- Marlon?
- Oi Tom.
- Te acordei.
- Sinceramente?
- Já vi que sim.
- Pois é.
- Mas eu precisava falar com você. Podemos nos encontrar daqui há quinze minutinhos na praça em frente ao XXXX?
- O que houve?
- Você pode ou não?
- Posso.
Tomei um banho rápido, comi uma maçã e saí.
Ele estava sozinho e sentado em um banco.
- O que foi, heim? - perguntei meio bravo.
- Nossa! Você ainda está bem desorientado da noite de ontem.
- Você não sabe nada.
- O Caio me ligou hoje de manhã.
Eu sentei ao lado dele e, demonstrando impaciência, perguntei.
- Ele te mandou me procurar?
- Sim e não. Ele me ligou contando o que aconteceu, demonstrou preocupação com você.
- E por que ele não me ligou?
- Porque ele achou melhor te dar um tempo.
- Sei.
- Aí eu percebi que ele queria notícias suas, mas ele não me pediu isso.
- O que você quer saber?
- Agora? Nada. Quero te dizer umas coisas também.
- Você também?
- Vai fazer pirraça?
- Por que você e o Caio me tomam como uma pessoa mimada?
- Porque você é.
- Não sou não.
- Tá, Marlon. Você não é.
- Eu estou falando sério.
- O seu problema é que você tem uma visão muito romântica sobre isso tudo que está acontecendo. Esse seu namoro às escondidas... Você acha tudo isso muito lindo. Acha que o amor que um sente pelo outro é o bastante e que a única coisa que vocês têm que fazer é serem fieis um para o outro; e que o Caio, por ser mais experiente, vai te dar conselhos e que você, por ser mais forte, vai protegê-lo de tudo. Que toda semana, você vai ter um caso novo de preconceito e vai correr para os braços do Caio, chorar.
- Isso tudo parece piada na sua boca.
- E é.
- Então você não acha que o amor é o bastante?
- Claro que é o bastante. Só que a visão que você tem de amor é muito infantil. Amor é maturidade, é sobriedade e é consciência. Amor foi o que o Caio demonstrou quando te autorizou a ficar com aquela menina da festa de ontem.
- Não me venha com essa. Você faria isso com o Luciano?
- Viu só? Não se trata de gostar ou não. Não se trata de atender os desejos mais latentes. Se trata de saber o que é necessário e, mesmo que isso vá de encontro com os nossos desejos, fazê-lo com maturidade. O Caio fez isso porque era necessário.
- Mas eu não queria.
- Ele te obrigou? Que eu saiba não. Ele te ofereceu uma oportunidade, só isso.
- Oportunidade de quê? De eu provar para mim mesmo que não gosto de mulher?
- Ai, viu só? Está vendo como você é cheio de mimo?
- Eu não entendo o porquê dessa perseguição comigo.
- Você dá dimensões que não existem para as coisas. Ele sabe que você não gosta de mulher, ele sabe que você não quer ficar com uma, ele sabe disso tudo. Mas, para todos os efeitos, você é hétero, então você tem que pelo menos aparecer com uma menina vez ou outra.
- Não tenho não.
- Ótimo, então se foda.
- Não precisa ser grosso.
- Ah, precisa sim. Para ver se você acorda, Marlon. Ou você aprende logo, ou você vai se ferrar no futuro. Pare de fazer birra, porque o Caio não quer o seu mal.
Eu ainda não entendia esse paradoxo, mas preferi ficar quieto.
- O que mais o Caio te mandou me dizer?
- O Caio não me mandou aqui.
- Sei.
- Marlon, se você prefere ficar de joguinho, de nhem-nhem-nhem, problema seu.
- Você ainda não respondeu a minha pergunta.
- Que pergunta?
- Você faria isso com o Luciano? Deixaria ele ficar com uma menina?
- Não sei se aguentaria, mas sei que ele faria isso para se proteger. Talvez eu não deixasse, talvez eu ficasse com raiva depois, mas no fundo eu saberia que não é culpa dele ele ter que fazer isso. A culpa é do preconceito, mas a gente tem que se moldar a isso tudo. Fazer o quê, não é?
