Estava diferente. Nenhuma mudança drástica, mas o tempo que passamos sem nos ver acentuou o quanto ele tinha crescido desde que nos conhecemos há dois anos.
Ele agora mantinha os cabelos pretos bem curtos Tinha uma sombra de barba contornando seu maxilar quadrado que lhe dava um aspecto viril. Estava mais forte também, tinha mais músculos. Pelo seu abraço percebi que ele sentiu tanta saudade de mim quanto eu senti dele.
- Você está muito sumido, seu Zeca! - falei quando chegamos ao meu quarto.
- Que nada... - ele parecia desconfortável. - É o meu último ano de faculdade, então fica tudo mais corrido.
- Mas você está de férias ainda!
- Eu também tenho o estágio. - percebi que ele estava arranjando desculpas.
- Você estagia de manhã, tem a tarde e a noite livres.
- Ah, Bernardo... - suas desculpas tinham se acabado.
Eu sabia que ele estava escondendo algo de mim. Se ele somente estivesse cansado de mim não tinha demonstrado sentir tanta saudade.
- Desembucha.
- Hã?
- Está na cara que você está escondendo algo de mim. Conta, vai!
- Eu sou tão transparente assim? - ele perguntou tentando fugir do assunto.
- Não, só que te conheço bem demais. Conta.
- Ah, Bernardo...
- Você não confia em mim? - falei mais por chantagem emocional.
- Não é isso, Bernardo. - ele falou apressado acreditando que eu realmente achava aquilo.
- Então?
- É que eu não posso te contar.
Ali sim ele conseguiu me deixar desconfiado. Antes eu estava achando que era alguma coisa que o deixava desconfortável, agora eu tinha certeza que o assunto me envolvia de alguma forma.
- Como assim?
- É complicado...
- Me conta que eu descomplico.
- Não posso, eu prometi a ele que não te falaria nada.
Ele então pareceu se dar conta do furo que deu.
- Ele quem?
- Hã? - desconversou.
- Quem te fez prometer que não me contaria o quê?
- Ele... - ele suspirou fundo. - Meu novo namorado.
- Você está namorando? - falei animado e feliz por ele.
- Estou. Eu estou gostando muito desse cara. - ele falou com um sorriso bobo no rosto característico dos apaixonados.
- E quem é ele?
- Não posso te contar...
- Por quê? - aquilo já estava me deixando aflito.
- Bom, - ele relutou antes de me dizer. - porque você conhece ele.
- Zeca! - eu estava surpreso e ainda mais curioso.
- Por favor, Bernardo, vamos parar por aqui... - ele pediu suplicante.
- Sem chance, vamos até o fim. Quem é?
- Não posso te contar.
- É o Pedro?
- Hã? Que Ped.. Ah, lógico que não!
- Humm! O Felipe? - falei brincando.
- Óbvio que não!
- Então quem é? Não conheço mais nenhum gay.
- Por isso não posso te contar, ele não é assumido.
- Mas eu sei guardar segredo.
- Eu sei, mas é um segredo dele, eu não posso te contar, entendeu?
- Entender, eu entendo, mas ainda estou curioso.
- Bom, você vai continuar até o dia que ele resolver te contar.
Olhei para ele que parecia aflito para me contar tudo.
- Você está louco para me contar e desabafar, né?
- Sim. - riu. - Mas realmente não posso.
- Bom; você pode me ajudar a descobrir sozinho, aí você não terá quebrado sua promessa de segredo...
Ele riu ainda mais.
- Onde você aprendeu a ser tão ardiloso?
- Eu estudo junto da Beatriz, você acaba aprendendo uma coisinha ou outra. E então, topa?
- Não sei... - ele ainda estava indeciso, mas entendi que a situação pendia para meu lado.
- Vamos lá. Você disse que eu conhecia, mas não sabia que ele é gay, certo?
- Certo.
- Eu conheço de onde?
- Seria a mesma coisa de te falar o nome dele.
- Bom, então, quando vocês se conheceram?
- Humm, no dia do baile.
- Aonde?
- No baile.
- Sério?
- Aham.
- É algum dos meus colegas?
- Não! Já te falei que não quero nada com garotinhos.
- Bom, o outro único conhecido meu que você conheceu aquele dia foi...
Parei ao perceber de quem falávamos. Zeca abriu um sorrisão demonstrando que eu estava certo. Ri também incrédulo.
- Meu primo Bruno?!
- Fica quieto, senão sua tia escuta! - ele falou ainda rindo.
- Eu não acredito...
- Pois é, quando a gente menos espera, descobre que seu primo é gay.
Rimos juntos.
- E como aconteceu?
- Bom, conversamos muito naquele dia do baile, ele elogiou o jeito protetor com que te trato, começamos a falar de você, trocamos telefone e fomos nos conhecendo melhor.
- E como vocês estão?
- Ótimos, tirando o fato de que ele não quer assumir por causa do pai.
- Ah, sim, meu tio não é a melhor pessoa do mundo mesmo...
