Engoli seco. Com os tumultuados últimos acontecimentos, eu vivia me esquecendo do nosso beijo. Nem tive tempo de pensar um pouco sobre o ocorrido.
- P-Pode falar. - gaguejei.
- Bom, eu queria me desculpar.
- Hã?!
- É, você estava frágil, eu não poderia ter me aproveitado de você.
- Não, Zeca, eu gostei!
Falei rápido sem pensar. Ele me olhou com os olhos arregalados e nós dois começamos a rir daquela situação.
- Menos mal, mas mesmo assim me desculpe.
- Sem problemas, mas Zeca, por que você fez aquilo?
Ele ficou vermelho de vergonha com a pergunta.
- Ah, não sei. Acho que fiquei excitado com todas as nossas brincadeiras durante o dia e naquela hora você estava muito bonito. Tive um momento de fraqueza.
- Bonito, eu? Não precisava puxar o saco. - Respondi rindo.
- Sério! Se dê mais valor, você é um lindo rapaz. O Vítor é idiota de não querer você.
Fiquei sério novamente ao lembrar do Vítor. Era incrível como tudo nos últimos dias se resumia a ele.
- E falando nisso, como vão as coisas com ele?
- Normais; mais ou menos. Ele me aceitou, mas mesmo assim está mudado, sabe? Nossa amizade se modificou depois disso. Ficamos mais distantes.
- Entendo, mas isso é normal. Não deve ser fácil para ele também isso tudo que está ocorrendo.
- É.
Novamente o silêncio.
- Bom, queria te fazer um convite.
- Qual?
- Passar o dia na fazenda comigo amanhã, antes de eu ir embora.
- Como assim ir embora?
- Uai, tenho que voltar para Belo Horizonte. Minhas aulas recomeçam em duas semanas, tenho que ajeitar as coisas por lá.
Me bateu um tristeza imensa. Eu ia ter que ficar longe de um dos meus, desde já, melhores amigos. Ele que tinha sido uma muleta para mim nesses dias conturbados, ia embora.
- Ahh, queria que você ficasse mais por aqui...
- Queria? - ele sorriu perguntando.
- Claro, gosto muito de você.
- Também gosto muito de você.
Ele ficou me encarando carinhosamente.
- Então, aceita meu convite ou não?
- Claro que sim!
- Bom, então eu passo amanhã cedo na sua casa. Avise seus pais.
- Pode deixar, eu aviso.
Nos levantamos e ficamos nos olhando.
- Bom, então tchau, até amanhã.
- Até amanhã.
Nos despedimos com um abraço apertado. Pude sentir seu coração bater acelerado.
Depois de passar no mercado e pegar com meu pai as coisas que minha mãe pediu, fui para casa, ainda com Zeca na cabeça. Fui pelo caminho pensando no quão bom foi seu beijo e o bem que sua presença me fazia. Na minha cabeça veio a imagem do Vítor me perguntando:
“O que você sente por esse cara, afinal?”
A resposta ainda era não sei. Sem dúvida era uma coisa boa e forte. Era uma grande amizade. Talvez tão grande quanto a que eu sempre tive pelo Vítor. Isso me assustava, em duas semanas eu havia construído com Zeca uma amizade tão forte quanto a que eu demorei anos para construir com o Vítor. Onde isso iria parar?
Não tive muito tempo para pensar, pois logo cheguei na porta de casa e vi Vítor sentado na soleira.
- E, aí?
- Tudo bem, e com você?
- Bem também. Passei por aqui pra gente andar por aí, jogar videogame, qualquer coisa.
- Está certo; deixa eu só entregar essas coisas para a minha mãe.
Entrei e fui pra cozinha deixar as compras. Minha mãe me esperava.
- Demorou, hein?!
- Ah, é que encontrei com o Zeca no caminho e a gente ficou conversando.
Senti o Vítor tremer ao meu lado.
- Ah, que bom.
- Ele vai embora essa semana, me convidou para ficar lá na fazenda com ele amanhã, posso?
- Claro, pode.
Ela disse sim, mas havia um brilho estranho em seu olhar. Ela parecia desconfiar que havia algo mais no ar.
- Vou subir com o Vítor para jogarmos videogame, tá?!
- Certo, daqui a pouco eu chamo vocês para almoçarem.
Subimos as escadas em silêncio. Eu sabia que tinha aborrecido o meu amigo falando sobre o Zeca, mas era inevitável. Não falei de propósito, para magoá-lo, apenas aproveitei o assunto para pedir a permissão. Chegamos no quarto e eu fui ligar o videogame, mas ele já foi logo falando ao fechar a porta.
- Você vai passar o dia com aquele cara?
Seu tom era ríspido, agressivo. Meu sangue subiu também, ele não tinha o direito de julgar minha amizade pelo Zeca.
- Vou, por quê? Algum problema?!
- Todos! Você vai passar o dia com aquele cara!
- “Aquele cara” é meu amigo e eu exijo respeito.
- Amigo? Não parecia aquele dia...
Seu tom variava da raiva à ironia, o que me deixava mais nervoso. Eu nutria por Vítor sentimentos muito intensos, e percebi que aquela era a primeira de muitas vezes que os sentimentos mudavam.
- Você é um idiota. Finge que me aceita, que é meu amigo apesar de tudo, mas esperou a primeira oportunidade para jogar tudo o que sabe na minha cara! - eu tremia de raiva.
- Não vire essa conversa contra mim. Eu estou te dando todo apoio. É difícil pra mim também, porra! De uma hora para outra tudo entre nós mudou.
- Isso não é justificativa para você tratar a mim ou a ele assim! - a atmosfera no quarto era pesada - Aliás, o que te incomoda tanto nele?
- ELE TE AMA! - ele gritou.
Ficamos em silêncio. Eu assustado pelo o que ouvi e ele assustado pelo que disse. Aquela conversa estava cada hora pior.
- O quê?
- Ele gosta muito de você. - Ele falava baixo, como se tivesse dificuldade para isso.
- E o que isso tem a ver, meu Deus do céu?! - Eu estava confuso.
- Você ainda não entendeu?!
- Não, não entendi. Não entendi qual o seu problema. E se eu gostar dele também?
Ele deu uma risada sem graça, desagradável e falou:
- Então é isso! Vocês vão passar a tarde juntinhos! - Seu tom era de deboche - Você vai lá para passar o dia dando o cu para ele, você tá doido pra ele fazer de você sua putinha!
Eu paralisei. Não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Aquilo foi a pior coisa que ele podia ter me dito naquele momento. Não doeu, não senti nada. Foi como se estivesse anestesiado, ainda em choque com suas palavras. Uma lágrima desceu lentamente pelo meu rosto. Ele me olhou aflito, enfim parecia ter se dado conta da maldade que havia dito.
- Bernardo, me desculpe eu... - ele se aproximou e eu me afastei.
- Fora da minha casa. - falei friamente, sem olhá-lo.
