O Garoto e o saxofone [6]

Foi inevitável. Eu comecei a chorar. Desconectei do MSN, saí da internet e desliguei o computador. Fui para a cama e comecei a pensar em tudo o que eu já tinha dito ao Caio e tudo o que ele passou por minha causa.

Ninguém tirava da minha cabeça que tudo o que ele estava passando naquele momento era por minha culpa. Aquele afastamento dele tão repentino e a tristeza que ele agora exibia no rosto. Tudo minha culpa.

Dali mesmo da cama, eu peguei o celular e comecei a ligar para ele. Eu torcia para que ele ainda tivesse o mesmo número. O telefone chamava, mas ele não atendia. Provavelmente estava dormindo ou não estava em casa. Então pensei “Amanhã eu vou à casa dele”.

Eu não consegui dormir, pensando nas palavras que eu diria para ele e das milhões de possibilidades de pedidos de desculpas.

Acordei depois de um sono curto e pesado. Eu estava com umas olheiras enormes. Fui tomar banho e depois tomar café. Dali, eu seguiria para a casa do Caio. Meu irmão acordou e foi usar o banheiro. Encontrou-me na cozinha e perguntou:

- Está fazendo o quê acordado uma hora dessa?

- Vou tirar aquela história a limpo.

- Vai à casa da Laís?

- Não, vou na casa do Caio. A Laís não vai confirmar que saiu ontem. Só me resta saber se o Caio estava dizendo a verdade. Se eu descobrir que ele não mentiu, então não importa se o cara é ou não o primo dela.

Eu tentava despistar o meu irmão. Eu não estava nem aí se a Laís tinha me traído ou não. Pouco me importava se ela era infiel. O que eu queria mesmo era reatar com o Caio. Mas o meu irmão não entenderia, então disse que, o que me importava, era saber se a Laís me traía de fato.

Eu peguei o carro e fui direto para a casa do Caio. Quando lá cheguei, quem me atendeu foi a mãe dele, que já estava de saída. Ela me deixou entrar.

- Fazia tempo que o senhor não aparecia por aqui, hein? - disse ela.

- Pois é. O Caio está aí?

Meu coração já estava pulando de agonia. Fazia tempo que eu não punha os pés naquela casa. Como eu queria encontrar o Caio e abraçá-lo!

- Está lá no quarto dele. Ele não sai mais de lá. Vamos lá comigo.

- Ah, quando a senhora for chamá-lo, não diga que sou eu, talvez ele não me atenda.

- Por que? Vocês brigaram?

- É. Mas eu vim fazer as pazes... quer dizer, eu vim pedir desculpas.

- Então tá. Vamos lá.

Ela foi na frente e eu a seguia. Começamos a entrar no corredor e eu ficava a cada segundo que passava com mais medo do que poderia acontecer.

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Eu sei que eu não merecia o perdão assim tão fácil, mas a coisa que eu mais queria era que, quando eu chegasse no quarto, o Caio me recebesse com um sorriso e um abraço.

Ela abriu a porta do quarto dele e foi chamando o seu nome. Quando a porta estava finalmente aberta, eu vejo o Caio encostado no parapeito da jánela, olhando o horizonte, do mesmo jeito que ele estava no dia em que ele me contou sobre a Laís.

Quando ele ouviu o seu nome, ele se virou um pouco para ver o que a mãe dele queria e dá de cara comigo.

Ele nem se mostrou surpreso nem nada. Ele olhou para mim como se estivesse olhando para uma parede. O Caio parecia um morto vivo e estava mais pálido que de costume. O meu coração ficou apertado dentro do peito.

A minha vontade era de chorar ali na frente dele naquela hora, mas eu me segurei.

- Caio, estou indo para a sorveteria tá? - disse a mãe dele - Tchau. Vê se fazem as pazes logo! - e saiu.

Eu tive medo de ficar ali sozinho com ele. Se ele dissesse um “não”, ou me mandasse embora, eu não sei o que eu faria.

Ele ficou me olhando fixamente, só que ele não expressava emoção alguma. Não dava para saber se ele estava chateado, feliz, indiferente, doente, cansado, saudável... ele era um mistério como sempre foi, só que agora era um mistério que eu fazia questão de desvendar.

- Oi. - eu disse.

- Oi. - disse ele bem calmamente e ainda sem esboçar nada.

- Quanto tempo não é? - perguntei com um sorriso, mas ele nada respondeu. - A gente precisa conversar. - esperei que ele dissesse algo, mas não disse nada. - Pode ser?

Ele ainda olhava para mim e apenas balançou a cabeça fazendo que “sim”.

- Você estava certo, a Laís está me traindo. Meu irmão a viu em um bar aí, mas eu não sei se era o primo dela.

- Você sabe qual era o bar? Sabe se é o (...)? - ele perguntou.

- É esse mesmo!

- Então pode ser, porque foi nesse bar que eu a vi com o primo dela.

- Pois é. - disse eu sem graça.

- Sinto muito!

Ele disse isso, mas ainda não havia mudado a expressão, então nem parecia que ele realmente sentia muito. Mas também não parecia que ele estava gostando disso. Ele parecia um papel em branco, esperando alguém desenhar algo nele.

- Não precisa sentir nada, eu nunca gostei dela mesmo. Mas eu é que tenho que dizer que sinto muito, eu deveria ter acreditado em você.

- Não, não deveria.

