LIVROS E PAIXÕES [21] ~ A mureta do vizinho

Às vezes a minha mente me trai.

Nessa manhã, por exemplo, quando saí de casa para ir à escola, eu podia jurar que o Alex estava ali me esperando sentado na mureta do vizinho.

O mesmo lugar onde o Carlos e a Marília sentaram várias vezes depois dele, para me esperar.

Mas nesse dia a mureta estava vazia e eu me senti estranhamente decepcionado.

Não é que eu realmente esperasse que ele estivesse ali depois de tanto tempo sem notícias e depois de ter voltado antes sem avisar.

Não, eu não esperava isso.

Eu só gostaria que ele estivesse ali e eu pudesse convidá-lo para entrar e a gente pudesse resolver essa história de uma vez por todas.

Mas ele não estava ali.

E também não estava na escola quando eu cheguei lá para fazer prova de recuperação.

Eu podia entender que ele não estivesse na escola, afinal ele não estudava mais lá, porém ele não apareceu na árvore das Luzes naquela noite onde nós tocamos para comemorar o show da véspera.

Era como se ele não estivesse voltado.

Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Passei pela frente da casa dele na volta para casa e as luzes estavam acesas. E eu fiquei parado ali por alguns momentos pensando se subiria a escada do jardim e tocaria a campainha.

Por fim decidi ir embora e quando tomei essa decisão me lembrei da Marília falando “provavelmente eles ainda vão brigar bastante porque são dois cabeças-duras”.

Será que ela estava certa e mais uma vez eu estou fazendo bobagem evitando procura-lo até que ele me procure? E se ele estiver esperando eu procurá-lo para conversar?

Bom, neste caso ele ia esperar sentado porque eu não iria atrás dele!

E após pensar sobre isso por um minuto, eu percebi que estava sendo infantil de novo.

Continuei caminhando até chegar em minha casa e decidi sentar na mureta do vizinho; ali, onde várias pessoas já esperaram para encontrar comigo.

Eu me sentei buscando encontrar a mim mesmo.

Eu só havia sentado ali uma vez antes, junto com o Carlos... E lembrei-me da conversa que tivemos naquele dia.

“- Sabe, minha vida mudou muito depois que comecei a namorar com você. Finalmente eu estou feliz de novo e essa felicidade vem de você!

- Nossa Renato! Quanta responsabilidade - ele disse rindo.

- Não entendi.

- Você não acha que é muita responsabilidade ser a fonte da felicidade de alguém?

- Sabe cara; às vezes você diz coisas estranhas...

- Estranhas... Pois eu te digo que é mais estranho ainda depositar a sua felicidade em alguém...

- Olha... Se você não gostou do que eu disse; beleza! Vou manter a língua dentro da boca na próxima vez - eu falei meio chateado.

Ele sorriu e cutucou minha testa com dois dedos:

- Eh amor, você entendeu tudo errado! O que eu estava tentando dizer pra você é que você não deve depositar a sua felicidade em coisas que não dependem de você, coisas como outras, pessoas por exemplo.

Eu olhei para ele meio surpreso com o que eu estava ouvindo e ele continuou:

- Ser responsável pela felicidade de alguém é muita responsabilidade... Fatalmente nesses casos as pessoas se machucam e não é isso que eu quero. E imagino que não seja isso que você queira também. A sua felicidade Renato, só depende de você e de mais nada e de mais ninguém! Por isso se você quiser alguma coisa construa você mesmo o caminho para consegui-la. Se algum problema te incomoda, faça o possível para resolvê-lo; não espere que ninguém resolva por você porque a vida é assim; e claro, seja bom com os outros e você vai se tornar feliz naturalmente! E se nesse processo você encontrar alguém para compartilhar dessa felicidade, do jeito que eu te encontrei, que bom! Não é mesmo?

- Puxa! Você sempre me surpreende com esses seus momentos! Depois de ouvir isso, acho que consigo enxergar pelo menos alguns erros que eu já cometi tentando ser feliz. Será que você pode repetir pra eu anotar e nunca mais esquecer? - eu falei surpreso e ao mesmo tempo brincando com ele.

Ele me olhou com aqueles olhos cor de mel que estavam sempre em harmonia com o seu sorriso e sacudiu a cabeça incrédulo.”

(...)

Ah Carlos, como você era melhor que eu!

Depois dessa recordação acabei tomando uma decisão.

Eu não sabia qual era o problema do Alex, mas eu ia procurá-lo no dia seguinte, afinal aquela situação me incomodava e eu não estava disposto a conviver com ela, portanto eu tinha que resolver isso eu mesmo, esse era o caminho para a felicidade!