- Hã?!
- Fo-ra da mi-nha ca-sa. - repeti sílaba por sílaba.
- Bernardo, eu...
- FORA DA MINHA CASA!!! - gritei.
Ele se assustou e me olhou com lágrimas dos olhos. Não tive pena dele, ele não era digno de pena naquele momento. Me virou as costas e saiu do quarto em silêncio. Tranquei a porta e me joguei na cama deixando as lágrimas correrem livremente. Era muita coisa na minha cabeça ao mesmo tempo. Meu mundo desmoronava aos poucos.
Apesar de toda a tragédia, ri sem graça cantarolando a minha triste situação:
“Zeca, que amava Bernardo, que amava Vítor, que amava Mariana, que amava...”
Não consegui dormir aquela noite, chorando, o que já estava virando um hábito. Vítor tinha ido longe demais, eu chorava de ódio relembrando suas palavras. Ele não tinha o direito de me ter dito aquelas coisas. Ele não tinha direito nenhum sobre mim.
Agora outra coisa ocupava minha cabeça:
- “Aliás, o que te incomoda tanto nele?
- Ele te ama!”
Aquilo ficava ecoando na minha cabeça. Será mesmo? Zeca estava apaixonado por mim? Bom, isso justificava seu comportamento estranho na nossa última conversa. Mas eu ainda não sabia se isso era bom ou ruim.
Se por um lado eu tinha um cara maravilhoso que amava, pelo outro ele estava indo embora dentro de algumas horas. Soma-se a isso o agravante que eu não sei se eu estou apaixonado por ele. Obviamente eu gosto muito dele, mas não é aquela coisa avassaladora, qual uma força da natureza, que sentia pelo Vítor. Cada vez que pensava no assunto, mais confuso e indeciso eu ficava.
Às altas horas da madrugada consegui dormir com umas das poucas coisas que estavam me animando: eu ia passar o dia com o Zeca, e eu tinha certeza que seria ótimo.
Acordei bem disposto na manhã seguinte. Eu estava decidido a esquecer o Vítor, pelo menos por um dia, e me dedicar totalmente ao Zeca, esse sim merecedor dos meus pensamentos.
Tomei banho, fiz toda a minha higiene matinal e desci para tomar café. Minha mãe estava sentada na mesa lendo o jornal e desviou os olhos para me ver quando entrei na copa.
- Bom dia!
- Bom dia, mãe! - me sentei e comecei a me servir - Cadê o pai?
- Já foi trabalhar.
- Ah tá. Vou tomar café rapidinho porque daqui a pouco o Zeca chega para me buscar.
Ela pousou na mesa a xícara de café que bebia e me olhou fixamente.
- Meu filho, posso te fazer uma pergunta?
- Claro. Qual?
- O que você tem com esse Zeca?
Gelei. Acho que eu estava dando pinta demais com ele.
- Como assim mãe? - me fiz de desentendido.
- Uai, você conheceu esse rapaz outro dia e já estão tão próximos. Você está todo feliz por passar o dia com ele e eu percebi que o Vítor fica incomodado quando se fala nele.
- Ah, ele e só meu amigo. Um grande amigo. E o Vítor só está com ciúme porque descobriu que o Zeca pode ser um amigo melhor para mim do que ele. - respondi com raiva pensando em Vítor.
- Bom, se você diz, eu acredito, mas tome cuidado com as pessoas com quem anda, viu?
- Certo, mãe! Pode deixar que eu me cuido sim.
Nesse exato minuto ouvi a buzina da caminhonete.
- Deve ser ele, tchau mãe! - falei lhe dando um beijo na bochecha e correndo pra fora de casa.
- Não volta tarde!
Bati a porta e pude admirar aquela bela paisagem: Zeca encostado naquela picape vermelha com o Sol da manhã iluminando seus cabelos negros. Quando me viu abriu um grande sorriso, e eu não pude deixar de retribuir da mesma forma.
- Bom dia!
- Bom nada, vou fazer você ter um ótimo dia! - ele disse me abraçando amistosamente e abrindo a porta do carro.
- Nossa, só aumentou minha ansiedade.
No caminho começamos um papo descontraído sobre nossas vidas.
- Zeca, seus pais sabem de você?
- Não, nem pretendo contar a eles.
- Por que não?
- Ah, eles são de outra geração, Bernardo. Eles não aceitariam bem. Fazê-los sofrerem com isso pra quê? Prefiro deixa-los na ilusão que um dia eu vou chegar com uma moça da cidade anunciando casamento.
- Mas isso não seria crueldade?
- Crueldade seria destruir todos os sonhos que eles têm pra mim. Ser gay é um peso muito grande, mas eu pretendo carregá-lo sozinho, não vou compartilhar o problema com minha família.
Fiquei pensando um tempo no que ele havia me dito. Será que eu havia sido muito precipitado em contar pra minha mãe? Ele continuava dirigindo sem desviar a atenção. Seu rosto estava relaxado, como se ele estivesse acabado de contar o problema de um desconhecido.
- Eu nunca cogitei a possibilidade de guardar isso para mim mesmo...
Ele me olhou e deu um sorriso confortador.
- Ah Bernardo, cada caso é um caso. Você deve ter tido uma criação diferente da minha. Não tem como comparar. E você deve agradecer pela sua mãe te aceitar, nem todas são assim.
- É, eu sei...
Já estávamos chegando na fazenda dos meus avós.
- E como vão as coisas com o Vítor?
Foi só ouvir aquele nome que toda a raiva que eu senti voltou, mas disfarcei com um sorriso torto. Eu não ia deixa-lo estragar meu dia.
- Nada de Vítor hoje, vai ser só eu e você.
Zeca me olhou surpreso e abriu um caloroso sorriso.
- Ok então, seu desejo é uma ordem. Vamos ser só eu e você hoje.
Ele estacionou o carro próximo à sede da fazenda e descemos. Fui cumprimentar meus avós e depois fomos pegar cavalos para andarmos. Fazia um tempo agradável, com o céu muito azul e limpo, ideal para o dia que pretendíamos ter.
A primeira coisa que fizemos foi apostar corrida com os cavalos até a cachoeira. Ríamos como dois malucos enquanto os galhos das árvores batiam em nossos rostos. O Zeca tinha essa característica de me encher de vida e fazer com que eu esquecesse meus problemas. Logo chegamos na cachoeira, amarramos os cavalos numas árvores próximas e tiramos as roupas, ficando apenas de cueca. Era incrível como eu não cansava de admirar o corpo dele, era todo definido, bonito, viril. Me dava muito tesão, mas antes que ele percebesse isso, corri para a água. Estava gelada, afinal ainda era cedo. Nadávamos e brincávamos de um tentar afogar o outro, sem haver um toque mais íntimo.
- Zeca, você já ficou com outras caras?
Ainda estávamos na água, descansando das brincadeiras.
- Sim, por quê?
- Ah, me conta!