Quando ele disse isso, achei que ele estivesse confessando que tinha mentido, mas que por coincidência, a Laís estivesse me traindo.

- Como assim?

- Você deveria ter acreditado na Laís mesmo. Era para ela a quem você devia confiança.

- Não estou entendendo.

- Vocês eram namorados, dividiam todo o tipo de intimidade que alguém pode dividir com outra pessoa. Era a ela a quem você devia confiança. Se eu fosse um familiar seu, um de seus pais, seu irmão, ou um familiar bem próximo, talvez você devesse ter acreditado em mim, mas eu era apenas seu amigo. Eu que fiz errado em me meter.

Se eu contasse a alguém, poderiam achar que o Caio estava fazendo tipo com esse papo de que, acima de tudo, ele estava errado.

Mas acreditem, ele estava diferente e isso me assustava. Nem aquele brilho, que eu enxergava em seus olhos, eu via mais.

- Não, você estava certo, tentou me alertar. Eu que fui burro em não acreditar.

- Não, eu não deveria ter me metido entre vocês. Isso era assunto de vocês. Eu nada tinha a ver.

- Por que você está dizendo essas coisas? Claro que você fez certo. Claro que você tinha a ver. Você era meu amigo e fez o que qualquer amigo faria em seu lugar.

- Não me entra na cabeça que estava certo.

- Se eu soubesse que alguém estava te traindo, você não ia querer saber?

- Eu nunca pensei nisso, mas em relação a eu me meter, eu sempre pensei que namorados sempre devem acreditar nos companheiros e ponto final.

- Não, pare com isso. Eu estava errado. Olha, me perdoa. - as lágrimas já rolavam no meu rosto, mas ele ainda estava impassível.

- Não guardo nenhuma raiva de você.

- Você mudou de um jeito... olha, eu sei que deve ser difícil para você ser meu amigo estando apaixonado por mim... - ele me interrompe.

- Não estou apaixonado por você!

- Tudo bem, Caio, eu não me importo, isso é normal.

- Não estou apaixonado por você!

- Caio, é sério, tudo bem isso. Eu já sabia mesmo, e quando eu soube, eu nem liguei tanto.

- Nunca estive apaixonado por você!

- Então por que você disse para a Claudinha que só queria a amizade dela para te ajudar a me conquistar?

- Porque queria que ela sentisse raiva de mim e se afastasse.

- Assim como você deixou que eu acreditasse que você mentiu? - eu perguntei, mas ele ficou calado. - Mas... eu não sei, parecia tão real essa paixão...

- Eu sei o porquê disso: ninguém nunca duvidaria da sua sexualidade, mas estranhariam se te vissem com um cara sempre no seu pé, então é óbvio que o gay seria eu. Quem diria que você, um garanhão, como sempre foi conhecido, estaria afim de outro cara? Te disseram tanto para que você tomasse cuidado comigo que você acabou acreditando. Se até a minha melhor amiga te disse isso, por que você duvidaria? Mas não, eu nunca fui apaixonado por você.

Tudo fazia sentido depois daquela explicação.

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- Mas, então você não só magoou a Claudinha para que ela se afastasse de você, mas também fez ela acreditar que as minhas suspeitas sobre você estavam certas? É isso? - ele ficou calado. - Mas... você é gay?

- Sou.

Nada do que o Caio tinha dito, ganhou tons de voz mais elevados, mais grosseiros, ou mais tristes. Ele falava tudo em um único tom de voz. Um tom, digamos, padrão, que não significava nada. Era como ler uma conversa de MSN: você nunca sabe qual a entonação que a pessoa quer passar.

- Por que você não me disse antes?

- Tive medo.

- De quê? Eu não me afastaria de você.

- Eu não sabia.

- Mas por que você queria que eu, a Claudinha, o Tom... enfim, todos se afastassem de você?

- É uma longa história.

- Eu tenho tempo e estou muito interessado nessa história.

- Mas eu não tenho interesse em contar.

- Por quê? Não somos mais amigos? A gente não fez as pazes?

- Não tenho nenhum rancor de você, mas não somos mais amigos!

- Como assim?

- Não quero amigos, quero ficar sozinho.

- Por que isso?

- Porque sim.

- Me conta o que houve, o que fizeram com você.

- Não quero falar.

- Você não sente a minha falta? Eu, mesmo te odiando, morria de saudades suas. Você não sente o mesmo?

- Sinto saudades do passado, mas sem querer te ofender, quero que o passado fique no passado.

- Não somos mais amigos então?

- Não.

Eu comecei a chorar de verdade. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não conseguia contê-las.

- Por que você está fazendo isso com a gente? Eu sei que eu não mereço o seu perdão assim tão fácil, mas se você não guarda raiva, por que então está me afastando?

- Não serei mais uma boa companhia.

- Deixe que eu julgue isso.

- Eu não quero amizades de ninguém.

- Quem fez isso com você? - ele não respondeu. - Quem, Caio?

- Se eu ficar ao seu lado, você vai sofrer porque eu não vou conseguir ser o mesmo de antes, e, se você sofrer por causa disso, eu vou sofrer por estar te fazendo isso. Então é melhor encerrarmos por aqui.

- Eu não entendo. Você não disse que não sente raiva de mim?

- Você não está entendendo. Desculpa se vou te ofender de novo, mas desde que eu mudei com todos, nada do que aconteceu no passado tem importância, ou quem viveu no meu passado. Agora nada mais importa.