- O problema é que o Caio permitiu aquilo com a maior naturalidade, como se fosse normal.
- E?
- Você acha isso normal?
- Marlon, entenda, ele fez pelo seu bem e ponto. A gente não tem que ficar aqui remoendo isso.
- Mas eu sei do meu bem.
- Ótimo, então não ficasse e pronto. Vocês ficavam na festa e acabou-se o drama.
- Ficar na festa com ele afastado de mim.
- Ah, Marlon, você quer graça é? Quer ficar de agarramento com o Caio na frente de todo mundo?
- Claro!
- Na frente de todo mundo?
- Que “todo mundo”? Um bando gays amigos seus?
- Ah, claro, porque todo gay é confiável, não é? Gay é humano também e, assim como todo ser humano, gay também fofoca, também faz maldade. Alguém ali poderia te conhecer ou nem isso, poderia simplesmente um dia te ver em outro lugar e dizer “Olha ali aquele cara que ficou com o Caio na festa do Tom” e aí isso se espalha. Resumindo: adeus privacidade, olá mundo-cruel.
- Que exagero!
- Marlon, então assuma logo, vá! - disse ele impaciente.
- Não preciso fazer isso agora.
- Mas é o que vai acontecer mais cedo ou mais tarde, se você continuar desse jeito.
- Essa cidade é grande o bastante para eu namorar em paz.
- Como você é ingênuo. Você quer esperar o momento certo para contar aos seus pais, não é? Então se comporte.
- Tá, tá. O que mais o Caio disse?
- Nada, só ficou preocupado se foi muito duro com você.
- Você não acha que ele foi?
- Não. O que talvez ele tenha errado foi a hora de te contar isso. Mas como você estava fazendo pirraça, foi necessário ele te abrir os olhos naquele momento.
- Ele foi muito seco!
- Você merecia. Você precisa perceber logo que ninguém espera por nós. Ou a gente se vira ou viram a gente.
Apesar de eu estar um pouco chateado com o Caio, percebi que as razões que o levaram a dizer aquelas coisas na noite anterior foram as mais generosas. Mais por saudade que por outra coisa, eu decidi procurá-lo e fazer as pazes. Assumi a culpa, mesmo não me sentindo culpado e voltamos a ser namorados como antes. Como no início de tudoDias se passaram.
Em um fim de semana, rolaria futebol como outro qualquer. Eu não queria ir, queria passar meu final de semana com o Caio.
- Vá, Marlon.
- Caio, eu não quero ir.
- Mas você tem que ir.
- Não tenho não.
- Marlon, são só algumas horas. Depois você toma um bom banho e a gente se encontra. O que te custa jogar bola com os seus amigos? Não gosta mais de futebol?
- Gosto, mas prefiro você.
- É muito bom ouvir isso, mas é melhor você ir.
- Não quero, já disse.
- Tá, você quem sabe.
- Porra! Tá bom, eu vou!
Rolou tudo normal. Depois do jogo, ficamos conversando na arquibancada. Só alguns poucos amigos ficaram. A conversa estava legal, até que alguém diz:
- É, vou chamar o Vinícius para te ensinar a jogar bola.
- Hahahahahahahaha, sai para lá. Quem gosta disso é você.
- Hahahahahaha.
Não entendi de início, mas aos poucos a conversa ficava clara.
- Vou pedir para ele te pagar um boquete, tá bom?
- Ih, eu não, joga essa para o Ewerton.
- Seu pai, aquele viado-velho. Hahahahahaha. Joga essa para o Marlon.
- Eu?
- Aê, Marlon, foi premiado com o boquete do Vinícius.
- Por que vocês estão falando isso? Ele é gay mesmo?
- Claro que é, Marlon. - disse o meu irmão, com um olhar de “Você sabe muito bem!”.
- Mas como é que vocês descobriram?
- Rapaz, vamos analisar a situação: ele não vem mais jogar bola, não está namorando aquela menina que estuda com você, nem está pegando nenhuma outra há muito tempo, vive nas boates da vida agora. Só dança música eletrônica. Isso é uma bicha louca!