- Não, eu tenho vergonha. - ele disse rindo.
- Ah, conta vai! Eu morro de curiosidade para saber como é.
Ele me olhou de um jeito malicioso durante um tempo e depois começou:
- Está bom. Foi quando eu tinha 16, eu já morava com meus tios em BH. Tinha um menino lindo na minha sala de aula, chamava-se Diego. Ele era loiro, olhos verdes, um sorriso lindo, enfim um sonho. - ele suspirou e eu ri.
- E aí?
- Bom, um dia nós tivemos que fazer um trabalho em dupla e combinamos de eu ir na casa dele. Juro que não tinha segundas intenções. - ele riu.
- Cheguei lá na hora marcada, bati a campainha e ele veio me receber sem camisa, apenas com um short curto sem forro, e o cabelo todo atrapalhado, como se tivesse acabado de acordar.
Eu e ele suspiramos juntos imaginando a cena e caímos na risada.
- Continuando; fiquei até um pouco sem ar quando o vi, mas consegui disfarçar. Entramos e começamos a fazer o trabalho. Na verdade eu comecei a fazer o trabalho, coitado, ele não era uma das pessoas mais inteligentes que eu conhecia. Terminamos o trabalho e ele me convidou para assistir o filme que passava na TV. Sentamos no mesmo sofá, eu comportadinho e ele encostado, com as pernas meio abertas. Num momento eu olhei para a abertura do seu short e percebi que ele não estava usando cueca...
Nessa hora meu pau deu uma fisgada imaginando a cena, mas nem me preocupei já que estávamos dentro da água.
- Aquilo me encheu de tesão. O pau dele era branquinho mesmo e sem pelos. E eu já tinha um pouco de pelos. Eu fiquei bobo olhando aquilo. Dava para ver direitinho pau dele lá dentro. Ele de repente segurou o pau com força por cima do short e balançou. Eu me assustei, saindo daquele transe e percebi que ele tinha me visto secando ele.
Fiquei todo sem graça e pedi desculpas.
Ele me disse que não foi nada, e que gostava de ser admirado. Aí ele me perguntou se eu não queria ver mais de perto...
Caí na gargalhada imaginando a cena. Zeca acabou rindo também, parecíamos dois idiotas.
- Que coisa brega!
- É eu sei, mas muito eficaz, com certeza. Lógico que eu disse que aceitava. Fui chegando mais perto, ele pegou minha mão e a posou em cima do short. Eu comecei a alisar aquilo e logo perdi a vergonha colocando a mão dentro do short e segurando o pau dele.
- Safado! - mais safado era eu que estava super excitado com aquilo.
- Nem sou, qualquer um teria feito a mesma coisa. Bom, ele já estava duríssimo, aí desci o short dele e comecei a bater uma para ele. Ele gemia alto, o que só me deixava com mais tesão ainda. Ele então pulou em cima e caímos um sobre outro no chão. Ele me deu um super beijo. Nossa! Foi incrível, era meu primeiro beijo. O cara mandava muito bem no beijo.
Eu já estava quase gozando imaginando a cena e nem disfarçava. O Zeca também parecia estar gostando de revisitar aquelas lembranças, pois de vez em quando fechava os olhos.
- Começamos a rolar no tapete enquanto nos beijávamos. Ele foi deslizando pelo meu corpo, tirou minha camisa, beijava meu peito, minha barriga, minha virilha... Até que chegou na minha calça. Ele tirou tão rápido que eu nem lembro direito. – riu.
- Oba! Tá chegando na melhor parte.
- Então, ele começou a me chupar. Nossa, o cara, definitivamente, sabia usar a língua muito bem. Aquilo era um máximo, maravilhoso. Tomado pelo tesão, ele subiu em cima de mim, passou cuspe na mão e começou a sentar no meu pau devagarzinho...
- Sem camisinha?!
- Ah, naquela época não tínhamos tanta informação ainda, e éramos mais inocentes, garotos da nossa idade não andavam com camisinhas na carteira. - ele riu e continuou - Bom , ele começou a cavalgar em mim. No começo fez cara de dor, mas depois fechou os olhos delirando. Não preciso nem falar que eu estava no paraíso, né? Aquele garoto lindo estava sentando gostosamente no meu pau!
Eu delirava cada vez que ele usava essas palavras mais chulas.
- Para retribuir o favor, recomecei a bater uma para ele. Ficamos naquilo por uns dez minutos e nós dois gozamos, ele na minha barriga e eu no seu cu. Depois deitamos no chão e ficamos olhando pro teto, sem palavras, só se ouvia a nossa respiração ofegante.
- Uau. Deve ter sido incrível mesmo. Até eu que só estou ouvindo fiquei com tesão...
- É, percebi. - ele falou com um sorriso malicioso.
- Hã?
Ele olhou para baixo e eu acompanhei seus olhos. Eu estava de cueca branca, molhado e a água era cristalina. Lógico que dava para ver meu estado. Como eu fui burro!
- Ai, que vergonha! Desculpa.
- Sem problemas, também fique, óh - e apontou pra própria cueca.
O pau dele estava duro por baixo do tecido branco também. A água distorcia um pouco, mas dava para perceber que era bem grande e grossinho.
Fiquei um pouco encabulado com a cena e desviei meus olhos para o seu. Ele também me olhava, não com tesão, mas com ternura. Sem que eu ordenasse, minhas pernas começaram a caminhar na sua direção. Era instintivo, nós nos atraíamos. Ele também foi vindo em minha direção e ficamos bem próximos. Eu sentia sua respiração forte na minha pele. Nossos lábios foram se aproximando lentamente até se encontrarem. Era um beijo romântico, carinhoso, sem malícia. Nossas línguas se massageavam intensamente. Nos soltamos e ficamos novamente trocando olhares cúmplices.
- Me desculpe, eu não sei... - ele foi falar, mas o interrompi colocando o dedo em seus lábios.
No seu beijo não havia dúvidas, não havia medo, não havia problemas. Quando nos beijamos havia só eu e ele no mundo. Eu queria arriscar, estava cansado de sofrer, queria sentir essa forte e maravilhosa sensação de ser desejado. O agarrei com ferocidade e selei seus lábios com outro beijo. Desta vez nosso beijo era apressado, selvagem, como se o mundo fosse acabar em poucos instantes. Ele correspondeu com a mesma vontade, me segurando forte pela cintura. Eu segurei seus cabelos negros e pressionava sua cabeça contra a minha.
Nos afastamos.
- O que você está fazendo comigo garoto? - ele me perguntou sem ar ainda me segurando.
- Não sei, só sei que eu quero. Não tenho medo, você não pode me machucar, aliás, você parece ser o único incapaz de me machucar. Eu quero arriscar com você, quero mergulhar de cabeça nesse lago de águas calmas.
- Ai, garoto... - ele falou com a voz embargada - eu não vou te machucar. Prometo cuidar de você para sempre.
- Para sempre não é muito tempo? - perguntei sorrindo.