Antes de dormir eu chequei a caixa de entrada do meu e-mail só para ter certeza de que ele não havia mandado nenhum outro e-mail falando sobre o retorno antes da data ou sobre ter visto meu show, muito menos sobre o fato de estar sumido.

Mas não havia nada...

No dia seguinte eu passei a manhã em casa pesquisando novas músicas para a banda, pois nós tínhamos ensaio à noite.

Porém logo depois do almoço, eu me dirigi até a casa do Alex e me enchi com o máximo de coragem e bati na porta.

Mas ninguém abriu.

Fui então até a casa da vizinha perguntar se ela sabia alguma coisa sobre o paradeiro do Alex ou do pai dele.

A mulher que abriu a porta era jovem e bonita e eu lembrei que o pai do Alex já tinha “pegado” ela uma ou duas vezes, de tal modo que eles ficaram íntimos o suficiente para que ele sempre deixasse uma chave extra na casa dela.

Ela me falou que os dois viajaram de manhã cedo para a casa da prima deles, porque a família brasileira dele queria aproveitar a estadia do Alex no Brasil para fazer uma reunião de família ou coisa assim e eles só voltariam no dia vinte e seis de dezembro.

Vinte e seis de dezembro!

Dá pra acreditar?

Ele se mandou para o interior sem nem falar um “oi, voltei” pra mim!

Depois me lembrei de que ele foi ao show e que minha querida mamãe despachou o cara antes dele falar comigo.

De qualquer formar isso não era desculpa.

Tentei me acalmar depois dessa notícia lembrando da reunião passada no centro onde o tema foi “o sofrimento voluntário”.

E como ele viajou e estava incomunicável até o dia vinte e seis e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, o jeito era não sofrer voluntariamente e me conformar em esperar até o dia as sua volta.

Droga! Eu só o tinha visto de relance duas vezes durante meu show e esses poucos segundos de contato visual mexeram comigo de forma inexplicável.

Era inegável que uma força maior que qualquer outra tinha começado a agir dentro de mim no momento no qual eu pus meus olhos sobre ele de novo.

Eu voltei para casa decepcionado pelo adiamento da nossa conversa. Deitei-me na cama e olhei para cima e vi estrelas.

Malditas estrelas! Elas me traziam tantas recordações... Meu coração estava batendo mais rápido e eu estava ficando emocionado e excitado pelo peso e o prazer das lembranças.

Se eu olhasse para cima via as estrelas que representavam a minha conexão com ele (uma conexão que ficou adormecida por muito tempo) e se fechava os olhos eu lembrava do olhar dele fixo nos meus olhos depois da primeira vez que fizemos amor!

Quantas lembranças boas e ruins inundaram minha mente... E a impressão física do amor, a paixão que eu sentia por ele, estava se despertando.

Droga! Eu devia ter dado um fim naquelas estrelas quando tive chance. Agora seria mais difícil esperar até o dia vinte e seis...

Naquele dia o meu amor pelo Alex, que estava adormecido no fundo do meu peito, despertou!

Me surpreendi ao perceber que ainda amava aquele idiota lindo, do mesmo jeito que eu o amava no dia em que ele foi embora e uma parte de mim morreu.

Porém, dessa vez havia uma diferença: eu havia aprendido a viver e ser feliz comigo mesmo e por isso amá-lo não seria o centro da minha felicidade. Seria apenas um acréscimo importante a elaEu amei essa música, Renato! - ouvi a Marília dizer depois que eu toquei "Blind" para a banda ouvir mais tarde naquele dia.

O restante da banda também curtiu muito e naquela mesma noite estávamos ensaiando para tocá-la na nossa próxima apresentação, que seria na véspera de Natal.

Os dias depois daquele se arrastaram, mas eu não me deixei abater pela presença ausente do Alex no país.

Eu aproveitei cada dia das férias com os meus amigos, tocando, assistindo filmes, jogando bola na chuva, lendo algum livro bom ou simplesmente conversando com o pessoal debaixo da árvore das Luzes.

Eu podia dizer que estava contente com minha vida, porém, no fundo do meu peito, um sentimento havia despertado e eu sabia que o quanto antes resolvesse minha situação com o Alex, melhor seria.

A Felicidade total estava a apenas alguns dias de mim... Eu podia sentir.

Na véspera de Natal a banda se apresentou em uma lanchonete no shopping. Foi bem legal e eles até pagaram a gente.

Na noite de Natal eu passei a meia-noite na casa do Carlos, com a família dele.