Todos caíram na gargalhada. Todos acharam engraçado.
Eu caí na gargalhada. Eu não achei graça nenhuma.
O que mais me revoltou foi o fato de que eles falavam de forma grosseira sobre algo do qual eles não tinham certezas, só suposições. “Analisaram” a atual conduta do Vinícius e decretaram: ele é gay.
O pior não é denominar alguém como gay, mas tratar o assunto de maneira preconceituosa como estava sendo feita.
E eu me pergunto: por que eu ri junto?
Uma risada que poderia ser comparada a um choro camuflado. Ridículo.
No caminho para casa, o Ewerton me questionou:
- Por que você perguntou se os caras tinham certeza de que o Vinícius era viado?
- Ué, queria saber como eles souberam.
- Para quê? Você já não sabia que era verdade?
- Sim, mas eu queria saber como eles souberam. Mas no fundo eles não sabem de nada, eles só supõem.
- Claro que sabem. O Vinícius é viado e ponto.
- Bom, pelo menos eles não sabem o que ele te fez.
- É.
Nunca a questão homossexualidade me foi tão presente. Eu sempre ouvia falar dos gays, de como eles eram depravados, nojentos e escrotos, mas nunca que isso tinha me tocado tão fundo.
Agora eu conseguia apreender tudo o que o que se falava sobre a homossexualidade e a pensava de maneira diferenciada. Eu me magoava com cada risada, com cada palavra pejorativa.
Eu me magoava mais ainda porque eu ria junto.
Dizem que o bom é rir dos problemas. Nessa situação eu não achava nem um pouco agradável.
Tomei o meu “bom banho” e corri para a casa do Caio. Mas antes de me encontrar com ele, me interrompem:
- Já vai sair de novo?
- Vou, pai.
- Para onde?
- Vou para a casa do Caio, de lá a gente vai para a churrascada na casa de uns amigos.
- Aniversário de alguém?
- Isso.
- Vê se não vai beber demais, você volta dirigindo. Não esquece.
- Pode deixar, coroa.
- O Caio vai levar a namorada?
- Namorada?
- Sim, ele deve ter uma namorada, não?
- É, tem sim.
Eu mesmo era mestre em jogar verdes. O que o meu pai tinha feito não era diferente, mas ele acreditou ter colhido o maduro. Ou pelo menos era o que eu pensava. Parecia inevitável: um dia eu teria que me assumir. Mais cedo ou mais tarde.
E a cada mentira que eu dizia ou a cada risada que eu dava, eu sentia algumas contradições em mim.
Ninguém, nem mesmo o Caio me anulava. Eu mesmo fazia isso. Mentir, dizer que é hétero, rir de piadas homofóbicas, etc. tudo isso não é diferente de ficar com uma menina.
Na verdade é ainda pior hoje em dia, pois na nossa sociedade das aparências, mais vale parecer do que realmente ser. Portanto, mentir surtia mais efeito que executar. E tudo isso eu aprendi na faculdade: a questão da imagem. Hoje nós idolatramos mais a imagem de uma coisa do que a própria coisa.
- Oi, Marlon. O Caio está no quarto.
- Ok.
- Caio?
Ele estava deitado na cama, escutando música através de fones de ouvido.
Como ele estava de olhos fechados, não me viu. Eu sentei em sua cama (que agora era tão minha quanto dele) e toquei em sua perna. Ele abriu os olhos, me sorriu e se ergueu.
- Oi!
Eu não pude suportar.
Caí aos prantos nos braços dele. O Caio, no entanto, me abandonou na cama, levantou-se, trancou a porta, apagou a luz e tirou toda a minha roupa, me deixando só de cueca. Depois ele se deitou ao meu lado, pôs um dos fones de ouvido em mim e nos abraçamos. Ele me fazia cafuné e eu chorava. Eu comecei a chorar alto demais, então o Caio desligou os fones e ligou o micro system. Não falamos nada. Acabamos dormindo. Umas duas da madrugada, meu celular toca. Era a minha mãe.