O ex-marido de tia Marta era um rico empresário do mundo financeiro. Era grosso, mal-educado, preconceituoso e mal caráter. Cheguei a me perguntar por que ela havia se casado com um tipo como ele. Fui respondido pela minha mãe que ela se casou porque já estava grávida e queria dar um lar de verdade a Bruno.
Não existia família de verdade com aquele homem dentro de casa, por isso logo veio o divórcio.
De qualquer jeito, Bruno trabalhava com o pai e não podia se dar ao luxo de desapontá-lo, pois seu futuro dependia disso.
- Por que ele não quer me contar?
- Sei lá, vocês acabaram de se reencontrar, ele não deve confiar em ti ainda.
- Humm.
- Por favor, não fala nada com ele, Bernardo.
- Pode deixar, vou guardar segredo até o dia que ele vier me contar.
- Que bom, sabia que podia confiar em você.
- Sempre. Saiba que estou muito feliz por você, viu? Tomara que ele seja o cara certo para você.
- Obrigado. Estou tão feliz, Bê! Ele é aquele cara com quem sempre sonhei.
- Ele é um cara especial mesmo...
Passamos mais algum tempo conversando sobre o namoro dos dois. Fiquei muito feliz por eles. Estão aí duas pessoas que mereciam muito serem felizes. Só espero que eles deem certo e tenham um final feliz, como eu e Felipe.
Deitado, mais tarde, pude notar o quanto o preconceito afetava, de formas diferentes, nossos relacionamentos. Será um pecado tão grande assim sermos publicamente felizes? Até quando seremos reféns das opiniões dessa gente careta e covarde?
Aos poucos, as pessoas foram se acostumando a mim e Lipe como um casal. Aceitar, eles não aceitaram e não aceitariam nunca, mas se calaram. Lógico que vez ou outra escutávamos uma piadinha quando passávamos, mas aprendemos a ignorar. Acho até que esse foi o motivo: ao ver que não afetavam, eles pararam com as ofensas.
As coisas aos poucos iam chegando no lugar, mas eu sentia que Felipe ainda estava incomodado com algo. Às vezes eu o pegava triste e pensativo em algum canto. Quando eu perguntava ele dizia não ser nada. Não era preciso refletir muito para perceber que a razão era a sua família.
E eu, mais que ninguém, sabia como era isso.
Mas a situação dele era ainda pior que a minha, pois ele foi rejeitado pela família inteira, menos um irmão.
A situação piorou no início de março, quando seus avós iriam comemorar bodas de ouro e ele não foi convidado. Ao ver o anúncio da festa na coluna social ele não aguentou e chorou no meu colo.
- Eles se esqueceram de mim, Bernardo. Eles fingem que eu nunca existi.
Me doía tanto vê-lo sofrendo daquele jeito que não aguentei e chorei também.
- Ô meu amor, não tem nada que eu possa falar para te consolar, a única coisa que posso fazer é oferecer meu colo.
Ele abraçou com mais força minhas pernas tentando abafar o choro na minha calça. Fiquei fazendo carinho nos seus cabelos enquanto ele se acalmava. Logo Fábio chegou do trabalho e se assustou com a cara de choro do irmão. Acabamos contando para ele o motivo.
- É lógico que você vai naquela festa!
- Não, Fábio, sem chance. Eles não me convidaram, não me querem lá.
- Devem ter perdido seu convite.
Felipe riu sem graça enxugando as lágrimas.
- Você realmente acredita nisso?!
Fábio ficou sem resposta. Era lógico que o convite não fora perdido.
- Mesmo assim Lipe, - falou Fábio tentando consolar o irmão. - você é da família, não pode faltar.
- Está bem claro que eles não me consideram mais como membro daquela família. Vou fazer o que lá? Provocar e ouvir insultos? Obrigado, prefiro passar a noite embaixo das cobertas.
Sua voz era de rancor. Mesmo ele não se abrindo eu sabia o que se passava na sua cabeça. Se a família virou as costas para ele, agora ele viraria as costas para a família também. Eu não sei se aquilo era uma boa ideia, pois apesar de tudo, ele ainda era muito apegado a eles.
- Eu ainda acho que você deva ir.
- Eu não vou, Fábio. - falou Felipe, enfático.
- O que você acha, Bernardo?
Tinha que ter jogado a bola para mim? É questão de família.
- Eu... Bom, eu não preciso estar na frente de um padre para prometer isso. - me virei para Felipe e peguei sua mão. - Eu prometo estar com você nos piores momentos como seu companheiro. Se você decidir ir nesta festa, eu vou junto, se você me quiser lá para te apoiar. Agora, isso só faz sentido se for te fazer bem. Se você acha que eles só vão te tratar mal, é melhor não ir mesmo. Só vocês que conhecem a família que têm e podem decidir a melhor opção.
Felipe me olhou nos olhos como se me admirasse e eu fiquei meio encabulado com medo de ter falado demais. Ele sorriu fraco e apertou com força minha mão, como se me agradecesse.
- Eu realmente não vou, Fábio. Depois do que o Bernardo falou, é impossível que você não entenda meus motivos.
Fábio se calou sem contra-argumentos. Entendi aquilo como uma forma deles afirmarem que a família nos trataria mal mesmoA festa de bodas de ouro dos avós de Felipe foi num sábado. Minha tia até foi convidada por conhecê-los, mas disse que não iria em apoio a nós.
