O Garoto e o saxofone [5]

Como o Caio não havia mudado em nada, desde que eu comecei a ignorá-lo, achei que fosse coisa da minha cabeça essa coisa de ele ser gay e estar apaixonado por mim. Então, aos poucos, voltei a me comportar como antes.

Mas era eu voltando ao normal e ele começando a se afastar de mim.

Na verdade ele não se afastou, mas agora era ele quem recusava os meus convites.

Se bem que o Caio recusava os meus convites quando esses envolviam outras pessoas, em especial a Laís. Mas quando era um programa só para nós dois, ele ia.

Mas mesmo assim ele estava meio diferente. Como se ele quisesse me dizer algo, mas tivesse medo.

Teve uma festa de aniversário na casa da Ellen, colega de sala da gente.

Fomos porque não perdíamos uma festa sequer. Estávamos lá todos animados, curtindo, bebendo e dançando.

Eu levei a Laís e o Caio foi meio frio com ela. Deu “oi”, dois beijinhos e nada mais. A Laís não notou isso porque nunca se importou com ele, mas eu notei.

Ele ficou na rodinha dançando, como todos. Ele adora música eletrônica, então passou a noite mexendo o corpo.

A Laís começou a encher o saco para ir embora, então decidimos que eu a levaria em casa e voltaria para a festa.

Ela ainda discutiu, disse que não queria que eu ficasse. Mas eu bati o pé e disse que voltaria para a festa.

No fim, ela concordou.

Depois que eu voltei, fui ficar com os meus amigos na pista. Senti falta do Caio naquela farra e fui procurá-lo. Eu o encontrei na sacada da casa da Ellen, com um copo de refri na mão e olhando para o horizonte. Achei aquilo tão estranho. O Caio não é de passar uma festa em clima morno. Então, fui ver o que acontecia com ele.

- Caio? Por que está aí sozinho? - perguntei.

- Ah, que bom que você voltou. Preciso te falar uma coisa muito séria. - disse ele apressado, como se fosse agora ou nunca.

Assustei-me. Pensei logo que ele poderia estar pensando em se declarar para mim finalmente.

- Calma, cara. O que aconteceu?

- Aqui não. Aqui está muito barulho. Vamos descer. Daí a gente vai para a rua e fica perto dos carros, pois lá é mais sossegado.

Concordei com ele e fomos para a rua. A cada degrau que eu descia, eu pensava comigo mesmo “É agora!”.

Meu coração batia forte, eu suava frio.

Quando chegamos à rua, percebi que o local que ele tinha escolhido era bem afastado da festa. Longe dos olhos de todos.

- Chegamos! O que de tão importante você tem para me falar? - perguntei às pressas.

- Agora espera um pouco. Me deixa tomar coragem para falar.

Se havia alguma dúvida de que ele ia revelar o que eu temia, já não havia mais.

- Tudo bem, eu espero você se acalmar e me contar finalmente.

Ele ficou me olhando um tempo. Abaixou a cabeça e começou a tremer um pouco.

Ao mesmo tempo em que eu não queria que aquele dia chegasse, eu também queria que essa situação fosse logo resolvida. Porque, se pudesse ser contornada, ao menos eu ainda teria a amizade do Caio. Não ter a amizade dele machucava os meus pensamentos. Era triste. Então decidi levar aquele papo adiante.

- Fala logo, Caio. Parece que é sério, então me conte tudo de uma vez. - disse eu, aflito.

- A Laís está te traindo com um primo dela. - ele disse de olhos fechados e de cabeça baixa.

Eu não imaginaria nunca que era aquilo o que ele tinha para me dizer. Eu nem acreditei quando ele falou, a ficha não caiu de imediato.

- O quê?

- É, é isso mesmo. É aquele primo que você me apresentou na festa “Du Baralho”, lembra?

Essa foi uma festa que a turma veterana da nossa faculdade tinha organizado para angariar fundos para a formatura. Eu levei a Laís, que levou esse primo, que era novo na cidade. Até então ele morava numa cidade do interior.

- Lembro. - disse eu, sério.

- Eu não queria te contar porque... sei lá, eu não conseguiria ser o portador dessa notícia. - disse ele quase chorando.

- Eu não acredito!

- É, eu sei. Eu sei que não é fácil. Quer dizer, eu imagino... - ele disse, mas o interrompi.

- Eu não acredito que você está mentido para mim! Como ousa?

- Hã?

