telhas do quintal e colocar não sei onde. Isso depois dele lavar a louça e limpar a casa.

- Nós o esperamos. Sem problemas.

Rafa foi ligar para o seu Sloopy.

- Oi “Bela Adormecida”.

- Oi Marcos, tudo bem?

- Melhor agora.

Deitou-se ao meu lado e ficamos namorando um pouquinho. Eu ficava imaginado se o “Marcos” e o Renato do livro sentiam aquela mesma sensação prazerosa que eu sentia naquele momento ou se conseguiam sentir algo melhor que aquilo que eu sentia. Achava impossível poder haver sensação melhor. Igual sim. Melhor não.

Fomos até a locadora, quando retornamos o R já estava em casa.

Fizemos pipoca. Pegamos coca-cola. Pusemos o filme e nos deitamo-nos para assisti-lo no mesmo tapete em que havíamos feito uma orgia poucos dias antes.

Se na primeira vez que ali nos reunimos estávamos ansiosos para satisfazer nossos corpos, nossa carne, neste segundo dia o que nos motivava a ver o filme era a expectativa de um clima romântico para satisfazermos os nossos espíritos, as nossas almas. Ajeitei-me bem juntinho a Marcos. O Rafa e o R também se grudaram..

Logo no início do filme o personagem Ponyboy é perseguido por um grupo de adolescentes que querem surrá-lo pelo simples razão deste ser pobre e morar na “periferia”. Ponyboy nada fizera aos rapazes que os perseguiam, mas estes tinham a necessidade de surrá-lo, xingá-lo e amedrontá-lo. E para aqueles adolescentes agressores, aquilo que faziam era muito natural.

Lembrei-me no mesmo momento do que acontecera a Paulinho naquela manhã. Ele nunca mexeu com ninguém, porém, alguém ou alguns sentiram necessidade de agredi-lo para satisfazer a instintos selvagens que alguns seres, chamados humanos, possuem.

O filme mostrava a intolerância e suas conseqüências,como disse o professor Luke, mas também mostrava muita poesia. Suas cores, sua trilha sonora, os diálogos. Era tudo muito bonito. Sem dizer naqueles jovens atores que não conseguimos dizer qual possuía mais beleza. E ao final, a mensagem do Johnny Cadê para Ponyboy “permanecer sempre dourado”.

Se o livro ”o terceiro travesseiro” conseguia mexer com o meu eu, aquele filme me virava do avesso. Não deixar de ser dourado era não deixar de carregar consigo a pureza de sentimento que temos quando somos criança.

O professor Luke realmente conhecia de cinema. O filme era excelente. Eu chorei ao final.

- Ta chorando, bobão? – disse Marcos.

- Não. Estou rindo. Quando dou risada sai lágrimas de meus olhos. E o filme era de comédia NE, palhaço?

- Calma, gato.... Apenas brinquei com você. Eu também gostei muito e me emocionei. Só não chorei como você.

Nisso olhamos para o RB, ele estava com o rosto colado ao peito do Rafa que o abraçava. O R chorava muito, mas chorava baixinho. Depois ele nos falou o quanto se identificara com os personagens pobres do filme e seus problemas sociais e familiares. Um dos meninos do filme também não se relacionava bem com a mãe, e outros nem pais tinham e viviam sozinhos.

Fui para meu computador e procurei no Google o poema de Robert Frost que é citado no filme. Imprimi e o guardei em meu esconderijo, junto com os cabelos que cortei de Marcos.

Mas eu o decorei e sei ele até hoje.

Nada que é dourado permanece.

O primeiro verde da natureza é dourado

Para ela, seu tom mais difícil de fixar

Sua primeira folha é uma flor

Mas somente por uma hora.

Então, flor se rende à folha

E o Paraíso cai na dor

E a alvorada torna-se dia

Nada que é dourado permanece

- O que você ta fazendo?

- Ah Marcos, se eu falar você vai zuar, então não falo.

- Deixa de se bobo. Conte ai.

- Vim procurar a poesia que citaram no filme.

- Você gosta de poesia?

- Pensava que não gostava. Mas, hoje descobri que não se tem como não gostar daquilo que é bonito.

- “Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!” – Marcos declamou os versos do poeta Casemiro de Abreu.

- Então, Marcos, eu sei que estes versos são a poesia "Meus Oito Anos".,de Casemiro de Abreu.

- Parabéns. A Diaba vai gostar de saber isso.

- Mas eu sei porque decorei. Nunca aquela demônia nos fez enxergar a beleza de uma poesia e como ela pode mexer com nosso íntimo e ajudar a nos encontrarmos. Se invés de mandar nós alunos simplesmente decorarmos algo porque vai cair no vestibular ela procurasse nos ajudar a compreender as mensagens dos poetas, dificilmente teríamos horror a poesia e literatura e seríamos mais sensíveis. E não aconteceriam coisas na escola como o bullying de hoje.