Para distrair Lipe, que continuava triste, planejei um sábado para deixá-lo completamente ocupado.
Ele havia dormido na minha casa na sexta. Acordamos no sábado e fomos direto para o clube. Passamos a manhã toda lá, nadando, jogando vôlei com alguns outros garotos e namorando um pouco, discretamente, óbvio, não queríamos ser expulsos de lá.
Almoçamos no shopping e depois fomos ao cinema. Nem lembro o filme, até porque estávamos mais preocupados em trocar carícias discretas no escurinho. Ao sairmos fomos andar pelo shopping e fazer compras.
O dia estava ótimo, meu plano de fazer ele esquecer da festa parecia estar dando certo, ele parecia feliz, mas tudo foi por água abaixo.
Andávamos pelo shopping, distraídos, conversando, quando ele de repente parou fitando alguma coisa no horizonte. Olhei na mesma direção e então a vi: Mariana. Ela nos olhava com atenção, então sorriu com maldade e veio andando até nós.
Ela havia crescido, estava mais mulher, digamos assim. Seu corpo estava mais arredondado, seu rosto mais forte, sem aquele ar infantil, mas seu cabelo continuava sendo sua marca com seu vermelho forte.
Senti um aperto no peito ao vê-la; realmente fiquei passando mal. Sua simples presença provocava em mim medo, angústia e tristeza, gerados pelas lembranças de Morro Velho que ela evocava.
- Que surpresa! - ela falou falsamente parando de frente a nós.
Olhei para Felipe ao meu lado, que parecia estar tão surpreso quanto eu.
- Mariana, - ele falou depois de alguns segundos de silêncio - o que você está fazendo aqui?
- Ora, vim para a festa de bodas da vovó e do vovô, esqueceu? Ah, me desculpe, esquecei que você não foi convidado por não fazer mais parte da família.
Ali estava sua verdadeira face: a maldade. Lógico que ela não ia perder essa chance de ouro de nos incomodar. Lipe se abalou visivelmente com suas palavras. Como ela ousa magoar Felipe assim?
- Se vai destratá-lo é melhor ir embora. - falei firme.
Ela me olhou com ódio. Dois anos se passaram e ela ainda me culpava, cega, por Vítor largá-la. Eu é que tinha todos os motivos para odiá-la, mas me recusava a fazer isso, pois eu tinha medo de me tornar uma pessoa pior por causa disso.
Eu tinha, sim, medo dela porque ela já tinha mostrado não ter limites. Mas eu não iria dar a ela o gostinho de me ver amedrontado. Por mim e por Felipe, eu tinha que ser forte e enfrentá-la.
- Então quer dizer que você converteu meu primo? - perguntou como se controlasse a voz para não gritar.
- Sim, do mesmo jeito que fiz com seu namorado.
Vi sua veia da testa pular de raiva e não pude deixar de me sentir satisfeito por tê-la atingido. Ela fez menção de vir para cima de mim com alguma agressão física, mas se segurou.
- É o que você acha, sua bicha. Ele me ama, óh. - falou me mostrando uma aliança de compromisso em seu dedo.
Eu devia me sentir incomodado com aquilo, mas não aconteceu. Não sei se por realmente não me importar com os dois ou por ter certeza de que aquela aliança era o símbolo de um namoro de fachada.
- Finja o quanto quiser, mas nós dois sabemos que ele só te deu isso por coação. Ele tem medo que descubram que ele é uma bicha, como você bem disse.
- Olha aqui, seu desgraçado, - falou perdendo o controle e quase gritando, mas se controlando depois - ele me ama de verdade!
Eu estava me deliciando. Lógico que aquela conversa não chegava aos pés da vingança que ela merecia, mas estava me fazendo muito bem. Felipe continuava calado e triste, mas nos assistia com atenção.
- Se você quer acreditar nisso o problema é seu. - respondi desdenhoso.
- Isso é despeito porque ele escolheu a mim em vez de você.
- Mariana, eu espero que ele se exploda depois de tudo o que aconteceu. Ao contrário do que você pensa, eu desejo que vocês dois fiquem juntos. Vocês se merecem. - vi seus olhos tremerem de raiva e continuei. - Vítor ficou no passado, não quero vê-lo nem pintado de ouro. Não sobrou nenhum sentimento bom meu em relação a ele. Até porque meu coração só tem espaço para uma pessoa, seu primo. Esse aqui ao meu lado, com esse rostinho lindo, loirinho e todo cheiroso, e esses olhos apaixonantes. E é só para mim...
Puxei Felipe pela cintura o colando ao meu corpo. Ele me olhou surpreso e sorriu. Mariana nos olhou com nojo.
- Vocês são duas bichas.
- Verdade, e estamos muito satisfeitos assim. - respondi.
- Vão para o inferno.
Ela se virou e se preparou para ir embora, mas eu não podia deixá-la ir sem o golpe final.
- Mariana, como se sente sabendo que eu venci?
Ela se virou intrigada e depois riu desdenhosa.
- Venceu o quê?