- Não, perto de você para sempre parece pouco.
Ele voltou a me agarrar e a me beijar. Desta vez nossos corpos estavam muitos próximos, nossos paus se roçavam dentro das cuecas molhadas.
Ele me pegou no colo e me levou para fora da água, me deitando na pedra, com nossos lábios ainda unidos. Ele se deitou também e ficamos os dois ali, abraçados nos beijando. Não tem como descrever a felicidade que eu estava sentindo no momento. Aquela troca de carinho, de amor, era quase palpável, de tão intensa.
Zeca me amava, ela havia me confidenciado isso sem que fosse preciso palavras. O que eu sentia por ele? Não sei, ainda estava confuso. Era amor sem dúvida, mas não na mesma intensidade. Era um amor fraternal, aliado a um tesão muito forte por aquele seu jeito viril.
Ficamos por um longo tempo ali, naquelas carícias, sem tentar nada mais ousado. Quando nos cansamos, deitamos na pedra, ambos admirando o céu azul, abraçados, como um casal de namorados.
- Eu te amo. - ele disse.
Apesar de esperado, me surpreendi. A declaração saiu nua e crua da sua boca. Ele abriu o coração, sem joguinhos, sem insinuações. Ele apenas abriu seu coração. Eu fiquei sem palavras, não só pelo susto, mas também por não saber como proceder. Ele entendeu minha hesitação:
- Não precisa dizer nada. - falou sorrindo - Sei que você gosta do Vítor e esse é um sentimento muito forte, não some de uma hora pra outra. Mas eu quero que você saiba que o dia que você estiver pronto para viver esse amor, eu vou estar aqui, do seu lado.
Me emocionei com suas palavras. Ninguém nunca havia dito coisas assim para mim.
- Eu te amo também. - falei em meio às primeiras lágrimas que desceram pelo meu rosto - Ainda não conheço a natureza desse amor, mas eu não tenho dúvida que o que sinto por você é amor. Eu te amo também.
- Obrigado... - ele respondeu sorrindo e me dando um selinho carinhoso.
- Você vai mesmo me esperar?
- Por quanto tempo for preciso. Agora que eu entrei na sua vida, não tenho intenção de sair. Você vai ter que me aturar até ficarmos velhinhos.
- Tomara!
Rimos como bobos enquanto nos vestíamos e voltávamos para a sede da fazenda para almoçar. Minha avó tinha feito um verdadeiro banquete, afinal a ocasião era especial, no dia seguinte Zeca iria embora. Os pais dele estavam presentes à mesa. Eram pessoas visivelmente humildes, com um sofrimento no olhar característico de quem teve que lutar muito na vida. Quando os vi entendi a razão de Zeca esconder sua sexualidade deles. Eles viviam em outro mundo, não o entenderiam, e não precisavam mesmo de outro problema na vida.
Depois do almoço fomos descansar deitados embaixo de uma grande árvore que ficava num canto mais isolado da fazenda. Ele me puxou e fez com que eu descansasse a cabeça em seu ombro. Ficamos em silêncio naquela posição reconfortante por um longo tempo. Logo o tesão voltou e começamos a nos fazer carinhos singelos, sem malícia. Quando vimos as carícias foram ficando mais ousadas. Eu passava a mão em seu peito, desci pela barriga e pela virilha até chegar no seu pau, onde apertei com vontade. Ele deu um pulo de susto e depois riu.
- É melhor não, Bernardo...
- Por quê? - perguntei inconformado.
- Porque eu quero fazer isso direito. Se um dia ficarmos juntos vai ser para valer, não vou abusar assim de você.
- Mas eu quero ser abusado
Ele soltou uma sonora gargalhada e continuou:
- Eu sei que você quer, mas ainda é muito cedo, teremos tempo, meu beija-flor.
- “Beija-flor”? - olhei para ele segurando o riso.
- É, beija-flor. Vou te chamar assim agora.
- E posso saber por quê?
- Porque você canta como um passarinho e beija-flor é meu pássaro favorito.
Rimos da situação. O apelido era ridículo, e minha voz nem era tão afinada quanto a de um passarinho, mas fazia eu me sentir bem. Com o Zeca eu ficava mais leve, rindo à toa.
- Canto, é? Achei que você não gostasse de me ouvir cantar...
- Eu?! Adoro o som da sua voz, um dia ainda compro uma casa só para nós dois, assim posso de ouvir quando quiser.
- Ah, é? Seus planos incluem sequestro? Bom saber, tenho que tomar cuidado. - continuava segurando o riso.
- O único cuidado que você ia ter que tomar é o de não ficar rouco, porque eu te obrigaria a cantar para mim de três a cinco vezes por dia!
- Bobo! - ri – E o que você gosta de me ver cantar?
- Eu acho que você arrasa cantando MPB, baixinho, com sentimento e tal, mas acho que você arrasaria cantando jazz e rock. Você tem uma voz forte, combina mais com você.
- Hum, e música brega, se eu cantasse você ouviria?
- Ah, eu ouviria você cantando até funk!
- Aí não, né! Não precisa apelar...
Gargalhei com a comparação e de repente tive um estalo. Me levantei e me posicionei de frente para ele.
- O que você está fazendo?
Limpei a garganta, fiz uma cara sensual que devia estar ridícula e comecei:
Quando caminho pela rua lado a lado com você
Me deixas louca
Ele reconheceu a música e esboçou um sorriso divertido.
Quando escuto o som alegre do teu riso
Que me dá tanta alegria, me deixas louca
Me deixas louca quando vejo mais um dia
Pouco a pouco entardecer
E chega a hora de ir pro quarto escutar
As coisas lindas que começas a dizer
Me deixas louca
Comecei a fazer uma dança sensual, me insinuando para ele.
Quando me pedes por favor que nossa lâmpada se apague
Me deixas louca
Quando transmites o calor de tuas mãos
Pro meu corpo que te espera
Me deixas louca
Eu alisava meu próprio corpo, como se aquilo fosse a coisa mais sexy do mundo. Eu estava ridículo, mas ele não ria, apenas assistia a cena com admiração.
E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas
costas
Desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço
Você me abraça, a noite passa
me deixas louca!
(Me deixas louca - Armando Manzanero/ Paulo Coelho)
Terminei a música lhe dando um selinho carinhoso. Ele exibia aquele seu lindo sorriso.
- Sabe, eu adoro essa música. Agora ainda mais, porque eu tenho na memória sua interpretação dela.
- Ai, para! Que vergonha! Não sei por que fiz isso.
- Ei, quantas pessoas vão ter que te dizer que você canta muito bem até você acreditar?
- Muitas. - brinquei.
- Sério; você tem talento, devia investir nisso.
- Talento eu? Não puxa o saco.
- Eu estou sendo honesto. Você tem extensão vocal, afinação, bom gosto, bom ouvido musical, divisão rítmica e sabe exprimir muito bem suas emoções na música. Ou seja, você tem toda a ferramenta, deveria trabalhar mais isso.
