Apesar de ser a mesma cena de todos os dias, os alunos amontoados na rua em frente ao portão da escola, alguma coisa “estranha” estava acontecendo.
O Lê, o mesmo colega de classe do Rafa que dois dias antes viera contar que meu irmão fora para diretoria, estava conversando com um outro grupinho ali perto do nosso. Além do apelido Lê, Leandro era chamado pelos alunos do LG por outro apelido, “Comandante Hamilton” ou simplesmente “Comandante”. Ele parecia saber tudo que acontecia na escola. Não sei como ele se informava, mas se alguém quisesse saber de algo, era só perguntar para ele.
- Comandante – gritei e ele olhou – chega aqui.
- Que ta pegando? Perguntou-lhe o Rodrigo
- Sabe o moleque que zuaram com ele ontem?
- O Paulinho... Ele é da minha classe...Que é que tem ele? – perguntei já preocupado.
- Estão falando que ele tomou veneno de rato, chumbinho...
Apesar do Comandante continuar a dar sua informação e já não mais o escutava. Meus olhos se encheram de lágrimas e ao mesmo tempo que eu me lembrava de Paulinho e sentia dó dele, eu estava com muito ódio de quem tinha provocado aquela tragédia.
Não quis assistir aula naquele dia.
Eu estava transtornado, embebecido por diversos sentimentos que me remoíam internamente. Eu não conseguia me expressar. Não sabia se falava algo, se chorava, se gritava, ou, se saia batendo no primeira pessoa que eu julgasse ser autora daquela “brincadeira” que originou aquela desgraça.
Com aquele nó na garganta, característico de quando estamos com vontade de chorar, e que nos trava as palavras, consegui manifestar meu desejo.
- Eu vou embora. Hoje eu não fico aqui.
- Eu vou com você. – falou Marcos.
Acho que expressava em meu rosto toda aquela angustia, e Marcos pode percebê-la.
Como eu gostava de ter aquele moleque de sorriso lindo ao meu lado. Em qualquer outra situação aceitaria imediatamente que Marcos me acompanhasse, porém, naquele momento eu queria estar sozinho. Não sei por qual razão, mas queria estar só.
- Não. Por favor, Marcos, não se ofenda, mas quero ficar sozinho.
Acho que todo mundo algum dia caminhou de volta para casa levado pelo “piloto automático”. Você segue andando o caminho a que está acostumado, porém dirigido por um subconsciente, já que por sua cabeça desfilam pensamentos mil. Quando vi, estava em casa.
Meus pais já haviam saído e a dona Lúcia ainda não tinha chegado.
Joguei-me em minha cama. Agarrei-me a um travesseiro, me encolhi e chorei. Chorei muito. Como nunca houvera chorado antes.
Marcos, fã de Chico Buarque, um dia iria cantar uma música que me faria recordar desta minha crise de choro. Seus versos iniciais dizem “Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim”. Pois é, chorei que até fiquei com dó de mim.
Não chorava por pena de Paulinho. E também já não tinha mais medo que aquilo ocorresse comigo, mesmo sabendo que os gays estavam mais sujeitos a aquele tipo de humilhação. Chorava, pois, me fora escancarado com aqueles fatos, o quanto o mundo é injusto. Fora escancarada a maldade ilimitada do ser humano. Eu ouvir uma notícia a respeito de um travesti, barbarizado a milhares de quilômetros de distância de mim, me impressionava, mas não tanto quanto quando uma violência semelhante ocorrendo ao meu lado. Quando uma desgraça ocorre longe de nós, temos a sensação de que estamos imunes a ela, como se estivesse ocorrendo num filme.
Chorei mais ainda, ao ponto de molhar o travesseiro e ter de trocá-lo.
Adormeci. Tive um sonho agitado. Tive outro pesadelo em que havia morte. Desta vez era Marcos quem morria. Acordei com a agitação causada por aquele sonho. Ao abrir olhos vi que Marcos ao meu lado. Passou a mão em meu rosto enxugando meu suor e desgrudando o cabelo preso em minha testa.
- Calma gatinho. Ta tudo bem.
Foi um alívio ver Marcos ao meu lado. Alívio por saber que era sonho. Alívio porque realmente naquela angustia em que eu me encontrava, o melhor era estar acompanhado, principalmente se fosse por alguém que você gostava e que você sabia que gostava de você.