- Uai, você mesmo disse uma vez que entre mim e você seria uma guerra. Acho que concordamos que eu venci, certo?
- Venceu? Você foi exilado da cidade e as pessoas que você gostava viraram as costas para você.
- Bom, as pessoas que viraram as costas para mim só mostraram não merecer meu afeto, o que foi bom no fim.
Foi como uma limpeza da qual só sobraram as pessoas que realmente me amavam.
E quanto ao exílio, como você se referiu, não podia ter sido melhor. Eu achei minha cidade, meu lugar no mundo; conheci pessoas maravilhosas e me apaixonei. Agora estou aqui, numa cidade linda e incrivelmente feliz ao lado desse garoto lindo que eu amo.
Você, por outro lado, mora naquele fim de mundo namorando alguém que não te quer. Inclusive o pau dele nem sobe quando você se oferece para ele, não é mesmo? Afinal ele é outra bicha...
Podemos considerar isso uma vitória, não?
Vi seu corpo todo se enrijecer de ódio. Não disse nada, ficou sem palavras. Apenas se virou e foi embora pisando duro. Só consegui relaxar quando ela saiu do meu campo de visão. Me virei para Felipe preocupado com seu estado emocional.
- Tudo bem, meu amor, ela já foi.
- Obrigado... - ele falou cheio de lágrimas nos olhos.
- Não tem o que agradecer.
- Lógico que tenho. Sem você aqui para enfrentá-la, ela teria falado barbaridades sobre mim até conseguir me deixar completamente para baixo.
- Fiz o que tinha que ser feito. Há muito tempo tudo isso estava entalado na minha garganta. Sem contar que é minha obrigação defendê-lo. Nunca que eu ia deixá-la te destratar.
- É sua obrigação? - ele perguntou rindo.
- Aham. - respondi rindo também. - Somos um casal agora, seus problemas são meus problemas também.
- Nossa, assim eu me apaixono.
- É a ideia, afinal, fomos feitos um para o outro independente do que digam.
Ele riu descontraído e começou a cantar baixinho para mim:
“Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz
Reconheci a música e cantei:
Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz
Ele:
Mas se a ciência provar o contrário
Eu:
E se o calendário nos contrariar
Ele:
Mas se o destino insistir em nos separar
Nós dois cantamos juntos nos olhando nos olhos:
Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz”
(Dueto – Chico Buarque)
Nos abraçamos carinhosamente sem nos importar com a opinião que alguém que estivesse passando pudesse terEm uma das primeiras segundas-feiras de março, Zeca me ligou aflito querendo conversar. Eu já o conhecia o bastante para saber que alguma coisa estava errada com seu namoro com Bruno. No fim da tarde ele apareceu lá em casa bem agitado.
- O que foi, Zeca? - perguntei fazendo-o sentar-se junto a mim na cama.
- O seu primo, Bernardo, o seu primo! - ele estava bastante aflito.
- O que tem o Bruno?
- Ele não quer assumir a gente.
- Ai, Zeca, você sabe que ele tem seus motivos.
- Mas ele não quer contar nem para a sua tia! Está na cara que ela iria nos apoiar.
- Pode ser. Não tem como saber só pela maneira que ela me trata.
- Você sabe como sua tia é, Bernardo, ela aceitaria sim, para de tentar justificar os erros dele.
- Não estou tentando justificar, estou tentando ponderar. O que você acharia se ele te pedisse para assumir para os seus pais?
- É diferente!
- Não, não é. Ele tem o mesmo medo e preocupação que você.
Ele pareceu refletir sobre o que eu disse. No seu rosto a aflição foi embora dando lugar à melancolia. Nunca o tinha visto daquele jeito.
- Eu demorei tanto tempo para achar alguém de quem eu gostasse e agora não posso gritar isso para todo mundo ouvir.
- Eu sei, meu amigo. - falei abraçando ele. - É a nossa sina.
- Bernardo, - ele falou olhando nos meus olhos. - eu amo ele.
Não pude deixar de sorrir. Justo o Zeca tão durão em relação aos seus sentimentos e sempre com milhares de ficantes.
- Ora, ora, quem te viu, quem te vê, seu Zeca!
- Pois é! A nossa hora sempre chega. - ele falou mais leve, rindo também.
- Lógico que iria chegar... não é todo dia que a gente se apaixona.
- Pois é, a última vez foi por você, mas não deu certo porque você me esnobou... - ele falou brincando com cara de coitado.
- Nossa, que mentira! Seria praticamente um incesto já que considero você o meu irmão mais velho.
- Eu sei, eu sei, estou brincando... - seu rosto voltou a ficar sério. - O que eu faço, Bernardo?
- Bom, a única coisa que está ao seu alcance é ficar ao lado do Bruno. Você tem que fazer ele se sentir confiante o bastante para se assumir.
- E como eu faço isso?
- Apoiando, compreendendo, sendo digno da confiança dele. Aliás, você podia começar abrindo seu coração para ele.
- Você acha? Não é muito cedo?
- Nunca é muito cedo para dizer eu te amo, mas se você esperar muito, pode acabar sendo tarde demais.