Ele levantou a cabeça finalmente, me encarou nos olhos e franziu a testa. Já eu estava com uma expressão de ódio e sentindo a falsidade dele naquelas palavras.

- Por que você está mentindo para mim?

- Eu não estou mentindo, eu vi... - interrompi mais uma vez.

- Você... não esperava isso de você. Eu sei que você não gosta da Laís, mas não precisava fazer isso. - disse eu, bravo.

- Não é mentira, Marlon, eu vi. E eu não tenho nada contra a Laís. Por que está dizendo isso?

- Você pensa que eu não sei que você é apaixonado por mim?

Ele me olhou, deu uma risada e voltou a ficar sério.

- Você está brincando, não é?

- Você acha que, se eu deixar a Laís, eu vou ficar com você? Eu não sou gay. - disse eu, esbravejando.

- Eu não gosto de você. Está louco? De onde você tirou isso?

- Não interessa... nossa! Nunca pensei que você, meu melhor amigo, pudesse fazer uma baixeza dessas. Eu sempre fui leal a você, não há razão para você agir dessa forma. Mesmo sabendo do que você sente por mim, eu não deixaria você na mão. O tempo cura tudo e eu esperaria esse tempo chegar. Você realmente me decepciona.

Ele ficou me olhando como se não estivesse entendendo o que eu falava. Depois ele ficou sério e perguntou:

- É isso o que você acha de mim? - perguntou ele, sério.

- Você não deveria ter feito isso.

- Me responda: é isso o que você acha? Seriamente?

- Vai negar?

- Tá bom! Não preciso dizer que não seremos amigos até o fim da vida, não é?

- Não, não precisa. Eu mesmo não quero nem mesmo olhar na sua cara.

Ele olhou para mim como se não acreditasse no que eu dizia. Depois ficou bravo, deu para ver nos seus olhos, e saiu. Entrou na casa da Ellen, acho que foi falar com alguém e saiu. Esperou um táxi e sumiu. Eu vi tudo porque continuei lá fora, no mesmo lugar, digerindo aquela mentira.

Como o Caio pôde fazer isso? O que ele pensava? Que eu acabaria com a Laís e ele poderia investir em mim? Além de ingênuo, ele era maldoso. Não poderia imaginar nunca uma coisa como essa. Voltei para a casa da Ellen, me despedi dela, falei com os outros e depois fui saindo. Quando eu chegava à rua, a Claudinha me chamou.

- Marlon, espera! - disse ela, gritando.

- Oi.

- O que deu no Caio?

- Depois ele te fala, se tiver coragem.

- Mas... então foi sério? Vocês brigaram?

- Briga mais feia que já tive.

- O que foi?

- Você é mais amiga dele que de mim, eu não quero te contar. É melhor você perguntar para ele. - disse eu, saindo.

Cheguei em casa, liguei para a Laís e disse que tinha chegado em casa.

- Por que chegou tão cedo? Acho que você não ficou nem quinze minutos depois que me deixou em casa.

- Porque a festa ficou chata sem você lá. - menti.

- Tá bom, sei. Aconteceu alguma coisa. Me fala. Ah não, já sei, primeiro você tem que contar ao Caio, depois você me conta. Sempre foi assim.

- Eu nunca mais vou contar com o Caio.

- Ah, então vocês brigaram? Nossa, deve ter sido sério para vocês brigarem.

Foi, mas não quero falar sobre isso. Só te liguei para você saber que estou em casa.

- Mas relaxa, depois vocês fazem as pazes. Eu não vou muito com a cara dele, mas vocês se dão bem.

- Não quero nunca mais falar com ele. É sério!

Nos despedimos e eu fui dormir. De roupa e tudo. Estava tão irado com tudo. Nem acreditei naquela noite. Tudo o que eu achava do Caio tinha mudado. Eu o adorava, venerava, não me imaginava sem sua amizade. Mas agora eu descobrira que tudo era falsidade e que todas as vezes em que ele tentou me agradar, era para me conquistar literalmente. Fiquei com nojo deleAula seguinte. Sentei bem longe dele e não falei mais com ele. A aula acabou e eu fui ao banheiro. Quando eu saí de lá, encontrei a Claudinha.

- Eu quero falar com você.

- Se for sobre o Caio, esquece.

- É sobre ele, mas não vim defendê-lo. Eu acho que acredito em você. Eu acho que ele seja gay e que gosta de você. Mas você pegou pesado na festa.

