- Tá, esfrega bem.
- Vira de costas.
Ele pegou o sabonete e começou a passar nas minhas costas, enquanto me elogiava.
- Nossa, que costas largas!
Eu ficava rindo e ele continuava a lavação. Ele passava a mão nas minhas coxas, por dentro delas e me deixava muito excitado.
Depois ele passava os dedos no meu cu. Incomodou-me um pouco, mas depois de um tempo eu até gostei.
- E aqui, eu posso lavar? - perguntou ele com o dedo no meu cu.
- Faça o que você quiser.
- Sente prazer quando é tocado aqui?
- Não sei, é estranho.
- Depois de um tempo, você se acostuma.
Terminamos o banho e fomos para o quarto dele. Eu fui pegando as minhas roupas, para me vestir. Quando eu estava pondo o pé na cueca, ela me toma a peça da mão e pergunta:
- O que você pensa que está fazendo?
- Hã?
- Por que você acha que a gente tomou banho?
- Não entendi.
- Tão bonitinho e tão burrinho. - brincou ele - Deita aí, bobão, vamos namorar um pouquinho mais.
Parecia sonho. Eu nunca havia beijado, abraçado, lambido, mordido, suado, transado, deitado, cheirado, sorrido, rido, amado desse jeito tão gostoso, tão prazeroso.
Depois do banho, ficamos mais um tempinho na cama. Depois ouvimos o barulho da porta principal se abrindo e o barulho de sacolas. Provavelmente era o pai do Caio. Vestimo-nos imediatamente, apesar de não ser necessário. O pai do Caio sabia e aceitava a sexualidade do filho, mas preferimos não surpreendê-lo ainda.
Depois eu fui embora feliz da vida. Ia dirigindo e cantarolando. Eu deveria estar com cara de bobo. A cara mais boba do mundo. Cheguei em casa e fui direto para o quarto ligar para ele.
- Oi gato!
- Você está em casa? - me perguntou ele.
- Acabei de chegar.
- E você está sozinho?
- Não, está todo mundo aqui, por quê?
- Tá louco? Me chamando de “gato”? Alguém pode ouvir.
- Ah, bobagem.
- Hum.
- Ei, já estou com saudades.
- Eu também.
- Sério? - perguntei surpreso.
- Claro.
- Ai, que bom! Estou tão feliz. Eu te amo, sabia?
- Hahahahahaha, bobão.
- Sou mesmo, sou muito bobão. Hahahahahaha. Vou te buscar amanhã, para a gente ir juntos pra faculdade.
- Amanhã eu vou ficar na sorveteria, de lá eu vou com a mamãe.
- Ah, que chato. Deixa de ser filhinho da mamãe e vem comigo!
- Eu queria, mas tenho que ficar na sorveteria.
- Mas eu posso passar na sorveteria e te buscar.
- Mas ela vai na universidade de qualquer jeito, vai falar com a minha tia. - a tia do Caio é professora universitária.
- Merda!
- A gente vai se ver, fique calmo. Que pressa!
- Ah, mas eu tenho pressa mesmo.
- Besta!
- Besta é você.
- Eu não, eu sou esperto.
- Hein?
- Sou sim, porque eu levei você pra cama. Um homem gostoso desses...
- Hahahahahaha, só você consegue me deixar vermelho via telefone.
- Eu sou demais - se gabando.
- Hahahahahaha, o pior é que eu tenho que concordar.
- Claro!
- Beijos.
- Outros.
No dia seguinte cheguei cedinho. Esperando o Caio. Claudinha chegou, a cumprimentei e ficamos esperando o Caio e o Tom. Depois o Tom chegou.
- Pessoal, vamos para o corredor, que tem menos gente, eu quero falar uma coisa para vocês.
- Que mistério, Marlon.
- Vem, deixa de frescura, Claudinha.
Fomos e sentamos no chão. Certifiquei-me se a sala em que estávamos próximos tinha alguém. Não.
Voltei a sentar e fui contando.
- Tenho novidades: eu e o Caio estamos namorando!
A Claudinha ficou surpresa a ponto de deixar o queixo cair. O Tom soltou um grito histérico.
- Cala a boca, Tom!
- Gente, o que é isso? Tá brincando né?
- Não.
- Eu não acredito! - disse a Claudinha.
- Acredite, é verdade.