Ele fitou o horizonte pela janela do meu quarto pensando no que havia lhe dito.
- Eu vou fazer isso! - ele falou decidido.
- É o melhor a se fazer.
- Obrigado por me ouvir e aconselhar, meu caçulinha! - ele falou me apertando.
- Odiei o caçulinha!
- Hahaha. Obrigado mesmo.
- É o mínimo que posso fazer para retribuir as tantas vezes que você me ouviu e aconselhou. Além do mais, quero muito ver você e Bruno felizes.
Aconselhei Zeca pensando na minha relação com Felipe, com um apoiando o outro. Acho que isso é a base para qualquer relacionamento. É como num dueto onde duas pessoas precisam cantar no mesmo tom, na mesma afinação, no mesmo tempo, enfim, sincronizadas. A pessoa que não consegue fazer isso acaba tendo que cantar só e cantar sozinho é um peso muito grande a se carregar.
Abril estava chegando e com ele o aniversário de dezessete de Felipe. Ele não quis fazer festa, mesmo comigo e o irmão dele insistindo muito. No fundo eu entendia. Ele não estava no clima para isso, com toda a sua família fingindo que ele não existia.
Mas é óbvio que eu não ia deixar a data passar em branco.
Com a ajuda financeira da minha tia, reservei um quarto só para nós dois num hotel fazenda perto de BH durante o fim de semana do aniversário dele. Ele relutou um pouco em aceitar isso como presente, mas acabou se dando por vencido com minha insistência.
Zeca nos levou de carro na sexta-feira pela tarde. O lugar era lindo, enorme e nem estava muito cheio, o que nos permitia aproveitar mais. Como já estava quase anoitecendo, arrumamos nossas coisas e depois fomos jantar. Algumas pessoas acharam estranho dois garotos sozinhos jantando juntos, mas nem ligamos, nossa experiência na escola nos ensinou a ignorar.
Os funcionários do hotel eram educadíssimos e trataram tudo com normalidade, até mesmo o fato de dividirmos uma cama de casal.
Depois de comermos, fomos andar pela propriedade, num clima bem romântico.
- Obrigado por me obrigar a vir, eu estava mesmo precisando relaxar um pouco. - ele falou enquanto andávamos.
- Eu sabia que iria te fazer bem, aliás, vai fazer bem para nós dois.
- Uhum, esse friozinho das montanhas está me dando uma vontade de dormir agarradinho com você embaixo das cobertas...
- O quê? Você me tem embaixo das cobertas e vai querer só dormir? Cadê o fogo, meu Deus? - falei brincando.
- Ah, você quer fogo? - ele falou com uma cara bem safada. - Eu vou te mostrar o fogo!
Ele me puxou para longe da área das piscinas, que era iluminada. Fomos andando até chegarmos a um banquinho meio escondido pelas árvores.
Ele se sentou e me puxou para que eu caísse eu seu colo. Trocamos um beijo ardente compensando toda a distância que mantivemos durante o dia.
Ele parecia estar mesmo com muito fogo, pois me prensava contra seu pau e alisava minhas costas por dentro da camisa.
- Faz um carinho no seu amor, faz... - ele pediu baixinho no meu ouvido, me fazendo arrepiar.
- Você é louco, alguém pode nos ver... - falei sem nenhuma convicção e delirando de desejo.
- Ah, não seja mal, ninguém vem aqui.
Não resisti e fui descendo, beijando o seu corpo até ficar de joelhos na grama.
Abri um pouco seu short, fazendo seu pau saltar para fora. Eu fiquei provocando, dando beijinhos na sua virilha e no seu saco lisinho e durinho. E como estava cheiroso...
- Deixa de ser mal...
Ri e engoli seu pau de uma vez. Ele gemia baixinho com o rosto todo rosado, o que só me fazia ter mais tesão. Tirei meu pau para fora e comecei a me masturbar.
- Vou gozar. - ele anunciou.
Nunca tinha feito isso, mas que mal teria deixar ele gozar na minha boca?
Passei a chupar com mais vontade e ele logo entendeu, gemendo mais alto. Senti os jatos fortes batendo na minha garganta. Tinha um gosto diferente, meio doce, mas não ruim. Engoli tudo e logo gozei também ouvindo seu gemido de satisfação.
- Você se superou hoje... - ele falou ofegante.
- Faço o que posso.
Rimos e voltamos para nosso quarto. Dormimos agarradinhos e pelados embaixo das cobertas. Como tínhamos deitado cedo, acordamos cedo também. Uma leve neblina ainda cobria o hotel fazenda, deixando tudo mais gostoso. Tomamos um café da manhã reforçado, mas por gula mesmo diante de todos aqueles maravilhosos quitutes da culinária mineira.
Depois andamos a cavalo por todo o local. Ele nunca tinha montado, então tive que ensiná-lo, mas foi bem legal.
Depois de almoçarmos fomos passar um tempinho embaixo do Sol.
- Bê, você pensa sobre o futuro?
- Como assim?
- Uai, sobre o futuro, sobre como vai ser amanhã.
- Você diz em relação a nós dois?
- Também, mas estou perguntando no geral. Faculdade por exemplo, já estamos no terceiro ano... é hora de decidir.