- Mas eu posso te ajudar.

- Ninguém pode.

- Como você sabe se eu não posso?

- Eu sei. Ninguém pode.

- Talvez eu possa. Talvez alguém possa.

- Se isso fosse possível, eu já teria ido buscar essa ajuda.

- O que é, me fala.

- Não.

- NÃO FAÇA ISSO COMIGO! - eu gritei.

Ele não expressou nem mesmo surpresa pelo meu grito.

- Viu? Você já está sofrendo só de estar ao meu lado. Desculpe-me se eu vou te parecer muito frio agora, mas eu não posso ter mais preocupações na minha cabeça. Se eu souber que você está triste por minha causa, então você será mais uma preocupação.

- Deixa eu te ajudar!

- Você não pode me ajudar.

- Não me afaste, por favor!

Ele não falou mais nada. Eu fiquei olhando para ele. Definitivamente aquele não era o Caio. O que aconteceu com ele o destroçou por completo.

Quem fez isso realmente não prestava. Eu não consegui fazer mais nada, só chorar. Depois eu fui ao encontro dele para abraçá-lo, mas ele ficou me empurrando.

- Não faz isso, Caio. Deixa eu te abraçar!

- Não.

- Então é isso? Acabou?

- Já acabou há muito tempo.

- Porra, Caio, eu não vou desistir de você. A pessoa que fez isso com você vai me pagar!

Quando eu disse isso, finalmente ele expressou algum sentimento e franziu um pouco a testa, mas não passou disso.

- Eu tenho medo que você faça alguma besteira. Pelo visto os seus pais não sabem o que acontece com você.

- Eu não vou me matar, se é isso o que você está insinuando. Isso não resolve o meu problema.

- Mas um psicólogo pode.

- Ninguém pode.

- Por quê? Por que, Caio? O que houve? Me diz, por favor, eu estou te implorando. Me fala!

- Não.

- Então é assim, você está se desfazendo de mim?

- Fique feliz por eu não ser um fardo para você.

- Caio, você não é fardo nenhum. Deixe-me te ajudar! O que você quer que eu faça? Me diz e eu faço. Qualquer coisa, seja o que for. Peça e eu faço.

- Saia!

- Não.

- Por favor, saia.

- Não vou.

Ele voltou a ficar olhando através da janela, me dando as costas e começou a agir como se eu não estivesse ali. Eu fiquei minutos ali olhando para ele, não acreditando no que estava acontecendo.

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- Quem fez isso com você não presta. Vai pagar até o último centavo. Merece morrer! - comecei a provocá-lo para ver se ele me contava alguma coisa. Mas ele nada dizia. - Você não sente minha falta? Mesmo quando eu te odiava, eu sentia saudades da gente.

- Agora eu não sou a mesma pessoa, agora eu não sou um bom amigo. Você não sentirá falta desse Caio.

- Mesmo que você não me dê atenção, me deixa ficar do seu lado? Eu juro que não vou te perturbar nem te perguntar nada. Eu paro de dizer que a pessoa que te fez isso vai me pagar e paro de dizer que você precisa de ajuda. Mas por favor, me deixa ficar!

- Saia, é melhor para nós dois.

Eu não tinha mais forças para continuar implorando e chorando ali naquele quarto. Eu não sabia como prosseguir com aquela conversa (se é que eu posso chamar de conversa). Então eu saí.

Eu não consegui mais implorar. Não que eu achasse humilhante ou coisa parecida. Pelo Caio eu faria tudo, especialmente naquele momento. Mas é que eu não tinha forças mesmo. Eu fiquei olhando ele pelas costas, chorei mais alguns segundos e fui saindo da casa dele.

Fechei a porta, entrei no elevador e fui para casa. O desconcerto daquele reencontro foi tanto, que sem querer eu dei a volta no quarteirão da rua dele. Eu nem conseguia orientar o carro, mas felizmente cheguei em casa. Mais feliz ainda foi que ninguém estava em casa. Eu fui para o meu quarto e fui tentar dormir.

Não consegui fechar os olhos. As lágrimas não permitiam. Eu pensei nas palavras dele, nos possíveis motivos que o fizeram mudar tanto. No dia anterior, ninguém tirava da minha cabeça que o Caio estava assim por minha causa. Bastou falar com ele para saber que eu estava enganado. Não tinha nada a ver comigo.

Até onde eu sabia, o Caio não tinha assumido a sua sexualidade para os pais. Poderia ser que ele estivesse sendo pressionado. Poderia ser que ele estivesse apaixonado por alguém que fosse hétero. Poderia ser que ele mesmo não se aceitasse.

Eu já estava pirando com tantos “poderia ser”, então liguei para a Claudinha:

- Claudinha? - perguntei já chorando.

- Marlon? O que houve? - perguntou a Claudinha preocupada.

- É o Caio... - ela me interrompe.

- Ah, esse viado de novo?

- NÃO! NÃO FALA ISSO! - gritei.

- Por que você ta chorando? O que aconteceu com o Caio?

- Ele não mentiu, Claudinha. A Laís estava mesmo me traindo.

- Sério? Ai, sinto muito, Marlon! Você não merecia.

- Esqueça aquela lá. Eu estou pouco me lixando para ela. É o Caio que me preocupa.

- Por quê?

- Porque ele está mal, está diferente, não quer ver ninguém. Ele não é o Caio.