- Você está onde?
- Na churrascada.
- Onde?
- Na casa de uns amigos. Eu volto de manhã. Não se preocupe, eu vou ficar bem.
- Meu filho, você me deixa preocupada. Você todo fim de semana dorme fora: sexta, sábado e domingo.
- Mãe, sermão agora não, né?
- Tá bom. Cuidado!
Quando me voltei para os braços do Caio, o encontrei com os olhos abertos.
- Te acordei?
- Na verdade, eu não dormi.
- Não?
- Não, fiquei velando o teu sono.
Beijamo-nos apaixonadamente, enroscamos nossas coxas umas nas outras.
As minhas pernas estavam molhadas de suor em contrapartida com as do Caio, que estavam frias. Eu sentia toda a sua pele lisinha relando nos meus pelos da minha virilha.
O beijo foi ganhando mais forma quando nos percebemos excitados.
- Por que tudo não pode ser somente desse jeito?
- Não sei.
- A gente poderia passar o resto da vida na cama.
- Não seria nada mal.
- Meu dia foi horrível hoje.
- Percebi.
- Por que não falou nada desde que eu cheguei?
- Porque você também se calou. Achei melhor deixar você desabafar quando estivesse à vontade. - ele disse.
- Mas pensando bem, prefiro não falar.
- Você quem sabe, meu amor.
E voltamos a nos beijar. Preferi não falar nada porque, afinal de contas, isso implicaria em falar sobre o Vinícius.
Então ficamos aos beijos, nos enroscando mais e mais. Meu pau não estava mais confortável dentro da minha cueca e ele foi se livrando das amarras, sozinho.
Depois, não sei com que mágica, eu senti as mãos do Caio me tocando.
Mágica sim, pois estávamos muito grudados para que uma mão passasse entre os nossos corpos. Mas enfim, ele conseguiu e que bom que ele conseguiu. Eu já estava todo lubrificado. Depois ele começou a chupar com força o meu pescoço e me fez soltar um gemido muito alto. Ele parou imediatamente.
- O que foi?
- Você gemeu muito alto. - disse ele rindo.
- Ah, desculpa. - eu ri também - Será que seus pais ouviram?
- Acho que não, o som ainda está ligado.
- Nossa! Esse tempo todo? Vamos desligar.
- Não, bobo. Deixa ele ligado.
E retomamos os beijos.
- Não, chupe o meu pescoço de novo, vai.
- Hahahahaha, tá!
Eu me contorcia com cada chupão. Delicioso. Ele me chupava em cima e me acarinhava embaixo.
- Tira a minha cueca, Caio. - choraminguei.
- Pega o creme no criado-mudo.
- Não está mais no guarda-roupas?
- Não. Coloquei aqui porque é mais perto.
- Safadinho.
Eu peguei o creme e imediatamente passei em todo o meu pau. O Caio ficou deitado ao meu lado, tirando a cueca.
Depois eu parti para cima dele, abri mais as suas pernas à medida em que eu erguia os seus quadris para alcançá-lo. Depois da primeira penetração, nos grudamos e deixamos que os movimentos lentos nos guiassem. Ele não parou de chupar o meu pescoço e eu, de tanto desejo, mordia a fronha do travesseiro. Ele começou a arranhar as minhas costas de leve e depois desceu os dedos para as minhas nádegas, mas ele não alcançava o meu cu.
Eu comecei a penetrá-lo mais forte e o invadia por completo. Ele ficou mais excitado, parou de me chupar o pescoço e começou a gemer no meu ouvido. Não há estímulo melhor que gemidos ao pé do ouvido. Geralmente quando começamos com uma posição, não mudamos até gozarmos.
Estávamos muito suados. Não tardou e eu gozei. Depois de tudo, eu o beijei apaixonadamente e agressivamente. Ainda estava no gás.
- Pega mais creme. - pediu ele.
- Então não sou só eu quem está fominha hoje, hein?
Nós ficamos de joelhos em cima da cama. Eu passei mais creme em mim.
O Caio ficou se masturbando na minha frente.
