- Aí na sua casa? - estranhou ele.
- Sim. Não estou afim de sair.
- Tá, tudo bem. Então até mais tarde.
Quando eu desliguei, olhei para o Caio. Quis saber o que ele achou da minha decisão.
- Você fez bem. Eu fui muito ingênuo em insistir no jogo de ignorar.
- Talvez, mas eu ainda quero que ele fique longe.
- Sei...
Esperei o Ewerton pacientemente. Quando ele chegou, o interfone tocou. Pedi ao porteiro que o deixasse subir. Saí de casa e fiquei ao pé da escada esperando por ele. Ele surgiu nas escadas e eu estava no topo. Comecei a andar em direção à porta e ele veio me seguindo. Quando ele entrou, eu a fechei.
- Tem alguém aí?
- O Caio está no quarto. Senta aí. - eu falava sempre seco.
Ele sentou-se, ficou apertando as mãos e estava nitidamente apreensivo.
- O que você quer, afinal?
- Olha, eu ... - eu o interrompi.
Por mais cínico que eu estivesse sendo, não conseguia suportar ouvir a voz dele dizendo tudo o que eu já sabia e ainda pedindo para que eu não o atrapalhasse com a Gabriela.
- Olha, vamos ser práticos: você veio aqui porque tem medo que eu faça com que você e a Gabriela terminem, veio pedir para eu cooperar quando ela convidasse a mim e ao Caio para sair. Disso tudo eu já sei. Você também sabe que eu não quero que você termine com a Gabi, mas também quero você longe e como isso está ficando difícil, então você corre o risco de perder a Gabi.
Bem, eu vou dizer algo que talvez te surpreenda e te coloque mais medo ainda: o Augusto sabe que você é homofóbico e agora sabe o meu lado da história também. Mas, assim como eu, ele também não quer que vocês terminem, ele disse que acha que você é um bom namorado para ela. Ontem, eu pedi a ajuda dele para evitar que a Gabriela insista fazendo convites para mim e para o Caio. Ele vai me ajudar com isso. Você também tem que fazer a sua parte. Não se preocupe. Nem eu, nem o Caio, nem o Augusto temos pretensão de te entregar para a Gabriela. Não ganhamos nada com isso e nem é a nossa vontade. Você ficando longe de mim já está bom.
Ele ficou um tempo calado, ainda apertando as mãos.
- Você não pode me perdoar?
- Posso. Aliás, está perdoado. Mas perdoar não é esquecer e como eu não consigo esquecer, então fique longe.
- Você quer mesmo isso? Ficar longe de mim?
- Quero. - respondi rapidamente e firme.
- Mas eu não quero. Vai demorar um pouco até... - eu interrompi mais uma vez.
- “...que você me aceite e blá, blá, blá!” disso tudo eu já sei e não me interessa nem um pouco que você demore um segundo ou uma década. Some, cara!
- Só me deixa falar: você tem que entender que é difícil para mim... - interrompi.
- E eu entendo sim.
- Mas não está compreendendo muito bem e nem está me dando a chance de tentar.
- O que eu quero de fato é que você fique longe, que você suma de vez. Se você um dia, quem sabe, conseguir me aceitar, ótimo. Mas enquanto esse dia não chega, você fica longe. Certo?
- Como você quer que eu aceite, se você me quer longe?
- Não quero que aceite. Para mim tanto faz. Se, veja bem, se você um dia vier a aceitar, a gente conversa. Se não, para mim tanto faz.
- Marlon... - interrompi.
- Eu não já disse que não pretendo melar o seu lance com a Gabi? O que mais você quer? Pode ir já!
- Deixa eu falar, deixa eu terminar de falar.
- Hum, fale. - desdenhei.
- Eu não quero somente que você não me prejudique com a Gabriela, eu também quero realmente... sei lá, me aproximar de você.
- Faço falta?
Ele começou a tremer de nervosismo.
- Marlon... - demorou para falar.
- Faço ou não?
- Faz... às vezes... somos irmãos.
- O fato de sermos irmãos não fez diferença há algum tempo atrás quando você gostava de me bater e de me xingar.
- Eu sei, desculpa!
- Já disse que perdoei.
- Então seja compreensivo.
- Seja você o compreensivo e compreenda que só de ficar do seu lado já me dá coceira. Não estou afim de ser motivo de chacota para os seus amiguinhos filhos da puta!
- Não estou nem aí mais para eles...
- Ok.
- É sério.