- Você é... ? Não!
- Claro que ele é. Sempre soube.
- Sempre?
- Meu amor, eu sinto cheiro de ativo de longe. Passiva nem preciso chegar perto que eu já percebo.
- Ainda não acredito.
- Eu amo aquele menino, Claudinha.
- Você é tão macho!
- O Caio é um viado de sorte.
- Ai, não chama o Caio assim.
- Querido, a gente se chama assim. Não se pode admitir é que outras pessoas te chamem desse jeito, mas quem é da classe pode.
- Ai, morri.
- Gente... Claudinha, você estava afim do Marlon?
- Não né? Se eu tivesse, já tinha dado há muito tempo! Mas... Putz, estou surpresa, porque eu também tenho feeling para gay e nem percebi. Ai que ódio!
- E cadê o mais novo namoradinho do Brasil?
- Está vindo com a mãe dele.
- Desde ontem que vocês estão namorando? - perguntou o Tom.
- Sim, a gente ficou ontem e depois assumimos namoro. Mas é segredo, só vocês sabem.
- Mas vocês já tinham ficado antes, não é? - perguntou a Claudinha.
- Não, foi minha primeira vez.
- Ai, que fofo! O Marlon sentiu-se como a Madonna: “Touched for the very first time”.
- Hahahahahahahaha, foi mesmo, viu? Porque eu não era mais virgem, só que parecia.
- É meu bem, comer xaninha não é igual.
- Ai, que nojo! - disse a Claudinha - comer xaninha deve ser um ó!
- Gente, para tudo, Marlon já está se comportando como alguém da classe. Só falta uma purpurina e uma voz mais carregada.
- Vai tomar no cu, Tom!
- Vou já já.
- Não, Tom, aí o Marlon vai perder o charme de lenhador do campo que ele tem. E eu tenho certeza que o Caio prefere esse jeito “cuspo-no-chão-e-coço-o-saco-na-frente-dos-outros” que o Marlon tem.
- É verdade, Claudinha, eu mesmo prefiro assim, machão. Ai, bateu saudade do Lu, agora.
Ficamos batendo papo ali no corredor. Depois de um tempo, meu celular vibra.
- Cadê você? Já cheguei, estou aqui no estacionamento.
- Estamos aqui em cima.
- Já começou a aula?
- Não, estamos no corredor.
- Vou ficar aqui, porque a mamãe está conversando com a minha tia. Mas faça o seguinte: desça e me salve, diga que a aula já começou.
- Tá, espera aí.
Eu desci e fui para o estacionamento. Lá estavam Caio, a sua mãe e a sua tia encostados no carro.
- Olá!
- Oi Marlon, tudo bem? - perguntou a mãe do Caio.
- Tudo sim. Ah, Caio, a aula já começou
- Ai, que merda! Viu, mãe? E eu aqui perdendo aula por sua causa. Beijos; fui.
Fomos subindo as escadas. Como era bom vê-lo depois de tudo. Ele estava lindo, como sempre: camiseta branca e uma estampa rosa, calça jeans e All Star branco.
- Sempre lindo, não é, Senhor Caio?
- Eu faço o que posso.
- Exibido.
- Gostoso!
Fomos andando pelo corredor e, como ele estava vazio, a gente se abraçou às pressas. Ao fundo estavam Claudinha e Tom sentados ao chão.
- Tão namorando, tão namorando, tão namorando! - gritavam os dois.
O Caio parou de andar e me perguntou:
- Você contou?
- Contei, por quê? Não era para contar?
- Não sei. Eu confio neles, mas... sei lá.
Continuamos andando e sentamos:
- Caio, filho da puta de sorte! - disse o Tom.
- Estão loucos, gritando desse jeito?
- Ai, Caio, ninguém ouviu. - resmungou o Tom.
- Nunca que eu ia adivinhar que o Marlon era do babado. - disse a Claudinha.
- Nem eu. - disse o Caio.
- Sério, Caio? Pois eu já sabia há muito tempo.
- E por que você não me disse? Que viado safado! - o Caio fingiu que brigava com o Tom.
- Ah, eu queria ter certeza.
- Então você não sabia. - eu disse.
- Gente, guardem segredo, por favor, hein? - atentou o Caio.
- Pode deixar, Caio.
- Não. Nada de “pode deixar”. É sério!