- Eu estava pensando nisso ultimamente. Estou querendo tentar vestibular para direito.
- Direito? Sério? - ele pareceu surpreso.
- É, uai! Por que a surpresa?
- Sei lá, achei que você ia fazer música ou alguma coisa nesta área.
- Ah, não quero não. Pesquisei mais sobre o curso de música e só valeria a pena se eu escolhesse um instrumento, mas eu gosto mesmo é de cantar. Sem contar que não preciso de profissionalização para canto popular, só se fosse trabalhar como professor ou virar cantor de ópera.
- E por que direito?
- Não sei, acho que queria uma profissão mais pé no chão, sabe? E sempre me interessei por essa parte mais burocrática da vida.
- Seu plano não era ser cantor?
- Ainda é, mas eu não vou abrir mão de fazer uma faculdade em troca disso.
- Hum...
- E você, o que está pensando fazer?
- Música mesmo. Guitarra e violão. Quero me profissionalizar, fazer sucesso e esfregar isso na cara de todos que disseram que isso não é profissão.
- Você quer dizer seus pais?
- É, meus pais. - ele riu.
- E depois? Vai continuar a banda com os meninos?
- Acho difícil, assim que acabar o ano cada um vai para um lado. Vou ter que procurar outra banda.
- Bom, eu te convido a fazer parte da minha banda, então!
- Que banda? Você não tem banda.
- Mas um dia terei e vou precisar de um bom guitarrista. Ou você acha que eu ia virar cantor, sair em turnê e deixar meu lindo marido de olhos azuis por aqui à mercê das oportunistas?
- Marido é? - ele perguntou divertido.
- Lógico! Você acha que vou viver o resto da vida na clandestinidade com você? - respondi rindo.
- Ah, bom saber que você me inclui em seus planos para o futuro...
- E como haveria de ser diferente? Ficar longe de você me faz mal.
- Tão bom ouvir isso... - ele falou acariciando de leve minhas mãos. - Eu também fiz alguns planos para nós...
- É? Me conta?
- Bom, ano que vem, assim que eu fizer dezoito anos, vou comprar um apartamento para nós dois.
- M-morar juntos? - engasguei.
- É, uai, não gostou da ideia? - ele falou me olhando triste.
- Gostei, só não tinha parado para pensar nisso antes. Me separar da minha mãe e da minha tia...
- Ora, Bernardo, você não pode passar o resto da vida vivendo às custas da sua tia. Sua mãe também vai precisar de espaço. Já faz dois anos que ela se separou, deve sentir falta de se envolver com alguém.
Nem tinha parado para pensar nisso. Não que eu fosse um incômodo para as duas. Elas deixavam bem claro que eu não era, mas realmente uma hora eu teria que cortar esse cordão umbilical. Estava na hora mesmo de minha mãe voltar a viver.
- Sem contar que vai ser uma delícia acordar todo dia com você ao meu lado... - ele continuou e me olhou apaixonado. Não pude deixar de sorrir feliz.
- Vai ser ótimo.
- Não tenho dúvidas disso.
- E como você nos vê no futuro?
- Como? - ele pareceu pensativo. - Nós dois fazendo shows pelo mundo, juntinhos, numa eterna turnê. Lógico que passaríamos várias vezes por BH para dar um oi geral, mas na maior parte do tempo seria só nós dois e a música numa eterna lua de mel.
Ri feliz com sua visão do nosso futuro. O que ele imaginou era o que eu chamaria de felicidade. Um sonho, que com ele falando desse jeito, não parecia tão distante. Passamos o resto da tarde falando nossos sonhos para o futuro. E no nosso futuro, o mundo não era tão complicado. Éramos felizes e ponto. Sem um “mas”... simplesmente éramos felizes.
O resto do final de semana foi tranquilo; nadamos, jogamos vôlei e principalmente namoramos muito.
No domingo à tarde o Zeca nos buscou. Ele parecia inquieto e toda hora ficava me olhando. Eu sabia que lá vinha bomba, e estava certo.
- Bernardo, tenho uma proposta a te fazer?
- Sabia que você estava estranho, o que é?
- Bom, não é exatamente uma proposta, é mais um favor.
- Se eu puder ajudar...
- É que os pais de um amigo meu vão completar bodas de prata e estão querendo alguém que toque rock e MPB dos anos 70 e 80 na festa.
- Ah, Zeca, não sei, não... - falei meio indeciso.
- Vai ser legal, Bê, eles ainda vão te pagar por isso. Vai ser seu primeiro trabalho remunerado, que tal?
- Tenho que pensar.
- Eu preciso da resposta, ah, tipo, a festa é sábado.
- Sábado? Está muito em cima Zeca, não tem como.
- Ah, vai Bernardo, eu sei que você consegue.
- Não, Zeca. Eu teria muito pouco tempo para ensaiar, e para começar, nem tenho uma banda.
- Eu pensei em chamar o Felipe e banda dele para tocarem com você. O que acha, Lipe?
- Estou dentro! - gritou entusiasmado, meu namorado no banco de trás.
- De que lado você está? - perguntei indignado.