- Ué, não disse nada. Para mim tanto faz, você não vai se manter longe mesmo?
- Não, Marlon. Me ajuda, cara!
- Ajudar em quê?
- A nos reaproximar.
- Para quê? Você só sente falta às vezes. Faz o seguinte, quando você sentir falta de mim nessas vezes, você pega o meu ex-carro e dá uma volta com ele. Assim você mata a saudade.
- Não brinca, Marlon.
- NÃO ESTOU BRINCANDO, EWERTON, VOCÊ ME FAZ MAL. - gritei grosseiramente - VOCÊ NÃO TEM IDEIA DISSO NÃO?
- Eu sei, desculpa!
- Puta que pariu, eu já disse que desculpei. Se você pedir desculpas mais uma vez eu vou esquecer que te perdoei.
- Então não faça isso. Não fique longe.
- Me responde então: por que você disse que sente nojo de mim para o seu amigo naquele dia?
- Por que eu... eles vão rir de mim. Eu sei, eu sou um covarde, mas... ah...
- Então facilite a sua vida. Já não está difícil para você conviver com os seus amigos com eles sabendo que você tem um irmão gay? Então, cara, para quê você quer ser visto comigo? Eu estou te dando a oportunidade de você não passar mais vergonha do que você já passa. Porque é isso o que eu sou para você: uma vergonha. Eu ainda sou uma vergonha e isso me cansa, isso me dói. E não é justo que você me faça passar por isso. Então fique longe e ganha eu e ganha você!
- Mas eu não quero isso.
- Você deixou de ser meu herói agora não só porque não me aceita, mas também porque é burro!
- Eu sei que eles riem de mim, mas eu sinto que você é mais importante.
- Mas você ainda não tem coragem, não está disposto e não consegue ter publicamente um irmão gay. Então, enquanto você não ganha coragem, fique longe. É simples. O que te custa? Não estou dizendo que nunca mais em toda a minha vida eu quero te ver, mas, se por toda a vida você não conseguir me aceitar, então por toda a vida você sumirá de perto de mim.
- Você está irredutível. - reclamou ele.
- Estou!
- Tá, então... uma última coisa: eu me esforçarei para que a Gabi não te convide mais para nada, mas, se um dia não tiver como evitar isso?
- Se vira!
- Marlon...
- O quê?
- Por favor!
- Não. - disse firme - Já disse não. E o meu não é não e agora saia daqui!
Eu me levantei e fui em direção à porta. Ele ainda permaneceu sentado e não se levantou. Então eu abri a porta para forçá-lo a se levantar, mas ele ainda continuou sentado.
- Vaza, Ewerton!
Mas ele não se levantou. Eu estranhei aquela atitude completamente. Ele começou a fazer umas expressões estranhas no rosto, ele franzia a testa, respirava fundo e apertava as mãos mais forte que antes.
Depois eu percebi que ele estava se esforçando para segurar as lágrimas. Ele não conseguiu e deixou uma lágrima cair. Uma. Ele passou o dedo para enxugá-la e se levantou, veio em direção da porta e parou de frente para mim.
- Ainda somos irmãos. Eu não queria enxergar que ainda éramos quando você se assumiu, mas agora não tem nada que consiga tapar os meus olhos.
- É muito cômodo você dizer isso agora que precisa de mim.
- Pense o que quiser, mas eu sei que eu não estou aqui apenas pela Gabriela. Eu estou por mim também. Eu sinto sua falta, não vou negar.
- Rua, Ewerton!
- Eu me lembrei do dia em que um menino maior que você quis te bater na escola. Lembra que a farda era branca e vermelha? O sangue se confundia com a farda... eu bati no moleque para te defender.
- Para, cala a boca e vá embora!
- Eu só queria voltar a ser seu herói de novo.
- Tarde demais. Heróis não salvam gays.
Ele pegou a minha nuca com força, juntou as nossas testas e sussurrou:
- Eu vou voltar a ser o seu herói. Escreve o que estou te falando!
E saiu.
Quando a porta se fechou:
- CAIO! - gritei desesperadamente.
O Caio saiu do quarto e veio andando lentamente até a sala (eu estava na porta). Ele se encostou lentamente na parede, me olhou com compaixão e disse:
- Eu ouvi tudo!
- E...? - já com lágrima nos olhos.
- Tudo o que virá agora é lucro. Seu irmão me pareceu disposto a voltar a ocupar o posto dele.
- É...!
- Vem cá! - ele estendeu os braços.