- Amor, o segredo está seguro.
- Ai, Caio, parece que não confia na gente. - resmungou a Claudinha.
- Confio, mas esse assunto é delicado. Você deveria ter me consultado, Marlon, antes de ter contado.
- Não sabia que você iria ficar tão preocupado.
- Claro que eu tenho que ficar.
- Você está exagerando, Caio.
- Não estou não, Marlon. Isso é sério!
- Parece até que você não quer me assumir. Tem medo que uma certa pessoa saiba que você já tem dono?
- Ai, começou. - queixou-se o Caio - Deixa de neurose, pois não é nada disso.
- Marlon, o Caio tem razão. Aliás, o Marlon também tem razão, Caio. - disse o Tom - Marlon, eu entendo perfeitamente o que o Caio está fazendo. Ele está tentando preservar você. Ele e eu sabemos como é difícil ser gay.
Você está sabendo agora, você não sabe bem como é o preconceito, você só sabe que ele existe, nem o sentiu ainda. Escute o Caio, porque ele tem experiência. Tem mais que eu. Não vá achando que é fácil, que você vai chegar para os seus pais e dizer “Papi, mami, tou comendo o Caio” eles vão dizer “Está de castigo e não vai mais ter sobremesa por três semanas”.
- Eu sei, Tom. - eu disse.
- E Caio, talvez seja melhor o Marlon sair contando logo, porque vai que ele demora para contar, percebe como é difícil e demora para falar.
- Eu não vou desistir do Caio, Tom. - resmunguei.
- Eu sei, não é disso que eu estou falando. O Caio sabe o que é.
- Sei.
- O que é? - perguntei.
- Porque às vezes quanto mais cedo você assume, às vezes, repito, às vezes é melhor porque você sofre logo tudo de uma vez. Mas sofre muito. - disse o Caio.
- Foi o meu caso, Marlon. Eu demorei para contar e quando contei, eu estava com mais medo porque tinha consciência de todos os problemas já. Às vezes, se você conta e não tem ideia dos problemas, você só fica ciente deles quando já está sofrendo e não antes de sentir, entende?
- Acho que sim.
Tudo o que rodeava a minha a cabeça era a presença do Caio. Se o Caio estivesse sempre ao meu lado, me dando apoio e amor, tudo estaria bem.
Mas ter aquela conversa com o Tom e o Caio me fez pensar bastante.
Realmente, por mais que a minha relação de namorado estivesse firme, não me livraria de sofrer as repressões que logo seriam impostas.
A primeira que tiraria o sono seria a da família. Era confuso agora ser um corpo estranho no seio da minha família. Sabia que o meu pai e meu irmão fariam algo muito brusco. Me senti extremamente incomodado. Uma coisa era certa: eu não poderia viver sem o Caio e não digo isso porque eu o amava, digo pelo simples fato de que ninguém vive sozinho, sem um parceiro(a). ninguém vive, se não buscar a felicidade.
Como eu faria para esconder o que sou? Passei o resto do dia preocupado com todas as questões sensíveis que permeavam sobre a minha sexualidade, sobre os meus sentimentos.
Eu não poderia viver sem o Caio, mas não conseguia me imaginar recusando a vivência com a minha família.
O pior de tudo era o sentimento de injustiça que começava a reinar sobre mim. Era injusto não poder ser livre. É.
Passei o resto do dia cabisbaixo. Tinha acabado de conhecer o amor de verdade e estava triste, já pensando em como manter esse namoro. Sempre lutei por muita coisa, mas parecia que, pela primeira vez, a batalha seria longa e valeria muito a pena, mas haveria muitas perdas. Perdas irreparáveis.
No fim da aula, o Caio se aproxima. Senta ao meu lado.
- Vamos para a minha casa? - perguntou ele carinhosamente.
- Vamos. - respondi triste.
- Lá a gente conversa melhor.
Despedimo-nos do pessoal e fomos.
Durante a viagem, não falamos nada. Entramos na casa dele, dei boa tarde para a agora sogra e fomos para o quarto.
Ele trancou a porta, tirou os tênis, as meias, o jeans. Sentou-me na cama, tirou minha camisa, meus tênis, minhas meias, minha calça e me deitou.
