Não foi um beijo qualquer, foi um beijo de cinema, um daqueles com o qual se sonha a vida toda.
Estávamos em cima do palco, em frente a todos os nossos colegas e familiares, mas ele não se importou.
Ele tinha crescido. Meu namorado era um rapaz agora. Vi as pessoas soltarem exclamações de horror e incredulidade, mas não liguei. Os outros que se danem!
Tudo tinha sido um sonho? Felipe tinha mesmo subido ao palco e, na frente de todos, me beijado?
Não! Não tinha sido apenas um sonho bom, mas agora era hora de acordar e abrir os olhos.
Abri os olhos vagarosamente e vi Felipe muito próximo a mim com seus lábios ainda grudados aos meus.
Sorri internamente explodindo de felicidade.
- Vocês são loucos? - ouvi a voz estridente da diretora enquanto a cortina do palco se fechava rapidamente.
- Somos. - falou Felipe sem parar de me olhar. - Loucos um pelo outro.
Não tinha sido um sonho. Era real, muito real, e a gritaria no outro lado das cortinas me lembrava disso.
- O que te deu, Lipe? - perguntei ainda meio tonto pela rapidez dos acontecimentos.
- Amor. Foi isso que me deu. Se eu não tomasse essa atitude nesse momento, nunca teria coragem de fazer. Eu senti que aquela era a hora de enfrentar o mundo para ficar contigo.
- Eu te amo... - falei com os olhos cheios de lágrimas.
- Eu te amo também. Me aceita de volta?
- Você me aceita de volta?
- Sim.
- Então minha resposta também só pode ser sim.
Voltamos a nos beijar de leve, apenas curtindo aquele momento ímpar de felicidade.
Mas o mundo real veio bater à nossa porta.
Ou melhor, à porta de acesso ao palco, e o mundo real respondia pelo nome de Paulo de Azevedo, o pai de Felipe.
Ele entrou feito um furacão seguido da esposa e dos meus familiares. Foi correndo em direção a Felipe, que segurou em minha mão.
- O que você pensa que está fazendo? - seu rosto estava muito vermelho por causa da raiva.
- Correndo atrás da minha felicidade. - respondeu Lipe, firme, o enfrentando.
Ele realmente estava mais corajoso, não era qualquer um que enfrentava aquele homem como ele estava fazendo, não.
- Sua felicidade? Sua felicidade é humilhar toda a sua família na frente desse povo todo?!
- Se a minha felicidade passa por cima do que você considera uma família perfeita, sinto muito.
- Como ousa me enfrentar assim, seu moleque?
- Alguém precisava fazer isso algum dia, não? Fábio não foi capaz e simplesmente fugiu.
A veia da testa de Paulo parecia estar a ponto de explodir. Eu estava com muito medo dele, ainda mais quando ele veio em minha direção.
Zeca, Bruno e minha mãe correram até mim se colocando ao meu lado.
- E tudo isso por causa dessa bicha! - gritou apontando para mim.
- Sou gay, com muito orgulho. - respondi.
Ele se enraiveceu ainda mais e veio para cima de mim, mas Zeca me puxou para trás dele.
- O senhor não é nem louco de encostar nele.
- E quem você pensa que é?
- Nós somos a família do Bernardo. - falou minha mãe.
- E vocês aceitam essa pouca vergonha?
- Não estou vendo pouca vergonha nenhuma, vejo dois garotos que se amam tanto que estão dispostos a enfrentar o mundo para ficarem juntos.
- Meus caros, vamos nos acalmar e resolver isso conversando. - tentou intervir a diretora.
- Calma a puta que pariu! Esses dois “viados” envergonharam a minha família toda e a senhora vem me pedir calma? Ponha-se no seu lugar!
- Meu senhor, não vou aceitar esse tipo de grosseria. - ela respondeu.
- E esse tipo de comportamento que os dois apresentaram, você aceita?
- Como educadora formada, entendo e apoio esses dois jovens independente de qualquer opinião pessoal ou crença religiosa.
- Que porra de escola é essa?
- Uma das melhores da cidade, meu senhor. Se não for a melhor!
Vendo que estava cercado por pessoas que iam de encontro com sua opinião, Paulo ficou ainda mais nervoso.
- Felipe, vamos para casa agora!
Tentei segurá-lo temendo que fosse agredido, mas ele tirou minhas mãos carinhosamente.
- Não se preocupe, Bernardo, eu preciso enfrentar isso agora, mas eu vou voltar para você.
- Ah, mas não vai mesmo! - gritou Paulo o puxando violentamente em direção à saída.
- Eu te juro que vamos ficar juntos, Bernardo. - Lipe falou já longe.
- Eu acredito em você! - gritei chorando.
Zeca me abraçou e me agarrei com força a ele. Eu tremia de medo pelo que poderia acontecer com Felipe nas mãos daquele louco. Eu seria capaz de matá-lo se fizesse algo contra o meu amor.
- Você conseguiu, Bernardo; Felipe cresceu. - falou Zeca no meu ouvido.
- A que preço? - comentei triste.
- O mais difícil ele já fez: tomou a atitude; de agora em diante as coisas vão melhorar para vocês.
- Você acha?
- Tenho certeza.
Ele afagou minha cabeça e meu deu um beijo nos cabelos.
- Vamos, meus queridos, a noite parece já ter acabado por hoje. - falou minha tia.
- Vamos. - concordamos.
- É melhor vocês saírem pelos fundos. - comentou a diretora.
- Por quê? - falei.
