- É gay. - Revelei prestando atenção em quem ela falava.
- Para com isso, Bernardo. - Ela falou. - Que mania vocês têm de acharem que todo ator é gay.
- Nem todo ator é gay, mas esse é. Eu te garanto. - Falei frisando a última parte.
Ela, Vítor e Rafinha me olharam surpresos.
- O quê? Vocês achavam o quê? Que eu me mantive casto por todos esses anos?
Rafinha e tia Rosa começaram a rir, mas Vítor fez cara de bravo.
- E com quem mais o senhor andou se deitando? - Ele perguntou.
- Se quiser mesmo saber, é bom reservar um espaço maior na sua agenda porque a lista é longa...
Ele não aguentou por muito tempo e acabou rindo também.
Antes de ir dormir, ficamos namorando um pouquinho no quarto dele, mas sem tocarmos naquele assunto de novo.
Já devia ser tarde quando fui para o quarto de Rafinha, mas este ainda estava no computador.
Quando entrei ele largou tudo e veio para perto de mim.
- Ainda acordado?
- Claro, como a gente dorme com vocês gemendo no quarto ao lado?
- Que mentira! Nem estávamos fazendo nada demais. - Respondi rindo.
- Brincadeira. Já fiz sua cama.
Me deitei na cama e fiquei olhando para o teto pensando em como seriam as coisas daqui para frente com Vítor.
Nossos problemas começavam pelo fato de eu estar sempre viajando e ele trabalhar em Morro Velho, onde o aeroporto mais próximo estava a quase 300 quilômetros de distância.
Sem contar que ele sempre foi uma pessoa extremamente discreta e avessa a qualquer tipo de exposição, o que contrastava com a minha fama.
Eu precisava conversar com ele para tentarmos chegar a um acordo.
- No que você está pensando? - Perguntou Rafinha.
Mergulhado em pensamentos, nem vi quando ele se deitou na cama ao lado. Estava peladinho e todo cheiroso. Lindo demais.
- No meu namoro com seu irmão...
- Não vai me dizer que vocês já estão brigando? Não estão juntos nem há uma semana!
- Pois é, mas não brigamos não. Estou pensando sobre um assunto que pode vir a virar uma grande briga.
- O que é?
- Minha carreira. Ela faz a minha vida ser incompatível com a do seu irmão.
- Não acho...
- Claro que é. Você conhece ele muito bem. Não gosta nem de tirar foto, quanto mais de aparecer em capa de revista. Sem contar que seria egoísta da minha parte pedir para ele largar o emprego depois dele ter estudado tanto para chegar aonde chegou.
- Mas vocês não podem dar um jeito nisso?
- Como? Eu no Rio de Janeiro e ele aqui em Morro Velho?
- Namoros à distância dão certo às vezes.
- Dão certo quando um vai passar pouco tempo fora. Se aceitássemos, estaríamos separados por um tempo indeterminado. Eu raramente tiro folgas. Nos veríamos em intervalos de três ou quatro meses pelo resto da vida? Não acho que isso daria certo. - Falei triste desabafando tudo aquilo que eu vinha pensando.
- E como vocês vão fazer então? Se separar depois dessa verdadeira via-crúcis para ficarem juntos?
- Ainda não sei. Tenho que conversar com ele.
- Bom, desejo a vocês toda a sorte do mundo, mas agora trate de dormir porque você vai ter um dia cheio amanhã. - Ele falou mudando de assunto por ver que aquele não estava me fazendo bem.
- Vou?
- Vai. Quando voltar pra casa da sua avó, vai ter uma multidão de repórteres te esperando.
- Nem me lembre!
Rafinha me olhou com pena e fez uma pergunta que estava pairando no ar, mas nós dois temíamos.
- Bernardo, você acha possível o Vítor te deixar por causa da fama?
- Não sei, espero que não. Torço para que o nosso amor seja maior que isso. Mas se acontecer, vou ter que seguir em frente. Me aposentar aos vinte e três anos de idade não é uma opção.
Acho que para me distrair e afastar os pensamentos ruins da minha cabeça, Rafinha começou a cantar de modo debochado:
"Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz."
(A História de Lily Braun – Chico Buarque/Edu Lobo)
- Cala a boca, vai dormir! - Falei jogando o travesseiro nele, que ria de perder o fôlego.
- Tá bom. Boa noite, Bernardo! Eu te amo!
- Também te amo, menino lindo do meu coração. Meu amigo especial.
Ele se levantou, veio até mim e me beijou no rosto. Estava chorando.
Fiz carinho nele e o coloquei na cama.
Mas ele levantou de novo e trancou a porta. Depois correu para minha cama e se deitou comigo me abraçando.
Ele estava pelado. Lindo, branquinho e cheiroso como sempre. Era impossível não reparar nele...
- Te amo de verdade - E me deu um selinho.
- Também te amo, Rafinha - Retribuí.
- Você é o meu único amigo de verdade. Desde sempre e para sempre!
Ele se aninhou em mim e apagou de uma vez. Dormia feito um anjinhoNo outro dia eu e Vítor pegamos a estradinha de volta para Morro Velho no meio da manhã. Eu queria enfrentar aquilo sozinho, mas ele fez questão de ir comigo.
- A gente precisa conversar. - Falei sem tirar os olhos da estrada.
- Eu sei, mas não agora. - Ele falou sem me olhar também.
- Quando?
- Semana que vem. Vamos pelo menos passar o natal em paz.
- Certo.
Talvez fosse melhor mesmo. Assim dava tempo para nós dois irmos pensando na nossa situação. Chegamos em frente à casa da minha avó e uma pequena multidão de repórteres já nos esperava.
Eles vieram correndo na nossa direção e cercaram o carro.
- Tem certeza que quer ir? - Perguntei a Vítor.
- Sim. - Ele respondeu forçando um sorriso.
Saí do carro e, junto com Vítor, fui forçando um caminho entre eles que faziam mil perguntas ao mesmo tempo.
Com dificuldade conseguimos chegar até a varanda da casa da minha avó. Zeca, minha mãe, Bruno e vovó logo apareceram também. Virei para os repórteres e pedi silêncio. Quando consegui, comecei a falar.
- Tudo o que foi falado é sim verdade, infelizmente.
Mas eu não tenho mágoas sobre o que aconteceu.
Prova disso é que eu estou aqui hoje, de volta a Morro Velho. Já perdoei as pessoas que me fizeram mal e as que eu feri me perdoaram também.