- Bullying ??

- É. O que fizeram com o Paulinho é chamado de Bullying. Eu também não conhecia essa expressão. Uma menina da minha classe, Luana, que comentou.

Fomos para o computador e “googlamos”.

“Bullying é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully ou "valentão") ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.”

Ficamos eu e Marcos a vasculhar a internet para lermos e entendermos o bullying.

Não precisamos procurar muito para saber que a imensa maioria dos bullyings acorria entre adolescentes, nas escolas e motivada pela homossexualidade identificada em alguns pelos agressores.

- “Tamo fu”- falou Marcos meio sério meio zombando.

Mas vimos em nossa pesquisa que também eram vítimas qualquer um que o grupo agressor julgasse como diferente, como ridículo, como objeto de chacota. Assim poderia ser agredido um gordinho, um aluno que usasse óculos com lentes mais grossas, um aluno portador de uma necessidade especial, etc.

Mas as grandes vítimas, eram os gays.

- Marcos, lê só isto aqui.

“Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (UNESCO) de 2004, revelou que 60% dos professores brasileiros consideram inadmissível uma relação homossexual e 40% dos alunos não gostariam de ter colegas homossexuais em sala de aula”

- Por isso que os gays sofrem tanto nas escolas. Junta-se aí uma quantidade enorme de aluno preconceituoso com um grupo de professores despreparados. O resultado só pode ser tragédia mesmo. – falou Marcos irritado.

- Admiro o Fabinho e as panteras, os metralhas, e todo mundo que tem coragem se assumirem, porque dá um medo desgraçado quando eu leio estas coisas.

- Lucas, convenhamos, muitos deles não assumem porque querem.

- Como assim?

- As panteras e os metralhas nem conseguiriam disfarçar suas homossexualidades. Uns super afeminados e as outras super machos.

- Tem razão.

- Você acha que nós demonstramos que somos gays?

- Acho que não. Mas...Sabe lá se de vez em quando não damos alguma escorregada.

O telefone toca. Atendi e era o João, meu primo que estuda na classe de Marcos.

- Fala “Jão”.

- Lucas, vamos bater uma bolinha ali na quadra perto da escola.. Você e o Rafa estão a fim?

- “Jão”, ta aqui em casa o Marcos da sua classe e outro amigo nosso. Tem problema eles irem?

- Sem problemas.

Expliquei a Marcos sobre a ligação e ele topou ir jogar futsal conosco.

- Eu estou para perguntar uma coisa para você mesmo e agora me lembrei.

- Você havia me dito quando te conheci que o João era seu primo, inclusive, foi ele que mandou eu te procurar para conversar sobre os “agitos” na escola. Lembra?

- Lembro sim. Que é que tem?

- Não vejo você juntos quase nunca. O dia do churrasco ele nem estava aqui.

- O João na realidade é filho de um primo de meu pai. Morávamos bem perto e nos conhecemos desde criança, hoje em dia só nos vemos na escola e quando jogamos bola. Não estamos tão juntos por estarmos em classes diferentes. Mas ele é meu camarada sim. Tanto é que ligou aqui agora.

- Ele não é primo do Vinny?

- Não. O Vinny é filho da irmã de minha mãe.

Chamei o Rafa o Rb que toparam.

- Não vai me chamar o R de “Sloopy” durante o jogo, heinm.

Eu tinha medo de um dia sofrer um bullying sim, mas tinha mais medo de que um caso desse acontecesse com meu irmão do que comigo. Por isso eu procurava sempre alerta-lo para que se mantivesse “escondido”.

Passamos o começo da noite jogando bola. O João era goleiro o melhor de nossa escola e do bairro. Descobri que o Marcos jogava muito bem também. Tão bem quanto eu e o Rafa que jogávamos no time principal do LG.

- Cara, não quer jogar no time do LG não? – perguntou Caio, que também fora bater bola.

- Estamos ai – respondeu Marcos todo contente e “ esnobe” por ter sido convocado pelo “capitão” do LG.

- Amanhã mesmo vou falar com o Professor Luizão. Mas acho que quando ele te ver jogar vai querer te convocar para o time principal sim.

Depois do jogo fomos cada um prá nossas casas.

- Passo ai amanhã para irmos juntos para o LG.

Depois de jantar com nossos pais, fiquei um pouco na internet. Adicionei o professor Luke no MSN e no Orkut.

Fiquei fuçando a net. Já eram mais onze horas da noite quando o professor Luke apareceu on line.

Seu Nick no MSN era Lord Vader.

- Olá! – disse ele.

-Tudo bem professor?

- Sim. E você menino?