- Me explica isso!

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- Só para começar: ele nunca foi apaixonado por mim; ele mentiu para você quando disse que só queria a sua amizade para que você o ajudasse a me conquistar.

- Então por que ele disse isso?

- Porque ele queria que você se afastasse dele. Ele queria que todo mundo se afastasse dele.

- Por quê?

- Eu não sei, eu não sei, eu não sei! É isso que eu quero saber, eu quero muito saber! - disse desesperado.

- Mas se ele não mentiu para você e nem me usou então... ah ta, entendi. Mas você nem suspeita do motivo?

- Não, não faço a mínima ideia. Eu fui à casa dele hoje. Ele me recebeu, mas foi muito frio, disse que não quer minha amizade, nem a sua, nem a de ninguém. Quando eu perguntei se ele não sentia minha falta, ele disse que sentia falta do passado, mas que quer o passado e todo mundo que pertencia ao passado fique no passado.

- Não faz sentido isso...

- Eu não sei de nada, Claudinha. Eu só quero o meu amigo de volta.

- Se eu for falar com ele, será que ele não me fala?

- Duvido. Duvido muito.

- Eu vou para a sua casa, me espera aí.

Em alguns minutos a Claudinha estava na minha casa.

- O Caio estava diferente, pálido, morto. Você conhece o Caio, sabe como ele é todo elétrico, mesmo tendo um jeito meio tímido.

- Sei.

- Não era ele, Claudinha. E os pais dele não sabem que ele está passando por isso. Pelo menos eu acho que não. Eu tenho medo que ele faça uma besteira.

- Mas o Caio não chegaria a tanto.

- Ele me disse isso, mas eu estou dizendo que não era o Caio. O Caio não faria, mas não era o Caio. De qualquer forma o meu medo maior não é esse. Ele vai se isolar de tudo, aliás, já está fazendo isso.

- Quer ir à casa dele agora? A essa hora ele está sozinho em casa. A mãe deve estar na sorveteria e o pai trabalhando.

- Será que é uma boa?

- Vamos tentar!

Fomos Claudinha e eu para a casa do Caio.

Ele estava sozinho. Tivemos que interfonar. Quando o porteiro falou nossos nomes, o Caio mandou dizer que não nos receberia. Eu insisti. Disse ao porteiro que, por favor, dissesse ao Caio que era importante e que ele precisava nos deixar entrar, mas foi inútil. Claudinha e eu não sabíamos o que fazer. Na verdade, nada a partir daquele momento poderia ser feito sem que o Caio nos desse brecha.

Decidimos que esperaríamos a segunda-feira para poder falar com ele sem grades ou interfones nos impedindo.

Em casa, à noite, eu ainda liguei para o Caio e ele não atendia. Preferi não ligar para o residencial porque ele diria à mãe ou ao pai para dizerem que ele estava dormindo, ou outra coisa do gênero. E depois eu poderia estar arrumando encrenca para ele. Os pais poderiam desconfiar de alguma coisa.

Mas alguém, que para mim já estava muito distante, me ligou:

- Oi amor! - disse a Laís.

- Olá. - eu respondi como se nada tivesse acontecido. - como foi a farra ontem?

- Ah, foi boa. As meninas estavam muito animadas para dançar. Você deveria ter vindo comigo. A gente ia se divertir.

- Eu não gosto de bares. Pelo menos não com namorada, eu prefiro sair com você para uma boate. Mas me conta, seu primo estava lá não é? Meu irmão disse que te viu lá.

- Ah é? - ela deu uma pausa longa - É, eu levei o meu primo. Desde que ele veio para a cidade, ele não tem saído muito, aí eu o chamei para o apresentar para as minhas amigas. Quem sabe ele não arruma uma namorada, não é?

Esse ditado é velho, mas funciona: “Joguei o verde e colhi o maduro!”. Era o que eu precisava saber por definitivo. Era realmente o primo com quem ela esteve na noite anterior.

- Mas eu nem vi o seu irmão! - ela continuou.

- Ele disse que não ficou muito tempo.

- Ah tá. Bem que ele poderia ter vindo falar comigo.

- Você sabe como o meu irmão é.

- E ele foi para onde depois?

- Não sei. Olha, tenho que desligar, minha mãe está fazendo panquecas e está me chamando para ajudar.

- Ah, que fofinho! Meu chefe de cozinha, hahahahahaha, eu queria estar aí e tirar uma foto.

- Mico total. Amanhã a gente se vê, amor. Beijos.

O bom disso tudo é que os chifres não doíam ou pesavam. Percebi que nem ódio dela eu sentia. Achei até engraçado escutá-la pondo a corda no próprio pescoço. E percebi também que eu só fiquei com ela no telefone tempo suficiente para descobrir se o cara com quem ela tinha ficado era o tal primo que o Caio me disse meses antes.

Se ela não tivesse ligado, talvez eu nem fosse procurá-la.

Mais engraçado ainda foi que, com essa história toda, eu até tinha esquecido que tinha namorada. Essa era a única coisa engraçada mesmo, porque o resto...

Com o Caio naquele estado, nada me parecia engraçado. Eu só pensava nele.

Quando cheguei em casa, depois da minha tentativa com a Claudinha, me tranquei no quarto e só saía para comer e ir ao banheiro.