Depois que eu estava pronto, o selei com um beijo, mas logo voltei todas as minhas atenções para o cacete branquinho e rijo dele. Era bem grosso.
O que não tinha de tamanho (uns quinze centímetros) tinha de espessura. Eu apertava a sua glande entre os dedos polegar e indicador. Somente a glande!
- Está tão vermelhinha, essa cabecinha. Vai, deita aí que eu vou te chupar, Senhor Caio.
Ele se deitou, abriu as pernas e eu me curvei para chupá-lo. Há muito que eu tinha aprendido como se fazer o sexo oral corretamente e, ao que tudo indicava, eu também havia aprendido como fazer o Caio “feliz”. Chupar não era o bastante. Eu tinha que chupar e morder o seu abdômem também.
Às vezes eu chupava as suas coxas internas. Mas o meu dedo dentro do cu dele, enquanto eu fazia o oral, era lei. Demorou bastante, o Caio se contorcia muito com a minha boca.
- Amor, eu vou gozar.
Então eu parei e fiquei mordendo a barriga dele. O impedi de gozar.
- Marlon, parou?
- Sim.
- Por quê?
- Para deixar você doido.
- Não! Me punheta aí, vai.
- Peça com jeitinho.
- Oh, Marlon, vai.
- Implore.
- Vem cá, vem.
Ele me chamou com as mãos para que eu me deitasse em cima dele. Ele começou a chupar e morder a minha orelha, me deixando todo arrepiado. Depois ele sussurrou:
- Vai, gostosão, me faz gozar.
Então eu voltei a chupá-lo e, quando ele me avisou de novo sobre o gozo, eu tirei a minha boca e o masturbei com os dedos polegar e indicador, somente na glande.
Ele atirou na palma da minha mão um jato quente de esperma. Ficou com a boca entreaberta e ofegando. Com os olhos, esmolou um beijo. Eu me deitei sobre o seu corpo, o beijei tão intensamente que até esqueci da vida.
Dormimos, enfim, assimNada melhor, depois de um dia de tensão, dormir nu e coladinho com quem a gente ama. O Caio sempre me foi um ombro gentil e atencioso. Além do mais, ele me entendia. Mesmo que às vezes a gente tenha se desentendido.
Depois daquela noite, eu fui para casa pela manhã. Todos ainda estavam dormindo, então fui para cama descansar de verdade. Afinal de contas, quando você dorme com alguém, você não descansa de fato, mas no almoço, antes de ir para a aula, eu tive uma surpresa:
- Marlon, o que isso no seu pescoço? - perguntou meu pai.
- Isso o quê?
- Esse roxo. Isso foi um chupão?
Eu gelei nesse instante. Pensei que naquele momento eu tinha sido descoberto e ignorei totalmente que aquele chupão poderia ter sido feito por uma menina, por exemplo.
- Quem foi a menina que te fez isso? - perguntou o meu pai rindo.
- Ah, eu não lembro o nome dela.
- Nossa! Hahahahahahaha.
- Pois é.
- Mas faz tempo que você e essa menina estão ficando?
- Se eu nem lembro o nome dela...
- Pô, mas já está na hora de arrumar uma namorada não é?
- Ah, pai, esse papo de novo?
- Ué, mas você não quer uma namorada?
- Meu irmão é mais velho que eu. Por que você não cobra uma noiva dele?
- Por que seu irmão é espírito livre, você sabe.
- Pronto, então eu também vou ser espírito livre.
- Mas você não combina com isso.
- Como o senhor sabe? Estou de saco cheio dessa cobrança.
Ele se movimentou dando a impressão de que iria falar alguma coisa, mas calou-se. Percebi naquela hora que ele temia que eu fosse gay.
Na verdade era somente uma suposição, mas dizem que no fundo todos os pais sabem, mas não querem enxergar. Me arrumei e fui para a faculdade.
Na sala de aula eu já não tinha tantas preocupações em parecer gay. Até porque era comum ser, dentro do meu curso e os héteros nem se importavam. Mesmo o Caio às vezes chamando a minha atenção, até ele me deixava solto um pouco para tocá-lo e abraçá-lo.