Ficamos conversando um tempão. Eu disse que havia assistido “Vidas sem rumo” e que tinha gostado muito, comentamos do poema, ele também disse que a frase final do Johnny – Seja sempre dourado – também o marcara para sempre. Depois conversamos sobre o bullying ao Paulinho e perguntei sobre ele.

- Sr Lucas, eu passei o caso para a direção e levei o Paulinho para casa a pedido do diretor. Não sei informar mais nada, pois tinha outros compromissos. Amanhã na escola é que procurarei saber a respeito do Paulinho, Se ele está melhor, se a família fez alguma coisa.

- A família pode fazer BO, né, professor?

- Não só pode, como deve, pois quem fez isso não é criança e sabia bem o que estava fazendo. Então que agüente as conseqüências.

- Espero que ele esteja bemEu também espero.

Continuamos a conversar, comentei sobre a aula daquele dia em que ele explicara sobre a discriminação dos gays, de sua superioridade intelectual sobre os heteros.

- O senhor ficou ofendido, senhor Lucas, com minha teoria de que os homossexuais são mais inteligentes que os heterossexuais.

Ai! Por que ele esta me perguntando isso?- pensei – Se eu falasse que não ele pensaria que sou gay, e sou mesmo. Se eu falasse que sim eu estaria dizendo que achei a teoria dele preconceituosa. Senti-me encurralado.

Mas, ele mesmo me salvou. Vi que ele não parava de digitar e fiquei aguardando. Antes que eu respondesse, me enviou outra mensagem.

- Senhor Lucas, eu mesmo acredito naquela minha teoria somente em partes. Não penso que exista superioridade entre os seres humanos. Todos eles se desenvolvem se de acordo com o que a hereditariedade e o ambiente lhes proporcionam. Mas, gosto d jogar aquela pimenta para levantar a auto-estima dos alunos gays, assumidos ou não, que se sentem muito inferiorizados pelas discriminações, explicitas ou não, que sofrem e para fazer com que os heterossexuais sintam-se, pelo menos por um instante, inferiores aos homossexuais e saibam o quanto é ruim o preconceito.

Meu Deus!!! Aquele cara era muito inteligente. Convenceu a todos de algo que nem ela acreditava somente para que cada lado homossexuais e heterossexuais pudessem passar pelo sentimentos do seus opostos.

- Puxa, professor!! Então aquele negócio de que os problemas com que os gays convivem o fazem exercitarem a inteligência é balela?

- Não. De jeito nenhum. Como eu falei. Inteligência é a capacidade que o ser humano tem de resolver problemas. Quanto mais problemas você é capaz de resolver, é sinal de que mais inteligente você é. Os homossexuais têm seus problemas específicos que os ajudam a desenvolverem a inteligência, mas outros segmentos da população também o tem. Exemplo: os portadores de necessidades especiais, surdos, cegos, etc. Eles são obrigados a desenvolverem outras habilidades para superarem suas deficiências. Outro exemplo: os judeus foram perseguidos por séculos e tiveram de “rebolar” para não serem extintos.

- Mas, e o senhor acha os homossexuais mais inteligentes ou não?

- Eu já te respondi. Um segmento poderá ser mais inteligente dependendo da capacidade de resolver os problemas que lhe aparece. Mas...

Deu uma pausa e completou com outra mensagem.

- Por todos os anos que lecioneis e por todas escolas que passei, os alunos que pude reconhecer como gays sempre apresentaram desempenho, proporcionalmente, melhor que os héteros.

A mesma coragem que e não sei onde havia arrumado para enfrentar Snape me apareceu naquele momento para fazer uma pergunta ao professor Luke, porém com total respeito e admiração que eu tinha por ele.

- Professor, posso lhe fazer uma pergunta.

Ele enviou risinhos e disse para eu fazê-la.

- O senhor é gay?

- Vou responder com outra pergunta: o que você acha?

- Não sei. Por isso estou perguntando. Mas, o senhor não precisa responder não.

- Eu vou responder, só quero que me responda algumas perguntas antes.

- Ok.

- Algum dia fiz alguma coisa que demonstrou que fosse gay?

- Não.

- Algum dia eu dei a impressão estar cantando você ou qualquer outro aluno?

- Não.

- Então porque me pergunta se sou gay?

- O senhor defendeu tanto a causa gay que eu achei que pudesse ser.

- Senhor Lucas, está vendo como o senhor é preconceituoso. Só porque defendo os gays não significa que eu seja gay. Isto é pensamento igual ao dos homofóbicos, sabia?

- Não sou homofóbico , professor, não tenho preconceitos contra os gays. Desculpe-me.

- Não precisa me pedir desculpa de nada...

Fez de novo a pausa e completou.

- Eu sou gay sim, senhor Lucas, mas sua visão é preconceituosa.

Fiquei super feliz ao saber daquela informação. O professor mais admirado da escola, mais querido e mais inteligente e mais respeitado pelos alunos era gay. Era uma referência para que todos pudessem notar os valores que os homossexuais também possuíam.