- Do seu, mesmo que você duvide. - ele respondeu sorrindo.
- Ok, ok, já vi que sou minoria. Vamos fazer o tal show.
- Eba! - gritaram os dois juntos, me fazendo rirE lá fomos nós fazer nosso primeiro show pago. Os meninos da banda do Felipe toparam sem precisarmos nem insistir. Durante a semana ensaiamos várias canções.
Carlos e Laura, o casal que estava completando vinte cinco anos de casados, eram ótimas pessoas. Eles se conheceram durante o movimento das Diretas Já, enquanto ainda eram universitários... uma linda história de amor.
No sábado, dia da festa, eu e Lipe fomos de carona com Zeca.
Bruno também foi. Era engraçado ver Bruno se controlando para não demonstrar algo a mais por Zeca, ao mesmo tempo que era lindo ver os olhares apaixonados de Zeca direcionados ao meu primo.
Até Lipe percebeu o clima e me perguntou baixinho depois que chegamos, mas desconversei porque não era segredo meu.
O lugar da festa era amplo e já tinha bastante gente. Estávamos bastante nervosos. Além de estarmos sendo pagos, o que exigia uma responsabilidade maior, era a primeira vez que tocávamos para um público totalmente desconhecido, ou seja, que não tinha qualquer obrigação de bater palmas só para nos agradar.
Nos posicionamos no palco e todos olharam para nós. O já usual friozinho na barriga estava lá também. Peguei o microfone e falei aos convidados:
- Aqui estamos! Não tem como nos apresentar porque nossa banda não tem nome.
Todos riram.
- Quero primeiro parabenizar o Carlos e a Laura. Não está fácil nem mesmo namorar nos dias hoje, imagina ficar casado por vinte cinco anos. - eles voltaram a rir. - Quando eles me contaram como se conheceram, no movimento das Diretas Já, achei interessantíssimo um grande amor surgir assim.
Bom, em homenagem a isso, quero começar tocando a música que foi o hino do movimento.
Os meninos começaram a tocar baixo, quase à capella. Fechei os olhos e deixei minha voz cumprir sua função:
"Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Tantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, plantas, sentimento
Folhas, coração, juventude e fé"
(Coração de Estudante – Milton Nascimento/ Wagner Tiso)
Todos nos aplaudiram aprovando nossa performance, inclusive dona Laura com lágrimas nos olhos, imagino eu, ao relembrar aqueles tempos.
Cantamos mais algumas músicas antes de dar espaço ao DJ que tocaria músicas para o pessoal dançar.
Seu Carlos insistiu e acabamos ficando para aproveitar a festa junto com todos.
- Isso aí garotos, está todo mundo falando bem de vocês! - falou Zeca nos cumprimentando.
- Valeu. - respondi tímido.
- Sério mesmo? Foi um máximo, né? - falou nosso baterista.
- Foi sim... - falou Felipe que ainda parecia em transe.
Recebemos um bom dinheiro pela apresentação e muitas pessoas vieram nos procurar para futuras apresentações. Fomos embora felizes da vida.
No carro, eu, Lipe, Zeca e Bruno continuávamos a comentar sobre o nosso show.
- Mas tudo graças ao meu Bernardo! - falou Lipe me abraçando.
- Eu?
- Claro! Deixa de modéstia. Todos nós somos músicos medianos, que seguram bem as pontas, você que é a grande estrela, que atrai todas as atenções e seduz o público.
- Ahh, nem é.
- É sim. - responderam Zeca e Bruno em uníssono.
- Então tá, né. - falei e rimos todos.
Já era de madrugada e estávamos todos cansados. Bruno, num ato falho, colocou a mão na perna de Zeca e tirou rápido percebendo o que fez, mas não tão rápido a ponto de passar despercebido para Felipe.
- Uai, desde quando vocês estão namorando?
- Hã? - os dois responderam juntos.
- Ai, para de fingir, está na cara.
- Err... - Zeca perdeu a fala.
- Você está louco, eu não sou gay... - contestou Bruno sem nenhuma firmeza na voz.
- Sabia que você estava mentindo para mim quando te perguntei se eles estavam juntos. - falou Lipe para mim. - Te conheço direitinho.
- Não era assunto meu, e sim deles.
Só depois que falei me dei conta da cagada: tinha acabado de tirar Bruno do armário ao mesmo tempo entregando que Zeca não guardou segredo sobre o namoro.
- Você contou para ele? - falou Bruno indignado.
- Bernardo! - Zeca ralhou comigo.
- Desculpa, falei sem pensar!
- Me desculpa, Bruno, eu tinha que desabafar com alguém.
- Eu não acredito que você traiu minha confiança.
O resto da viagem foi assim, Zeca se desculpando, Bruno negando o perdão, e eu e Lipe assistindo.
Ai, os corações dos estudantes. Tão fortes quando se trata dos seus sonhos, dos seus futuros e dos seus ideais, mas tão frágeis quando se trata de amor...
Depois daquela conversa no carro o clima entre Bruno e Zeca ficou bem ruim. Eu e Felipe nos sentimos muito culpados por causa disso e resolvemos fazer alguma coisa.