A cada dia que passava, eu visualizava a cena em que eu me assumiria.
Mas ao mesmo tempo, eu presenciava com mais força o preconceito dentro da minha família e amigos. Não que esse preconceito tenha aumentado, mas é que só agora eu o percebia como algo ruim.
- Caio, quando eu me assumir, você vai comigo?
- Por que você está me perguntando isso?
- Ué, um dia eu vou assumir.
- Eu sei, mas você está perguntando isso por que acha que isso vai acontecer agora?
- Não sei, não sei de nada. Eu só quero saber se você iria comigo.
- Claro, se você quiser.
- Você seguraria a minha mão enquanto eu falo.
- Bem, se eu segurar a sua mão enquanto você fala, você não vai precisar dizer mais nada. - disse ele rindo - Mas se você quiser, segurarei com todo gosto. Por que você já está se preocupando com isso, coração? - perguntou ele carinhosamente e cheio de dengos.
- Olha o meu pescoço. - disse eu esticando a cabeça.
- Nossa! Eu que fiz isso?
- Quem mais?
- Como eu estou violento!
- Hahahahaha, gostoso!
- Gostoso é você.
- Meu pai perguntou quem me fez isso.
- Aí você disse que foi violentado na rua. Acertei?
- Não, besta. Disse que uma super gata me chupou a noite toda.
- Adoro uma baixaria.
- Mas falando sério: isso é tão chato.
- Você já deveria ter se acostumado.
- Não é fácil assim.
- Eu sei, mozão, mas vai demorar um pouco até que você assuma. Fique ciente de que situações como essa vão acontecer sempre.
- E tipo, eu acho que ele desconfia de alguma coisa. Não que eu seja gay, mas que está acontecendo uma coisa estranha, sabe?
- Se desconfia, não vai te provocar para contar.
- Como você pode ter tanta certeza?
- Porque entre você dizer na cara dura que é gay e ficar encubado o resto da vida, ele vai preferir a segunda opção.
- Nossa!
- Claro, Marlon. Pensa bem: vamos supor que o seu pai desconfie justamente que você é gay; ele vai preferir que você se case, tenha filhos, mesmo que você “coma” por fora.
- Mas não seria a mesma coisa? Afinal, ele saberia que eu sou gay.
- Mas se ninguém no mundo nunca souber, a preocupação dele vai ser menor e para ele será mais fácil fingir que nada está acontecendo.
- Mas ele faria alguma coisa.
- Se você tivesse quinze, dezesseis anos, talvez. Você já está muito grande para continuar no círculo de influência do papai. Se você fosse mais novo, ele te mandaria para um acampamento louco desses dos Estados Unidos, onde os jovens sofrem lavagem cerebral para apreender que ser gay é ser do mal. Mas você é praticamente um homem feito. O máximo que ele pode te fazer é ignorar que você é gay, mesmo que você nunca assuma. Agora, se você assumir, a coisa muda de figura. Enquanto a sua homossexualidade for uma coisa escondida, ele vai fazer de tudo para que os seus vizinhos não saibam.
- Mesmo assim. Alguma coisa ele faria.
- Te expulsar de casa, te renegar como filho, ter vergonha de você. Provavelmente é isso.
- É, não é nada bom.
- Mas deixar de te amar, ele não vai.
- Do que adianta isso, se ele não vai praticar esse amor?
- Paciência é a alma do negócio.
- Do meu irmão eu não espero muita coisa. Ele vai ser um nojento, mas eu não ligo.
- E sua mãe?
- Ah, minha mãe iria sofrer muito.
- Mas você acha que ela aceitaria?
- Não. Minha mãe é como o meu pai nessa questão, só que mais doce.
- Nossa! Achei que ela fosse mais compreensiva.
- Ela é muito religiosa. Meu pai só é grosso e machista mesmo. Com a minha mãe acho que é pior, porque com o meu pai seria só a vergonha que ele teria comigo. Para a minha mãe seria ir de encontro ao que ela acredita.
- Entendo.