- Ok, vou pensar nisso.
- Quem sabe virar um grande artista com grandes shows e tudo mais?
- Não exagera. Eu não teria coragem. - falei rindo.
- Você precisa se arriscar, só assim não vai se arrepender quando ficar velhinho e olhar para trás.
Aquela foi a primeira vez que olhei para a música como algo diferente; como uma profissão de verdade. Eu não havia decidido nada ainda; a música continuava apenas como um hobby para mim, mas Zeca abriu meus olhos para uma outra realidade, um novo futuro.
Passamos o resto da tarde juntos, aproveitando cada minuto que nos restava. Cochilamos mais um pouco na sombra da árvore, apostamos corridas com os cavalos, nadamos; e sempre rindo e conversando. Foi um dia maravilhoso, mas como dizem, tudo que é bom dura pouco. O Sol se pôs e o telefone tocou na fazenda. Era minha mãe pedindo que eu fosse embora. Meu coração se encheu de tristeza por me separar do Zeca. Sabe-se lá quando o veria de novo. Justamente agora, em que nós nos descobrimos, temos que nos separar. Uma pena, mas eu prometi que não ia chorar, até porque, não era definitivo, logo eu o veria de novo. Ele se prontificou a me levar de volta para a cidade, e obviamente eu aceitei. Ao contrário do que aconteceu durante todo o dia, desta vez imperava entre nós o silêncio e a tristeza. Não queríamos nos despedir. Quando estacionamos em frente à minha casa, a hora do adeus chegou.
- Bom, é isso, né... - falei com a cabeça baixa.
- É, mas nos veremos em breve.
- Quando você volta?
- Provavelmente no carnaval.
- Mas ainda falta um mês! - falei indignado.
- Eu sei; meu bem, mas tem que ser assim.
- É, eu sei... Mas saiba que vou contar os dias ansiosamente.
- Eu também, claro. - seus olhos estavam cheio de lágrimas, mas eu ainda segurava as minhas.
- Como eu vou me virar por aqui sem você?
- Você se dá pouco valor. É mais forte do que pensa. E qualquer coisa, me liga, já dei meu telefone.
- Ok, obrigado...
- Eu te amo.
- Eu te amo também.
Ficamos nos olhando muito intensamente. Nos aproximamos lentamente e eternizamos aquele momento com um beijo suave. Nem pensamos na probabilidade de alguém nos ver ali. Com dificuldade, me soltei e abri a porta do carro.
- Tchau. - ele falou.
- Até logo. - respondi e ele riu.
Entrei em casa com o coração muito pesado. Me despedir dele doía. Doeu ainda mais quando ouvi o som do motor da picape se afastando. Minha mãe me esperava e veio me abraçar.
- Demorou, hein? O dia foi bom?
- Foi ótimo... - não conseguia disfarçar minha tristeza.
- Tudo bem, meu filho? - ela parecia preocupada.
- Sim, mãe, é só cansaço.
- Bom, se você diz... Venha jantar.
- Não precisa, comi lá na fazenda, vou tomar banho e me deitar.
- Certo. Ah, quase esqueci, você tem visita.
Subi as escadas sem nem mesmo analisar a informação. Eu estava em cacos. Entrei no meu quarto e Vítor estava sentado na cama me esperando. Olhei para ele e parecia diferente, triste, amassado, parecia ter passado o dia inteiro dormindo, ou chorando, sei lá. Eu não tinha forças para enfrentá-lo de novo, não naquela noite, não depois de me despedir de Zeca.
- Bernardo, eu... - ele começou.
- Não, Vítor. - interrompi - Hoje não, por favor!
- Eu queria pedir desculpas, eu fui um idiota. Eu disse aquela coisa estúpida, que nem tenho coragem de repetir, num momento de raiva. Você estava certo, depois que eu descobri de você fiquei um pouco mais distante, mas já me acostumei com a ideia que você continua o mesmo. Ainda é meu melhor amigo. Por favor, me perdoa, não suporto a ideia de não ser seu melhor amigo também.
Suas palavras pareciam sinceras. Eu sei que devia gritar, espernear, colocar para fora toda a mágoa e raiva que ele me fez sentir, mas eu simplesmente não consegui. Não consegui nem mesmo me sentir feliz por fazer as pazes com ele.
- Ok, está desculpado. Pode ir agora, eu quero muito deitar.
Ele me olhou intrigado e triste.
- Você me perdoou mesmo? Não está parecendo.
- Sim eu te perdoei. - num lapso, vi nele novamente meu melhor amigo e senti a vontade de desabafar - Eu acabei de me despedir dele. Não sei quando ele volta. Ele foi e eu fiquei. Eu estou cansado Vítor. Estou cansado de não conseguir ser feliz por completo, de ver meus sonhos morrerem na praia, de descobrir tarde demais o amor. Estou cansado de ser burro e de gostar das pessoas erradas.
Eu chorava. Todas as lágrimas que vinha segurando no carro saíram de uma só vez. Ele não disse nada, apenas se aproximou, me abraçou e pousou minha cabeça em seu ombro. Eu o segurei pela cintura e me confortei no seu corpo. Fechei os olhos por um segundo e respirei seu doce perfume. Na minha cabeça se alternavam imagens dele e de Zeca. Eu estava, mais uma vez, confuso. Aqueles dois ainda me deixariam loucoVítor e eu conversávamos animadamente naquela noite. Já tinham se passado dez dias desde que Zeca voltou para Belo Horizonte, mas eu não estava triste. Tinha ele dentro do peito como uma doce e feliz lembrança. Vítor me fazia sentir assim. Era incrível como ele me fazia esquecer do Zeca tão rápido quanto o mesmo me fazia esquecer dele. As sensações que os dois provocavam em mim deviam ser objetos de estudos.
Vítor iria dormir na minha casa aquela noite, como sempre havíamos feito. Desta vez era especial porque seria a primeira vez que ele dormiria lá desde que descobriu de mim. Eu estava nervoso, pois o teria por perto a noite toda. Mesmo achando improvável que alguma coisa acontecesse entre nós ali, meu coração palpitava descontrolado.
- E como vão as coisas com a Mariana?
Já conseguia perguntar aquilo sem me machucar tanto. Acho que já havia me acostumado com a ideia de amá-lo à distância.
- Mais ou menos. Depois do beijo ficamos um pouco distantes.
- Por que? - me interessei.
- Sei lá, acho que perdemos o fogo. - riu - Bom, ela parece ter perdido, eu continuo bem aceso.
Rimos. Aquele assunto me interessava muito. O namoro deles não andava muito bem das pernas. Sei que é meio egoísta torcer pelo fracasso do namoro de alguém, mas eu não pude evitar. Isso me enchia de esperanças, mas eu não podia demonstrar nada. Tinha que ser amigo e oferecer apoio.
- Ah, conversa com ela, não deve ser nada.