Essa história da Laís foi perfeita para camuflar o meu comportamento. O Ewerton já tinha dito aos meus pais o que ele tinha visto na noite anterior.

Eles vieram falar comigo, perguntaram se eu estava bem e eu respondia que não queria falar sobre isso e que queria ficar sozinho.

Eles me deram folga. Foi bom porque deu para curtir a fossa (do Caio) que eu estava passando. É muito “bom” quando você está passando por um momento difícil e te deixam em paz, sem interrogatórios.

Depois das tentativas frustradas de ligar para o Caio, fui tentar dormir e acordar bem disposto no dia seguinte. Eu precisava recuperar todas as minhas forças para poder penetrar na grande barreira que o Caio tinha criado entre ele e o mundo.

Então, na segunda-feira, eu cheguei bem cedo. Minha aula começa umas 13:30; eu cheguei às 12:40, mais ou menos.

Fiquei esperando o Caio no hall da faculdade, porque agora ele não chegava e entrava na sala. Ele esperava o professor entrar para entrar junto.

Quando ele chegou, me viu, parou, olhou um pouco para mim, abaixou a cabeça e foi entrando no prédio. Passou por mim e nem falou nada. Eu fui atrás dele.

- Caio! - ele não respondia - Caio, vamos conversar. Caio, para com isso. A gente precisa se entender.

Ele entrou na sala, sentou onde costumava sentar depois de toda essa confusão e ficou de cabeça baixa. Eu sentei ao seu lado e fiquei chamando sua atenção.

- Caio, deixa de fugir de mim e vamos conversar! Você acha que está fazendo a coisa certa? Você acha que vai ser melhor para você se isolar do mundo, de tudo, dos amigos, das pessoas, de mim? Caio, olha para mim!

E nada.

- Caio, olha para mim! Você tem que dar um fim nisso. Eu não sei qual é o seu problema, mas você não vai resolvê-lo assim.

- Meu problema não tem solução. Agora me deixa!

Ele nem ao menos levantou a cabeça da carteira para me dizer isso.

- Caio, que problema é esse? Podemos resolver juntos. Eu posso não conseguir resolver, mas posso te dar uma idéia de como você mesmo pode fazer isso. - não falou mais nada - Caio! Fala comigo, Caio. Você acha justo o que você está fazendo comigo? Eu sei que eu não sou ninguém para falar de justiça, mas não sejá idiota como eu fui.

Insistia, insistia e nada. A Claudinha chegou, ficou toda emocionada ao vê-lo depois de saber que ele não a odiava de fato, mas também ficou decepcionada por ele nem ter dado bola para ela.

A aula começou e ele levantou a cabeça. Assistiu à aula como se nada tivesse acontecido, mas como sempre, ficou “ausente”, sem participar de nada.

Eu não tirava os olhos dele e ficava torcendo para ele olhar para mim.

Nada.

Eu ficava desesperado por dentro, puxava de leve os meus cabelos de tanta agonia. Eu não conseguia nem ficar mais no mesmo lugar em que ele se encontrava. Vê-lo e não poder falar com ele me angustiava.

A aula acabou e deu o intervalo. Ele não saiu da sala. Então lá estava eu de novo tentando falar com ele.

- CAIO, JÁ ESTOU DE SACO CHEIO DISSO! - disse eu aos berros - Se você não falar comigo, eu sou capaz de fazer uma besteira.

- Caio, por favor, querido, fala com a gente! Eu te imploro... Olha, me desculpa por tudo. - disse a Claudinha, chorando.

- Gente, o que está acontecendo aqui? - perguntou a Luiza.

Eu, Cláudia e Luiza fazíamos um círculo em volta do Caio, enquanto ele estava sentado como se não ouvisse nada.

- Por que vocês estão falando com ele? - a Luiza outra vez.

- Depois a gente fala disso... - respondeu a Claudinha.

- Caio, o que eu preciso fazer para você me dar o mínimo de atenção? Me diz, qualquer coisa, eu faço! - eu disse.

Depois chegou o Tom.

- Putz, perdi a aula. Oi povo, o que acontece? - perguntou o Tom.

- CAIO! - eu gritei.

- Que escândalo! Minha gente, por que vocês estão falando com o Caio? - perguntou o Tom.

- Meu, eu já estou puto, aqui. Eu só quero te ajudar. Eu sei que eu fui um merda com você, eu sei que eu não presto, mas por favor, abre essa boca!

- berrei mais uma vez.

- Gente, que papo louco! - exclamou o Tom - Não sabia que você não prestava.

- Caio!

Não aguentei. Sentei na cadeira em frente à dele e comecei a me desabar em lágrimas. A Luiza e a Claudinha tentavam me consolar e o Tom ficou em pé sem entender nada.

- Está vendo, Caio? A gente só quer te ajudar! - disse a Claudinha.

O Caio se levantou da cadeira e saiu. Eu fiquei irado (não com ele, claro) e atirei a cadeira, que estava do meu lado, longe. A Luiza e a Claudinha tentavam me acalmar.

- CALMA, MARLON, NÃO FIQUE ASSIM! - gritou a Luiza.

- Será que dá para me explicar o que acontece aqui? - perguntou o Tom, mas ninguém respondeu.

- Eu vou atrás dele. - eu disse, enfurecido.

- NÃO, MARLON. SEGURA ELE, TOM. SEGURA, CLÁUDIA! - gritou a Luiza.

- ME SOLTEM! ME SOLTEM!