Hoje posso dizer que estou extremamente feliz de estar reunido com minha família e as pessoas que eu amo. - Falei olhando discretamente para Vítor, que estava ao meu lado. - Agora eu sugiro a vocês que voltem para casa e curtam o natal com suas famílias porque não responderei a mais nenhuma pergunta. Essa foi a primeira e última vez que falei sobre esse assunto em público.
Tenham um bom dia e um feliz natal.
Ainda sob uma intensa chuva de perguntas e flashes fotográficos, entrei na casa da minha avó. Aos poucos os repórteres foram indo embora quando perceberam que eu falava sério em não responder mais nenhuma pergunta. Quando a noite chegou, não tinha mais nenhum deles.
Nós todos jantamos em paz e Vítor dormiu comigo no meu quarto. Apesar do clima festivo na mesa, eu e Vítor sabíamos que entre nós tinha se aberto um abismo enorme que nenhum de nós dois estava disposto a saltar.
Eu não deixaria a minha vida, nem ele a dele.
Eu começava a visualizar que em breve eu teria que escolher: Vítor ou a música?
Eu poderia viver feliz apenas cantando?
Ou numa outra profissão qualquer ao lado de Vítor?
Qualquer que fosse minha opção, eu conseguiria ser feliz com ela?
Acho que no fundo eu tinha medo de perder tudo. Eu tinha medo de acabar como Lily Braun, sem romance, sem cinema e sem drinques no dancing.
“Rafinha era mesmo fora de série!”
Acordei cedo no dia seguinte, que já era antevéspera de natal. Vítor ainda respirava forte no meu pescoço. Havíamos dormido com ele me abraçando por trás. Era tão boa aquela sensação de proteção que ele me passava. Sorri simplesmente por estar feliz.
Quase me permiti dormir novamente tamanho era o conforto que eu sentia, mas levantei alarmado quando me lembrei que não havia comprado o presente de natal dele.
Eu não esperava ficar tão próximo dele ao voltar para Morro Velho, então havia trazido apenas presentes para a minha família e Rafinha, é claro.
- O que foi? - Ele perguntou com voz de sono.
- Nada, só estou com fome, pode voltar a dormir.
- Uhum... - E voltou a dormir.
Coloquei uma roupa qualquer, saí do quarto e telefonei para Rafinha.
- Alô? - Ele perguntou com voz de sono.
- Preciso da sua ajuda!
- Quem é?
- Sou eu, Bernardo, não está me reconhecendo mais?
- Meu cérebro só funciona depois das dez da manhã.
- Deixa de ser preguiçoso, já são mais de sete.
- O que você quer?
- Preciso comprar um presente para o seu irmão.
- E onde eu entro nisso?
- Quem conhece ele melhor e poderia me ajudar a escolher?
- Mariana.
- Ótimo, seu bom humor está de volta, você vai precisar dele para a viagem.
- Que viagem?
- Vamos comprar em Belo Horizonte.
- O quê? Mas são duas horas para ir e mais duas para voltar.
- Por isso estamos indo cedo.
- Não pode ser aqui mesmo? O shopping novo tem bastante coisa.
- Não, além do mais preciso encontrar com uma amiga. Vamos ou não?
- Vamos.
- Ótimo, te pego daqui meia hora, seja rápido e avise seus pais.
- Ok, ok.
Tomei um banho rápido, coloquei uma roupa mais apresentável e desci para tomar café da manhã.
Só minha avó já estava acordada. Tomamos café juntos, pedi para ela avisar todos sobre meu paradeiro, peguei o carro e fui em direção à fazenda do Cercadinho. Entrei rapidamente para cumprimentar tia Rosa e comecei a viagem com Rafinha, que ainda estava com cara de sono.
Passamos todo o tempo ouvindo música e conversando sobre o assunto, sobre mim e sobre nossas vidas, fazendo da viagem algo bem divertido. Rafinha me entendia de um jeito que parecia que éramos um só.
Chegamos a Belo Horizonte por volta de onze da manhã.
Rafinha havia me dado a dica de dar um relógio para Vítor, pois ele adorava. Indo contra toda a lógica, fomos a um shopping. Nossa sorte é que ainda estava vazio por causa do horário. Em outro horário o combo fama mais escândalo recente mais shopping, dias antes do natal, me causaria sérios problemas.
Comprei um relógio muito elegante para ele numa joalheria, mas quando estava saindo da loja uma coisa me chamou a atenção. Um singelo par de alianças de ouro branco fosco. Elas não tinham detalhes nem desenhos, eram simples e bonitas.
Meus olhos brilharam e Rafinha percebeu.
- Acho que você devia comprar.
- Você acha?
- Está na hora de oficializar, né?
Seguindo seu conselho, comprei o par de alianças que vieram numa elegante caixinha preta.
Resolvida a primeira pendência, liguei para Renata e Pedro nos encontrarem num restaurante da zona sul da cidade. Eu não os via desde a última vez que fiz um show em Belo Horizonte e os dois estavam preocupados com meu estado de saúde depois do acidente.
Aproveitei para contar para eles todos os últimos acontecimentos da minha vida, além de trocar presentes de natal antecipadamente, já que passaríamos a data bem longe uns dos outros.
- Bom, minha gente, está tudo muito bom, mas preciso ir. - Falou Pedro se levantando.
- Já?
- Vida de engenheiro não é fácil.
- Mas hoje é domingo.
- Explica isso para o meu chefe.
- Mas seu chefe é seu pai!
- Eu sei! - Respondeu rindo.
Ele fez que ia tirar a carteira para pagar, mas me adiantei falando que eu pagaria já que tinha convidado. Ele bufou, mas aceitou.
Renata, com quem já tinha falado na noite anterior, foi logo me perguntando:
- Então, qual o motivo de você querer me ver com tanta urgência?
Rafinha observava atento.
- Preciso de um favor seu.
- Com todo prazer, como posso ajudar?
- Como jornalista você tem acesso a várias informações, certo?
- Sim.
- Então, não sei se isso vai dar em algo, mas quero que você reúna todas as informações possíveis sobre uma pessoa para mim.
- Quem?
- Mariana Queiroz de Azevedo.
Rafinha até engasgou com o seu refrigerante.
- Essa não é... - Renata começou.
- Sim, é ela mesma.
- Por que você quer informações dela? - Perguntou Renata.
- Ela não vai deixar Bernardo e meu irmão em paz nunca, a gente precisa de alguma coisa para ameaçá-la e calar a bocona dela.
Aquele menino era incrível mesmo!
- Vítor comentou que ela sempre vem a BH visitar a família, só que na época em que eu namorava Felipe ela só deve ter vindo mesmo umas duas ou três vezes. Ela está escondendo alguma coisa. Pode não ser nada, mas é minha única chance.