Não havia festa, mas a família inteira se reuniu naquele momento tão especial para fazer uma prece por ele. Foi um momento muito bonito; talvez um pouco triste, mas mesmo assim foi bom poder abraçar os pais dele e o seu irmão.

Nesse dia eu não chorei. Eu tinha tanta certeza que ele estava em um lugar maravilhoso e bem melhor que esse plano terrestre, que eu simplesmente me concentrei em desejar felicidades a ele e, aonde quer que ele estivesse, tenho certeza de que ele percebeu minha oração.

Desejar minha felicidade foi tudo que ele sempre fez... Até no último momento.

Portanto desejar felicidade para ele era só o que eu podia fazer.

Me despedi da família dele logo após a meia-noite e fui para casa, onde mamãe havia preparado uma farta ceia.

Aquela realmente foi uma noite feliz para mim. Minha família que mora no interior veio passar o natal em casa. Então o lugar estava cheio de crianças e alegria.

Meus amigos passaram por lá para me desejar feliz natal e mamãe fez questão que eu cantasse um pouco.

Aquela foi realmente uma noite feliz. Fazia muito tempo que eu não me reunia com toda a minha família, e principalmente, sem ter nada a esconder sobre mim.

Eles souberam da minha homossexualidade quando o Carlos faleceu e ali estavam todos me abraçando e me ouvindo tocar na noite de Natal.

Acho que esse é o verdadeiro significado do Natal: famílias unidas onde os indivíduos valorizam uns aos outros pelo o que eles são.

O momento com a minha família e a visita à casa do Carlos naquela noite marcaram meu Natal.

Eu e meus primos ficamos acordados até o nascer do sol. Um início de dia glorioso e embora o sol estivesse surgindo no horizonte, ainda era possível ver algumas estrelas.

Meus pensamentos me carregaram para a primeira vez que eu vi o sol nascer a lado do Carlos e eu estava prestes a chorar de saudade quando meu celular vibrou no meu bolso e me trouxe de volta ao presente.

Eu havia recebido uma mensagem, de um número desconhecido, onde simplesmente se lia:

“FELIZ NATAL!!!

ASS: ALEX”

Meu coração trotou dentro do peito e eu pensei: “idiota desgraçado, porque você faz essas coisas comigo? Você deveria estar aqui agora. Não foi para isso que você voltou?”

Depois eu sorri e pensei: “quem liga? Ele lembrou de me desejar Feliz Natal!”.

Respondi a mensagem na mesma hora:

“UM FELIZ NATAL PARA VOCÊ TAMBÉM!

ASS: RENATO”

Simples e suficiente, pensei antes de enviar. Não pude deixar de imaginar onde ele estaria e o que estaria fazendo para me mandar uma mensagem àquela hora da manhã.

Independente de onde ele estivesse, eu não me importava porque aquela simples mensagem tornou minha “Noite Feliz” perfeita!

Acordei com minha tia me chamando para tomar café da manhã.

Havia muitas frutas e doces sobre a mesa da cozinha e como já eram quase 10:30 h eu estava esfomeado. Devorei meia mesa em pouco tempo.

A Marília veio me visitar logo depois do almoço e eu e ela ficamos conversando bastante no meu quarto, mas sem tocar no assunto do Alex. Até que eu puxei o assunto dizendo:

- Amanhã é dia vinte e seis, Marília...

- E...

- Amanhã ele volta e a gente vai poder conversar.

- Renato eu... Eu não quero falar sobre o Alex hoje. - ela disse séria.

- Desculpa! Eu não queria te...

- Não é isso. Você sabe que eu sempre ouço você, mas é que depois que ele voltar e vocês se entenderem, ele vai estar na sua mente o tempo todo e eu quero aproveitar os últimos momentos com você sem a presença dele, ou melhor, só com a presença ausente dele.

- Marília, isso não é verdade; não vai ser como era antes. Isso se chegar a ser alguma coisa. Eu ainda nem falei com ele e pode ser que ele não queira nada comigo. E pode ser que eu não queira nada com ele.

Ela me olhou de um jeito incrédulo e irônico e falou:

- Você pode não querer nada com ele? Fala sério, Renato!

E se levantou para ir embora, mas eu a puxei pelo braço com força demais e ela caiu em cima de mim.

Rolou um clima um pouco estranho, com ela sentada no meu colo e um olhando para o outro.

Ela se levantou muito vermelha e aparentemente triste e furiosa:

- Qual o seu problema, Renato?

- Qual o meu problema? Você que está reagindo a tudo como uma louca hoje! O que está acontecendo com você?