A essa altura, eu já chamava a atenção da sala toda e não duvido que dos corredores não dessem para me ouvir:

- Calma, Marlon, você não vai resolver nada desse jeito. Você não percebe que a gente só vai conseguir ajudá-lo se ele quiser? - gritou a Claudinha.

- Porra, me soltem! Eu vou lá atrás dele!

- Não!

- Solta! Me solta! Eu vou bater em vocês duas, eu não estou brincando...

- Minha gente, o Marlon pirou! - disse o Tom.

- Me ajuda, Tom. - disse a Luiza - MARLON, SENTA AÍ! - gritou ela - Senta, Marlon, senta agora!

- Puta que pariu, eu vou bater em vocês!

Eu me remexia, jogava os braços, tentava agarrar a porta e as meninas me seguravam. Mas eu fui mais forte.

- SEGURA ELE! - gritou a Luiza.

Eu alcancei a porta e quando ia chegando no corredor, um dos caras da minha sala foi tentar me barrar.

- O que está acontecendo? - perguntou o Dalton, me segurando.

- Me solta, Dalton, senão eu te bato!

- SEGURA ELE, DALTON! - gritou a Claudinha.

- ME SOLTA, CARA, ME SOLTA! - eu gritei.

Já tinha quatro pessoas tentando me deter e eu ainda conseguia me desprender deles um pouco. Mas andar eu não consegui mais.

Finalmente eu sentei em uma cadeira e me trouxeram água. Eu fui bebendo e chorando. O intervalo geralmente dura trinta minutos. Foi o tempo que durou aquela confusão toda.

Logo depois chega o professor e o Caio atrás. Ele me olha, percebe que eu não estou normal e fica meio receoso de entrar. Eu fico olhando para ele fixamente e com os olhos explodindo de ódio. Acho que eu estava todo vermelho, porque geralmente eu fico quando estou nesse estado. Mas ele entra e senta.

Eu sento ao seu lado.

As meninas foram atrás de mim e eu disse baixinho para não atrapalhar a aula.

- Está tudo bem, eu só vou ficar aqui sentado. Não vou fazer nada.

Elas retornam aos seus lugares e eu fico ao lado do Caio. Ele me olhava por cima do ombro, mas não dizia uma palavra. Eu comecei a sussurrar perto dele.

- Eu não saio daqui. Se você sair, eu vou atrás. Vou no mesmo ônibus que você hoje. Vou te perseguir. Não vou deixar você entrar em casa sem falar comigo, estou te avisando.

E o Caio nada falava. Eu continuava fazendo terrorismo.

- Eu vou atrás de você, não importa onde seja. Você está me ouvindo? É bom que esteja, porque é bom você ir se preparando.

Claro que essa não era a abordagem perfeita. É óbvio que com isso ele só ia se fechar ainda mais. Mas eu estava desesperado. Para mim, naquele momento, seria a minha virilidade que faria o Caio se abrir e nada tirava isso da minha cabeça.

A aula acabou e ele ficou sentado do meu lado, não saiu do lugar. Ele me olhou um pouco, depois virou para frente e continuou sentado.

O pessoal da sala já estava saindo e nós fomos ficando. Ficamos Claudia, Luiza, Tom, Dalton, Caio e eu.

- Está tudo bem aí? - perguntou o Dalton.

- Eu não sei, mas por via das dúvidas, você fica caso a gente precise de ajuda. - disse a Claudinha.

- Caio, você vai embora agora? - perguntou a Luiza, carinhosamente. Mas o Caio não falou nada.

- Vamos, Marlon, depois a gente resolve isso. Ele não vai falar com a gente. Vamos esperar que ele se sinta à vontade para nos contar. Ele tem o direito. - disse a Claudinha.

- Eu só saio daqui se ele sair. Se ele ficar, eu fico. - esbravejei.

- Marlon, isso não vai resolver. Você não consegue enxergar isso?

- Claudinha, eu só saio daqui se ele sair.

- Marlon, não é assim que a gente vai resolver isso.

- Agora o Caio é responsabilidade minha. Se você quiser ir, vá. Mas eu fico!

- Eu me importo com ele também e é por isso que é melhor você não fazer pressão, porque não é desse jeito que ele vai se abrir com a gente.

- Eu quero só ver se ele não vai! - disse eu, olhando para o Caio.

- Você é muito cabeça dura! - disse a Claudinha - Caio, olha, não faz isso com a gente. Eu vou te adicionar no MSN hoje e, se você quiser falar comigo, eu vou estar lá te esperando. Mas não demore a fazer isso porque essa sua mudez está acabando com a gente. Eu sei que eu não fui boa amiga, mas eu pensei que estava fazendo a coisa certa. Você mesmo me fez pensar que você estava me usando. Mas eu assumo a culpa se você quiser, mas não faça isso com a gente.

Ela ficou olhando para ele, para ver se ele esboçava qualquer coisa e nada.

- Então tá. Eu vou te adicionar no MSN e vou estar online à sua disposição, está bem querido?

Aos poucos, todos foram saindo e nos deixando na sala. Eu também fiquei calado por um tempo, só olhando para ele. Mas não aguentei ficar muito tempo mudo.

- Caio, olha só o que você está fazendo. Você não vai embora para casa não? - ele não falava nada - Seremos amigos para sempre, mesmo que você não queira. Eu vou cuidar de você até o resto da sua vida!