Os dois me olharam desconfiando da funcionalidade do meu plano, mas pareceram aceitar.
- Tem certeza? - Perguntou minha amiga.
- Sim, se não for muito incômodo.
- Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance
- Obrigado.
Saímos do restaurante e fomos até o cemitério da Colina. Fui conversar um pouco com Felipe.
Rafinha quis ir ao túmulo dele comigo e também conversou com ele. Ficamos nós dois abraçados e contando a ele sobre os acontecimentos.
Rafinha contou que fez um show comigo no restaurante do meu pai e quando percebi ele estava chorando.
O abracei mais forte ainda e depois nos despedimos de Felipe. Nós dois deixamos rosas para ele.
Saindo do cemitério com Rafinha, passei em frente a uma banca de revistas.
Meus olhos foram atraídos por uma foto minha na capa de um jornal e eu comprei um exemplar sem nem ler a manchete. Era um dos maiores jornais do estado e eu estava na capa. Eu já podia imaginar o assunto da reportagem.
“O DRAMA DE BERNARDO: a história de tragédias que o cantor sempre escondeu do público.”
Entrei no carro e joguei o jornal para Rafinha.
- Vai lendo pra mim enquanto eu dirijo?
- Tem certeza?
- Absoluta.
Ele foi lendo a matéria para mim.
Pelo visto eles tinham investigado toda a minha vida em Morro Velho e Belo Horizonte em três dias.
As partes que eles não conseguiram descobrir, taparam com invenções. Eu mal me lembrava das pessoas que prestaram depoimentos. Eram colegas de escola com quem eu mal falava na época que juravam me ver sempre chorando pelos cantos da escola ou uma antiga professora do ensino fundamental que dizia sempre ter estranhado minha relação com Vítor. A vida de Vítor também foi bastante dissecada. Na reportagem constava que Mariana não falaria sobre o assunto porque ainda estava emocionalmente abalada pelo recente fim do seu noivado.
- Idiotas. - Comentei quando Rafinha acabou de ler.
- Você vai processar eles pelas mentiras?
- Não vou perder meu tempo com isso. Além do mais, só daria mais audiência para o caso. Se eu deixar quieto em duas ou três semanas ninguém estará lembrando mais da história.
- Nada disso pode te atingir, pode?
- A mim não, mas quanto ao seu irmão eu não sei. Ele nunca gostou de se expor, quanto mais ser capa de jornal.
- Como você acha que ele vai reagir?
- Vai ficar mal, mas não vai falar nada comigo. Vai preferir esperar o natal, como combinamos de fazerComo previ, Vítor nada disse sobre a reportagem, mas eu tinha certeza que ele tinha lido. Toda a cidade estava comentando o assunto quando voltamos.
Zeca já foi se oferecendo para começar a processar o jornal, mas eu tirei a ideia da sua cabeça.
Segundo ele vários meios de comunicação entraram em contato querendo declarações minhas, mas recusei todas porque, como já havia dito, não falaria mais daquele assunto em público. Além do mais, era natal.
Eu queria paz nessa data que pela primeira vez em muito tempo eu passaria com meu pai e minha avó.
Eu estava muito nervoso quanto à resposta do meu pai sobre minha sexualidade. Eu tinha dado para ele o prazo até o natal e esse prazo estava acabando.
Não nos falávamos há uma semana e eu esperava que ele tivesse usado este tempo para refletir sobre o assunto.
Agora que tudo caminhava bem para mim, eu não queria continuar afastado dele. Queria que ele voltasse a fazer parte da minha família e da minha vida.
Resolvemos juntar as famílias para a ceia do dia vinte e quatro.
Seríamos eu, Vítor, seus pais, Rafinha, minha avó, Zeca, Bruno e meus pais.
Durante o dia, as três mulheres se juntaram na cozinha e não deixaram ninguém se intrometer, mas toda hora pedindo para Rafinha ir ao mercado comprar alguma coisa que faltava.
Meu pai e tio Alfredo trabalhariam até mais tarde e só se encontrariam com a gente à noite.
Zeca foi com Bruno fazer uma última tentativa de contato com seus pais; tentativa essa que eu seria informado mais tarde que não tinha funcionado.
Vítor apareceu na casa da minha avó com uma surpresa: ele conseguiu achar, no meio de um monte de tralha, seu antigo videogame no qual jogávamos juntos com bastante frequência quando eu morava em Morro Velho.
- Como você conseguiu achar isso? - Perguntei surpreso.
- Tive muito tempo já que você me abandonou ontem. - Falou se fingindo de magoado.
- Deixa de drama, eu fui comprar seu presente.
- Você foi bobo, não precisava.
- Lógico que precisava. Agora vamos jogar porque estou te devendo uma surra de sete anos.
- Bem que você podia me dar um outro tipo de surra... - Ele falou maliciosamente beijando meu pescoço.
- Você está louco? Minha avó, minha mãe e a sua estão no andar de baixo.
- Sem problemas, eu tranquei a porta.
- Safado!
- Não; precavido. - Respondeu rindo.
Peguei as camisinhas e transamos ali mesmo no chão do quarto, mas sempre tomando o cuidado para não fazer muito barulho.
Era incrível como conseguíamos esquecer todos os nossos problemas quando estávamos juntos. Acho que isso se devia à nossa saudade um do outro e o medo de nos perdemos de novo.
Ou talvez, por sabermos que a possibilidade de nos afastarmos existia, nos amávamos como se aquela fosse a última vez e vivíamos intensamente cada momento juntos.
Essa era a receita da nossa felicidade e razão de não termos continuado aquela discussão sobre o futuro. Depois do sexo, ainda tivemos forças para jogarmos um pouco de videogame. Parecíamos duas crianças, de cueca, sentados no chão e gritando com personagens de gráficos há muito ultrapassados.
Quando a noite chegou, nos vestimos elegantemente porque a ocasião pedia, mas um tanto quanto confortáveis já que éramos todos de casa. Descemos e a mesa já estava fartamente posta com frutas, carnes, sobremesas e bebidas.
Aquelas três tinham trabalhado duro.
A campainha tocou e eu fui abrir. Eram Zeca, Bruno e meu pai. Esse último nem bem entrou e me deu um abraço muito apertado. Me emocionei com seu carinho e os outros nos deixaram a sós.
- Isso é minha resposta? - Perguntei segurando para não chorar.
- Pode apostar.
Apertei ele ainda mais no meu abraço e demorou para nos soltarmos. Finalmente eu me sentia completo.