Eu andei até ele, o abracei forte e ele foi me arrastando para o quarto.
O ritual do Caio entrou em ação: luz apagada, vela acesa e fones de ouvido.
Acabamos dormindo juntinhos naquela tarde. No dia seguinte era estágio e aula. Eu estava pensando muito no que o Ewerton e eu havíamos “conversado”.
Não conseguia mais fugir. Eu queria muito que ele voltasse a ser o meu heroi, mas eu não queria que essa volta se desse de qualquer jeito. Até porque o meu coração estava muito orgulhoso para permitir uma simples volta.
E não estou falando de um retorno num cavalo branco, mas sim em algo que me convencesse de que o Ewerton realmente tentaria me aceitar, mesmo que demorasse.
Eu queria sentir que ele iria se esforçar para apreender a ideia de que o seu irmão era gay.
E não tardou.
A Gabriela me ligou.
- Alô?
- Marlon, é a Gabi!
- Oi, Gabi!
- O Ewerton conversou comigo hoje, eu não sei se você está sabendo.
- Não. Sobre o quê?
- Sobre vocês dois. Ele disse que vocês estavam brigados. Ele disse tudo. Disse que não aceitava você, disse que vocês brigaram muito, disse que apoiou a sua expulsão de casa... eu não queria conversar sobre isso por telefone, mas é que eu estou sem tempo de sair, me deslocar e nem posso te pedir para você vir aqui em casa, pois estou muito atarefada.
- Não, tudo bem por telefone. - a minha ficha ainda não havia caído.
- Pois é, ele me contou tudo.
- Tudo o quê? - perguntei ingenuamente.
- Tudo, oras. Tudo o que eu já disse antes.
- Tudo, tudo?
- Tudo!
Ela foi dizendo, listando coisa por coisa que o Ewerton tinha feito e, me parece, que não faltou nada.
- E você? - eu perguntei.
- Ah, não posso negar que fiquei meio puta com ele.
- Mas... ?
- Mas a gente não terminou não.
- Ah, que bom! - suspirei aliviado.
- É. Por mais que o Ewerton tenha me decepcionado, eu gosto muito dele. Os homens da sua família têm muita lábia, sabe? - brincou ela.
- Hahaha, sei.
- Pois é, mas ele me disse também que quer se reaproximar de você e disse que quer a minha ajuda.
- E você acha que consegue ajudá-lo?
- Eu não sei. Me diz você. Você acha que consegue perdoá-lo?
- Eu não sei, Gabi. Olha, eu estou muito confuso desde que vocês foram à minha festa de aniversário. Eu sinto que ainda quero fazer parte da minha família, mas eu já sofri muito, já chorei muito, já me magoei demais. Se for para me magoar de novo, eu não quero. Não quero mais correr esse risco. Eu sei que ele disse que quer tentar. Nós conversamos e ele me pareceu disposto a isso... - ela me interrompe.
- Aham, para mim também ele pareceu disposto.
- Pois é, mas parecer e ser são diferentes. Ele pode até ir bem nisso, mas se ele tropeçar no meio caminho, isso vai me magoar. Eu sei que as pessoas erram e tals, mas a cota de erros dele já se esgotou, então eu não admito que ele erre de novo.
- Eu entendo você. Aliás, mesmo estando aqui conversando com você, defendendo ele, eu ainda estou puta com ele. Não vou te negar isso. Estou assim porque o Augusto é o amor da minha vida e não é porque ele me deu um rim não.
Ele assumiu muito cedo, também foi expulso de casa. Eu só tinha dezoito e ele quatorze. Eu briguei com os meus pais, ameacei sair de casa se eles não o chamassem de volta... enfim, fiz tudo o que podia, o possível e o impossível.
Antes de ele assumir mesmo, só eu sabia. Claro, no inicio eu também tive os meus estranhamentos com ele, mas isso não durou muito. Quando eu percebi que era sério, quando eu vi que ele sofria, chorava todas as noites, eu quis saber “Que raios de doença é essa que faz alguém sofrer tanto nessa vida?”. Eu amava muito o meu irmão, mas o tomava como um meninão.
Mas ele se mostrou mais forte que eu. Você sabe bem como é. Alguém na idade que ele tinha passar por isso desde novo... aliás, desde sempre, né? E se manter sóbrio, paciente... nossa! Não é para qualquer um. Foi aí que eu dei força para ele se libertar, para tentar correr atrás da felicidade dele. Era o direito dele. - ela dizia tudo de forma muito apaixonada - E eu quis lutar por esse direito. Quando os meus pais o expulsaram, virei uma fera. Lutei mesmo por ele. Anos depois ele me retribui com um rim. Imagina só! Não tem como não amar esse irmão. Além do mais, por mais forte que ele seja, ele é frágil também. Ainda é muito novinho e eu sou a mãe dele.