- Bernardo, as pessoas lá fora podem ser hostis com você.
- Eu não me importo nem um pouco com elas. Já passei por uma situação parecida com essa uma vez e fugi, mas agora vai ser diferente.
- Tem certeza?
- Absoluta.
Enxuguei minhas lágrimas no braço do meu paletó e segui em direção à saída.
Zeca, Bruno, tia Marta e mamãe vieram logo atrás.
Ao sair, todos que estavam em volta se calaram e abriram caminho para mim. Caminhei pelo salão em direção à porta de entrada. Ouvi vários risos abafados e cochichos maldosos, mas não liguei para nenhum deles. Para mim eram insignificantes.
- Eu sou fã de vocês dois! - ouvi a voz de Renata de algum lugar do meio da multidão e não pude deixar de rir.
Senti alguém começar a andar ao meu lado, olhei e era Beatriz. Seu rosto não tinha nenhuma emoção clara.
- Me desculpe se te causamos algum constrangimento. Acho que você é a única a quem devemos desculpas.
- Não tem pelo que se desculpar. - falou sem olhar para mim. - Vocês correram atrás de sua felicidade, deviam se orgulhar. Poucas pessoas tem coragem de ir tão longe.
Me surpreendi com sua reação. Esperava um escândalo recheado de palavras maldosas dirigidas a mim e Felipe.
- Eu achei que você...
- Não tente me analisar. - ela me interrompeu. - E eu já havia lhe dito uma vez que se visse alguma possibilidade de vocês dois serem felizes, eu não ficaria no caminho.
Vendo vocês dois ali, morrendo de vontade de ficarem juntos, mas reféns da covardia dele, eu entendi que era amor e eu não podia ficar no caminho. Mais: depois disso tudo, queria que vocês ficassem juntos. Por isso eu resolvi incentivar Felipe a tomar uma atitude, foi isso que eu falei no seu ouvido antes dele subir ao palco.
Eu nem conseguia acreditar. Aquela garota que ao longo de todo o ano tornou minha vida imensamente mais difícil, ao se relacionar com Lipe, era a única a quem eu devia agradecer pela oportunidade única de sermos felizes, que tínhamos agora.
- Beatriz, eu nem sei o que te dizer... Obrigado.
- Não tem o que agradecer. Você me venceu e esse foi seu prêmio. - pensei tê-la visto sorrir. - Parabéns, você foi o melhor oponente que já tive.
Foi impossível não rir enquanto ela se afastava. Beatriz, Beatriz, sempre um mistério...
Voltamos para o apartamento.
Me deitei, mas não consegui dormir, pensando em Felipe.
Eu queria ligar de qualquer jeito, mas fui desaconselhado por minha mãe, que recomendou esperar ele me ligar.
Aquilo não me agradava nem um pouco. Eu queria estar lá com ele, pronto para enfrentar sua família ao seu lado.
Só adormeci quando o sol já ameaçava nascer. Tive pesadelos horríveis com Felipe sendo morto por seu pai e acordei todo suadoCalma, calma, está tudo bem. - falou Lipe me abraçando.
Ao ver seu rosto lindo na minha frente o abracei com força. Foi um alívio imenso ver que ele estava bem. Pelo menos fisicamente...
- Ai, Lipe, eu tive tanto medo que te acontecesse algo de ruim. - choraminguei.
- Não aconteceu. Eu estou aqui inteiro.
Ele me conteve em seus braços e me beijou carinhosamente. Aos poucos fui me acalmando e ele se deitou sobre mim. Ficamos algum tempo matando a saudade e depois nos deitamos um ao lado do outro.
- Como foi? - perguntei.
- Péssimo.
- Sério? O que aconteceu?
- Bom, ele nos chamou dos piores nomes possíveis, não vale nem a pena repetir. Depois gritou para quem quisesse ouvir que eu não era mais seu filho.
Me lembrei do meu pai tendo a mesma reação há quase dois anos.
- Sinto muito, Lipe...
- Eu meio que esperava essa reação dele. Não foi uma surpresa.
- E sua mãe?
- Só chorava, não disse nenhuma palavra durante a briga. Nem mesmo quando meu pai me expulsou de casa.
- O quê? - falei me levantando.
- Pois é, disse que eu não sou mais seu filho e nem devia mais morar embaixo do seu teto.
- E agora, Lipe? - falei já me desesperando com a situação dele. - Como vai ser? Já sei! Você vai morar aqui, titia e mamãe te adoram, duvido que irão se opor...
- Calma, Bernardo, já está tudo resolvido. - falou me puxando de volta para a cama.
- Como assim?
- Meu irmão me ofereceu abrigo.
- Hã?
- Bom, nesse tempo que estávamos separados, meu irmão Fábio brigou com meu pai porque ele exigia que seguisse carreira política. As brigas foram ficando cada vez mais constantes e ele acabou saindo de casa. Pediu dinheiro aos meus avós e comprou um apartamento. Ele foi o único a ficar do meu lado ontem à noite. Enfrentou meu pai e me disse que eu moraria com ele.
- Menos mal...
- É, e melhor é que o apartamento dele é aqui perto, vamos poder continuar nos vendo normalmente.
- Isso é ótimo. - comentei feliz, mas logo me preocupando novamente. - Mas Lipe; eles ainda são seus responsáveis legais e pagam suas contas. Como vai ser daqui em diante.