Eu esperei tanto por aquele momento. Meu pai era a última peça que faltava para ser encaixada no quebra-cabeças que representava minha vida. Acho que agora sim eu podia afirmar que estava feliz.
Só me faltava a certeza de que seria assim para sempre.
Tia Rosa e tio Alfredo chegaram um pouco depois trazendo Rafinha.
Todos nos sentamos à mesa e nos divertimos muito conversando. Estávamos todos em paz ali, como uma família feliz que há muito não se reunia.
Devemos ter passado três horas sentados ali rindo e contando histórias. De vez em quando, por impulso, Vítor pousava sua mão em cima da minha sobre a mesa. Meu pai e tio Alfredo olhavam, mas rapidamente desviavam o olhar e continuavam conversando sem parecerem estar incomodados com aquilo.
Foi o sinal que eu precisava para saber que os dois aprovavam meu namoro com Vítor.
Ri, mas não por achar aquilo engraçado e sim pela mais pura felicidade. Eu nem me lembrava da última vez que tinha me sentido tão bem quanto naquele momento.
Num dado momento, tio Alfredo ergueu sua taça propondo um brinde:
- Hoje celebramos a união de nossas famílias que, de um certo modo, sempre estiveram unidas. Que os laços que uniram nossos jovens sejam eternos e a paz reine nessa nossa grande e feliz família.
Todos erguemos os copos apoiando o brinde. Minha felicidade e a de Vítor com aquele discurso era visível para qualquer um. Meu pai, vendo aquilo, também se sentiu na obrigação de fazer um brinde e todos paramos para ouvi-lo.
- Para mim, essa noite é só o começo do pedido de desculpas à minha família. Deus já foi tão bondoso comigo abrindo meus olhos para o fato de estar deixando escapar minha família novamente e me permitindo tentar recuperá-la, que agora eu só lhe peço uma nova chance para fazer tudo certo. E que esse seja o primeiro de muitos natais que passaremos juntos.
Novamente erguemos as taças em comemoração.
Meus olhos estavam marejados pela tardia aceitação do meu pai. Mais emocionado que eu, talvez só a minha mãe. Ela vinha evitando se aproximar do meu pai desde que chegamos, certamente com medo de uma recaída. Ela temia voltar a se envolver com ele e descobrir que seus defeitos estavam lá. Mas aquele seu discurso tinha mudado tudo. Ele tinha mudado. O caminho para a reconciliação dos dois estava aberto.
Tudo estava dando tão certo, que eu não podia perder aquela oportunidade. Pedi a atenção de todos e quando olharam para mim, peguei a mão de Vítor e comecei a lhe falar, porém alto o bastante para todos ouvirem:
- Olha, sem dúvidas temos muitas coisas para resolver antes do nosso final feliz, mas nós vamos conseguir vencer todas essas barreiras, sabe por quê? Porque nos gostamos o bastante para isso. - Vítor me olhava com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso imenso no rosto. - Agora que tivemos a aceitação da nossa família acho que é o momento para oficializarmos nosso namoro.
Fiz um sinal e Rafinha atirou para mim a caixinhas com as alianças. Tinha pedido para ele guardar com medo de Vítor descobri-las.
Abri a caixinha, peguei uma das alianças e, olhando direto para os olhos verdes do meu amor, perguntei:
- Vítor, aceita namorar comigo?
- Sim. - Ele respondeu com a voz rouca, como se estivesse segurando a emoção.
Coloquei a aliança em seu dedo e ele fez o mesmo em mim.
Todos na mesa aplaudiram e gritaram vivas. Eles estavam felizes por nós porque nos amavam de verdade.
Demos um selinho carinhoso. Um beijão de cinema não cabia na ocasião; chegava a ser um desrespeito com os outros.
Passamos o resto da noite naquele clima bobo de adolescentes apaixonados.
Quando o relógio badalou avisando que tinha dado meia-noite, todos nós nos levantamos e nos abraçamos desejando feliz natal.
Vovó chegou no meu ouvido e me fez um pedido sem ninguém perceber. Ri e, atendendo ao seu pedido, comecei a cantar fazendo todos se calarem para ouvir:
Silent night, holy night
All is calm, all is bright
Round your Virgin Mother and Child
Holy Infant so tender and mild
Sleep in heavenly peace
Sleep in heavenly peace
Silent night, holy night
Shepherds quake at the sight
Glories stream from heaven afar
Heavenly hosts sing alleluia
Christ, the Saviour is born
Christ, the Saviour is born
Silent night, holy night
All is calm, all is bright
Round your Virgin Mother and Child
Holy Infant so tender and mild
Sleep in heavenly peace
Sleep in heavenly peace
(Silent night - Josef Mohr/ Franz Xaver Gruber)
Todos aplaudiram e elogiaram. Depois fomos abrindo os presentes.
O mais animado, sem dúvida, era Rafinha, que pulava com sua guitarra novinha de um lado para o outro da sala. Era uma guitarra Gibson, das melhores do mundo e estava completa, com a caixa, pedais e tudo mais.
Ele me abraçou chorando e me encheu de beijos. Seu rostinho estava todo vermelho, molhado de lágrimas. O menino não conseguia se conter de tanta alegria. Não me largava por nada e só dizia que me amava demais.
Ele merecia todo o carinho do mundo.
Vítor adorou o relógio e me deu um elegante conjunto de calça e camisa, que eu adorei de verdade. Ficaram demais em mim.
Foi uma das noites mais felizes da minha vida.
Vítor dormiu comigo aquela noite, mas não fizemos sexo. Nós nos satisfizemos apenas com a presença um do outro. Dormimos abraçados para nos proteger do frio que a chuva fina trouxe.
Eu tinha todos os motivos do mundo para estar feliz e mais um: antes de dormir, vi pela janela do quarto minha mãe se despedir do meu pai na rua com um demorado beijo na bochecha.
Todos nós estávamos em paz. Minha vida estava em paz. Lógico que eu e Vítor tínhamos algumas questões para discutir, mas nem isso apagou o brilho daquela noite, a nossa noite feliz.
Acordamos bem tarde no dia seguinte, o natal propriamente dito. Eu gostei de acordar aninhado nos braços de Vítor e até fiquei com medo daquilo se acabar em breve.
Chegava o momento que teríamos que conversar de verdade.
Por insistência dos seus pais, acabamos indo almoçar na fazenda e de lá fomos para a piscina com Rafinha.
- Rafael, que mania essa sua de ficar pelado na piscina?
- Uai! Eu posso. Sou o mais bonito e o mais gatinho aqui.
- Mas temos visita, não está vendo?
- Ah! Para com show, Vítor! O Bê já me viu pelado um montão de vezes e eu nem ligo e ele também não.