- Mas você acredita que ele mentiu para me conquistar?

- Acho que sim... eu não sei bem, mas acho que ele não fez porque é mal. Acho que fez porque estava desesperado.

- Não é desculpa.

- Eu sei, mas... poxa, vocês são muito amigos.

- Ele te mandou aqui para a gente fazer as pazes?

- Não, ele disse que nunca mais quer olhar na sua cara. Mas eu, Claudia, acho que vocês têm que voltar a serem amigos.

- Nem morto!

Fomos encerrando a conversa e ela disse:

- Ah, ele não sabe disso. Então, se porventura vocês se falarem o mínimo que seja, não diga a ele que eu acho isso dele.

- Pode deixar. Nunca falarei com ele. Nem sobre isso, nem sobre nada.

Bom, se até a melhor amiga dele achava isso, só poderia ser verdade. Não havia mais dúvidasTempos depois, comecei a sentir falta dele. Da gente.

Mas logo que eu pensava nisso, eu pensava no que ele tinha me feito, então eu desfazia o pensamento. Ficamos sem nos falar, sem nos olhar.

Fingíamos que o outro não existia.

Trabalho em dupla ou grupo, nunca mais. Eu me sacrificava e não fazia trabalho no meu antigo grupinho. Deixei que ele fizesse todos os trabalhos com eles.

Às vezes que tinha trabalho em dupla, ele fazia com a Claudinha e eu fazia com o Tom.

Na lanchonete, eu evitava ficar na mesma mesa. Mas isso era quase impossível porque tínhamos os mesmos amigos. Então eu me afastava, mas logo me chamavam.

Ou, se era ele quem se afastava, logo imploravam pela sua volta. No fim, nós simplesmente não nos falávamos, mas frequentávamos os mesmos espaços.

A Laís percebeu que eu fiquei mais triste depois que terminei a amizade com o Caio.

Ela insistia para eu ir falar com ele e engolir o orgulho, mas eu não dava ouvidos. Tudo isso porque ela não sabia o porquê de termos brigado. Se ela soubesse, não me pediria isso. Eu nunca havia confiado em alguém como confiei nele. Foi uma perda grande. Mas eu ia levandoO aniversário dele estava chegando. Como a pessoa mais popular, não só da sala, mas também da faculdade inteira, óbvio que seria um festão e com certeza ninguém faltaria. Foi o período mais pesado para mim.

Quantas coisas eu não havia planejado para aquela data? Eu pensava em retribuir a festa que ele tinha promovido para mim. Eu pensava no presente que eu daria. Pensava que ele pudesse me dar a primeira fatia do seu bolo...

Eu não fui, claro. Nem mesmo fui convidado. Mas não se falava em outra coisa naquela semana senão nessa festa. Muitas pessoas até me perguntavam se eu iria, mas logo se lembravam do que tinha acontecido e pediam desculpas. Ao que parecia, ninguém, além de mim, Caio e Claudinha sabiam o motivo de termos brigadoPassaram-se dois meses ou mais desde a briga. A cada dia que passava, sentia mais e mais a sua falta. Com muito ódio no coração, porque o que ele fez não se faz nunca.

Eu aparentemente estava mudado. As pessoas percebiam que algo estava diferente comigo. Principalmente na faculdade, que era onde eu encontrava o estopim dos meus problemas.

Mas o Caio não mudou em nada. Continuava o mesmo brincalhão e moleque de sempre. Amado e querido por todos. Tudo isso só reforçava ainda mais a sua falsidade. Porque se ele realmente sentisse a amizade verdadeira que eu sentia por ele, ele também estaria mau como eu. Mas não. Supus, então, que, desde o início, o Caio não queria nada mais que me conquistar. Por isso a sua aproximação imediata desde os primeiros dias de aula.

Tudo começou a se encaixar na minha cabeça. O Caio é o típico cara que consegue agradar todo mundo, mas que não faz nada de graça. Tempos depois, a Claudinha iria descobrir isso.

- Marlon, posso falar com você? - disse ela, ao me encontrar subindo a escada da faculdade.

- Fala.

- Vamos para a recepção. Lá a gente fala melhor.

Fomos, então. Chegamos, sentamos e ela começou a falar.

- Lembra daquela vez que a gente estava no MSN e que a gente falou do Caio e tal?

- Quando?

- Aquela que eu falei que eu acho que ele sente a sua falta, mas que ele não demonstra. Acho que foi há uns dois dias atrás. Lembrou?