- Eu entendo!
- Pois é. Por isso fiquei puta com o seu irmão. Não admito isso não. Mas eu sei que é difícil aceitar, principalmente alguém que teve a educação que ele teve, uma educação machista. Você deve conhecer essa educação muito bem.
- Conheço!
- Por isso vou dar uma chance para ele.
- Mas eu quero que você saiba que eu só quero começar a me reaproximar quando eu tiver certeza de que ele está mudando. Não quero correr riscos.
- Ok.
Conversamos mais um monte. Parecia que as coisas se acertavam. Meu irmão me ligava às vezes durante a semana para saber como eu estava. Eu ainda era um pouco frio, mas não era grosseiro ou não abria espaços. Eu só tentava não me envolver. Meu pai ligava também, mas era raro. Minha mãe... Ok, continuando.
Na verdade, faltou eu dizer uma coisa importante, que, depois de dita, fará muito sentido para isso tudo: o meu pai é policial militar. Na verdade a família toda é de policiais. Gays e policiais só se dão bem no Village People.
O aniversário do Augusto chegou e realmente foi uma festa no melhor estilo gay-power! Do jeito que ele queria. Fomos só nós: Caio, Augusto, Tom, Luciano, eu e mais uns amigos. Fomos para a boate preferida do Augusto e nos divertimos muito. O Augusto não quis ficar com ninguém, mas também não segurou vela. Caio e eu não ficamos namorando o tempo todo. Fazia tempo que não saíamos para dançar, só íamos para barzinhos. Aproveitamos a noite. Eu não danço tanto, mas o Caio sim.
- Amor, que horas são?
- São... - olhei para o relógio - três horas. Por quê?
- TOM, JÁ SÃO TRÊS HORAS! - gritou o Caio.
- É? - perguntou ele.
- O que foi, hein? - perguntei curioso.
- Vamos sair. Vamos para a praia!
- Por quê?
- É uma surpresa para o Augusto.
- Que surpresa?
- Você vai ver.
Eles chamaram o Augusto e começamos a ir embora. Chamamos dois táxis:
- Amor, eu, Tom e Augusto vamos em um táxi. Você, o Lu e os outros vão no outro.
- Tá.
No Caminho, eu perguntei para o Luciano:
- Lu, você sabe o que esses pirralhos estão aprontando?
- Não faço a mínima ideia.
Quando chegamos à praia, fomos para a areia. Pousamos os nossos tênis e as garrafas perto de um coqueiro e o Caio começou a comandar.
Tom, está pronto?
- Pronto!
O Augusto ficou de frente para os dois, sem entender nada.
- O que isso, gente?
- Vamos lá, Tom!
O Tom começou a cantar “Parabéns pra você” e o Caio começou a dançar. A mesma dança que ele fez para mim no meu aniversário de dezoito anos. O Tom cantava e o Caio fazia a coreografia. Todos caíram na gargalhada, obviamente.
- Que lindo! - exclamou o Augusto - lindo, lindo!
- Parabéns, Augusto!
Depois nós sentamos na areia. O Caio sentou juntinho de mim.
- Fazia tempo né? - eu perguntei - Você nunca mais me fez essa dancinha.
- “Dancinha”? - perguntou ele abismado - Como assim “dancinha”? Essa é a minha dança do “Parabéns”. Você não pode dizer que é uma “dancinha”. Que absurdo! - disse revoltado.
- Hahaha, desculpa, amor. Mas é verdade, você nunca mais tinha dançado.
- Ah, mas não teria mais graça dançar para você, se eu já tinha dançado.
- Ai, eu estou me lembrando agora daquele dia. Eu já estava louco por você, mas não sabia. Daí desce você e os outros do táxi e você começa a dançar na frente de todo mundo, hahaha.
- Hahahahaha, às vezes eu me surpreendo comigo mesmo!
Não ficamos na areia, era só para aquele momento. Fomos para uma barraca, ficamos numa mesa. Pedimos uns petiscos, pois morríamos de fome.
- Eu quero burritos! - disse o Caio.
- Hã? Isso não é um restaurante mexicano! - disse o Tom.
- E daí? Eu quero burritos! - e bateu na mesa.