Ficamos ali parados, sentados. Eu não tirava os olhos dele e ele não tirava os olhos da lousa à nossa frente.

Minutos passaram. Não duvido que tenham sido um pouco mais de 30 minutos, Depois ele respirou fundo, engoliu em seco e, quando eu pensei que ele iria abrir a boca para me contar o que acontecia, ele se levantou, foi pegando as suas coisas, pôs a mochila nos ombros e foi se direcionando para a porta.

Ele não andava apressado, nem devagar demais. Começou a andar normalmente como sempre fez.

Ele acreditou em mim quando disse que iria segui-lo, então ele não se manifestou abruptamente.

Eu, é claro, fui seguindo seus passos. Na minha cabeça ficava martelando que ele tinha algum plano para se livrar de mim. Mas aparentemente ele estava querendo levar aquilo até o fim.

Talvez me testar para saber até onde eu conseguia ir. No corredor do nosso andar tem um banheiro. Ele entrou. Ocupou uma cabine e ficou lá. Eu fiquei na porta da cabine, esperando-o. Não ouvi o barulho da urina atingindo o vaso, ou outra coisa que ele pudesse fazer lá. Depois ele saiu, lavou as mãos e saiu calmamente.

Nem me olhou no rosto.

Chegamos à rua, finalmente, e ele ficou no ponto de ônibus. O ônibus dele chegou, subiu, pagou a passagem e sentou. Sentei ao seu lado.

Detalhe: meu carro ficou no estacionamento da faculdade.

Ele não se sentou na janela. Como eu não costumava andar com ele de ônibus, então não o estranhei não sentar na janela.

Eu passei por ele e sentei na janela. Mas depois desconfiei que ele pudesse fazer alguma coisa, então fiquei em pé, de frente ao banco em que ele estava sentado, para barrar uma possível fuga.

Passou um tempo, ele se levanta, puxa a cordinha e desce. Eu estava tão atento a ele que nem percebi onde estávamos. Ele desceu e eu fui atrás.

Quando olho ao meu redor, vejo que não estamos no bairro dele e estranho muito. Meu coração começou a pular dentro de mim e aquela coisa de ele tentar me testar, querer saber até eu vou com ele, ficou martelando na cabeça.

- Caio, onde a gente está? - mas ele não respondia.

De repente ele começa a correr e eu vou atrás. Tento puxá-lo pelo braço, mas eu não o alcanço. Ele entra em um táxi e fecha a porta rapidamente.

Assim que a porta é fechada, o carro parte em disparada. Tudo arranjado!

Talvez tenha sido isso que ele fez na cabine do banheiro. Fiquei com a cara no chão. Tentei buscar um outro táxi para segui-lo, mas não encontrava.

Fiquei arrasado. Fui para o ponto de ônibus e esperei um que me levasse para a faculdade, para eu pegar meu carro. Eu estava frustrado, me sentindo derrotado. Vontade de chorar não faltou, mas homem que é homem não chora na frente de ninguém, não é verdade?

Cheguei em casa e fui direto para o telefone. Nem sei por que me dei ao trabalho. Ele não atenderia.

Fiquei transtornado. Entrei no meu quarto e atirei a mochila na cama, peguei o travesseiro e comecei a morder de raiva. Eu sou assim mesmo meio nervoso, já deu para perceber, não é?

Eu fiquei me perguntando como foi que ele acionou aquele táxi. Eu não o ouvi falando pelo celular com ninguém. Aliás, esse era um dos meus medos quando ele entrou no banheiro. SMS talvez? Táxi por SMS? Enfim, não adiantava ficar pensando nisso.

À noite, uma surpresa.

- Alô? Marlon? Cadê você, meu filho? Eu estou aqui te esperando há horas! - ligou a Laís, reclamando do meu atraso.

Não posso chamar de atraso. Eu nem me lembrava mais quem era Laís. Mas respondi calmamente.

- Nossa, desculpa amor. Eu estou terminando de me arrumar e já já estou aí. – desliguei.

Eu iria tomar banho, mas daí eu pensei “Para quê? Depois eu tomo quando chegar!” e fui para a casa da Laís. Quando cheguei, recebi uma bronca.

- ISSO SÃO HORAS? ONDE VOCÊ ESTAVA? - gritando.

- Calma, amor. Olha o que eu te trouxe.

Tirei do carro um ramalhete. Rosas vermelhas. Vermelho sangue.

- Ah, são lindas! Obrigada, amor meu! - e me selou.

- Não se esqueça do cartão. - eu alertei.

Fiquei ansioso para que ela lesse. Eu ficava atento para os olhos dela e estava muito curioso para saber a sua reação.

Ela começou a ler em silêncio. Parou. Esbugalhou os olhos. Me olhou com ar de surpresa e desespero e disse:

- Mas...

O cartão dizia:

“Quem tem a rola mais gostosa: eu ou o seu primo?”

- O que significa isso?

- Responda a pergunta. - disse eu calmamente, me divertindo com aquilo tudo.

- Do que você está falando?

- Ah, para, Laís. Vai dizer que você não sabe responder essa? - irônico.

- Brincadeira chata! - chorando e tremendo.

- Não é brincadeira - me fazendo de inocente.

- Eu nunca nem beijei meu primo.

- Ah, Laís, você já soube mentir melhor, hein?

- O quê? O que foi que seu irmão disse? Seja o que for, é mentira.