- Sim. O que é que tem?

- Eu estava copiando e colando a conversa que eu estava tendo com ele, na nossa conversa. Sem querer eu copiei e colei na conversa com ele. Ele me perguntou o porquê de eu estar copiando a conversa. Óbvio que ele desconfiou que eu estivesse colando para alguém, mas acho que não sacou que era você. Pelo menos não naquela hora. Quando eu estava me despedindo, ele perguntou para quem eu estava colando. Eu disse que para ninguém, mas não tinha como mentir. Aí ele perguntou se era para você e eu neguei. Mas aí ele disse que não precisava mais da minha amizade, porque ele só andava comigo para que eu o ajudasse a te conquistar.

- Ele disse isso? - perguntei, surpreso.

- Disse. Aí eu não entendi na hora e perguntei o que ele estava querendo dizer. Ele me disse que sabia que eu achava que ele tinha mentido para você. Disse que eu estava diferente e que eu era falsa. - interrompi a Claudinha.

- Você era falsa? E ele que estava te usando? - perguntei ironicamente.

- Pois é, imagina isso! Enfim, só sei que estou muito triste com isso tudo.

- Ele não merece sua tristeza. Ele não desdenha da minha se mostrando feliz para todo mundo? Faça o mesmo!

Depois disso, tudo o que sentia pelo Caio era ódio. Ódio e rancorO ano acabou e, incrivelmente, ele começou a se afastar de todo mundo. Até do Tom, que agora era o seu melhor amigo. Ninguém entendia nada.

Chegou o natal, férias, réveillon, verão, carnaval e ninguém tinha notícias do Caio. Todos sentiam a sua falta. Até eu sentia. Mas eu sentia falta do Caio que eu imaginava que existissePrimeiro dia de aula.

O Caio realmente tinha mudado. Eu o encontro no corredor da faculdade, sentado no chão, encostado na parede. Uma aparência de tristeza. Por um minuto fiquei com pena. Tive vontade de sentar ao seu lado e consolá-lo. Mas um minuto dura muito pouco e nada apagaria o ódio que eu sentia dele.

Quando a professora chegou em sala, entrou junto. Parecia que ele queria evitar falar com todos da sala. Por isso ficou do lado de fora até a aula começar.

O mais estranho foi porque ele sentou no fundo da sala, mas no lado oposto ao nosso. O Tom olhou e perguntou:

- Minha gente, por que o Caio está tão estranho. O que houve com ele nessas férias? Está tão diferente!

- Nem me pergunte desse daí. - disse a Claudinha.

- Vocês brigaram?

- Brigar foi pouco. Ele é um desgraçado. Não quero falar dele.

- Primeiro o Marlon, agora você. O que mordeu ele?

- O próximo vai ser você! - eu disse.

- Acho que estamos no caminho. Ele não me atende mais, não fala comigo no MSN. Me ignora totalmente.

- Bem vindo ao clube, Tom! - disse a ClaudinhaDias se passaram.

O Caio se excluiu de todos. Andava pelos cantos, não ia mais às festas e nem chamava ninguém para as suas. Na verdade acho que ele não fez mais festas.

Trabalhos em dupla ou grupo, ele fazia sozinho. Tirava boas notas sempre, mas os professores reclamavam da sua falta de participação. Até mesmo quem não gostava mais dele, (Claudinha, Tom e eu) sentia falta das intervenções dele na aula. Mas falta não no sentido de saudade, mas de sensação de que algo estava diferente.

Ele mudou. Mudou consigo e com todos. Quando o Orkut começou a fazer sucesso de verdade, ele fez um perfil que tinha apenas duas fotos no álbum e nenhuma era dele. Se não me engano, uma era de uma estrada sem fim e a outra era de uma rosa murcha.

O perfil demonstrava claramente que ele estava depressivo. Ele não participava da comunidade da nossa turma e tinha poucos amigos no perfil. Eram mais familiares: primos e tios.

Uma vez estávamos em aula e o Caio começou a passar mal, mas ficou quietinho na sua, ninguém percebeu nada. Afinal, ele estava diferente, então ninguém desconfiaria das suas atitudes recentes.

Mas aí ele começou a botar a mão na boca. Parecia que iria vomitar, mas ele ficou prendendo e saiu correndo para o banheiro. Ninguém entendeu nada.

A professora pediu para que alguém fosse atrás dele e ver como ele estava. Ninguém mostrou iniciativa porque estávamos todos ainda surpresos com o acontecido, mas logo em seguida eu saí correndo. Eu estava preocupado.