- Você já comeu burritos alguma vez na sua vida, vagabunda?
- Err... não?
- Fica quieto, senão eu te obrigo a você pagar o boquete que você está me devendo.
- Será que eles tem churrasco, ou alguma coisa de carne aqui? - eu perguntei.
- Ai, Marlon, falou e disse. Estou morrendo de fome. - disse o Augusto.
Chamamos o garçom e fomos pedindo:
- Eu vou ao banheiro. - e me levantei.
- Balance bem. - recomendou o Caio.
Fui para um dos mictórios e comecei a urinar. Um rapaz se aproximou para urinar também. Eu não o olhei, nem me interessei por ele. Mas ele fez um ruído estranho, como se tivesse feito algo errado. Era como um “Oops!”, mas era menos que isso. Aí eu olhei. Quando eu virei meu rosto, era um dos amigos do meu irmão.
Nunca gostei de urinar em mictórios. Por mais comum que seja homens verem outros homens na sua intimidade, eu nunca me senti à vontade. Mas eu fui ao mictório mesmo, estava apertado.
Quando me apareceu esse cara, eu o olhei no rosto. Quis saber quem era a pessoa que tirava a minha concentração em mirar aquelas bolinhas brancas desodorantes.
Quando o reconheci, estranhei. É estranho, mesmo em cidade pequena, encontrar pessoas conhecidas “na rua”.
Quando ele me viu, se assustou. Eu o olhei estranho e continuei urinando (até porque, depois que você começa, não tem mais como parar). Ele já estava com o zíper aberto. Foi então que ele fechou o zíper e se dirigiu para um mictório mais afastado do meu. Era óbvio que ele estava me evitando.
Isso me incomodou no início, mas depois eu desencanei e continuei o que eu fazia. Eu terminei e fui para a pia lavar minha mão. Ele terminou e se dirigiu para a pia do lado.
Foi inevitável: um olhou para o outro através do espelho. Mas ele desviou o olhar imediatamente e abaixou a cabeça. Quando eu peguei o papel para enxugar as mãos e já estava saindo, ele me chama.
- Marlon? - quase sussurrando.
Eu me virei e olhei. Ele pegou um dos papeis de enxugar mãos e começou a caçar algo no próprio corpo.
- Você tem uma caneta aí?
- Não.
- Então anota no seu celular como SMS.
- O quê? - estranhei.
- O meu MSN.
- Para quê?
- Eu quero conversar com você.
- Sobre...?
- Por favor...
- Eu tenho namorado.
- Eu sei.
- E então...?
- Por MSN eu te conto.
Tirei o celular do bolso e comecei a anotar o Hotmail dele. Depois eu balancei a cabeça em sinal positivo e ele sorriu.
- Nem preciso dizer... - interrompi.
- Não, não vou contar para ninguém.
Eu saí e fui para a minha mesa. Enquanto eu caminhava, eu pensava:
“Por mais que eu saiba que existem muitos gays no armário, eu não sabia que eram tantos. Por mais que eu entenda a lógica desse esconde-esconde, eu não imaginava que os gays estivessem por toda a parte”.
Era estranho isso. Bastou me assumir para conhecer vários caras que eram homossexuais. E isso é estranho sim, mesmo que saibamos que grande parte dos gays estão se escondendo.
Eu imaginava que eram muitos, mas não que eram tantos e que tivessem tão diferentes tipos. Sentei-me intrigado.
- Você demorou... - disse o Caio.
- Em casa eu te conto.
- Como assim? Vai me contar como foi o seu xixi?
- Não. Depois eu te conto.
- Está tudo bem?
- Sim.
Ele não perguntou mais. Quando chegamos em casa já de manhã, eu começo.
- Encontrei um dos amigos do meu irmão no banheiro. Ele me pediu para adicioná-lo no MSN.
- Gay! - sentenciou o Caio.
- É. Acredito que sim. Eu disse “tenho namorado” e ele disse que sabia, mas insistiu para conversarmos. Fiz bem?
- Com certeza!
- Depois eu falo com ele então. O que você acha que ele quer?
- Tirar dúvidas, ter um amigo, perguntar como se livra “disso”, reconhecer que não se livra “disso”, perguntar como você aguenta tudo isso, desabafar que ele não aguenta tudo isso... uma porção de coisas. Ou quem sabe até ele já não está encaminhado e só quer mais um amigo para farrear.