- Bom; Fábio está se formando em direito e me aconselhou a pedir minha emancipação. Com isso eu teria direito a pegar minha parte da herança. Mas de qualquer jeito, ele me garantiu que vai pagar o que for preciso para mim até que isso aconteça.
- Ainda bem que ele ficou ao seu lado, senão, como seria?
- Pois é. Acho que acabaria indo morar com meus avós, que exigiriam que nós nos separássemos.
- Não quero nem pensar nisso. Achei que seus pais te obrigariam a ficar longe de mim de alguma forma...
- Como eu já havia te dito, eles só se preocupam com as aparências. Ou seja, agora que todos sabem, é melhor fingir que não faço parte da mesma família que eles.
- Isso é tão triste...
- Eu sei. Ainda bem que eles não fazem mais parte da minha vida. - sua voz estava tão melancólica.
- Não é bem assim, Lipe, eles ainda são seus pais.
- Não, não são. Não querem fingir que não têm filho? Pois bem, vou fingir que não tenho pais.
- Bom, você que sabe...
Aquele papo pesou bastante o ambiente. Sei que não era o melhor momento, mas uma hora ou outra eu teria que tocar naquele assunto:
- Lipe, quanto à Beatriz...
- É melhor esquecermos isso, Bê.
- Não, senão isso vai vir nos assombrar mais tarde.
- Tem razão...
- Me desculpe por ter ficado com ela. Ela me seduziu de tal forma que eu não tive como escapar. Você a conhece, ela tem uma magia que nos faz deixar de agir racionalmente.
- Eu sei, mas eu não te desculpo... - fez uma pausa dramática que me apertou o coração. - Eu te agradeço por isso.
- Hã?
Ele riu de uma piada que só ele tinha entendido.
- Como assim me agradecer, Felipe?
- No momento que você me falou aquilo eu senti um ciúme enorme. Mas para minha surpresa, não foi ciúme dela e sim de você.
- Sério?
- Aham. E isso abriu meus olhos. Como diz a música, ela era um “amor sem ciúme”, ou seja, não era um amor de verdade não.
Foi nesse momento que caiu minha ficha que era você quem eu realmente amava, e o que eu sentia por ela era apenas uma vontade de ter uma vida normal. Enquanto você cantava, milhões de coisas passaram pela minha cabeça. - ele começou a falar olhando para o teto como se revivesse seus próprios pensamentos. - Era melhor uma vida normal ou uma vida feliz? Lógico que era uma vida feliz; então o que estava me impedindo?
Você uma vez me disse que eu precisava crescer e eu concordei, mas o que me impedia de crescer? Medo.
Eu tinha medo do que os outros poderiam pensar sobre mim. Eu te amava, nunca deixei esse sentimento sumir, mas durante todo o tempo que eu estive com Beatriz, o meu medo do mundo lá fora foi maior, o que me impedia de deixá-la e me tornar o namorado que você merecia.
Porém, toda noite antes de dormir eu pensava nos meus atos de covardia: a primeira vez que terminamos, o assalto, meu pedido de namoro à Bia... Durante meses eu tentava encontrar uma forma de crescer, sem perceber que simplesmente refletir sobre meus erros era crescer.
Isso foi me mudando aos poucos, mas era invisível aos olhos alheios, pois um dos meus traços de personalidade disfarçava isso: a impulsividade.
Por dentro eu já era alguém maduro, mas na hora da ação eu agia por impulso, jogando por terra todos os meus esforços, o que me frustrava bastante. Se nunca nos reconciliamos foi por eu não poder vencer isso. Eu então percebi que era preciso usar minha impulsividade a meu favor. Aí entrou Beatriz, que me incentivou a subir ao palco.
- Ela me contou isso ontem.
- Estávamos dançando a primeira música. Eu estava em choque pelo que você me contou e a confrontei. Sem deixar transparecer para quem assistia, lhe disse que ela tinha um péssimo caráter.
Ela respondeu:
“Melhor do que covarde. A pessoa mais incrível que conhecemos está em cima daquele palco cantando para nós dois dançarmos. Só que ele ama você. Entende o quanto isso é precioso? E você está desperdiçando. Pior ainda, você está fazendo isso conscientemente, já que sabe que o ama também. Posso até ser mau caráter, mas pelo menos eu tenho coragem de correr atrás do que quero. Como vai ser para você? Vai se casar com a filha de um amigo qualquer do seu pai, seguir carreira política e se contentar em ver Bernardo de vez em quando, no cantinho mal iluminado na plateia de um teatro, se martirizando ao pensar no que poderia ter sido?”
Aquilo para mim foi como um choque.
Ela me analisou completamente tomando como base o tempo que ficamos juntos e me entregou um relatório completo do meu principal defeito. - ele riu sem graça. - Eu então percebi que perto do meu crime, a covardia que tornava nós infelizes, a traição não era nada.
O meu erro era muito maior e eu teria uma chance de repará-lo?
Foi aí que você começou a cantar a segunda música para mim, me olhando tão intensamente. Comecei a chorar pondo para fora tudo aquilo que eu estava sentindo.
Beatriz novamente entrou em ação:
“Olha aí. Você não o merece, mas mesmo assim ele te quer. Poderia ter qualquer um daqui com algum esforço, mas só tem olhos para você.
O amor nos deixa idiota. Ele é um idiota por te querer mesmo depois de tudo que você lhe fez. Isso não é minimamente racional! Por isso evito me apaixonar, odeio me sentir burra.
Olha, lá está ele novamente dizendo que te ama e você, covarde, está aqui dançando comigo. Sabe, uma hora ele vai cansar de te esperar, viu?