- Você quer que eu te diga? - ela gritou - Pois eu digo!... EU TE AMO, SEU IDIOTA! - ela parou para respirar e com a voz embargada continuou: - Mas... Mas eu só posso ter a sua amizade e eu achei que era suficiente, mas não é, Renato! - ela começou a chorar copiosamente e se sentou com força na poltrona do meu quarto.

- Marília me desculpa, eu...

- É só isso que você sempre diz.

- Mas eu não sei o que fazer. Eu te amo também, mas é de um outro jeito e se eu tentasse te dar o que você quer, nós dois seríamos infelizes. A gente iria viver uma mentira!

- A culpa não é sua, Renato! Não é como se você pudesse escolher... Eu é que tenho que pedir desculpas, mas tenta me entender. Se nós vamos continuar com essa amizade, você precisa se tocar que por melhor companheira que eu possa ser, dói demais ouvir você falar do quanto ama um outro menino. Eu já fiz muito isso, mas se você voltar amanhã com o Alex eu simplesmente não vou aguentar ficar ouvindo os relatos da sua felicidade.

- Eu prometo que vou tentar me controlar e não falar mais sobre ele com você - eu disse meio envergonhado.

- E eu prometo que vou sufocar esse sentimento maldito, custe o que custar. Você está fora de alcance, Renato e já passou da hora do meu coração entender isso.

- Infelizmente a gente não pode controlar os sentimentos.

- É; infelizmente não.

Ela falou enquanto se levantava e ia em direção à sala. Eu fiquei me sentindo o pior dos amigos; eu era mesmo um estúpido.

Mesmo sabendo que ela gostava de mim nunca fiz muita coisa para evitar magoá-la; sempre deixei que ela lidasse com isso sozinha. Já eu sempre corria para o colo dela.

Era óbvio que eu não estava me esforçando o suficiente para ajudá-la a me esquecer, mas eu também não sabia o que fazer sobre isso.

Eu resolvi ir atrás dela na sala e ela estava sentada com cara de choro no sofá e um dos meus primos (o Daniel) estava ao seu lado.

- Oh primo, eu estava fazendo sala para a sua amiga...

- Obrigado, Daniel! - eu queria que ele sumisse dalí para que eu e ela pudéssemos nos entender.

- Hoje mais cedo o Renato contou que você toca na banda dele, mas que também tem uma voz muito bonita.

- Ele disse isso mesmo, Daniel? - ela falou abrindo um leve sorriso.

- Ah, disse sim! Aliás se o primo não fosse “chegado” eu pensaria que você era namorada dele. - ele disse rindo.

- “chegado” é ótimo! - eu comentei rindo e me sentei no sofá menor, em frente à Marília.

- Sabe, eu queria ouvir você cantar...

-Eu não sei se é um bom momento, Dani! - ela falou, mas ele interrompeu dizendo:

- Espera aí que eu vou buscar o violão do Renato. - ele se levantou em um salto e foi para o meu quarto.

- Desculpa o meu primo, eu vou pedir para ele parar de te perturbar e a gente vai poder terminar aquela conversa.

- A nossa conversa já terminou e, ah... Aí está ele com o violão.

Realmente o Daniel tinha acabado de voltar do meu quarto trazendo meu violão e parecia bem feliz; feliz até demais para o meu gosto.

- Está aqui.

- Ah, obrigada, mas eu não sei nem o que tocar...

- Por que você não toca uma música dedicada a mim - ele deixou escapar como quem não queria nada.

- Hum... Acho que vou tocar uma para o seu primo Dani e depois toco uma para você, Renato...

- Beleza, mas depois toca a minha...

- Claro!

Ela começou a tocar uma música que eu logo reconheci e entendi o recado.

Out of Reach - Fora de Alcance – tradução

“Conhecia os sinais

Não estavam certos

Eu fui idiota por um tempo

Varrida por você

E agora eu me sinto como uma estúpida

Tão confusa,

Meu coração está machucado

Será que eu já fui amada por você?

Fora de alcance, tão distante

Eu nunca tive o seu coração

Fora de alcance,

Não conseguia ver

Não era mesmo para sermos

Me tiro

Do desespero

Eu poderia me afogar

Se eu ficasse aqui

Me mantendo ocupada todo dia

Eu sei que eu ficarei OK

Mas agora eu estou

Tão confusa,

Meu coração está machucado

Será que eu já fui amada por você?