Assim que me sobrou um tempinho, apareci de surpresa no apartamento de Bruno. Ele, surpreso, não teve outra alternativa senão me deixar entrar.
- Se for para defender seu amigo, não precisa nem começar. Ele traiu minha confiança.
- Não estou aqui para conversar sobre o Zeca, vim para conversar sobre você.
- Sobre mim?
- Sim. Por que não me contou?
Ele me olhou intrigado com o rumo inesperado da conversa. Foi até a cozinha, pegou um copo de refrigerante, me entregou e sentou junto a mim no sofá.
- Não sei, acho que foi medo da informação vazar.
- Não sou esse tipo de gente, sei guardar segredo. Assim você até me ofende.
- Não me entenda mal, Bernardo. É como... se ao contar para mais alguém a coisa realmente se tornasse real... - ele confessou com certa dificuldade.
- Ah, então é isso...
- Isso o quê?
- Você ainda não se aceitou, acha que ser gay é errado.
- E é certo por acaso? - ele perguntou com uma cara de deboche.
Respirei fundo, lembrando do meu objetivo de ajudar os dois e continuei.
- Quando começou?
- Meu rolo com o Zeca?
- Não. Quando você percebeu que era gay?
- Não sei, acho que sempre fui. Não gostava de esporte, preferia brincadeiras femininas, etc.
- E quando a coisa começou a se tornar mais sexual, digamos assim?
- Acho que na minha adolescência. Passei a olhar meus colegas com outros olhos. Foi muito difícil, mas resisti e nunca tive nada com eles. Não queria ter nascido assim.
- Essas coisas a gente não escolhe.
- Deveria, por que a gente é assim?
- Não sei, e acho que ninguém tem a resposta para essa pergunta. E quando foi sua primeira vez?
- Na França, quando eu já tinha 19 anos.
- Poxa, esperou bastante, hein? - brinquei e ele riu sem graça.
- Eu sei, é que aqui eu travava, morria de medo de alguém descobrir.
- E com quem foi essa primeira vez?
- Um colega de faculdade. Chamava-se Jean-Luc. Me apaixonei perdidamente por ele...
- E o que aconteceu?
Sua expressão ficou triste e ele respondeu com a cabeça abaixada.
- Ele sempre fez pressão para vir ao Brasil conhecer minha família e eu sempre me esquivei. Então, ano passado, quando acabei meu curso por lá, tive que voltar para cá e terminei com ele.
Ele queria vir comigo para vivermos juntos. Foram três ótimos anos de namoro...
- O quê? Eu não acredito que você abandonou o carinha porque tinha medo da reação dos outros! - falei meio indignado com sua covardia - Viver pelo que os outros julgam ser o certo não é viver, Bruno, é apenas sobreviver.
- Não me julgue, você não conhece meu pai como eu.
- Mas conheço muito bem o meu. E não me arrependo de ter tido que me separar dele para ser feliz com Lipe.
- E você por acaso escolheu? Sinceramente, se tivessem te dado a opção, você teria se assumido e fugido para cá?
Claro que não. Nesse ponto ele estava certo, eu não podia julgá-lo. Acho que todos estamos fadados a viver no armário. Poucos são corajosos para sair de lá, e mais raro ainda são aqueles que fazem por si mesmos sem precisar de um empurrãzinho de ninguém.
- Ok, ok, você está certo, eu não posso julgar, mas reflita bem sobre isso, Bruno. Você vai abrir mão da sua felicidade pela dos outros? Isso é loucura. Você realmente quer envelhecer casado com uma mentira, olhar para trás e se arrepender de ter deixado escapar a chance de ser feliz? A vida está te dando uma rara segunda chance de ser feliz no amor, não a desperdice.
Ele olhou para mim parecendo refletir sobre o que eu tinha dito. Pelo menos isso; ele ainda tinha a cabeça aberta para questionar o modo de vida que escolheu para viver.
- Eu não sei, Bernardo...
- Não precisa ter pressa, ninguém está te obrigando a nada. Só quero te pedir duas coisas.
- Quais?
- Primeira, lembre-se sempre que, além de seu primo, sou seu amigo. Sempre que você tiver um problema pode vir até mim que vou te ajudar até onde puder. Não dá para ficar carregando o mundo nas costas sozinho.
Ele riu e concordou com a cabeça.
- Certo, eu prometo te pedir ajuda se precisar.
- E nunca mais me esconder uma coisa desta.
- E nunca mais te esconder uma coisa desta. - ele repetiu concordando. - E a segunda coisa que você tem para me pedir?
- Dê uma chance ao Zeca, ele não fez por mal.
- Bernardo...
- Ele só queria te ajudar e me contou procurando por conselhos. Ele te ama e se preocupa demais com você.
- Ok... - ele se deu por vencido. - Eu concordo em conversar com ele para resolvermos nossa situação.
- Ótimo!
No mesmo dia os dois se reencontraram e fizeram as pazes. Zeca prometeu nunca mais trair a confiança de Bruno, e Bruno prometeu se assumir, ao menos para a família, mas sem data definida para isso. Era um começo.
Que viado chato, e fofoqueiro esse protagonista