Ele está te dando uma grande chance: ou você sobe naquele palco agora ou vai ficar para sempre na plateia só o assistindo. O que vai ser?”
- Então, eu deixei a impulsividade vir e o resto você já sabe.
- Ela é uma garota sem igual...
- Concordo...
- Só não concordo com uma coisa que ela disse. Você me merece sim e merece muito mais. Aliás, nós dois merecemos ser felizes e eu quero que isso aconteça com a gente juntos.
- Eu também...
Ficamos os dois em silêncio lado a lado pensando nos últimos acontecimentos e em como Beatriz podia ser tão madura e direta para a idade dela. Se bem que ela era um ano mais velha que eu e mais de um ano e meio mais velha que o Felipe.
Acho que eu e mais ainda o Felipe ainda éramos garotos. Até a escandalosa da Renata era mais madura que a gente.
Mas eu gostava de ser meio criança em alguns aspectos.
E, para ser sincero, também gostava de ter um amor, meu namorado, também meio criança, tipo ainda entrando na adolescência. Esse era um charme que ele tinha.
E aquele jeitinho de menino também me encantava. Sem contar aqueles olhos azuis escuros, extremamente brilhantes e lindos...
- Lipe...
- Oi?
- Como vai ser nossa vida daqui em diante?
Ele sorriu, me abraçou e me deu um selinho demorado.
- Incrivelmente feliz!
E eu não disse que ele era inocente..... Adoro isso também!
- Disso eu não duvido, mas você sabe que ela não será tranquila, né? Agora que somos assumidos, temos o mundo inteiro contra nós.
- Eu sei, eu sei, mas não me importo. Ao seu lado eu sou capaz de enfrentar seis bilhões de pessoas de mãos nuas.
- Meu herói! - zombei rindo.
- Você acabou com o momento fofinho! - falou se fingindo de bravo.
- Fazer o quê? Sou um antirromântico.
- Mentira, você exalava amor cantando April in Paris.
- Eu estava fingindo, na verdade eu estava era com ódio de ver você dançando com Beatriz.
- Oh, coitadinho... - zombou também.
Peguei meu travesseiro e atirei nele, que revidou começando uma guerra de travesseiros no quarto. Caímos exaustos no chão, abraçados.
- Bernardo?
- Oi?
- Já pensou que a essa altura no ano que vem, seremos nós dançando juntos no nosso baile de formatura?
- Meu Deus! Nem tinha pensado nisso! - fiquei rindo - Vamos entrar para a história daquele colégio.
- Como o primeiro casal gay?
- Não, como o casal mais feliz.
Ele veio por cima de mim e me deu um daqueles seus super beijos que só ele sabia dar. Eu estava com muita saudade dele. E do seu corpo lisinho e cheiroso. Comecei a descer minhas mãos pela seu short enquanto nos beijávamos, mas ele me parou.
- Sua mãe e sua tia estão na sala.
- Merda. Eu estou morrendo de saudade.
- Eu também, por isso vim com um plano preparado.
- Sério? Me conta.
- Bom, primeiro vamos passear por aí de mãos dadas, depois vamos almoçar no shopping, pegar um cinema e vamos inaugurar minha nova casa.
- Seu irmão não vai se importar?
- Não, já falei com ele.
- Já estou adorando essa reconciliação... - falei maliciosamente, o beijando novamente.
- Eu também, agora vai se trocar porque temos muito o que fazer hoje.
- Ok, ok. - falei me levantando e indo em direção ao banheiro, mas ele me puxou novamente.
- O que foi?
- Você vai mesmo dançar comigo no nosso baile de formatura? - perguntou com um sorrisão no rosto.
Não estou dizendo... que ele ainda é menino?!
Puxei ele para perto de mim e comecei a dançar lento com ele. Cheguei minha boca perto do seu ouvido:
- Prometo bailar só com você para sempre.
Ele riu gostoso, me agarrou e me beijou com paixão.
Passamos o domingo todo seguinte ao baile, juntos. Almoçamos numa grande churrascaria, depois caminhamos pela Savassi, assistimos a um filme no shopping ali perto e enfim chegamos à nova casa de Felipe. Era um prédio muito bonito no bairro vizinho ao meu.
- Seu Jonas, - falou Felipe para o porteiro. - pode deixar esse garoto aqui entrar para me visitar quando ele quiser, viu? Ele é o eu namorado.
- Pode deixar.
Nem acreditei naquilo.
Subimos pelo elevador até o nono andar.
- Quer dizer que tenho passe livre aqui, agora?
- Claro, agora não tem desculpa para não me fazer surpresas.
- Pode ter certeza que virei sim...
O apartamento deles era bonito. Não tão espaçoso ou elegante como o dos pais, mas com certeza tinha seu charme. Ao contrário do que se pode pensar de um apartamento dividido por dois jovens, o deles era arrumadinho. Fábio estava na sala todo arrumado para sair.
- Olá, Bernardo, tudo bom?
- Tudo, e com você? - eu estava meio tímido por ele saber de mim e do Lipe.
- Bem, dentro do possível, né?
Ele não parecia exibir qualquer tipo de preconceito. Pelo contrário, estava me tratando muito melhor do que das outras vezes que nos encontramos. Depois fui perceber que ele se parecia com Felipe neste aspecto: ficava bem mais solto e simpático longe dos pais.
- Bom, já estou de saída, o apartamento e todo de vocês, garotos.