- Meu irmão?

- Não foi o seu irmão quem te contou isso?

- Não.

- Quem foi?

- Seu primo.

- Hã?

- É, seu primo.

- Mentiroso.

- Liga para ele, então.

- EU VOU LIGAR MESMO, PORQUE ISSO É MENTIRA - dizia aos berros.

- Pode ligar! Espero que aproveite as flores, são lindas como você. Beijos.

Fui entrando no carro e dando partida. Ela se pendurou pela janela e começou a berrar.

- SE VOCÊ SAIR AGORA, ESTÁ TUDO ACABADO! TÁ, TUDO BEM, FOI UM BEIJO SÓ, MAS NÃO FOI NADA MAIS QUE ISSO. EU ESTAVA BÊBADA. E VOCÊ? VAI DIZER QUE NUNCA ME TRAIU? VAI?

- Você o beijou uma vez só?

- Só! Te juro.

- Laís... me engana que eu gosto. Eu sei que você anda por aquele bar com ele e não é de hoje. Eu não quis acreditar quando me contaram há meses atrás, mas eu confirmei. Desde que o seu primo chegou, vocês ficam. Pensa que eu não sei? Isso que eu saiba, não é? Quem sabe nessas viagens que você fazia por lá você não dava uns pegas com ele heim?

- Mentira, Marlon. Te juro.

- Jure pela morte dos seus pais e de seus avôs, então.

- Hã?

- Avôs paternos e maternos... jure!

- Brincadeira sem graça, Marlon.

- É, mas brincar de pegar na vara do priminho caipira você gosta, não é? Vou dizer uma coisa que vai te surpreender muito: nunca te traí. Se tivesse traído alguma vez, não teria problema de contar agora. Afinal, você já fez isso também. Mas infelizmente eu fui fiel. E sabe do que mais? Eu nunca gostei de você. Por isso que desde quando eu soube de fato que você estava ficando com o seu primo ontem, eu até esqueci que tenho namorada. Sabe porquê eu me atrasei? Nem lembrava desse encontro. Enfim, agora você tem o caminho livre para continuar transando com o seu primo cowboy. Olha que coisa boa?!

- Para de zombar de mim!

- Fui.

- MARLON! - gritou ela.

Eu fiquei rindo no carro.

Estranho demais. Mesmo nunca tido me apaixonado por ela, eu deveria estar muito bravo. Mas parecia que eu tinha tirado um peso das costas.

Parecia liberdade. Livre para novas relevâncias na minha vida.

Eu sempre achei que existem pessoas que, por mais insignificantes que elas sejam na nossa vida, elas sempre deixam uma marca. A Laís me ensinou que eu estava errado, me ensinou que, são raras, mas existem sim aquelas pessoas que nem rastros deixam. A Laís foi uma delas.

Eu ainda ouviria falar da Laís por uns dias. Umas amigas dela me ligando, dizendo o quanto ela estava arrependida.

Por fim, eu disse em resposta que ela deveria ficar caladinha, ou eu faria a fama dela decair. Ameacei mesmo.

No fundo a Laís nunca assumiu nada com esse primo porque os pais dela não concordavam com esse namoro e, depois, ela tinha vergonha dele por ele ser pobreNa aula seguinte, eu cheguei e olhei o Caio. Sentei no meu lugar e fiquei a observá-lo. “O que se passa nessa cabeça? Por que ele está fazendo isso?”.

Depois de consumar o término do namoro com a Laís, nada mais me prendia ao passado.

O Caio era o meu presente. Era a minha atual perspectiva de vida. Mas era distante. Era intransponível, inalcançável. Prestar atenção nas aulas eu não conseguia mais.

Mandei um SMS para ele.

“Não faz isso! Me deixa ajudar você”

Ele sentiu o celular vibrar, leu a mensagem e depois devolveu o celular ao bolso. Nem mesmo me olhou.

Veio-me uma vontade de chorar enorme, então saí. Fui ao banheiro. Sentei no vaso, peguei alguns pedaços de papel higiênico e enxuguei as lágrimas que iam surgindo. Mandei uma novo SMS:

“Não vou desistir de você.”

No intervalo, ele ficou na sala e eu fui para a lanchonete como os outros.

- E como foi ontem? - perguntou a Claudinha.

- Não quero falar sobre... só saiba que não deu certo.

- Claro que não. Não é desse jeito que você vai resolver as coisas. A gente tem que se mostrar sempre disponível, mas nesses casos quem deve tomar a iniciativa é ele - fiquei calado - eu já o adicionei no MSN. Agora é esperar ele vir falar comigo ou com você.

- Você acha mesmo que ele vai adicionar você? Esqueça, Claudia, eu faço do meu jeito e você faz do seu.

A aula acabou e eu decidi abandonar a ideia de persegui-lo. Mas não me vinha ideia nenhuma de como prosseguir. Ele não fazia atividades extras, então ou eu o via na faculdade, ou em lugar nenhum.


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Comentários


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alguem-mineiro Comentou em 11/07/2024

Estou até com medo de continuar lendo. Parece que o Caio tem uma doença terminal está naquele lance de afastar todo mundo para que sintam menos a sua morte. :-((




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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
contosdelukas

Nome do conto:
O Garoto e o saxofone [6]

Codigo do conto:
216161

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
11/07/2024

Quant.de Votos:
6

Quant.de Fotos:
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