Apagou a luz e acendeu uma vela aromática. Deitou-se ao meu lado, se abraçou a mim, pôs a cabeça no meu peito e enroscou suas pernas nas minhas.
- Caio, eu preciso de colo. - choraminguei.
Então ele se desprendeu de mim, deitou-se de costas e, tudo o que ele tinha feito em mim, eu fiz nele: deitei-me no seu peito, abracei-me a ele e enrosquei minhas pernas nas dele. Ele começou a me fazer cafuné na cabeça com uma mão e a acariciar meu peito com a outra. Ele ficava alisando o meu peito com os dedos. Eu enfiei meu nariz entre o seu pescoço e os travesseiros. Sentia o seu cheiro de menino e poder de homem, que exalava da sua pele. Meus lábios tocavam seus ombros.
Ficamos excitados, mas não fizemos nada mais que isso.
- É estranho sentir prazer isso com um homem. Alguns anos atrás eu acharia isso estranho. Hoje não tem nada mais confortante.
- Eu sei, meu amor.
Eu tirei meu rosto do seu pescoço, com surpresa.
- Você me chamou de “meu amor”!
- Chamei, bobo. Agora volta a deitar, vem. - disse ele me puxando para o seu pescoço.
- Seremos felizes, Caio?
- Não sei. É só o começo. Tenho certeza que você já começou a refletir sobre o que eu te disse hoje.
- Sim, e as conclusões foram as piores possíveis.
- Sentir na pele é pior.
- Caio, aqui na sua família você nem sofreu tanto preconceito, mas por que você é tão ressentido?
- Porque eu sofri na rua. Quando eu contei para aquele meu amigo antigo, lembra? Ele espalhou para todo mundo.
- Eu pensei que ele só tivesse se afastado...
- Não. Ele quis espalhar porque teve medo. Se outra pessoa soubesse que eu era gay e sabendo que ele e eu éramos unidos, poderiam pensar coisas. Então ele preferiu contar primeiro.
- Que idiota!
- Quando eu me mudei para cá, faz quatro anos isso, ele me ligou pedindo desculpas e explicando o porquê.
- Como se fosse motivo.
- No fundo, eu o entendo. Eu não o condeno e o perdoei. O perdoei porque passei a ignorá-lo depois que ele fez isso.
- Assim como você me perdoou, ou seja, me ignorou depois que eu disse que você tinha mentido sobre a Laís?
- Isso.
-Você consegue ignorar as pessoas com facilidade. Mesmo aquelas que você gosta muito.
- Eu mantenho mecanismos de autodefesa. Eu me programo para me conformar logo. Quando acontece algo ruim envolvendo alguém que eu gosto, eu me obrigo a aceitar para não sofrer mais. Isso é fácil para mim.
- Você sofreu muito, não foi, meu bebê? - disse eu elevando um pouco mais o rosto para ver os seus olhos.
Ele olhava para o teto de forma compenetrada.
- Mas eu sempre me levanto. Isso é o mais importante.
Eu beijei o seu rosto e fiquei com o rosto erguido até que ele notasse que eu queria um beijo. Ele não demorou muito para perceber, virou o rosto e me saldou com um beijo de língua suave.
- Eu te amo, Caio! - olhei no fundo de seus olhos.
Ele começou a chorar lentamente e sorriu.
- Está emocionado?
- Ninguém nunca tinha me amado desse jeito antes. Você é a primeira pessoa que me ama assim. Eu vou te amar também, Marlon, pode ter certeza!
Apesar de todas as dificuldades, namorar quem se ama é muito bom! Saber que a pessoa que você deseja também te quer é algo inexplicável com palavras.
Estávamos indo bem. Dizer ao Tom e à Claudinha só nos trouxe benefícios, pois saíamos sempre juntos e, portanto, ninguém desconfiava, além do mais, eles nos davam cobertura.
Não sei como foi possível, mas ficamos mais unidos, nós quatro. Mentira. Eu sei como foi possível sim.
Quando se tem amigos verdadeiros, se tem fortaleza, mas essa fortaleza só te protege quando ela sabe do que você precisa. O fato de eu agora ser verdadeiro com eles, os deixaram a par do que eu precisava e como deviam me proteger.
Mas o medo da perfeição acabar era presente.