Eu devo ter ficado da cor de um tomate porque Felipe começou a rir sem parar olhando para mim. Fábio riu também e saiu.
- Não gostei nem um pouco dele comentando da nossa vida sexual.
- Isso é bom para você saber como eu me sinto com os comentários da sua tia.
Rimos novamente e, sem ver como, já estávamos abraçados e nos beijando.
- Que tal eu conhecer seu quarto? - perguntei com segundas intenções.
- Meu não, nosso quarto.
- Já estamos casados, é?
- Aham, agora é só partir para a lua de mel.
- Safado! - ri e deixei ele me puxar pelo apartamento.
Ele foi me apresentando os cômodos e chegamos ao seu quarto. Era simples se comparado ao seu antigo quarto, mas tinha todo o conforto necessário. Um grande armário, cama, escrivaninha, televisão, rádio, etc. Vi que suas malas ainda estavam no chão, certamente por falta de tempo de arrumá-las.
- É que ainda está muito recente, mas o Fábio me garantiu que aos poucos nós vamos mobiliando melhor.
- Para mim, só uma cama já vai nos propiciar horas e horas de diversão...
- Depois eu é que sou o safado!
Ele então veio para cima de mim já me devorando com vontade. Não me fiz de rogado e deitei na cama enquanto ele vinha por cima. Em poucos minutos nós dois já estávamos só de cueca rolando pela cama entre beijos e carícias ousadas.
Me virei e sentei em cima dele. Comecei a rebolar de leve, fazendo seu pau duro dentro da cueca roçar na minha bunda e ele começou a gemer. Por ser muito branquinho, seu rosto ficou todo rosado, o que me dava muito tesão.
Ele percebeu que eu não tinha hora para terminar aquele joguinho de provocações, então avançou para cima de mim tirando minha cueca e começou a chupar meu pau.
Ai, como eu senti saudade daquela boca! Não sei se era a saudade dele, ou muito tempo que ninguém fazia isso em mim, ou só a emoção do momento mesmo, mas aquele foi o melhor boquete que já tinha recebido na vida. Antes de me fazer gozar, ele parou e subiu beijando todo o meu corpo até chegar na boca.
- Que saudade do seu gosto! - ele falou olhando nos meus olhos.
- Que saudade da sua boca... - respondi partindo para um beijo selvagem.
Fiz o mesmo que ele; descendo beijando seu corpo. Ainda dei uma mordida no seu pau por cima da cueca antes de tirá-la, o que fez ele soltar um gemido forte e alto.
Chupei como nunca!
Aquele pau retinho e rosado estava mais duro que uma pedra. E continuava todo lisinho sem nem penugem.
Como é gostoso chupar um pintinho de um loirinho cheiroso...
- Quem vai primeiro? - perguntou.
- Pode ser você, mas vai com cuidado, você foi o único...
- Sério? E o Pedro? - ele perguntou curioso.
- Bom, não quero entrar muito no assunto, então vamos resumir que ele é passivo. - falei sério, mas ele começou a rir.
- Sério? Com aquele tamanho todo e a cara de machão?
- Para de rir! - falei tentando parecer sério.- E não sendo com você, só vou com camisinha também.
- Ok, ok, pode deixar que eu vou com cuidado.
Enfim, mas nem com todo o cuidado do mundo deixou de doer. Doeu tanto quanto da primeira vez, afinal, já tinha se passado quase um ano desde a última vez. Mas a sensação ruim logo passou dando lugar ao prazer e eu já estava cavalgando nele com vontade.
Que vara gostosa, gente!
Uma hora parei meus movimentos.
- Cansou? - ele perguntou.
- Lógico que não, mas agora é sua vez.
Ele sorriu safado e fez que sim com a cabeça. Saí de cima dele e me preparei para penetrá-lo de frango assado.
- Vai com calma, Bê, você sabe que eu também nunca mais...
- Uai, a Beatriz não te satisfazia nesta região também, não? - perguntei debochando.
- Não, ela era má. Eu morria de medo de pedir um dedinho e ela enfiar o braço todo.
Começamos a rir feito loucos.
- Mas na verdade nunca transei com ela. A gente só ficava.
- Uai! Por quê?
- Eu não conseguia ficar de pau duro.
- Sério?
- Sim.
- Mas aqui o seu pau está mais duro que uma pedra...
- Só fica com você.
Meu loirinho lindo dos olhos azuis era demais!
Beatriz não se tornou um problema no nosso namoro, era sempre citada, normalmente durante alguma piada envolvendo seu caráter.
Fui enfiando devagar meu pau no seu cuzinho e ele foi gemendo. Não soube distinguir se de dor ou de prazer, mas julguei ser a primeira opção por experiência própria. Aos poucos fui aumentando o ritmo e ele também se movimentava. Estávamos em sincronia. Gozamos juntos e depois nos beijamos com calma, curtindo o momento.
- Eu te amo.
- Eu te amo.
Nos levantamos e fomos para o banheiro tomar banho. Eu já tinha levado roupa para dormir lá, mas nem precisei porque dormimos abraçadinhos e pelados.
Quando acordamos já passava da meia-noite. Pedimos uma pizza e comemos na cama mesmo. Enquanto isso, conversávamos sobre como seria nossa vida dali em diante.
- Você sabe que teremos problemas na escola, né? - falei.
- Sim, temos que nos preparar psicologicamente para isso.
- Você acha que eles irão virar contra nós?
- Não sei, talvez, mas tenho certeza que nossos amigos de verdade ficarão ao nosso lado. Pelo menos os meninos da minha banda me ligaram falando que não têm problemas, apesar de acharem a situação estranha.