- Deixa meu amigo, Vítor! Ele pode ficar como quiser comigo. E não precisa ter ciúmes...
Ficamos curtindo a piscina que estava uma delícia.
- E o seu show no réveillon? - perguntou Rafinha quando já estávamos na beirada descansando um pouco. - Já vi o povo montando o palco na praça central.
- Pois é, o pessoal que trabalha comigo vai chegar amanhã para começarmos a ensaiar e escolher o repertório.
- Não está muito em cima, não?
- Fazer o quê? A prefeita pediu em cima da hora e eu não ia arrastar todo mundo para cá no natal os privando de estarem com suas famílias. Em compensação vamos trabalhar dobrado agora. Zeca e Bruno já estão lá trabalhando; um supervisionando a chegada dos equipamentos e o outro fazendo reservas para o pessoal da banda no hotel.
- Vai dar tempo de fazer tudo?
- Vai. É sempre essa correria, mas no final tudo acaba bem.
Percebi que Vítor estava calado próximo a nós e tinha o olhar perdido. Eu já havia percebido que aquele assunto, meu trabalho, o chateava.
Aquilo me deixava triste, afinal aquilo era parte de mim, uma coisa que eu amava fazer e não conseguia me ver fazendo outra coisa.
Rafinha percebeu o clima entre a gente; me deu um abraço apertado, um beijo e saiu da piscina prevendo que precisávamos conversar.
Me aproximei de Vítor e o abracei por trás. Ele deixou a cabeça cair para trás se aninhando entre meu pescoço e meu ombro.
- Como vai ser daqui pra frente, Bernardo? - Ele me perguntou triste.
- Não sei. Estou tentando achar uma solução para isso, mas não estou conseguindo ver um meio termo.
- Eu também não.
Ficamos em silêncio sem sabermos o que dizer. Era aquele o fim do nosso namoro? Será que lutamos tanto para dar em nada? Será que não havia um jeito de sermos felizes juntos?
- Não tem como você deixar essa vida?
Eu já esperava uma pergunta como aquela, então tive muito tempo para formular uma resposta.
- Não. Não consigo me imaginar fazendo outra coisa que não seja cantar. Em alguns casos namoros à distância funcionam.
- Funcionam quando há uma data para o outro retornar. Com a gente é diferente. Nenhum de nós dois vai abandonar sua vida numa determinada data.
- Eu sei...
- É por causa do dinheiro?
Aquela pergunta chegou a ser ofensiva, mas decidi relevar porque ele não se deu conta daquilo. Mesmo assim não consegui segurar o tom agressivo da minha resposta.
- Lógico que não! - tentei amenizar o tom quando percebi que ele se assustou. - Não é por dinheiro. Aliás, nem ganho tanto dinheiro assim cantando. A maior parte da minha renda vem dos lucros da empresa que minha tia, Zeca e Bruno administram e da qual eu sou dono. Aí sim é que eu ganho muito dinheiro. Muito mesmo. Mas isso está como uma consequência do meu trabalho.
- Então por que você canta?
Nessa hora nós já conversávamos frente a frente, ainda dentro da piscina. Desviei meu olhar dele como se não acreditasse naquela pergunta. Os rumos daquela conversa estavam me tirando do sério.
- Porque eu não quero fazer outra coisa na vida! Cantar é tudo pra mim! Foi a música que me salvou diversas vezes de cair na depressão porque, acredite, motivos para isso acontecer não faltaram. Cantar para mim é muito mais do que uma profissão, cantar é quem eu sou.
- Mas... - Ele tentou protestar, mas eu o interrompi.
- Eu não canto para viver, eu vivo para cantar, entendeu?
Ele me olhava sem emoção no rosto. Eu estava me controlando ao máximo, mas aquela conversa já tinha me tirado do sério.
- E o que eu sou para você? - Ele perguntou me olhando profundamente com aqueles seus perturbadores olhos verdes.
Era uma pergunta injusta. Nas estrelinhas ele estava me perguntando quem valia mais, ele ou minha profissão. Eu estava gostando dele sim, sem dúvida nenhuma, mas não cantar não era uma opção.
- Você é o meu amor agora, Vítor! E só por isso que eu estou aqui te explicando isso. Se fosse com qualquer outro eu já teria saído da piscina e te deixado falando sozinho. Se você me ama de verdade, não me faça escolher entre você e a música. - Falei quase chorando.
- Então como vai ser, Bernardo? Você não pode ter os dois! Você vai ter que escolher. Odeio te colocar contra a parede assim, mas não existe um meio termo. – E ele começava a se alterar também.
- E se você viesse comigo para o Rio de Janeiro? - Falei com a esperança de achar uma solução para aquele conflito, mesmo sabendo que ele mudar daquele jeito sua vida não era uma opção. - Eu teria que passar os fins de semana fora fazendo shows, mas durante a semana nos veríamos normalmente.
Ele riu sem graça. Como eu já havia dito, aquela não era uma opção para ele.
- E viver no seu “mundinho”? - Falou irônico fazendo o sinal de aspas com o dedo. - Sem chance! Isso não é para mim. Além do mais, o meu trabalho é aqui. Como eu sobreviveria lá?
- Bom, eu ganho o suficiente para... - Comecei a falar e logo percebi que foi um erro.
- Eu nunca aceitaria ser sustentado por você! - Ele falou agressivamente.
O que começou como um conversa cautelosa já tinha se transformado numa briga feroz.
- Qual é o problema nisso?
- Eu não sou um dos seus michêzinhos!
- Você está me ofendendo! - Falei gritando também.
- E você acha que não me ofende se oferecendo para me sustentar?
- E não é o mesmo que você propôs para mim, caso eu largasse a música?
- Não, eu nunca disse isso!
- Então qual seria seu brilhante plano se eu largasse minha carreira?
- Você me disse que nunca terminou sua faculdade de direito, talvez fosse a hora para isso. Depois você poderia se concentrar nisso e arranjar uma profissão de verdade!
Pela sua expressão eu pude notar que ele se arrependeu no momento em que aquela barbaridade saiu da sua boca. Uma profissão de verdade! Com toda aquela discussão eu ainda não tinha conseguido ver um problema ainda maior por trás: ele não reconhecia minha profissão.
Para ele nunca foi um trabalho de verdade. De todas as coisas que ele poderia ter me falado, aquela foi a pior. Na minha visão, significava que ele não me respeitava.