- Já terminou a aula? Que horas são?
- Não terminou. Fugi pra cá na hora do intervalo. Achei que você não estava bem e não agüentei ficar pensando em você aqui sozinho e triste. A dona Lúcia me deixou entrar.
- Que bom que você veio.
- Uma notícia boa, se é que podemos chamá-la assim...
- O que?
- Estão falando lá na escola que o Paulinho não morreu. Ele ta no hospital... Ainda corre risco... Mas, parece que vai escapar.
Marcos ainda me contou que diziam que Paulinho permaneceu mudo desde o momento em que vira os cartazes que o humilhavam, até quando foi levado pra casa por Luke. Também ficou calado em sua casa sem dizer nada para sua mãe ou seu pai. Aprontou-se para ir para escola, mas entrou na garagem de sua casa e tomou aquele veneno de rato. Seu cachorro o viu caído e não parou mais de latir chamando a atenção de seus pais que puderam lhe socorrer em tempo para que não morresse.
- É isso que estão falando na escola.
- Que ironia! Quase foi morto por um ser humano e foi salvo por uma animal, um cachorro.
Marcos deitou-se ao meu lado, me abraçou “de conchinha” e ficamos lá juntinhos, quietinhos e sem falar nada.
O garoto de sorriso lindo me dava tranqüilidade quando estava ao meu lado, dava paz, fazia com que eu me sentisse seguro.
Um pensamento me ocorreu. Lembrei do pesadelo que tivera dias antes, no qual meu irmão morria. Algo natural sofrer com a morte do irmão, por isso, sonhar com aquele fato era um pesadelo. Afinal era a perda de alguém que você ama. Porém, por que a morte de Marcos tornou-se um pesadelo para mim? Significava que eu já amava tanto aquele menino sorridente que eu conhecera há pouquíssimos dias? Sim, respondi a mim mesmo. Continuei quietinho a sentir o corpo quente de Marcos abraçado ao meu.
Como aquilo era bom.
- Lucas...
- Hum?
- Ta acordado?
- Estou sim. Por quê?
- Eu tinha que te dar isso lá na escola, mas, hoje eu tenho de entregá-lo aqui mesmo.
E passou paras minhas mãos um embrulhinho semelhante ao que me entregara nos dias anteriores. Com mais uma declaração do seu amor que naquele dia era “do tamanho de 6 dias, mas que chegará aos 6000”.
Agradeci Marcos com um beijo. Talvez um dos mais longos que dos inúmeros viríamos nos conceder.
Pela primeira vez pude saborear tranqüilo o chocolate que Marcos me presenteava. Gostava muito do Rodrigo. Mas era uma “aflição” a cada dia quando eu tinha de toureá-lo para que não roubasse os docinhos que marcos me dava.
E a vida continua.
Paulinho, ouvimos dizer que conseguiu se salvar. Transferiu-se de escola e nunca mais soube nada ao seu respeito. Senti remorso por nunca ter procurado, enquanto estudávamos juntos, aquele garoto tímido para conversar. Quem sabe se eu tivesse feito isto, aos poucos ele tivesse se socializado e entrosado com os demais alunos e nada daquilo teria acontecido.
Marisa, a aluna evangélica de minha classe, também pediu transferência de escola. Segundo o “comandante Hamilton”, ela assim fizera porque estaria contrariada com o professor Luke, que fazia apologia à pratica homossexual”.
- Ele não fez nada disso. – Retruquei para aquele moleque que adorava repetir as fofocas do LG.
- Só estou repetindo o que me contaram. Nem sou da sua classe. Você sabe melhor do que eu o que realmente aconteceu.
- Pois é. Sei mesmo. Mas, mesmo assim, você não precisa repetir tudo que lhe dizem, correndo o risco de estar falando mentiras.
Formamos uma chapa e disputamos a eleição do Grêmio. Levamos uma verdadeira surra nas eleições. Pegamos quarto lugar e disputaram 5 chapas. A última colocada foi uma chapa feita por gozação por alguns alunos que queriam apenas “zuar o barraco”.
- Se não fosse a chapa “Coco” teríamos sido lanternas. - Falou Rodrigo que não era membro de nossa chapa, mas que se empenhara bastante para que fossemos eleitos.
- Também, formamos a chapa de última hora – falei para consolar - O pessoal do Amir, estava se articulando desde o primeiro dia de aula. Até as duas chapas que pegaram segundo e terceiro lugar faziam campanha desde o começo das aulas. Fizemos o que deu. O importante foi tentar.