Fomos tomar banho. Eu fui primeiro e o Caio foi passar um café. Depois eu tomei uma xícara com leite, vesti um shortinho de moletom e fui me deitar. O Caio chegou do chuveiro, vestiu uma cueca e se deitou do meu lado.
Estávamos cansados e eu ainda intrigado:
- Caio, você às vezes não se surpreende com a quantidade de gays que existem?
- Sempre.
- Às vezes não acredito que tenho tantos amigos assim. Vê, só esse ano, contando com o amigo do meu irmão, quantos nós já não conhecemos?
- É verdade. Eu me surpreendo porque sempre acho que já conheci gays o bastante e me surgem mais gays.
- É. Isso acontece comigo também.
Ficamos embolando mais um pouco na cama e nos trombamos. Nos abraçamos um pouco e começamos a entrelaçar as pernas. Os beijos foram surgindo, mas eram apenas beijos de lábios (os meus preferidos).
Ficamos assim, nos acariciando e nos beijando até dormir. Às vezes mordíamos a orelha e o pescoço, arranhávamos as nossas costas de leve e nos tocávamos mais intimamente, mas não fizemos amor.
Mais tarde, o meu irmão me liga:
- A Gabi já te contou, né?
- Sim. - falei. - E aí?
- Sabe, eu já dei entrada numa casa. Na verdade, num apartamento. - Fiquei surpreso.
- Você corria o risco de perdê-la?
- Não corria não. Eu pensei bem: se eu assumisse para ela o que eu sentia, ou ainda sinto, não sei, achei que ela fosse ficar com raiva sim, como ela ficou, mas que ela entenderia. Achei que ela me daria apoio e me acharia honesto dizendo para ela.
- Entendo.
- Eu só te liguei para dizer que vou ficar um mês fora. Vou para XXX como representante comercial. É, fui promovido.
- Parabéns. - ainda sem muito ânimo.
- Acho que, quando eu voltar, trarei as alianças.
Emudeci. Fiquei muito surpreso com a notícia.
- Marlon?
- Oi... é só que... fiquei surpreso!
- Eu estou tremendo de medo, mas sei que é isso o que eu quero. Por favor, não conte nada para ela. Ela não sabe.
Emudeci mais uma vez.
- Sabe? Se pudéssemos, você e o Caio seriam nossos padrinhos... enfim, era só isso que eu tinha para te dizer. Até daqui a um mês.
- Até...e...boa sorte!
- Tchau.
“Hã? Era o meu irmão na outra linha?”. Não conseguia acreditar. O amor opera milagres mesmo.
Era interessante que, pelo telefone, meu irmão sempre parecia mais carinhoso, mais terno, mais tenro. A voz dele ficava aveludada.
O tipo de voz que as mulheres dos anos 1920 se apaixonavam quando ouviam as antigas rádios. Ele parecia mais compreensivo. Era como se o fato de não estar frente a frente, desse para ele a chance de se expressar melhor. A cada dia que se passava, eu me apaixonava mais pelo meu irmão. Eu me odiava por isso. Queria poder odiá-lo, mas não conseguia. Não mais.
À noite, eu entrei no MSN.
- Oi - falou o amigo do meu irmão.
- Oi.
- Tudo bem?
- Tudo e você?
- Bem.
- Pode falar.
- Você já sabe o que é, né?
- Imagino, mas prefiro que você diga.
- É que... eu não aguento mais. Esta ficando difícil segurar. Eu quero muito encontrar alguém. Eu não consigo viver sozinho.
- Entendo.
- Antes de mais nada, quero te pedir desculpas por tudo! Eu já ri muito de você quando estava com o seu irmão e os nossos amigos.
- Eu sei como é estar do outro lado.
- Mas eu não fiz por mal, eu juro!
- Não precisa, eu sei que é verdade.
- Eu confio em você. Até porque não me restam muitas pessoas.
- Sim...
- Me ajuda...?
- Depende do tipo de ajuda que você quer. Você quer continuar no anonimato?
- Querer eu não quero, mas preciso.
- Mas quer experimentar...
- Não diria “experimentar”, até porque isso soa como se eu não gostasse da fruta, mas quisesse saber como é o gosto. Eu gosto sim de homens e gosto muito.
- É bom saber que você é assumido para si mesmo.
- Eu quero conhecer pessoas. Na verdade eu quero namorar. Eu quero um fixo. Não só porque é mais fácil para manter o sigilo, mas porque eu prefiro um cara fixo, que eu me dedique.