- E porque o senhor nunca falou?

- Por acaso o Snape chega na sala de aula e diz, “sou o professor de química heterossexual”? Por qual razão eu deveria me apresentar como homossexual?

- Mas ele é diferente.

- Diferente por que?

- Ele é casado então todos sabem que ele é hetero.

- Senhor Lucas, e desde quando casamento significa que a pessoa não curta o outro lado. Está sendo muito inocente.

Realmente. Eu era muito novo na vida gay e não sabia ainda todos os seus detalhes.

- Tem razão.

Vi que o professor Luke digitava mais uma mensagem e aguardei para digitar algo que eu estava pronto para lhe dizer.

- Senhor Lucas, eu também nunca fiz questão que soubessem de minha sexualidade, pois a partir do momento que soubessem que eu sou gay eu não poderia mais segurar em um aluno, como segurei o Paulinho hoje, ou ir ao vestiário com os meninos do futebol, como sempre fui, que diriam que eu estaria assediando os alunos. Nem sorrir para os alunos eu estaria a vontade para fazê-lo.

- Mas o senhor trata as meninas com o esmo carinho que trata os meninos.

- Sim.

- E os professores heteros também poderiam assediar os alunos de sexo oposto.

- Sim, poderiam.

- Então porque falariam do senhor.

- Por puro preconceito. E saiba que é mais fácil colar uma mentira deste tipo contra o gay que contra o hetero.

- Então professor, porque o senhor me contou que é gay?

- Você me perguntou e não mentiria para um aluno. O aluno confia muito no professor para se mentir para ele.

Cada vez mais eu admirava aquele cara. Quantos filhos não têm motivo algum para orgulharem de seus pais machos e machistas e aquele “gay” era cheio de princípios étnicos. Senti muito orgulho naquela hora em ser seu aluno e seu amigo virtual. Senti minha confiança em Luke aumentar.

- Professor, eu também quero te contar algo.

- Conte.

- Eu estou gostando de uma pessoa.

Observei ele digitar

- E esta pessoa seria o senhor Marcos Lúcio?

Fiquei surpreso com o que li. Como ele poderia saber se eu falava de homem e de mulher. Poderia estar falando de alguma menina e ele estar me chamando de gay sem motivos.

- Ok professor, o senhor está correto, mas como sabe que sou gay e como sabe que é o Marcos? Alguém já havia lhe contado alguma coisa de mim?

- Relaxe, senhor Lucas. Ninguém sabe do senhor.

- Mas como descobriu?

- Por sua causa mesmo.

- Eu dou pinta de gay.

- Não, fique tranqüilo.

- Então explique.

- Simples. O senhor disse “estou gostando de uma pessoa”. Heterossexual não fala assim. Se gostasse de uma menina o senhor diria “ estou gostando de uma menina”e não “pessoa”.

- Tem razão. Mas como sabia que a pessoa era o Marcos.

- Seus olhos lhe entregaram, senhor Lucas, ficam radiantes quando o senhor olha para o senhor Marcos.

Teclamos mais um tempo. Contei para ele que me descobri naqueles dias. Ele me recomendou saber qual seria o “meu tempo” correto para me assumir para outras pessoas e disse ainda “que o mais importante nesta vida é ser feliz, pois se viermos para o mundo para vivermos infelizes, então não estamos vivendo e sim habitando-o apenas. E só somos felizes se podemos fazer aquilo que temos vontade e não aquilo que nos dizem que devemos fazer.”

O professor Luke foi o homem mais inteligente que já conheci. Além de sabedoria, conseguia transmitir muito carinho pra as pessoas com quem conversava.

Senhor Lucas, fale para seu irmão ter mais cuidado. Ok?

- Cuidado com o que professor?

- O senhor sabe a que me refiro.

- O senhor sabe dele também?- perguntei surpreso, pois tinha certeza da resposta.

- Sim.

- Como soube.

Mandou as risadinhas e me repondeu.

- Chamar o colega ou amigo de Sloopy é um pouco estranho, né?

Ri bastante aquela resposta. Por mais que eu havia avisado o Rafa ele acabou chamando o R pelo apelido que lhe dera. Sorte que foi o Luke quem escutou. Se é que mais ninguém o já tivesse ouvido.

Já era mais de meia noite e me despedi do professor.

Ele me mandou uma última mensagem antes de aparecer “off line”

- Senhor Lucas, “seja sempre dourado”.

Li um pouquinho do Terceiro Travesseiro. Já tolerava as partes nojentas e ignorava-as. Dormi segurando o livro.

CONTINUA...


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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
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Nome do conto:
Adolescentes em ação [14] ~ Conversa franca com o Luke

Codigo do conto:
214696

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
10/06/2024

Quant.de Votos:
3

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