Fora de alcance, tão distante

Eu nunca tive o seu coração

Fora de alcance,

Não conseguia ver

Não era mesmo

Pra sermos

Tanto sofrimento

Tanta dor

Leva um tempo

Pra repor

O que está perdido por dentro

E eu espero que em tempo

Você esteja fora da minha mente

E eu tenha te superado

Mas agora eu estou

Tão confusa,

Meu coração está machucado

Será que eu já fui amada por você?

Fora de alcance,

tão distante

Eu nunca tive o seu coração

Fora de alcance,

Não conseguia ver

Não era mesmo

para sermos

Fora de alcance,

tão distante

Você nunca deu seu coração

Ao meu alcance, posso ver

Há uma vida lá fora esperando

Por mim.”

Meu primo não entedia uma palavra de inglês, por isso não entendeu o que a Marília quis dizer com aquela música e simplesmente aplaudiu quando ela terminou.

Eu porém, entendi o recado magoado dela.

Mas a culpa não era minha; ela precisava resolver seus sentimentos e até lá eu não tocaria no assunto Alex com ela.

Depois disso meu primo ficou conversando com ela por um bom tempo.

A verdade é que ele estava cheio de segundas intenções e a Marília também percebeu isso e em outras circunstâncias o assédio dele talvez fosse bem vindo, afinal ele era um rapazinho bem bonito e simpático.

Mas ela estava magoada e triste e por isso não se demorou a ir embora, mas eu reparei que ela deu o seu telefone para o Dani.

Naquele dia eu dormi cedo. Logo depois que o restante da família foi embora eu me recolhi ao meu quarto e apaguei, cansado pela noite não dormida na véspera.

Quando acordei já era quase dez horas. Tomei um banho, comi umas torradas no café da manhã e saí para andar de bicicleta.

Não pude deixar de olhar para a mureta do vizinho vazia quando abri a porta.

Montei na minha bike e pedalando sem rumo me vi diante da casa do Alex, que ainda parecia vazia.

E era óbvio que eles ainda não tinham chegado.

Continuei pedalando e me perdi em pensamentos... E quando vi, tinha pedalado até a praça dos ipês, um lugar ao qual eu não voltara desde o desencarne do Carlos.

O lugar estava calmo como sempre. As folhas amarelas estavam caídas nas calçadas e a grama verde estava maior que o habitual.

O movimento que nunca fora muito grande naquelas paragens praticamente acabou depois dos acontecimentos daquela triste madrugada, por isso o lugar estava mais vazio que nunca.

Desci da bicicleta e fiquei um tempinho sentado no mesmo banco no qual eu estive com o Carlos pela última vez.

Eu evitei aquela praça por meses e de repente, naquele dia, me vi parado ali.

Foi uma experiência diferente porque eu não conseguia sentir a paz que aquele lugar costumava me dar, contudo também não senti o pavor de reviver os últimos momentos do Carlos.

Sentado ali foi impossível não recordar mil momentos vividos com o Carlos.

As lembranças felizes acendiam uma chama no meu coração e eu senti que ele estava por perto.

Eu não sei se foram as memórias, ou o lugar ou a semelhança com meu sonho... Mas naquele momento eu pude jurar que ele estava perto de mim.

Pensar que alguém que me amou tanto pudesse estar tão perto me fez sorrir de alegria.

Não pude evitar algumas lágrimas também.

Foi então que eu fechei meus olhos e pensei no Carlos... E pensei em Deus. Roguei aos céus que permitisse que eu e ele nos reencontrássemos algum dia e agradeci por todo o tempo de felicidade que me foi permitida do lado dele.

Eu fiquei sentado com as mãos cruzadas sobre o colo e enquanto algumas lágrimas escorriam pelo meu rosto eu permaneci com os olhos fechados e comecei a pensar no futuro.

Eu precisava falar com o Alex, eu queria muito seguir o conselho do Carlos e não deixar escapar nenhuma chance de ser feliz, porém eu não sabia quais eram as intenções do Alex e pra ser muito sincero, mesmo tendo certeza de que ainda o amava eu não tinha total certeza se queria ou não que essa relação desse certo.

Foi nesse momento que senti que alguém colocou a mão no meu ombro. Eu dei um pulo assustado do banco; primeiro por ter sido trazido à realidade de forma muito brusca... E segundo porque por alguns segundo eu pensei que pudesse ser o Carlos.

Não me perguntem como, nem porque, mas eu pensei.

Mas não era ele e descobrir quem era me assustou mais ainda.


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Ficha do conto

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Nome do conto:
LIVROS E PAIXÕES [21] ~ A mureta do vizinho

Codigo do conto:
216019

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
08/07/2024

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