O Vinícius, mesmo nunca mais tendo o visto, me perturbava. O Caio deixava claro sempre que não me amava do jeito que eu queria. Isso era bom. O Caio queria ser justo comigo. Mas se ele não me amava tão intensamente, talvez significasse que ele ainda gostasse do Vinícius, ou pelo menos que pudesse ter recaídas.
E nesse medo, o Caio me comunica:
- Oi, lindo.
- Oi, amor.
Estávamos na sorveteria. Eu estava em uma mesa e o Caio se aproximou com uma taça para mim. Ele sentou e ficou me olhando. Percebi que ele tinha algo para dizer
Peguei a colher e fiquei tomando a sobremesa. A cada colherada, eu o olhava.
- Você pediu que eu viesse aqui só para tomar sorvete?
- Não.
- Então conta logo, está com medo de quê?
- Da sua reação.
- Caio, o que foi?
Parei de tomar o sorvete e fiquei olhando para ele, inclinado para a frente.
- Vinícius.
Eu afastei o meu tronco e encostei-me à cadeira. Fiquei olhando para os lados e depois fiquei olhando para ele. Depois eu me inclinei de novo para a mesa, juntei minhas mãos e fiquei esperando o resto, apesar de prever o que vinha.
- Sabia que você iria ficar desse jeito.
- O QUE VOCÊ ESPERAVA? - berrei.
- Psiu! Fala baixo, para não assustar os clientes.
- Vai à merda, Caio! - resmunguei.
- Ai, Marlon, você nem esperou eu terminar.
- Você vai dizer o quê? Que foi sem querer?
- Realmente eu não quis não, mas não aconteceu nada do que você está pensando.
- Então o que foi?
- Ele me ligou, me pediu para encontrá-lo. Disse que está com saudades.
- Saudades! Sei. Que filho da puta! Que cara de pau...
- É.
- E você, o que disse?
- Disse que não, claro.
- Só isso? Caio, eu quero saber tudo: palavra por palavra. Conte-me do início.
- Ele me ligou... - eu o interrompi.
- Para o seu celular?
- Não, ele não sabe meu número novo. Ligou para minha casa. Eu atendi e aí ele se identificou. Aí ele disse que estava se sentindo muito só, que não ficava com ninguém há muito tempo e tals. Aí eu perguntei o que eu tinha a ver com aquilo e ele disse que só pensava em mim e que estava sentindo a minha falta. Eu disse que ele era o meu passado e que foi um passado muito ruim. Aí ele choramingou, pediu desculpas e implorou para a gente se encontrar. Mais uma vez eu disse não. Aí ele perguntou se tinha outro e eu disse que não.
- Por que não disse que sim?
- Quer que ele saiba sobre a gente?
- Sei lá... isso importa?
- Claro que importa. Por mais que ele também tenha teto de vidro, não é nada interessante que ele saiba sobre você. Eu mesmo não quero.
- Por quê?
- Ah, sei lá. Mas acho melhor sempre nos preservar.
Por mais que o Caio tivesse dispensado o Vinícius, eu fiquei chateado com ele. Não sei bem por quê.
Era como se o Caio tivesse dado brecha, apesar de não ter dado.
- Foi só isso?
- Não. Eu disse para ele não me ligar mais. Disse que eu não gostava mais dele e que queria distância.
- E não gosta mesmo?
- Não, seu idiota.
- Será?
- Ora, por que eu estou com você, então?
- Não sei, me diga você!
- Ai, bobo, bobo, bobo.
Ele puxou a minha taça de sorvete e ficou tomando. Eu fiquei com a cara emburrada, olhando para ele.
- Está uma delícia isso aqui.
- Você ainda gosta dele.
- Não, não gosto.
- Não foi uma pergunta, foi uma afirmação.
- E a sua afirmação é baseada em quê?
- No que eu sinto.
- Você não tem sentimentos muito confiáveis.
- Por que disse isso?
- Bom, se bem me lembro, uma vez você disse que eu estava apaixonado por você, quando na verdade eu estava apaixonado pelo Vinícius. Você jurou de pés juntos para si mesmo que isso era verdade.
- E?
- E eu não estava, lembra?
- Sei lá, parece que você dá brecha pra ele, que me esconde coisas...
- Que história é essa? Eu não te escondo nada. Das vezes em que eu escondi, foi para o meu bem ou o seu bem. Nunca omiti algo para te magoar.