Eu o odiava muito, mas sentia sua falta. Tudo na minha casa me lembrava ele, porque ele vivia por lá, então fazíamos muita coisa juntos. Eu sempre tive muitos amigos e nenhum como ele. As músicas preferidas dele não poderiam tocar perto de mim, pois eu já me arrepiava e ficava pensando nele. Era muito triste odiar alguém de quem eu sentia tanta falta.

Quando eu cheguei ao banheiro, ele já estava se limpando na pia.

- Está tudo bem?

Ele continuou se limpando e espremendo os olhos de dor. Eu perguntei mais uma vez.

- Você está bem?

- Estou, pode voltar para a sala.

- Quer ajuda com alguma coisa?

- Não, não preciso de você!

Ele me olhou nos olhos quando disse isso. O ódio, que eu vi nos olhos dele, foi o mesmo ódio que eu vi no dia em que ele disse que a Laís me traía.

Senti um arrepio e me perguntei “Como ele tinha virado uma pessoa rancorosa em tão pouco tempo?”. Fechei a cara e saí do banheiro. Quando cheguei na sala, a professora me perguntou se ele estava bem. Eu respondi a ela que ele era grandinho o suficiente para se cuidar.

Alguns minutos depois ele volta, não fala com ninguém, pega a mochila e o caderno em cima da carteira e sai.

A Claudinha perguntou depois o que tinha acontecido. Eu disse que ele tinha sido um grosso e que disse que não precisava de mim. Então a preocupação dela também tinha se encerrado ali.

Em um dia qualquer, eu estava com a Laís no shopping e, sem querer, me encontrei com a mãe do Caio. Quando a vi, quis evitar o encontro, mas era tarde. Ela me viu e andava em minha direção.

- Oi Marlon, tudo bem? Quanto tempo.

- Oi, tudo bem e a senhora?

- Tudo bem. Você não apareceu mais lá em casa. O que houve?

- Ah, sabe como é, ando estudando muito. Ah essa é a minha namorada, Laís. Laís, essa é a mãe do Caio.

- Prazer! - disse a Laís com um sorriso.

- Que menina linda! Bom, eu estou indo. Vê se aparece lá em casa. O Caio não sai mais do quarto. Estou achando que a faculdade ta pegando demais no pé de vocês, mas vocês são jovens, precisam sair mais, se divertir.

- Pois é. - eu disse.

Até a mãe do Caio não sabia o que se passava com ele. Confundia depressão com estudos. A Laís depois perguntou:

- Então a mãe dele não sabe que vocês brigaram?

- Pelo visto, não!

- Vem cá, me conta, finalmente, por que vocês brigaram?

- Não quero falar disso!

- Por quê?

- Porque...

- Você não confia em mim?

- Você com esse papo de novo?

- Aposto que se você estivesse de bem com o Caio e a gente brigasse você ia correndo contar para ele

- Eu odeio o Caio. Nem quero mais ouvir falar dele. Será que dá para você parar de me encher o saco com esse assunto?

A Laís nunca mais tocou nesse assunto, mas no fundo eu sabia que ela sabia que ele me fazia falta.

Sinceramente?

Eu nunca fui apaixonado pela Laís. Ela era simplesmente interessante, bonita, inteligente. Agradava-me a sua companhia. Mas nas vezes que ela viajáva com os pais ou quando a gente passava uma semana sem se ver, por causa das provas, eu nem sentia a falta dela.

Quando ela pedia para que eu a deixasse ir com as amigas em tal lugar, eu sempre deixava. Nunca fiquei bolado se ela me traía. Eu não me importava.

Ela sempre me cobrava ciúmes. Dizia que eu não dava valor a ela. Mas claro, na cabeça dela isso tudo se devia ao fato de eu ser mulherengo e ter um monte de meninas interessadas em mim.

Acredito até que ela pensava que eu a traía frequentemente. Mas eu nunca a traí. Mas acho que ela nunca pensou que eu pudesse simplesmente não gostar dela de fato. Eu sempre fui um bom namorado para ela. Exceto pela parte dos ciúmes, eu sempre fui um namorado como outro qualquer.

Vocês bem sabem como é vida de internauta sem nada para fazer em um sábado à noite.

Passava das quatro horas da manhã. Eu estava no MSN como de praxe, conversando com amigos. Não muitos, afinal, há essa hora, estão quase todos na balada.