Da nossa parte faziam 3 irmãos que eram chamados de “os internet”. Eram eles Winston, Willian e Wilker. Tinham esse apelido por causa das iniciais de seus nomes, WWW. Não eram trigêmeos. Cada um estava em um ano diferente do ensino médio. O mais novo, Winston, jogava futsal muito bem. Eu já tinha observado ele jogando várias vezes. Mas, ele não jogava no time principal do LG, como eu. Eram muito simpáticos e namoradores. Nem bonitos e nem feios. Eram o que se chama de “normais”. Os três eram muito parecidos, e todos ruivos.
- Será que esses dáblios que os internet tem na frente do nome não é porque que são da família Wisley? – brincava Rafinha fazendo referência a família ruiva da série Harry Potter.
Ariadne, que acabou se tornando nossa amiga, a partir do dia que aceitamos participar do festival GLS, também fez parte de nossa chapa. Um “nerd” chamado do segundo ano, Douglas, também fizera. Completava a chapa um aluno surdo de nome Danilo.
- Tivemos os votos dos homossexuais, portadores de deficiência auditiva (os surdos eram muito unidos porque todos eles estudaram juntos há muitos anos em escola especial e foram para o LG somente no ensino médio) e dos nerds. As minorias. – Comentou Marcos.
- Que bom. E todos eles foram votos conscientes. – Falou Ariadne.
- Meus amigos disseram que tínhamos as melhores propostas pra escola. – Acrescentou Douglas.
Fazendo um sinal em que colava a mão direita, fechada, junto à testa, depois a afastava, Danilo agradecia a nós todos por termos deixado participar da chapa, já que os surdos eram sempre esquecidos, até por professores que estavam despreparados para ministrarem aulas a estes e acabavam os ignorando e simplesmente passando textos a eles para que copiassem.
- Espero que o Amir e a chapa dele pelo menos façam alguma coisa para melhorar o LG. – Comentei com o meu grupo derrotado.
Amir era um colega de minha classe. Muito brincalhão xavequeiro. Vivia matando aula para ficar com uma ou outra menina. Era “o pegador”. Inteligente, mas pouco acostumado a cumprir os deveres passados pelos professores. Brincava e se relacionava bem com todos os professores. Como costumam ser todos os alunos “malandros”, era também muito simpático.
Futuramente eu presenciaria dois fatos protagonizados por Amir e por Luke.
O professor Luke o observa vestido com um par de meias rosa. Bem femininas.
Virou-se para a classe e disse:
- Senhores, quero parabenizar o senhor Amir.
A classe ficou curiosa. E ele continuou.
- Todos nós sabemos da preferência sexual do senhor Amir. Não temos dúvida que El gosta de mulheres.
A classe riu.
- Quero parabenizar o senhor Amir, pelo fato de ter a coragem de vir vestido com meias rosas sem se importar com o que iriam pensar seus colegas.
A classe toda aplaudiu Amir. Ele ficou em pé, agradeceu, fez quinhentas mil graças. Explicou que naquele dia pegara as meias da irmã, pois não encontrava as suas.
A partir daquele dia, apareceu outras vezes com as mesmas meias rosas e sempre as mostrava durante a aula para o professor Luke. O fato se repetiu várias vezes.
Até que um dia...
- Professor, olha aqui. – disse Amir, erguendo a barra da calça e mostrando a meia rosa novamente.
- Senhor Amir, parabéns, mas acho que o senhor precisa mudar de meias de vez em quando. – Brincou Luke. – Vou comprar um par de meias rosas qualquer dia e dar de presente ao senhor.
- Poxa professor, compre sim. Vou gostar, mas traga daquela de dedinhos.
Um dia o professor Luke trouxera as tais meias que Amir havia falado. Um camelo perto da escola as estava vendendo e o professor Luke comprou um par por um real.
Quando chegou em nossa sala, presenteou Amir que as vestiu imediatamente e as exibiu para a classe. Agradeceu o professor.
- Professor qualquer dia vamos a um forró. O senhor é muito gente boa. Vamos lá dançar. O senhor curti forró?
- Não é de meu costume, mas vamos sim senhor Amir.
Porém, parece que Amir só fizera o convite por “média” e o professor somente o aceitara por educação. Nunca foram a foro algum.