- Sei... me diz uma coisa: o Vinícius também assumiu e ele é bem mais próximo de você, por que, então, você não o procurou?
- Justamente por ele ser muito próximo. Tive medo que alguém descobrisse. Mas a questão principal é que o Vinícius nunca me inspirou confiança. Você conhece bem a fama de falso que ele tem.
- Ele mudou um pouco...
- Desculpa, mas só porque alguém é gay não significa que não possa ser falso, desleal, mal-educado...
- É, nisso você tem razão.
- Além do mais, ele sempre dá aquelas sumidas básicas. Mesmo quando ele era hétero, ele sumia, mudava de círculo de amigos e depois retornava.
- Enfim, o foco é você.
- É...”rsrsrsrs” é que eu já fui apaixonado pelo Vinícius. Depois que eu descobri o que ele fez com o seu namorado, eu me desiludi. Aliás, eu sou super curioso para conhecer o seu namorado. Ele parece ser legal.
- É, ele é um fofo.
- Como é o nome dele mesmo?
- Caio.
- Eu sei que não tem como você não contar sobre mim para ele, mas você pode evitar que mais pessoas saibam de mim, mesmo que sejam seus amigos?
- Eu já fiz isso.
- “blz”.
Conversamos mais um pouco e ficamos de nos falar mais vezes. Era mais um de nós pedindo ajuda, gritando “socorro!”.
Eu andava atarefado com a jornada trabalho/estudo. Mesmo sendo estágio, era muita coisa para ser feita. Muita coisa para escrever e auxiliar. Na faculdade também. Nem poderia pedir muito a ajuda do Caio, pois ele começava a estudar para o vestibular de Gastronomia.
- Marlonzinho-zinho-zinho! - pulou o Caio no meu colo.
Eu estava sentado na cadeira do computador, fazendo trabalho.
- Nossa, que ânimo!
- Acabei de fazer a inscrição do vestibular.
- Ah, legal! - fingi alegria.
- Você consegue ser mais convincente que isso. - esbravejou ele.
Saiu do meu colo e saiu do quarto. Ficou chateado comigo. Como eu o conheço bem, decidi esperar para depois ir falar com ele. Decisão errada. Fiquei fazendo o trabalho, até que ele aparece na porta do quarto.
- E você fica aí no computador ainda? Nem se importou que eu fiquei chateado?
Estranhei aquela atitude. Virei a cadeira em direção à porta e falei:
- Não, amor, só esperei você esfriar um pouco a cabeça, para depois ir falar com você. Só isso.
Ele fez uma cara de quem não acreditou em mim e saiu. Fui atrás, dessa vez.
- Amor, o que houve?
- Você é um egoísta, sabia?
- Por quê?
- Porque você não está me apoiando em nada na minha decisão. Fica chateado porque vou fazer outra faculdade e não vamos mais ficar mais juntos. Não está pensando em mim.
- Isso não é verdade! - estranhei.
- É sim. Me diz, quando foi que você já se ofereceu para ir junto comigo na outra faculdade?
- Estou trabalhando agora, Caio. Você sabe disso!
- E eu só fui no período da manhã?
- À tarde tenho aula.
- Nós temos. - me corrigiu ele - E mesmo assim eu falto.
- E eu sou o egoísta? Você quer que eu falte aula para te fazer companhia?
- Óbvio que não aceitaria se você oferecesse!
- Hã? Que loucura foi essa que você disse agora?
- Ah, esquece!
- Não, não, agora me explica isso.
- Não. Esqueça. Estou chateado porque você fica fazendo draminha, acabei falando bobagem.
- Então é “draminha” o fato de eu ficar chateado porque não vou mais te ver com tanta frequência?
- TÁ, TÁ, ESQUEÇA! - berrou.
Voltei para o quarto e ele, acredito, foi para a cozinha. Foi uma briga boba e atípica ao Caio.
Ele é uma pessoa séria, madura, não se passaria por uma coisa tão boba. Mas se passou. Quando pensei nisso, até me envaideci um pouco, pois isso significava que ele estava atento a mim.
Durante a noite, ele se deitou na cama, ao meu lado, se cobriu e me deu as costas. Me aproximei, comecei a “encoxar” e ele nada fazia.
- Caio, não acredito que você está chateado comigo!
- Não estou. Só não estou afim de namorar agora.
- Por quê?
- Porque estou me sentindo mal.
- O que foi? - eu o virei para mim.
- Estou inseguro.
- Menino, você vai passar no vestibular. Você é inteligente.