Como de costume, depois da minha briga com o Caio, às vezes eu ficava olhando a lista de contatos e sentindo a falta de um certo ali.

Às vezes eu ficava imaginando se ele estava online, se estava teclando com alguém, ou se estava dormindo. Ainda havia a possibilidade de ele também estar em alguma balada, com os seus bilhões de amigos e se divertindo muito.

Às vezes os meus contatos online demoravam para responder as minhas perguntas. Ou estavam ocupados, ou só falavam coisas que não me interessavam.

Nada disso acontecia quando eu e o Caio estávamos online. Quantas vezes a minha mãe ou o meu irmão bateram na minha porta perguntando o porquê de eu rir tanto àquela hora?

Nessa noite em especial, a minha mãe não bateria na minha porta porque eu não fazia barulho nenhum e o meu irmão porque ele também estava badalando, para variar.

Por volta das quatro horas, ele chega em casa e bate na minha porta. Pensei comigo “Chegou bêbado e vai pedir arrego!” . Mas não.

Quando eu abro a porta, eu encontro o Ewerton sério, calado, como se algo ruim tivesse acontecido.

- A gente tem que conversar. - disse ele de forma seca.

- Que foi cara? O que houve? - perguntei preocupado.

Ele foi entrando no meu quarto e se sentou na minha cama. Eu fechei a porta, puxei a cadeira do computador e fiquei olhando para ele, esperando que ele tomasse fôlego e me contasse o que estava acontecendo.

Ele começou a falar.

- Você não vai gostar do que eu tenho para te falar!

- Você é péssimo para contar as coisas. Você enrola muito. Diga de uma vez. - disse eu já sem saco.

- Eu vi a Laís hoje se esfregando em um cara lá no bar onde eu estava!

- A Laís?

- É, ela estava lá, aquela puta.

Óbvio que a primeira pessoa que veio à minha mente foi o Caio.

Mas para que tudo se encaixasse, eu precisava saber se o cara era o primo dela.

- Você conhece o cara? - perguntei aflito.

- Não. Isso importa?

- Importa! Me contaram que ela estava de caso com um primo dela... - o Ewerton me interrompe.

- Quando isso?

- Faz tempo. Muitos meses atrás.

- E você deixou para lá?

- Eu não acreditei na pessoa, porque não era alguém confiável.

- Mas você deveria ter investigado não é? Que tonto você!

- É uma história longa. Enfim... diziam que ela estava de caso com um primo dela que veio morar aqui na capital. Ele era do interior.

- Faz sentindo: a putinha da capital mostrando a cidade para o caipira corno do interior. - ele disse isso com muito ódio, como se a Laís fosse namorada dele. Depois ele olhou para mim e se desculpou. - desculpa, cara, não estou zombando de você.

- Eu sei.

- Mas quem foi que te disse isso?

- Foi o Caio.

- Mas vocês não eram amigos? Por que você não acreditou nele?

- Lembra que você e todo mundo diziam que ele era gay e que estava afim de mim? Eu achei que ele estivesse mentindo para eu acabar com a Laís. Sei lá porque eu achei isso, mas daí a gente brigou feio.

- Mesmo assim, você deveria ter investigado. Às vezes ninguém diz isso à toa, mesmo quando tem interesse por trás. Mas vem cá, então o Caio é viadão mesmo, não é?

- Eu não sei, mas acho que não. Sempre achei que não. Vocês é que me botavam pilha para eu acreditar que o cara é gay. Mas se esse cara que a Laís estava no bar for o primo dela, então o Caio estava certo e eu fui muito idiota em não acreditar nele.

Eu e o Ewerton ainda falamos mais algumas coisas. Eu perguntei como o cara era, para ver se por acaso ele seria o primo da Laís, mas não consegui identificar pelo o que ele me disse. Depois ele saiu do meu quarto, disse que sentia muito e foi dormir.

Sabe quando você sente que errou e que as consequências do seu erro só magoou alguém que você admira muito? Quando você sabe que fez merda? E, caramba, é do Caio que eu estou falando, a pessoa mais carinhosa e amigável que eu conheci nessa vida.


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Comentários


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alguem-mineiro Comentou em 10/07/2024

Caramba!!!! Que reviravolta é essa????




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Ficha do conto

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Nome do conto:
O Garoto e o saxofone [5]

Codigo do conto:
216101

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
10/07/2024

Quant.de Votos:
7

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