E a aula seguiu normalmente.
Numa outra ocasião, entretanto Amir teria de se apresentar com um traje típico de um país que aparecia no livro em que lera. Não sei a razão, mas ele foi vestido de escocês e o Luke já havia o avisado que este traje não correspondia ao seu trabalho.
- Senhor Amir, seu traje não corresponde ao seu trabalho. O senhor sabia disso, pois, me consultou e eu o avisei. Entretanto, sei que o senhor tem condições de ser aprovado, pois é inteligente, apesar de ser “enrola” e não vou prejudicar o grupo todo – o trabalho era em grupo - por causa disso. Mas, não deveria ter vindo vestido com esta saia escocesa, pois teria de representar a Inglaterra e não a Escócia.
O professor Luke era amigo dos alunos, porém não deixava de chamar a atenção destes toda vez que necessário.
Amir, neste dia, como presidente do Grêmio, antes de se iniciarem as apresentações discursou e elogiou o professor Luke por sua dedicação e seu bom trabalho.
Perdida a eleição passamos a nos dedicar a ensaiar para o festival GLS.
Tínhamos pouco mais de dez dias para bolarmos um número musical e ensaiarmos para a apresentação.
- Que vamos fazer? – perguntou Rodrigo.
- Em primeiro lugar, “senhor espertalhão”, gostaria de saber como poderá participar? Você não toca nada?
- Não toco mais eu canto.
Eu, Marcos, Rafa e RB olhamos uns aos outros com cara de desconfiança.
- Canta mesmo? – insistiu Marcos.
- Sim. Por qual razão não acreditam em mim? Podem confiar.
- Bem, isso veremos depois. – falei – Marcos, tem alguma idéia?
- Tenho sim. Acho que vai ter muita gente tocando as mesmas coisas então deveríamos tentar ser originais, quem sabe faturamos algum prêmio.
Explicou para todos a sua idéia. Todos nós a aprovamos.
- Será que as panteras topariam? – Perguntou RB.
- Eu falo com o Fabinho. Deixem por minha conta. – Tranqüilizei-os.
Conversei com as panteras, expliquei o que seria o nosso número musical no festival e elas adoraram. Passamos a ensaiar com total dedicação na garagem de minha casa. Muitas vezes deixamos de fazer outras atividades, como futebol academia ou até um cineminha, para que o nosso número pudesse ser realizado tal qual foi planejado.
A partir do dia em que adicionei o professor Luke em minha lista do MSN, nossa amizade se estreitou. Conversamos sempre pelo computador e muitas vezes nos intervalos. Também fizeram bastante amizade com Luke, Marcos, Rafa e RB.
Várias e várias vezes fazíamos “conferências” no MSN. Todos nós gostávamos muito dele e víamos que ele gostava muito de nós.
Vinny, uma semana após o churrasco se mudara para Sampa, freqüentava a faculdade de direito de nossa cidade e sempre que podia, antes ou depois de suas aulas, dava uma passadinha em casa. Tornou-se amigo também de Marcos e do RB.
Sua relação conosco era cada vez mais estreita e R achou por bem contar que ele e R eram agora namorados.
- A Uca... O Vinny viu aquela cena minha com o RB eu não queria que ele pensasse que nossa relação fosse apenas “putaria”, queria que ele soubesse que entre gays há sentimentos de carinho e afeição e não somente sexo. – Justificou o Rafa para mim, quando eu o indaguei da razão de ter contado a Vinny.
Não falei nada para meu primo de meu relacionamento com Marcos. Mas, acho que ele sabia tudo que rolava entre nós.
- Sábado que vem, não tenho plantão na delegacia aqui em Sampa e vou comemorar meu “niver” lá em casa, em São José. Quero vocês quatro lá.
Vinny insistiu muito para que Marcos e Rb também fossem.
No sábado seguinte, fomos cedo para SJCampos. Tirando o fato da mãe do R não querer deixá-lo ir, mesmo sabendo que pagaríamos suas passagens de ônibus, tudo correu muito bem.
Decidimos que iríamos e voltaríamos no mesmo dia. Eu e o Rafa não queríamos dormir em SJCampos, porque ficamos receosos com minha tia Eneyda, mãe de Vinny e irmã de minha mãe.
Sempre gostei muito dela, entretanto, apesar de ser legal, de vez em quando dava uma de “dona da verdade” e falava um monte de coisas. Teve razão em algumas vezes e não teve em outras tantas.