- É, não deve ser mesmo. Mas vamos dormir, quero acordar cedo para aproveitar o restinho de férias que ainda temos.
- Verdade, vamos dormir. Boa noite.
- Boa noite.
Vítor logo adormeceu, devia estar cansado depois do dia cheio que teve. Eu não tive a mesma sorte. A noite passava e o sono não vinha. No silêncio da madrugada, só se ouvia a respiração forte de Vítor na cama ao lado. Só de pensar nele dormindo tão profundamente tão perto, eu já ficava excitado. A vulnerabilidade dele naquele momento me deixava louco. O contorno do seu corpo iluminado pela pouca luz vinda da lua me encantava. Quando ponteiro do relógio já marcava duas da manhã, uma coisa parece ter acendido em mim. Eu precisava do corpo dele. Como se estivesse em transe, me levantei lentamente da minha cama e me aproximei da dele. Ele dormia de boca aberta e short bem curto, como uma criança que cresceu demais. Sorri com a cena. Vendo-o daquela maneira, eu podia entender como fui me apaixonar por ele. Com a ponta dos dedos fui acariciando de leve suas pernas lisinhas. Eu ofegava, o perigo dele acordar deixava tudo ainda mais excitante. Passei o dedo indicador suavemente pelos seus lábios e ele se mexeu. Eu me assustei e me afastei, mas ele voltou a dormir profundamente. Novamente cheguei perto e pousei minha mão sobre seu peito. Seu coração batia tranquilamente, diferente do meu, cada vez mais acelerado. Fui escorregando com minha mão pela sua barriga, pela sua virilha e parei com ela sobre seu pau. O meu estava duríssimo, quase rasgando o short que usava. Tirei ele e comecei a me masturbar enquanto acariciava o pinto do meu amigo. Eu olhava seu rosto, ainda mergulhado em sonhos, e me excitava ainda mais. Rapidamente gozei.
Depois do gozo fiquei pensando na loucura que havia feito.
Fiquei admirando aquela cena grotesca de mim com a mão no pau, cheia de porra e a outra sobre o pau do Vítor, que ainda dormia inocentemente. Desde que havia me descoberto gay, aquela foi a primeira vez que senti nojo de mim mesmo. Me senti sujo, uma pessoa ruim, um molestador. Me limpei na minha própria cueca e corri para a minha cama, afundando meu rosto no travesseiro para não ter que sentir minhas lágrimas.
Dormi muito mal o resto da noite. Tive pesadelos com Zeca e Vítor me repreendendo e me deixando.
Acordei na manhã seguinte com uma cara péssima, como se estivesse doente, e era mais ou menos isso mesmo, estar doente era o único meio de explicar o que eu havia feito na noite passada. Vítor já havia acordado e estava escovando os dentes no meu banheiro. Fui até lá para fazer minha higiene pessoal também.
- Bom dia. - falei com voz de sono ainda.
- Pra mim tá muito bom, pra você parece que vai ter um péssimo dia pela frente, que cara é essa?
- A mesma com que eu nasci.
- Acordou de mau humor, foi?
- O que você acha?
- Fica aí então. - respondeu saindo do banheiro.
- Desculpa, dormi mal à noite - disse indo atrás dele.
- Desculpado. Dormiu mal por quê?
- Pesadelos. - respondi sem estender muito o assunto.
- Hum, eu por outro lado, dormi maravilhosamente bem.
Ri, de nervoso, sem ele perceber quando ele disse isso.
- O que vamos fazer hoje? - ele perguntou.
- Não sei, tem alguma ideia?
- Bom, a gente podia ir pra fazenda. A gente quase não foi lá nessas férias. Minha mãe já deve estar com saudades de nós dois.
- É, pode ser.
Acabamos de nos arrumar e descemos para tomar café. Minha mãe já nos esperava com a mesa posta com toda a sorte de guloseimas. Junto dela estava dona Margarida, a diretora da nossa escola. Eu e Vítor nos entreolhamos com medo de termos feito algo errado, mas nada veio à minha cabeça no momento.
- Bom dia, garotos! - falou minha mãe.
- Bom dia! - respondemos em uníssono.
- Bom dia! - falou dona Margarida com seu jeito amistoso e pacificador.
- Não se assustem, não estávamos falando mal de vocês.
Nos sentamos e nos servimos. Minha mãe começou a falar:
- Ela veio falar comigo sobre você, Bernardo.
- Eu? Por quê? - me assustei. Mil ideias passaram pela minha cabeça no momento.
- Bom, ontem eu estava conversando com a dona Margarida e ela teve uma ótima ideia.
Dona Margarida se levantou. Ela era uma mulher baixa, gordinha, um rosto infantil que destoava dos seus cabelos negros sempre presos em um coque alto. Ela andava sempre muito formal, de saias compridas ou calças. Ela dizia que era decoro, por chefiar uma escola de padres. Logo começou a falar:
- Eu pensei em fazer algo diferente na volta às aulas este ano. Eu queria fazer uma apresentação com os alunos, já que estamos recebendo muitos estudantes novos vindos de Belo Horizonte por causa da chegada da mineradora. Primeiro pensei em uma apresentação de teatro, mas percebi que estava muito em cima, não daria tempo. Depois considerei uma apresentação simples, com os costumes e a história da região, mas achei que iria ficar muito formal e desinteressante. Foi aí que tive a ideia de fazer uma apresentação musical.
Eu não estava gostando nem um pouco do rumo daquela conversa. Sabia muito bem onde ela iria acabar.
- Então fui conversar com sua mãe, pois já que ela é nossa professora de música, eu precisaria do apoio dela, e felizmente ela aceitou de imediato.
- Claro, dou meu apoio a qualquer projeto de incentivo à cultura. - minha mãe completou sorrindo.
- Pedi a ela sugestões de pessoas para cantar e ela me indicou uma pessoa: você.
Meu coração gelou só com a possibilidade de cantar em frente a toda a escola. Eu tinha vergonha de cantar para as pessoas próximas, em pequenas ocasiões, o que diria para centenas de pessoas, a maioria delas desconhecidas para mim.
- Sem chance! - respondi seco.
- Mas filho...
- Não, mãe! Eu não vou cantar para toda a escola. Eu morro de vergonha!
- Mais um motivo, você vai perder a vergonha. Vai te fazer muito bem.
- Quem pôs na cabeça de vocês que eu canto bem? Eu vou ser é vaiado e ficar marcado pelo resto do ensino médio.
- Vai ficar modesto agora? - se intrometeu Vítor - Você sabe que canta bem, mas adora fazer charme dizendo que não, né?
- Isso é um complô contra mim?
- Não contra você, mas a favor de você. - falou dona Margarida.
- Gente, não. Eu não vou cantar em frente àquela multidão de pessoas!
- Que multidão? São os alunos e seus pais, no máximo 1400, 1500 pessoaspessoas?!