- Já é um começo. Renata, Pedro e, bem, Beatriz também nos apoiam.
- Viu? Já temos um time contra o resto dos idiotas.
- Você fala como se fossemos para uma guerra. - falei rindo.
- Eu acho que será mais ou menos isso mesmo, meu amor. - ele respondeu sério.
- Credo, Lipe!
- Mas é verdade. Acho que ainda não caiu nossa ficha de como fomos longe. As pessoas são preconceituosas, Bê, falo isso porque cresci numa família assim e sei como é. O que vamos encarar daqui em diante é uma guerra sim.
Nem soube o que responder. Claro que eu sabia que não seria fácil, mas eu ainda não tinha parado para dimensionar isso.
- Você acha, Lipe?
- Sim... Temos que ser fortes.
- Com você ao meu lado eu enfrento o mundo, meu amor.
- Então seremos nós dois contra todos! - falou fazendo pose de herói.
- Mas vai ser uma guerra injusta. - falei rindo.
- Por quê? Por estarmos em menor número?
- Não, pelo nosso ideal ser mais nobreDezembro foi passando em meio a vários momentos de felicidade. Decidimos nos preocupar com o resto do mundo quando as aulas voltassem. Estávamos de férias do mundo. Não chegamos a dormir separados uma só noite, fosse no seu apartamento ou no meu. Ele conseguiu se emancipar rápido porque seus pais concordaram em fazer isso.
Pelo que Lipe me contou, eles disseram que era para não restar laços. Ele se fez de forte, mas no fundo eu sei que ele ficava destruído com aquelas demonstrações de desprezo por parte da sua família. Com isso ele também teve acesso à sua herança, que deixou nas mãos de Fábio por, nas palavras dele, ainda não ter maturidade para administrar todo aquele valor.
Por volta do dia vinte, depois de muita insistência da minha parte, ele concordou em viajar comigo, mamãe, titia e Bruno para o Rio de Janeiro e passar o fim de ano com meus avós.
Acho que ele estava nervoso por conhecer o resto da minha família, mas o tranquilizei dizendo que nunca fariam nada de mal perto do meu avô e assim foi.
Recebemos alguns olhares preconceituosos de alguns tios e primos, mas ninguém teve coragem de dizer nada. Vovô fez questão de tratar Felipe como um de seus netos, para falar a verdade, até melhor do que ele tratava alguns deles.
E dava para perceber que mesmo com aquelas caras de desaprovação por parte de alguns, todos, mas todos mesmo, estavam babando naqueles olhos da cor da imensidão do oceano.
E eu babava com isso e com aquele corpo rosado e lisinho e cheiroso e aquele pau duro e retinho que sempre foi só meu.
Aquilo entrava em mim de um jeito que me deixava louco!
- Como é que pode um garoto ser tão lindo e gostoso assim? - eu me perguntava em silêncio nos meus momentos de devaneio.
No Réveillon, trocamos juras de amor eterno à meia-noite e arriscamos até um selinho tímido. Já de madrugada, me escorei na sacada do apartamento dos meus avós admirando a festa que acontecia na praia. Felipe estava ocupado sendo todo paparicado pela minha vó. Nunca vi. Até parecia que ele é que era o neto ali.
Pensei em tudo de bom que estava me acontecendo e agradeci aos céus. Perdido em pensamentos, nem vi vovô chegar atrás de mim.
- Admirando o mar?
- Também. Estava pensando na vida.
- Ah é? - ele riu - E como anda sua vida, meu caro?
- Até aqui vai muito bem. Claro que tem uma coisa ou outra que eu mudaria, mas de jeito nenhum eu trocaria esse momento que estou vivendo por qualquer outro há anos atrás. Eu estou feliz, vovô.
- Que bom, não deixe essa sua felicidade escapar. A felicidade é como um trem azul.
- Como assim um trem azul? - perguntei rindo.
- A felicidade é como um trem: não espera por ninguém, ou você pega ou ele te deixa para trás. E azul, porque é uma cor mágica, uma cor feliz.
Ri divertido com sua metáfora. E lembrei daqueles que me cativavam de tão azuis: aqueles olhos brilhantes, lindos demais!
- Eu estou bem confortável dentro do trem azul, não deixei ele ir embora da estação sem mim.
- Eu sei. Te conheço desde que você nasceu, nunca duvidei de que você fosse do tipo de gente que não o deixa ir embora vazio.
- Sério?
- Sério. Muitas pessoas não correm atrás de sua felicidade ora por medo, ora por preguiça, ora por comodismo, mas graças a Deus você não é uma dessas pessoas. Você correu atrás da sua felicidade e conseguiu. Meus parabéns!
- Obrigado, vovô... - falei lhe abraçando, emocionado com suas palavras.
Eu tinha conseguido sim alcançar minha felicidade e nada iria me atrapalhar. Mesmo se fosse como Felipe disse, “nós dois contra o mundo”, eu não me importava, lutaria até o fim porque o que estava em jogo era uma coisa preciosa demais.
Voltamos para Belo Horizonte na metade de janeiro e já fomos nos preparando psicologicamente para nossa volta às aulas.
Tivemos que conversar com a diretora, que afirmou estar ao nosso lado, mas nos preveniu das coisas que viriam.
Renata nos garantiu que faria barraco com quem quer que viesse mexer conosco e foi impossível não rir.