- Como assim uma “profissão de verdade”? Para você uma profissão de verdade é aquela em que eu bato ponto todo dia, tiro férias, hora do almoço, recolho INSS e tenho direito a um plano de saúde? - Perguntei nervoso, mas baixo, quase que sussurrando. - Pois saiba que eu trabalho o triplo! Eu não tenho férias, feriado ou fim de semana. Tenho que ouvir fofocas sobre a minha vida pessoal e ficar calado para não dar audiência. Tenho que aguentar repórteres revirando meu passado em busca de uma manchete maldosa que vai me ferir imensamente.
Tenho que me vender para gravadoras, emissoras de rádio e programas de televisão como um produto, porque essa é a regra do jogo e sou obrigado a segui-la.
E quando, depois disso, tudo o que eu mais quero é chorar no colo de alguém, eu tenho que me contentar em chorar no travesseiro porque perdi o meu Lipe, meu anjo de olhos azuis e ainda não consegui encontrar alguém que aceite carregar o peso da minha profissão comigo. Reveja seus conceitos de o que seja uma profissão de verdade.
- Você sabe que não foi isso que eu quis dizer.
- Acho que foi exatamente o que você quis dizer. - Falei saindo da piscina.
- Aonde você vai?
- Embora.
- Ah, qual é Bernardo? - Falou saindo também. Me desculpa falei sem pensar.
Eu evitava olhar para ele. Ele tinha conseguido me machucar muito com aquilo. Caiu por terra a visão apaixonada que eu tinha dele. Eu me sequei com uma toalha e comecei a vestir minha roupa.
- Fala comigo! - Ele falou desesperado ao meu lado.
- Nós dois erramos, Vítor. - Falei sem olhá-lo e me vestindo. - Você não devia ter pedido uma chance para ficarmos juntos e eu não devia ter aceitado. Nós dois devíamos ter visto que uma coisa assim aconteceria. Íamos nos machucar muito menos com essa separação. Mas de qualquer jeito, foi bom enquanto durou. Deu para pelo menos sonharmos com o que poderia ter sido. Adeus, Vítor.
Ainda sem olhá-lo, peguei o resto das minhas coisas e fui embora. Não me atrevi a olhar para trás, mas pude ouvir suas fortes fungadas indicando que ele estava chorando tanto ou mais do que eu. Do mesmo jeito que não olhei para trás, ele não me pediu para voltar. No fundo ele sabia que eu estava certo.
No carro, a caminho da casa da minha avó, me pus a chorar com mais força. Mais do que um choro de tristeza, era um choro de frustração.
Eu joguei todas as minhas esperanças naquele namoro. Eu realmente achei que seria feliz com Vítor e nunca mais me sentiria só novamente.
Me enganei. Aquilo doía tanto. Mais uma vez a vida me impediu de ter um outro amor que me fizesse, não completo, pois isso nunca mais ia acontecer, mas pelo menos, não tão sozinho.
Me lembrei de uma velha canção que dizia:
“Ah, como eu tenho me enganado
Como eu tenho me matado
Por ter demais confiado
Nas evidências do amor
Como tenho andado certo
Como tenho andado errado
Por seu caminho inseguro
Por meu caminho deserto
Como tenho me encontrado
Como tenho descoberto
A sombra leve da morte
Passando sempre por perto
E o sentimento mais breve
Rola no ar e descreve
A eterna cicatriz
Mais uma vez
Mais de uma vez
Quase que fui feliz.”
(Meio Termo - Lourenço Baeta/ Cacaso)
Era daquele jeito que eu me sentia, frustrado por mais uma vez ter quase sido feliz...
Meu celular tocou no meu bolso. Meu coração bateu acelerado esperançoso que fosse Vítor propondo uma solução milagrosa para ficarmos juntos. Atendi rapidamente aflito.
- Alô?!
- Alô, Bernardo, como vai se recuperando?
- Bem... - Não consegui identificar a voz. - Quem está falando?
- Não reconhece seu chefe mais?
Era o presidente da minha gravadora.
Assim que o reconheci me lembrei de nossa última conversa no dia do acidente e da sua proposta: um ano de turnê internacional.
- Olá, Máximo, trabalhando no natal?
- Pois é, não há feriado nesse nosso meio, esqueceu?
Tive vontade de rir da horrível coincidência com o assunto, mas me segurei.
- É verdade. Mas qual o motivo da ligação?
- Não é óbvio? A proposta que eu lhe fiz. - Sua voz era anormalmente doce, como se tentasse enganar uma criança.
- Eu sei, Máximo, mas devo confessar que ainda não tenho uma resposta.
- Como não? Te dei alguns dias para pensar no assunto e já se passou quase um mês.
- É, mas se você não está lembrado, eu sofri um acidente grave nesse meio tempo.
- Eu sei, por isso te dei um tempo extra, preciso da sua resposta agora.
- Máximo, eu...
- Sem discussão, agora. Olha, eu estou acompanhando pelos jornais o que está acontecendo com você e até aqui não quis me meter, mas tenho que te falar. Vai ser ótimo um ano fora para todo mundo esquecer da história.
- Concordo, mas eu ainda não tenho certeza sobre o que fazer.
- Bernardo, eu preciso da sua resposta agora. Quero você em Los Angeles antes do fim de janeiro.
- Mas isso me dá menos de um mês!
- Por isso preciso da sua resposta agora. Aliás, o que você tem a perder com isso? Essa viagem vai ser ótima para você, você vai conhecer novos músicos, novos ritmos, novos públicos...
Ele continuou falando, mas só a pergunta “o que você tem a perder com isso?” ficava se repetindo para mim.
Imediatamente pensei em Vítor. Não existia solução para nosso caso, era o fim, eu não deveria alimentar esperanças. Pensei também nas outras pessoas que me cercavam. Meus pais iam aos poucos se acertando. Meus amigos seguiam com suas vidas. Bruno e Zeca tinham um ao outro e podiam continuar produzindo shows com a nossa empresa.
Rafinha estava feliz. Nenhum deles estava precisando de mim ali, nada me segurava no Brasil.
- ...imagina cantar naqueles verdadeiros museus do jazz, você tem público para isso... - Ele continuou falando, mas eu o interrompi.
- Eu vou.
- Oi?
- Eu vou fazer essa temporada de um ano. - Falei sem emoção na voz.
- Sério? Ótimo! Já vou providenciar tudo. Primeiro você vai para Los Angeles escolher e gravar algumas canções em inglês. Depois disso vamos planejar uma turnê pelos Estados Unidos, Europa e Japão...
- Depois combinamos os detalhes, só tenho duas condições.
- Quais?
- Primeiro: tenho que montar uma nova banda lá, não quero arrastar os meninos junto comigo e atrapalhar suas vidas.