Ela não estudara. Fez apenas o ensino médio, Assim, repetia muito do que ouvia e nunca demonstrou ser capaz de ter uma idéia própria. Essa era a imagem que eu tinha dela. Era mais nova que minha mãe e era bonita. Minha mãe a adorava.
O Churrasco foi legal Divertido como sempre. Muito samba de enredo como o Vinny adorava. Ele bebeu “todas” que tinha direito. Estava bastante feliz, com namorada nova, Viviane, uma gata.
Estavam vários amigos do Vinny, inclusive muitos eu já conhecia, e também outros primos dele, por parte de pai, alguns com as namoradas.
O Marcos levou o violão e tocou o dia todo.
Meu tio Alberto gostou muito do Marcos e do RB.
Obrigou a todos nós dormirmos lá.
- Uca... Contei para os meus pais sobre o Rafa e o RB.
- Por que Vinny? E se sua mãe contar lá em casa? Meus pais ainda não sabem.
- Relaxa. “Pega nada”. Eu falei pra eles que o tio Carlos e a tia Silvia não sabe. Só contei, porque eu queria que eles entendessem que considero o RB, namorado do Rafa, da mesma forma como considero as namoras dos outros primos. Não achava que deveríamos manter esse segredo. Não há nada demais.
No domingo, acordamos cedo e passamos o dia todo na piscina. Minha tia precisou sair para comprar algumas coisas e o Rafa que sempre foi muito bonzinho, se ofereceu para ajudá-la e a acompanhou ao mercado.
De tardezinha fomos todos embora. O Vinny nos levou para a rodoviária, pois só viria pra Sampa no dia seguinte.
- RB e Marcos, quero ver vocês sempre aqui.
Beijou-os assim como a mim e ao Rafa. Foi um final de semana bem divertido.
Notei que o Rafa estava meio esquisito, mas não quis me falar nada no ônibus. Disse que conversaria comigo em casa.
Vi que o Rafa tava triste. Muito triste.
Chegando em casa, assim que ficamos a sós, fui saber o que aconteceu.
O chorão caiu em lágrimas e não conseguia falar.
Precisei abraçá-lo e acalmá-lo até que pudesse falar.
_ Quando eu fui no mercado com a tia Eneyda, ela falou que já estava sabendo qeu o Sloopy é meu namorado. Pensei que ela fosse falar alguma coisa legal dele, mas, não. Ela disse que eu poderia ir à casa dela quantas vezes quisesse, como sempre fomos, mas que eu não deveria levar mais o RB. Que poderíamos causar constrangimento às pessoas que freqüentavam sua casa.
Como aquela mulherzinha era capaz de ser tão preconceituosa? Que constrangimento o Rafa e o RB causariam? Qual a diferença entre o Rafa e os demais primos do Vinny que estavam com as namoradas?
- Ela falou que constrangimento, Rafinha? – Falei abraçando-o junto ao meu peito.
- Deu a entender que ficaria chato se alguém visse eu e o Sloopy transando.
- Que estúpida!! E por qual razão você sairia daqui de São Bernardo do Campo pra ir transar lá na casa dela em São José dos Campos? Aqui em nossa casa, você tem um quarto só seu, onde fica na maior privacidade com o R. Por qual razão iria ter de trepar lá? Que pensamento idiota!
- Mas, eu fiquei quieto, Uca. Não quis falar nada porque senão eu ia chorar de tanta, mágoa e decepção que eu senti, por ela ter me falado tudo isso.
- E outra...Ela acha que seria constrangedor se pegasse você e o RB transando, mas eu acho constrangedor flagrar qualquer pessoa transando. Ou se ela visse o próprio Vinny transando com a Viviane, apenas falaria assim, “estão precisando de alguma coisa”?
Não fiquei com raiva de minha tia porque não poderia jogar todo um passado fora. Cometeu um grande erro com meu irmão, comigo que também estava com o namorado, mas também em outras ocasiões demonstrara que gostava de nós e nos amava. Pelo menos sempre pensei assim.
Mas, o preconceito que demonstrou possuir e que jamais imaginávamos que existia, mostrou-me que a discriminação que teríamos pela frente, por sermos homossexuais, estava bem mais próxima que imaginávamos. E ela poderia vir de quem agente menos esperava.