Tentei aproximar Felipe de Pedro, já que ele era um dos nossos aliados, mas foi inútil, aqueles dois não nasceram para serem amigos.
Notei a ausência de Zeca nos últimos dias, mas ele afirmou que estava ocupado com outros negócios. Não quis me explicar o que era e me desejou boa sorte na volta às aulas.
Se eu não tivesse tanta coisa na cabeça, teria investigado mais e descoberto que “negócios” eram esses. Mas enfim, mais tarde eu acabaria descobrindo mesmoO grande dia tinha chegado. Felipe tinha dormido na minha casa na noite anterior e minha tia nos levou de carro até o colégio. Saímos do carro e a entrada já estava cheia de gente, como é costumeiro no primeiro dia de aula.
Todos nos olharam e senti meu estômago se revirar. Alguns riam e cochichavam baixo, outros nem se preocupavam em disfarçar que nós éramos o assunto.
Na hora eu senti medo. Medo de que eles destruíssem o momento maravilhoso que eu vivia.
Mas todo o medo foi embora quando senti os dedos de Felipe se entrelaçando aos meus. Olhei para ele que sorriu para mim. Senti uma segurança enorme, uma sensação de que éramos realmente capazes de enfrentar o mundo sozinhos e vencer.
Sorri também apaixonado e agradecido pelo conforto que ele me transmitia. Viramos para frente e assim, de mãos dadas e com todos nos olhando, entramos pelos portões do colégio prontos para a guerra.
Olhando para o passado hoje, me dou conta do quão ousados e inconsequentes nós fomos.
Não vivemos num mundo perfeito; lá fora está cheio de gente preconceituosa e mal intencionada. O risco de termos nos machucado por causa daquilo foi imenso.
É horrível pensar que não podemos nem mesmo demonstrar o carinho por alguém a quem amamos com um gesto simples como andar de mãos dadas, mas a vida é assim.
Ela não é justa, ela simplesmente é.
Mas naquele momento nada disso importou.
Felipe e eu entramos na escola de mãos dadas, sorrindo, desafiando os olhares maldosos dos outros.
Acho que o susto das pessoas era tamanho que não tinham nem tempo de formular algum comentário maldoso e dirigi-lo a nós.
Olhamos qual seria nossa nova sala e nos dirigimos a ela. No caminho cruzamos com Pedro e sua turma, que se assustaram ao nos ver de mãos dadas. Pedro nos deu um sorriso encorajador, enquanto os outros nos olharam com nojo.
- Eu sou fã de vocês! - gritou uma estridente Renata atrás de nós.
Ela veio correndo e nos abraçou.
- Vocês estão sabendo que são o assunto, né?
- Era de se esperar, uai! - falou Felipe.
- Vocês são corajosos, mesmo!
- Só espero que essa coragem toda não nos traga problemas... - comentei.
- Não vai, eles vão ter que nos engolir!
Rimos e fomos para a sala. Sentamos do mesmo jeito que no ano anterior: eu e Lipe lado a lado e Renata na minha frente. Logo chegou os garotos da banda de Felipe. Senti ele ficar tenso por não saber se eles o aceitariam ou não. Mas correu tudo bem. Os meninos vieram até nós, nos cumprimentaram e disseram estar do nosso lado.
- Não é porque você dá o cu que vai deixar de ser nosso amigo. - comentou um deles.
Felipe ficou da cor de um tomate e todos rimos dele.
Aos poucos a sala foi enchendo e o burburinho aumentando. Lipe e eu sabíamos que éramos o assunto, mas demonstrávamos indiferença.
Sim, ver as pessoas falando de nós machucava, mas não iríamos lhes dar o gostinho de saber que nos atingiam.
Renata queria comprar a briga de qualquer jeito e tivemos muito trabalho para convencê-la do contrário.
Um pouco antes do sinal que dava início às aulas bater, percebi que todos se calaram. Instintivamente olhei para a porta e vi Beatriz.
A turma esperava uma reação negativa dela em relação a nós, afinal, aos olhos deles, Felipe a tinha “traído” ao subir no palco e me beijar, já que eles ainda eram namorados.
Eu estava tranquilo. No próprio dia do baile ela pareceu serena em relação ao assunto.
E assim foi.
Ela veio calmamente até nós, deu um beijo na minha bochecha, outro na bochecha de Lipe e sentou na frente dele. Eu sentia vontade de rir da expressão de incredulidade do resto da turma, mas consegui me manter sério com muito custo.
Logo o sinal bateu e a professora do primeiro horário entrou acompanhada da diretora.
- Bom, primeiramente, quero lhes dar boas-vindas nesse primeiro dia de aula.
Também quero lhes dar dois avisos: primeiro, esse ano vocês já prestam vestibular, então se ainda não se decidiram por qual curso seguir, se apressem.
Se precisarem de aconselhamento para escolher, não titubeiem em procurar alguns dos nossos orientadores.
Com tudo que vinha acontecendo, nem tinha parado para pensar no vestibular. Claro que eu já tinha escolhido a música como profissão, mas eu queria ir além. Queria um curso que me abrisse um outro caminho. Eu iria pensar sobre isso mais tarde.
- E o segundo aviso é sobre Felipe e Bernardo.
Olhei para Lipe surpreso. O que ela queria falar envolvendo a gente?
- Bom, acho que eles já deixaram claro que tipo de relação eles têm. Sei que muitos de vocês não gostam e se sentem incomodados ao vê-los juntos, mas podem ir se acostumando.
Se houver qualquer tipo de retaliação a eles devido ao preconceito, o autor será severamente punido.