- Certo, certo, vou providenciar isso. Me informarei sobre nomes e organizarei uma audição para você escolhê-los pessoalmente.
E a segunda condição?
- Não comunique à imprensa ainda. Eu mesmo quero contar para a minha família.
- Entendo, é justo. Vou segurar o anúncio alguns dias.
- Que dia você tá pensando em me embarcar?
- Por volta do dia quinze do mês que vem.
- Certo, vou me arrumar por aqui.
- Meu garoto, você está dando um grande passo!
“Só espero que ele não seja maior do que minha perna” pensei.
Não sei aquilo era o mais certo a se fazer, mas eu precisava. Eu queria fugir de tudo e de todos por um tempo. Eu precisava refletir sobre a importância da música na minha vida e para isso nada melhor do que passar um ano a sós com ela. O difícil seria encarar a reação das pessoas que me cercavam...
Quando cheguei à casa da minha avó naquela tarde, interrompi sem querer uma cena inusitada.
Meus pais conversam no sofá bem próximos um ao outro se olhando nos olhos. Não tive como pensar muito rápido e bati a porta ao entrar, os assustando. Eles se afastaram rapidamente e eu me arrependi de ter quebrado aquele momento.
- Oi... - Falei sem graça.
- Oi, meu filho, como foi na fazenda? - Falou minha mãe claramente sem graça também.
- Ótimo, ótimo. Se me permitem vou dormir um pouco, pois estou cansando.
- Certo, eu te chamo para jantar.
Subi para meu quarto correndo e torcendo para que o clima entre os dois voltasse.
Mais do que ninguém, eu queria que os dois reatassem, afinal foi por minha culpa (em parte) que os dois se separaram.
Cansando física e psicologicamente, rapidamente adormeci. Acordei algumas horas mais tarde com alguém batendo na porta.
- Entra. - Falei, ainda meio sonolento.
A porta abriu e Vítor entrou. Seu rosto estava inchado e seus olhos vermelhos, claro sinal de que ele havia chorado.
- Vítor...
- Deixa eu falar, Bernardo. - Falou me interrompendo. - Se vai durar para sempre ou mais um dia, eu não sei, mas não quero me arrepender de nenhum segundo que passamos afastados. Mesmo que esse seja o fim, Bernardo, deixa eu passar os últimos dias com você. Me deixa viver esse amor!
Minha única resposta foi abraçá-lo fortemente e beijá-lo com amor. Mais do que nunca, naquela hora eu desejei haver um meio termo entre as minhas vidas pessoal e profissional.
No dia seguinte ao natal, uma quarta-feira, a minha banda chegou junto com o restante dos instrumentos.
Primeiro nos reunimos para escolher o repertório.
Deixei Rafinha participar e opinar para ele ir se familiarizando com a rotina. O menino estava no céu de tanta felicidade. Não me largava um segundo sequer.
Por causa disso, passei a manhã toda ocupado e não pude dar atenção a Vítor, que fingiu encarar isso numa boa.
Depois de decidido o roteiro do show, fomos começar os ensaios. Com a permissão da prefeita e do atual diretor, fomos ensaiar na minha antiga escola. Foi um sentimento totalmente novo para mim subir naquele mesmo palco onde anos antes eu tinha selado meu destino.
Mais do que um local de lembranças boas ou ruins, aquele foi meu primeiro palco.
Lógico que me veio à cabeça as lembranças daquele dia fatídico, mas tinha acontecido há tanto tempo que nem parecia ter sido eu o protagonista daquele bizarro espetáculo.
Na minha cabeça aquilo havia acontecido a uma outra pessoa e eu era um mero espectador horrorizado com a cena.
- Tudo bem? - Perguntou Caio me despertando no meu pequeno devaneio.
- Tudo, vamos começar?
- Vamos.
E lá se foi uma tarde inteira de ensaios. Ia ser pouco mais de duas horas de show com vinte e cinco músicas. Eu ainda não tinha contado a ninguém, mas aquele seria meu show de despedida do Brasil.
Vítor me mandou uma mensagem no celular avisando que me encontraria mais tarde na casa da minha avó, mas não consegui esperá-lo. Devido ao cansaço, assim que cheguei do ensaio jantei e dormi. Acordei com os primeiros raios de Sol batendo no meu rosto. Me virei lentamente me espreguiçando.
Só então notei que não estava sozinho. Vítor dormia na cama ao lado. Estranhei por ele não ter dormido na minha cama como tínhamos feito nos últimos dias. Fiquei olhando para ele dormindo até seus olhos abrirem vagarosamente e me encararem.
- Bom dia. - Falei.
- Bom dia. - Respondeu com voz de sono ainda.
- Me desculpe por ontem...
- Sem problemas.
Apesar da resposta, era visível que ele não estava satisfeito com a situação. Entendi que ele queria levar a sério seu pedido de viver nossos últimos dias juntos intensamente.
Me levantei da cama e corri para a dele, me enfiando embaixo das cobertas. O beijei carinhosamente e ele retribuiu. Nós dois estávamos apenas de cueca e excitados. Nossas carícias foram ganhando intensidade e quando dei por mim, ele já estava entre as minhas pernas sugando com força meu pescoço. Ele mordia de leve meus mamilos me fazendo suspirar alto. Ele foi descendo devagar até minha cintura e foi tirando minha cueca lentamente. Eu já estava completamente excitado.
Vítor engoliu meu pau de uma só vez e já começou aquele movimento de subida e descida, me deixando louco. Em poucas vezes que havia feito aquilo, ele já tinha adquirido uma técnica invejável. Não esqueci que minha mãe e minha avó estavam a poucos metros de distância, então fazia força para não gemer alto demais. Eu apertava com força o lençol da cama delirando de tesão. Senti a hora do gozo chegando e minha respiração ficando mais ofegante.
- Eu vou gozar, Vítor...
Ele olhou para cima e me encarou com aqueles seus olhos verdes, mas não parou, pelo contrário, passou a chupar com mais intensidade.
- Vítor... - Falei me contorcendo na cama.
Ele continuou me encarando e não aguentei. Gozei muito e ele engoliu tudo. Fiquei olhando para ele admirado. Nunca tinha imaginado ele indo tão longe tão cedo.
- O que deu em você? - Perguntei ainda ofegante.
- Tesão matinal.
Ri e notei que o pau dele ainda estava duríssimo.
- Sua vez de gozar.
Ainda nu, coloquei a camisinha em seu pau e me deitei na cama de barriga para baixo. Ele veio para cima de mim e foi me penetrando devagar. Naquela posição doía bastante, mas valeu à pena. Em poucos segundos a dor já tinha dado lugar ao prazer. Ele bombava lentamente e ao mesmo tempo dava leves beijinhos na minha nunca e nos meus ombros.