Eles estavam ficando loucos! Eu cantando para esse monte de gente? Eu não estava preparado pra uma coisa assim! Era muita pressão, eu era tímido, ia acabar travando no palco e sendo vaiado.
- Bernardo, - começou minha mãe - como professora de música, com diploma nesta área, eu te garanto que você tem total capacidade de fazer uma belíssima apresentação. Como sua mãe, tenho certeza que você se sairá bem. Você sempre se saiu muito bem em situações de pressão extrema, você não vai travar não, te garanto isso.
- Concordo com ela. - completou Vítor.
- E então, Bernardo? Você vai fazer ou não? - perguntou dona Margarida.
Eu estava pensando. Deixando a modéstia de lado, eu sabia que poderia me sair bem. Mas eu estava inseguro. Me lembrei do Zeca na hora:
“Eu estou sendo honesto. Você tem extensão vocal, afinação, bom gosto, bom ouvido musical, divisão rítmica e sabe exprimir muito bem suas emoções na música. Ou seja, você tem toda a ferramenta, deveria trabalhar mais isso.
- Ok, vou pensar nisso.
- Quem sabe virar um grande artista com grandes shows e tudo mais?
- Não exagera. Eu não teria coragem. - falei rindo.
- Você precisa se arriscar, só assim não vai se arrepender quando ficar velhinho e olhar para trás."
- Eu vou fazer. Vou cantar para eles. - respondi firme.
- Graças a Deus! - respirou aliviada dona Margarida.
- Ótimo, filho! Vamos treinar todos os dias, pois a apresentação já é na sexta-feira. - minha mãe parecia entusiasmada.
- Já?!
- Desculpa, é que foi tudo meio repentino.
- Ok, ok... - eu estava com bastante medo.
- É isso, você vai cantar e eu vou ser o primeiro a aplaudir.
Vítor me encheu de confiança e esperança. Vislumbrei a cena dele puxando os aplausos de pé no teatro lotado. Parecia um sonho bom.
Terminamos de tomar café da manhã enquanto discutíamos os últimos detalhes. Eu treinaria com minha mãe as músicas que eu cantaria. Eu demonstrava confiança, mas no fundo estava morrendo de medo. O meu estômago parecia estar suspenso no ar, tamanho nervosismo.
Após o café da manhã eu e Vítor fomos para a fazenda do Cercadinho. Como sempre, dona Rosa me recebeu muito bem, como um filho. Logo o Rafinha veio correndo me cumprimentar. Ele era o irmão caçula do Vítor, tinha olhos verdes e cabelos loiros, como o irmão.
A principal diferença entre eles era no jeito de agir, o Rafael era uma criança super carinhosa, sempre que eu chegava na fazenda ele vinha me abraçar, mas Vítor logo o afastava. Os dois eram irmãos, mas não eram exatamente melhores amigos. Eu tinha dó dele, só queria ficar perto do irmão, se sentir fazendo parte da “turma”.
Quando entrávamos no quarto do Vítor para jogar videogame, ele o deixava para fora. A expressão de tristeza do menino era de cortar o coração. Eu ainda tentava argumentar, mas Vítor era meio intolerante em relação a isso.
- Ei, Bê. - ele me abraçou.
- Ei, Rafinha, tudo bem?
- Aham, quer ver meu novo álbum de figurinhas?
- Não! Vamos jogar videogame. - Vítor nem me deixou responder.
- Tá, posso ir também?
- Óbvio que não.
O garoto ficou com lágrimas nos olhos enquanto Vítor me arrastava escadas acima em direção ao quarto. Nem o repreendi, já tinha feito isso tantas vezes que me cansei. Ficamos o resto da manhã jogando videogame juntos.
Nestas horas ficava claro para mim os contrastes do Vítor. Ele conseguia ser um amor de pessoa comigo e um carrasco com o próprio irmão. Aquilo me assustava, eu me perguntava se ele não poderia acordar um dia e decidir que não gosta mais de mim. Ele era assim, uma pessoa confusa. Mesmo depois de tantos anos de amizade, eu não conseguia entendê-lo. Se numa hora eu o achava uma péssima pessoa por alguma atitude como a que ele tinha com o Rafinha, na outra eu já me lembrava como fui me apaixonar por ele, simplesmente por estar ao seu lado, jogando videogame.
Vítor ainda era um mistério para mimDescemos e fomos almoçar todos juntos, à mesa. A família do Vítor era meio radical nesse sentido, prezava muito pelas tradições. A comida estava ótima, dona Rosa era uma ótima cozinheira, quase tanto quanto minha mãe.
De repente Mariana chega para almoçar também. Acho que foi uma surpresa para todos. Dona Rosa logo foi cumprimentá-la, gostava muito dela. Aliás, era impossível não gostar de Mariana, ela era bonita, educada, inteligente e até então tinha se mostrado uma ótima pessoa. Ele me cumprimentou com educação, apesar de eu ter sentido uma certa frieza da sua parte. Quando ela cumprimentou Vítor, eu senti ainda mais frieza, desta vez vinda dele. Ninguém mais pareceu notar e ela se sentou e comeu junto da gente.
Eu estava estranhando aquela atitude. Primeiro aparece do nada, depois Vítor é frio com ela, contrariando o que ele tinha me dito, de que ela era quem estava distante dele. Decidi não me preocupar muito com aquilo no momento. Se fosse algo sério, Vítor me contaria mais tarde.
Ela se sentou conosco e almoçou enquanto conversava com dona Rosa. Vítor permaneceu calado pelo resto da refeição. O clima estava estranho. Mal sabia eu que dali para frente só pioraria.
- Parece que você vai sobrar Bernardo, o Vítor agora só vai ter olhos para a Mariana. - brincou a mãe dele.
Nem havia pensando nisso, mas era verdade. Não dava para eu ficar ali segurando vela, e nem iria fazer Vítor escolher entre eu e ela. Eu tinha que arranjar um jeito de ir embora. Obviamente, eu me sentia péssimo por ter que ser daquele jeito, mas entendia que era como devia ser. Eu já havia aceitado que meu amor pelo meu amigo era platônico, nunca se concretizaria.
- É... - como eu poderia ir embora sem parecer mal educado?
- Não preci... - Vítor começou a falar, mas o Rafinha foi mais rápido.
- Deixa eles pra lá Bernardo, vem comigo ver meu novo álbum de figurinhas!
- Ok, vamos lá! - me deixei ser puxado por ele. Atrás de mim senti Vítor bufar de raiva.