- Eu sei, mas... ah, Caio, eu tenho ciúmes dele.
- Eu sei, por isso que estou te contando. Eu poderia muito bem nem ter falado. Poderia ter dito não para ele e ter deixado para lá, já que eu não te trairia mesmo. Mas eu preferi te contar.
- É, eu sei.
- E então?
- Tá, tá.
- E outra: dois corpos não ocupam o mesmo lugar simultaneamente. Leis da Física. Acredite!
- Hã?
- Não entendeu?
- Não.
- Burro. Toma o teu sorvete que eu vou voltar ao trabalho.
- Espera, me explica isso.
- Beijo, beijo. - disse ele se levantando e me dando um tapinha na testa.
Eu fiquei sem entender nada.
Eu fiquei um tempão ali sentado. Depois a mãe do Caio chegou, me viu e veio falar comigo.
- Oi Marlon!
- Oi.
- Não quer sorvete?
- Já tomei, obrigado.
- E o Caio?
- Está lá dentro.
- Nossa, e ele deixa o namorado aqui sozinho?
- Namorado?
- Ué... - ela fez cara de confusa.
- Do que a senhora está falando?
Ela se sentou comigo na mesa e disse:
- O Caio me disse que vocês...
- Disse?
- Não estão?
- Es... Estamos! - disse eu meio gaguejante - Mas ele não me disse que tinha contado.
- Já faz tempo que ele nos disse. Não se preocupe, sabemos que você ainda não assumiu.
- Então o Caio contou? - perguntei ainda sem acreditar.
- Foi. Fique tranqüilo.
- Estou bem tranquilo agora. - disse eu carinhosamente.
Ela se levantou e atravessou o balcão. Minutos depois, me aparece o Caio.
- Vamos sair?
- Para onde?
- Sei lá. Me surpreenda!
Eu estava muito sem paciência para surpreendê-lo, então comecei a dar voltas de carro pelo centro. Eu estava tenso. Eu estava chateado. Eu estava muito abalado por nada. Depois de muito rodarmos calados, ele quebra o silêncio.
- Então é assim que você vai se comportar sempre que alguém me cantar?
- Como você quer que eu aja?
- Que pelo menos confie em mim. Acho que é o mínimo.
- Eu sei que você não me traiu.
- Não é bastante. Você ficou com raiva de mim. Parecia que eu era o culpado.
- Eu sei que você não era o culpado.
- Então por que me culpou? - perguntou ele meio bravo.
- Eu fiquei mexido com essa ligação.
- Por quê? - perguntou ainda bravo.
- Porque eu tenho medo dele.
- Medo do Vinícius? Hahahahahaha... - risada irônica - Que ridículo!
- Não é ridículo. Tenho medo de perder você.
- Seu medo é ridículo! - disse ele mais bravo ainda.
- Você me ofende ao dizer isso.
- Você me ofende também. Estou dando o troco.
- Você sabe que a sua ironia é cruel, principalmente quando você a faz para me atingir.
- A intenção é essa.
- Nossa! Não achei que isso fosse tão grave.
- Mas é. E eu só estou fazendo isso para te magoar mesmo. Quero ver você sofrendo e chorando pelo o que você fez.
- Não exagere, Caio.
- Eu estou só começando. Quer que eu continue?
- Não, pois eu sei que você pode ser mais cruel que isso.
- Ai, que ódio!
- Por quê? Foi tão grave assim o que eu disse?
- Não. Foi grave o que você pensou. Por que disse que eu te escondo coisas?
- Porque às vezes você me passa essa impressão.
- Como? Quando?
- Ah, não sei quando. E o “como” é a forma misteriosa que você usa para conversar comigo, para me dizer coisas. É diferente de todo mundo.
- Então agora a forma como eu me comporto para te surpreender, para te agradar é falsa?
- Não quis dizer isso.
- MAS DISSE! - ele gritou.
Eu já havia percebido que ele tinha dado dimensões muito maiores do que realmente era. Eu não tinha ideia de que ele estava tão magoado. Eu realmente o tinha ferido. Eu parei o carro no encostamento e o olhei. Ele estava lacrimejando.
- Amor, eu não sabia que você tinha ficado tão chateado.
- Mas eu fiquei. - disse ele agora baixo.
- Por quê? Me faz entender!