- E desde quando inteligência aprova alguém em vestibular? Todo mundo sabe que vestibular é pura sorte.
- Você é o cara mais lindo e mais sortudo da cidade! - brinquei.
- Para, Marlon, é sério! - disse ele rindo.
- Ele riu, ele riu, lalalala!
- Hahaha, eu odeio você!
- Odeia mesmo? - disse, roubando um selinho.
- Odeio muito.
- Odeia quanto? - roubando mais selinhos.
- Muitão assim ó! - abriu os braços.
- Isso é o tamanho do seu ódio ou o tamanho do meu pau?
- Uau! Ele aprendeu a fazer piadas! Yupiii...
- Eu só namoro o melhor piadista.
- Idiota!
- Tá, sou idiota!
Comecei a prender as pernas do Caio entre as minhas.
- Ai, o que você está fazendo?
- Hum...
Começamos a nos beijar...
Tem coisa mais gostosa que namorar? Ainda não inventaram, eu acho. Comecei a prender as pernas dele dentro das minhas. Eu o imobilizei. Depois segurei os seus pulsos e o deixei a minha mercê.
- O que você está fazendo?
- Vestibulando também precisa de uma folguinha.
- Ah é? E o que você pretende?
Não falei mais nada. Enquanto ele perguntava qual era a minha proposta, eu já avançava com os lábios em seu pescoço. Ele tentava se mexer, mas em vão. Eu não deixava. Comecei a pressionar os meus quadris em cima dos dele. Eu ia de um canto do pescoço dele para o outro sem tirar a boca. Lambia as maçãs lisinhas do rosto dele. Depois o olhei nos olhos. Ele me olhava com desejo e eu o olhava com carinho.
- Me solta! - sussurrou ele.
Eu o selei nos lábios, juntei os seus pulsos em uma das minhas mãos e, com uma mão livre, comecei a despi-lo.
- O que você pretende, Mar?
Depois que ele ficou só de camiseta, eu ergui um pouco as coxas dele e encaixei as suas nádegas na minha virilha. Eu estava muito excitado e ele sentiu isso imediatamente. Eu pressionava com mais força e ele ficava tão excitado quanto eu.
- Me solta, vai! - sussurrou mais baixo.
Eu voltei lamber o rosto dele. Fiquei tão empolgado, que fraquejei um pouco na mão. Ele conseguiu se livrar de mim. Quando senti que ele fugia, eu abri os olhos, o olhei fundo e, com um tom imperativo, eu disse:
- Não!
Ele até se assustou com a minha “grosseria” e ficou parado. Eu voltei a imobilizá-lo e a alisar a sua face.
- Marlon, seja gentil. - sussurrou.
Eu “enchi a mão” nas coxas dele, promovendo um estalo.
- Ai, Marlon!
- Nem vem com esse papo de “gentil”. - o repreendi.
Eu comecei a esmagar a pele das pernas do Caio na palma da minha mão, deixando-o vermelho.
- Vai dizer que você não gosta disso, hã? - o provoquei.
Comecei a morder os seus lábios e a beijá-lo mais intensamente. Ele perdeu o fôlego e eu ficava mais ousado. Peguei o potinho de lubrificante e nem tirei a cueca por completo, só mesmo na região do pau. Ergui as pernas do Caio, levei os seus pés a se prenderem nas minhas costas e o introduzi. Fiz de leve, não queria machucá-lo. Mas depois que eu já estava lá, voltei a ser um pouco mais agressivo. Para tanto, tive que soltar os pulsos do Caio e apoiar as minhas mãos na cama, para ganhar o impulso. Ele, por sua vez, enfiou as mãos dentro da minha cueca, na parte de trás e esmagava as minhas nádegas com as palmas das mãos. Isso me dava gás. Enfiei o meu queixo e a minha boca entre o pescoço e o ombro dele e comecei a sugá-lo. Aquilo não demoraria muito. Era muita pressão, muito desejo e uma vontade imensa de fazer as pazes.
Quando eu gozei, soltei um jato muito forte. Eu deitei em cima do Caio, tentei recuperar o fôlego e depois me deitei ao lado dele. Comecei a respirar fundo. Depois eu percebi que o Caio não dizia nada, nem mesmo respirava. Então eu o olhei.
Quando fiz isso, ele se virou para mim e me deu um tapa no rosto. Eu não entendi, achei que tinha agradado. De repente ele vem para cima de mim e me beija forte.
- Você é um prostituto de marca maior!
Dormimos enfim.