- É isso aí! - gritou Renata em apoio.
A diretora a ignorou e continuou.
- Já conversei com os dois durante as férias e eles sabem muito bem que devem agir como qualquer outro casal dentro da escola, ou seja, sem demonstrações públicas de afeto, digamos, mais ousadas.
Senti meu rosto enrubescer com o comentário desnecessário dela.
- É isso, meus caros, boa sorte nesse último ano escolar de vocês.
Assim que ela saiu, o burburinho recomeçou e a professora teve dificuldade para contê-lo.
As aulas passaram normalmente. Por normalmente quero dizer com as pessoas falando de nós baixinho e a gente ignorando.
No recreio, mais gente falando de nós, a maioria não fazendo questão de disfarçar isso.
Lógico que aquilo me atingia, eu me sentia mal em ser discriminado por amar alguém que por acaso era do mesmo sexo que eu.
Por que as pessoas simplesmente não cuidavam de suas próprias vidas e nos deixavam ser felizes em paz?
Mas eu não podia me mostrar a eles que era atingido com aquilo. Eu tinha que ser forte, por mim e por Felipe, que possivelmente era mais afetado por aquilo que eu, pois era uma situação nova para ele e ele também era mais novinho e menos experiente com tudo isso.
Um manézinho do segundo ano esbarrou em mim de propósito com força, me fazendo desequilibrar e quase cair. Ele saiu rindo com seu grupinho. Vi Felipe se preparar para tirar satisfações, mas Pedro foi mais rápido: ergueu o garoto pelo colarinho da sua blusa.
- Se você tiver algum problema com meus amigos, venha resolver comigo, estamos entendido?!
O menino arregalou os olhos assustado, assim como o resto do povo em volta, e concordou com a cabeça.
Até eu me assustei com a atitude de Pedro, mas logo caí na gargalhada, acompanhado por Renata.
Pedro soltou o garoto e veio até nós.
- Ele te machucou?
- Não, não... - falei recuperando o fôlego. - Obrigado.
- De nada, estamos aí para isso.
Ele e Felipe ficaram se olhando, encabulados.
- Obrigado mesmo, cara. - falou Lipe, meio contrariado.
- Me agradeça cuidando bem do Bernardo. - ele se aproximou do ouvido de Lipe e continuou baixinho. - Ou senão eu pego ele de volta para mim.
Antes de Felipe ter alguma reação Pedro já tinha ido embora. Vi que ele ficou vermelho de raiva, mas decidi não falar nada com medo dele reagir mal.
Passamos o recreio todo juntos, sob olhares de todos. Beatriz arranjou um grupinho de meninas para puxarem seu saco. Acho que ela não tinha mais motivos para ficar sempre conosco.
Mas mesmo assim ela fez questão de ser educadíssima com a gente na frente de toda a escola. Eu entendi que aquilo era mais por ela mesma. Queria sair da história por cima como uma pessoa muito superior que não guardava mágoa de nós. Ela não dava um passo em falso.
Aquele clima ruim que nos fazia sentir como aberrações de circo continuou durante todo o dia. No fim da aula, Felipe pediu para ir pra minha casa e almoçar comigo.
Almoçamos juntos com minha mãe e minha tia, e contamos para elas sobre o nosso dia. Elas ficaram chateadas com o ocorrido, mas demonstraram que já esperavam por aquilo.
Depois de comer, eu e Lipe fomos para o quarto.
Tirei minha roupa e ele também. Tomamos um banho rápido e deitei na cama para descansar um pouco. Felipe também ficou peladinho e deitou sobre mim, com a cabeça no meu peito. Comecei a acariciar seus sempre lindos cabelos lisos e loiros em silêncio.
- Vai ser sempre assim, Bê? - ele perguntou me olhando com os olhos cheios de lágrimas.
- Não sei, Lipe, espero que não... É pior no começo mesmo.
Eu queria ser forte para consolá-lo e garantir que nada de ruim aconteceria, mas eu mesmo estava precisando de alguém que fizesse aquilo por mim.
- Por que não nos deixam ser felizes em paz?
- A felicidade alheia incomoda as pessoas, Lipe.
- O que estamos fazendo é errado?
- Não, não, de jeito nenhum. - falei com convicção. - Um sentimento tão forte e bonito quanto o que temos um pelo outro não pode ser errado.
Ele se calou e me deu um selinho demorado.
- Somos muito melhores que eles. - completei.
- Você eu não sei, mas eu te garanto que sou uma pessoa bem melhor quando estou com você. - ele falou rindo.
- Bobo! Eu também.
- Corta esse clima pesado colocando alguma música aí pra gente.
Estiquei o braço, liguei o rádio e sintonizei numa rádio qualquer. Cássia Eller cantava:
“Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.
(...)”
(Blues da piedade – Cazuza)
Felipe riu divertido com a coincidência entre nosso assunto e a letra da música.
- Parece combinado!
- São os deuses da música conspirando ao nosso favor! - falei rindo também. Ele era muito fofo!
Ainda rindo, ele veio para cima de mim e me deu um beijo carinhosoFelipe passou um tempo comigo e foi embora no meio da tarde alegando que tinha que acertar alguns documentos em relação à sua herança.
Fazia tempo que não conversava com Zeca e como sabia que suas aulas ainda não haviam começado, telefonei para ele. Convidei-o para vir até a minha casa, mas ele pareceu relutante. Entranhei, mas não desisti, o vencendo pelo cansaço.