- Porque eu estou apostando todas as minhas fichas no nosso relacionamento. Eu nunca estive envolvido em algo tão maduro e concreto. Estou dando tudo de mim. Não admito de forma alguma que você desconfie de mim, também não ache que eu minto para você. Não admito mesmo.
- Mas eu nem percebi que estava dizendo essas coisas.
- O que torna pior. Você disse nas entrelinhas, disse sem querer, sem saber, mas disse o que sente. Ou seja, quem mente aqui é você. Não te escondo nada.
- Esconde sim. Você não me disse que seus pais sabiam da gente.
Ele me olhou, fez cara de estranheza e depois começou a rir.
- Desculpe. Achei que você fosse inteligente o bastante para saber que meus pais estão sempre a par de tudo o que acontece na minha vida. Exceto, é claro, aquela fase em que eu pirei, mas eles sabem tudo sempre. Além do mais, você sabia que eles sabiam da minha sexualidade. E por último, não menos importante, você acha que eles são burros como você e nunca suspeitaram das vezes em que você dormia lá em casa, passava horas trancado no meu quarto? - ele parou para respirar e continuou - Realmente, eu não te contei que eles sabiam. Desculpe. Só achei que você já tivesse deduzido que eles sabiam.
Eu realmente não fazia ideia que tinha magoado tanto o Caio, nem sabia dos poderes das minhas palavras. Fiquei um pouco desesperado, pois não conseguia conceber a ideia de magoá-lo.
- Amor, eu... eu não fazia ideia que você iria ficar assim. Me perdoa!
- Esquece, eu estou exagerando mesmo.
- Não, não. Se você ficou desse jeito, alguma coisa eu fiz.
- Não, eu que estou exagerando mesmo.
- Me fala, o que está acontecendo?
- Eu já disse: estou apostando muito em nós.
- Que bom, meu amor, mas por que isso é um problema?
.
- Estou com medo.
- De quê?
- Eu nunca senti isso.
- Isso o quê?
- Ai, Marlon, não faz ideia do que eu estou sentindo?
- Não.
- Amor, Marlon; amor! Que merda, você não enxerga isso não?
Eu deveria ficar muito feliz, mas fiquei surpreso e confuso.
- Mas... ai, ai, ai, por que que eu não estou fazendo as conexões na minha cabeça?
- Dois corpos, um mesmo lugar. Lembra?
- O que isso significa?
- Que eu não posso gostar do Vinicíus ou de outra pessoa, se de quem eu gosto mesmo é de você.
- Oh, meu amor. Que lindo!
- Não é lindo, é apavorante.
- Por quê?
- Porque isso é novidade para mim. Não sei lidar com isso, ainda!
- Mas eu estou aqui. Eu estarei sempre aqui.
- Desconfiando de mim? Achando que eu te escondo coisas? Eu já estou nervoso e você me aparece dizendo essas coisas...
- Desculpa.
- Lembra que eu te disse que eu consigo controlar meus sentimentos? Pois é, eu não consigo mais.
- Bobo, e nem precisa. Eu não vou te abandonar. Eu te amo.
Ele me olhou, enxugou as lágrimas; ele estava com uma cara ainda raivosa, mas, pela primeira vez, ele disse:
- Eu te amo!
Finalmente ele tinha dito as três palavrinhas mágicas. Palavrinhas que eu esperei muito tempo para ouvir. Mas quando esse dia finalmente chegou, eu não senti o que eu achava que sentiria, nem foi do jeito que eu imaginei.
Ele disse que me amava, foi sincero, verdadeiro, do fundo do seu coração, mas não senti a emoção de ser amado. A culpa não tinha sido dele, mas do momento. Na verdade a culpa foi minha. Ele estava tentando ser um bom namorado, me contando tudo, me deixando por dentro de sua vida e eu o tratei como um qualquer. Nem mesmo consegui identificar as minhas palavras erradas.
Ele disse:
- Eu te amo! Vamos embora daqui, me leva para casa - disse enquanto enxugava as lágrimas.
Foi horrível. A vida tem dessas coisas, eu sei.
Mas quanto tempo eu não esperei por aquelas três palavrinhas?
Odiei-me. Odeio-me até hoje.
O deixei em casa, ele me selou com um beijo rápido e disse “Tchau”.
Nossa! É uma montanha russa de sentimentos!!