Fui com Rafael até seu quarto e ficamos distraídos vendo seu álbum de figurinhas. Ele era uma criança especial, mas sem dúvida tinha o mesmo defeito do irmão mais velho: era muito carente de atenção. Eu me concentrava na tagarelice sem fim do Rafinha para esquecer as cenas de Vítor e Mariana juntos que povoavam minha cabeça, mas uma cena deles bem diferente do que eu imaginava chamou minha atenção. Corri até a janela do quarto e assisti ao que parecia ser uma discussão entre os dois no lado de fora do casarão. Ela apontava o dedo para ele ameaçadoramente, enquanto ele respondia com cara de desprezo. Num certo momento, pareceu que ela havia dito alguma coisa muito grave, pois Vítor levantou a mão para lhe dar um tapa no rosto. Meu coração gelou: ele seria capaz de bater nela? Felizmente não. Ele se controlou e saiu pisando duro sem direção, para longe da sede. Mariana ficou parada chorando.
Aquilo havia sido muito estranho. Certamente alguma coisa muito grave estava acontecendo entre eles. Eu precisava descer e ajudá-los, afinal eles me ajudaram quando precisei de apoio. Pedi ao Rafinha que me esperasse e desci as escadas. Eu queria ajudar Mariana, pois claramente ela estava sofrendo, mas era impossível negar que eu estava um pouquinho feliz com aquilo. Me enchia de esperanças. Isso me tornava uma pessoa ruim?
Mariana se assustou quando coloquei a mão em seu ombro. Ela se virou para mim, e quando se deu conta de quem eu era, pude sentir um sentimento ruim passando pelo seu corpo.
- Você está bem?
- Eu pareço bem? - sua voz era irônica e raivosa.
- Não... - fiquei sem jeito com a grosseria - Eu vi vocêsAh, lógico que viu! - sorriu de um jeito falso e cruel.
- Desculpe, não era minha intenção.
- Para com isso! - ela agora gritava - Pare de se fazer de inocente, é tudo culpa sua!
- O que eu fiz?
- Não se faça de burro, você definitivamente não é. Acha que eu já não percebi seu joguinho para me separar do Vítor?
A cada instante que passava aquela conversa ficava mais estranha e perigosa. Seu tom era de acusação, mas eu não sabia qual o crime que havia cometido.
- Que joguinho, Mariana? Eu não sei do que você tá falando.
- Mentira! Você, todos esses dias, vem minando meu namoro com Vítor. Sai com ele todos os dias, ficam o dia inteiro juntos, sabe-se lá fazendo o quê. Você quer me afastar dele!
- Não, Mariana, eu juro. É sempre ele que me procura...
- Vai dizer que isso não te interessa?
- Hã?!
- Vai dizer que não gosta dele, de estar sempre com ele, todos os dias, todo o tempo?
- Gosto, é claro. Ele é meu amigo, uai.
- Você entendeu o que quis dizer. - sua voz era baixa, ameaçadora - Você está ou não está apaixonado pelo meu namorado?
Eu não sabia o que dizer. Ela tinha percebido tudo. Eu estava perdido. Me senti perdendo o chão. Ela ainda me encarava com seus olhos vermelhos e inchados.
- E então, você está ou não está apaixonado por Vítor?
- Mariana...
- Eu sabia! Você não consegue nem mesmo negar! - ela se afastou de mim repentinamente, mas ainda me apontando e gritando.
- Me desculpa, eu não tinha a intenção... - eu chorava de desespero com a situação.
- Cala a boca, sua bicha. - ela se aproximou de mim vociferando cada palavra - Eu tenho nojo de você. Você é imundo. Juro que tentei te ajudar, mas você me apunhalou pelas costas. Você é como todos da sua laia, a escória do mundo. Você viverá sempre na margem da sociedade, sabe por quê? Porque é lá onde vivem pessoas sujas como você. E só para informar, eu não vou desistir do Vítor. Eu vou lutar com o que eu puder e pode ter certeza que ganharei. Agora é guerra.
Eu fiquei parado assistindo Mariana ir embora. Caí de joelhos na grama e tive que apoiar minhas mãos no chão para não acabar deitado. O que estava me matando por dentro não era o discurso daquela garota repleta de ódio. Era a constatação de que suas palavras eram verdadeiras. Imundo, sujo, a escória do mundo. Eu era aquilo tudo que ela falou; só não queria enxergar antes. Não consegui segurar as lágrimas. Eu me sentia a pior pessoa do mundo.
Senti uma pessoa passar as mãos pela minha cintura e me levantar. Eu não conseguia nem mesmo levantar minha cabeça para ver quem era. A pessoa me arrastou para dentro do casarão, subiu as escadas comigo, me levou para dentro de um dos quartos e me deixou cair em cima da cama. Eu não falava nada, ainda estava atordoado. Meu olhar estava perdido.
Vítor estava na minha frente, mas eu não o via.
- Bernardo, o que ela fez com você? O que ela te falou? - sua voz transparecia preocupação.
- A verdade.
- Que verdade, Bernardo? - seu tom beirava o desespero, minha aparência devia estar péssima.
- Que eu sou sujo, a escória da sociedade, a vergonha da minha família.
- Não, você não é! Ela é que uma má pessoa. Menina mimada, não aceita não como resposta. Você acredita que ela teve a coragem de insinuar que você está apaixonado por mim?
Olhei para ele assustado. Pronto, a mentira tinha se acabado, era agora ou nunca.
- Não se preocupe, eu sei que é mentira. Ela só disse isso para me desestabilizar, e conseguiu porque eu quase dei um tapa nela na hora.
- É.
Eu sei que aquela seria a hora ideal para contar tudo, abrir meu coração para ele, mas não consegui. Fui covarde, apenas concordei que era mentira de Mariana. Não sei bem o motivo, acho que foi a surpresa, eu já tinha decidido guardar esse sentimento só para mim.
- Então, não fica assim não, ela só falou para te ferir, como fez comigo. -
falou com uma voz doce e olhando no fundo dos meus olhos.
- Não tem como Vítor, não consigo simplesmente esquecer. As palavras ainda ficam ecoando em minha cabeça.
- Bernardo... - ele ficou sem jeito.
Vítor subiu na cama e se deitou ao meu lado. Posicionou a minha cabeça sobre seu ombro. Aquilo me pegou desprevenido. Ele nunca foi o que podemos chamar de amigo carinhoso, não era de abraçar ou fazer declarações emocionadas. Ele logo começou a cantar baixinho uma música do Legião Urbana que eu e ele adorávamos:
“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
Acreditar nos sonhos que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança...
Quem acredita sempre alcança...
Quem acredita sempre alcança...
Quem acredita sempre alcança..”.
(Mais uma vez – Renato Russo)
Fechei meus olhos com medo de aquilo ter sido apenas um sonho. Respirei devagar seu perfume amadeirado que me fazia tão bem. Foi como um remédio, imediatamente me senti muito melhor, me esqueci das palavras de Mariana e as sensações ruins que ela me causava. Ficamos em silêncio naquela posição pelo que pareceu breves segundos, mas se revelou ser a tarde toda, pois logo anoiteceu. Durante aquela tarde era como se só existisse nós dois no mundo. Era incrível o sentimento quase palpável que estava no ar.
Ali, pela primeira vez, eu percebi que Vítor me amava, e para isso ele não precisou me dizer nenhuma palavra.