Apesar de já ter gozado a pouco tempo, o atrito do meu pau com o colchão me fez gozar novamente. Ele entendeu o meu gemido abafado no travesseiro, deu uma última estocada e gozou também.
Vítor caiu exausto em cima de mim. Nenhum de nós falou nada nos próximos minutos, apenas aproveitamos o momento.
- Que belo jeito de acordar. - Falei ainda embaixo dele.
- Pois é, quem dera pudesse ser assim pelo resto da vida.
Me entristeci com suas palavras.
Não sei se ele falou com a intenção de me atingir, como se me mostrasse o que eu estaria perdendo, ou simplesmente falou por falar.
Seja como for, aquelas palavras destruíram o momento e ele pareceu não ter se dado conta disso.
- Temos que limpar isso antes de alguém vir.
- É, deixa aí que eu dou um jeito. - Respondi o empurrando gentilmente e me levantando. - Vou tomar banho primeiro, depois você vai.
- Ok.
Ele se virou de barriga para cima, ainda nu e ficou encarando o teto com o olhar perdido. Me enrolei numa toalha e fui para o banheiro. Enquanto a água do chuveiro caía nas minhas costas, eu pensava sobre meu futuro. Como seria agora? Cantar, cantar e cantar até ficar velho e morrer sozinho? Aquilo não me agradava. Eu não queria envelhecer sozinho.
Mais: eu tinha medo de envelhecer sozinho.
Eu estava pondo minha carreira à frente da minha felicidade e isso estava certo?
Será que eu estava cometendo meu maior erro naquele momento?
Cantar era sim uma parte importante da minha vida, mas eu não deveria pelo menos considerar a possibilidade de largar minha carreira para ser feliz ao lado de Vítor?
Acabei meu banho e voltei para o quarto. Vítor se enrolou numa toalha e foi para o banheiro. Vesti minha roupa e me assustei ao perceber que já era quase nove da manhã e eu tinha ensaio marcado para as dez. Peguei a roupa de cama suja e desci devagar as escadas para não chamar atenção. Ouvi vozes na cozinha, deviam estar tomando café da manhã. Passei direto para a área de serviço, coloquei tudo dentro da máquina de lavar e a liguei, fazendo bastante barulho e denunciando minha presença.
- Bernardo, é você? - Chamou minha avó.
- Sim, vó; só queria lavar uma camisa minha que eu queria usar mais à noite.
- Venha aqui.
Estranhei seu tom de voz, normalmente muito amigável.
Ela parecia estar brava, apesar de não ter gritado. Curioso, segui para a cozinha e vi que além dela, minha mãe, Zeca e Bruno tomavam café da manhã. Os quatro me olharam estranhamente, de uma forma agressiva que me assustou.
Me sentei à mesa e fui me servir de um copo de leite.
- Bom dia. - Falei timidamente.
- Quando você pretendia nos contar? - Perguntou o Zeca de modo agressivo.
- Contar o quê?
Ele pegou a parte de cultura do jornal e jogou para mim. Tinha uma notinha com minha foto comunicando que eu estava partindo para o exterior para uma temporada de um ano.
Me deu raiva de ter confiado que o presidente da gravadora manteria segredo, mas a raiva deu lugar à preocupação quando levantei a cabeça e vi os quatro rostos que me fitavam.
- Não era para vazar até eu contar para vocês.
- Isso é o melhor que você pode falar nesse momento? - Perguntou Zeca irônico.
- Gente, eu...
- Nós somos sua família! - Me interrompeu minha mãe. - Como você esconde uma coisa dessas da gente?
- Eu pretendia contar para vocês em breve. Me desculpem, não era mesmo para o jornal ter vazado. A proposta foi feita há algum tempo, mas só respondi anteontem, não deu tempo de contar.
- Bernardo, é uma temporada de um ano. - falou Bruno. - Entende que você vai ficar um ano fora do Brasil, longe de todos?
- Eu sei, mas vai ser bom para a minha carreira, me lançar lá fora.
- Você poderia ter se dado ao trabalho de ter discutido com a gente essa proposta. - Falou minha avó. - Você vai ficar fora por um ano, isso afeta todos nós.
Eu estava sendo sufocado por eles, precisava expor meus motivos.
- Gente, vocês precisam ver meu lado. Todos vocês vão ajeitando suas vidas e eu estou ficando para trás. Essa é uma ótima oportunidade de eu dar um jeito na minha vida. É tudo que eu sempre quis.
Falando sério, não tem nada que me prenda ao Brasil.
Como a vida adora me pregar peças, não notei que Vítor estava atrás de mim ouvindo tudo. Só me dei conta da sua presença quando ele se dirigiu ao outro lado da mesa e se sentou. Me arrependi amargamente de ter dito em voz alta aquela minha última frase.
- Bom saber... - Ele comentou sem me olhar.
- Vítor, me desculpa, eu...
- Sem problemas.
Naquele instante eu percebi que aquele seu jeito condescendente era mais do que uma tentativa de deixar as coisas em paz entre nós, era uma maneira de fazer eu me sentir culpado por estar o abandonando. E estava dando certo.
- Nós já discutimos isso, Vítor. - Eu estava constrangido de estar a ponto de discutir com ele nossa relação na frente da minha família, mas era inevitável já que a situação ia piorar se eu deixasse passar. - Concordamos que não vamos ficar juntos. Você tem sua vida e eu tenho a minha. Eu tenho que focar na minha carreira agora.
- Faça isso, no final é tudo que vai te sobrar mesmo.
Aquela frase dele me machucou muito. Não por ter vindo dele, eu entendia que ele estava num momento de raiva, mas por temer que se tornasse verdade um dia.
- Desculpe, dona Maria. - Ele tomou o resto do café que tinha na sua xícara - Perdi a fome, é melhor eu ir embora.
- Que isso, come direito, menino - Falou minha avó.
- Não, não, obrigado. Tenho que resolver umas coisas. - Ele falou se levantando. - Tchau.
Todos deram adeus a ele, menos eu que permanecia mudo. Minha mãe, minha avó, Zeca e Bruno me olhavam sem saber o que fazer, divididos entre me consolar e me dar uma bronca.
- Eu vou para o meu quarto.
Me levantei da mesa, tornei a subir as escadas e me joguei na cama. Só ali me permiti chorar. E se realmente só me restasse a música no final e mais nada? Eu conseguiria viver só de cantar e ser feliz com isso?
Lógico que não!
Eu precisava da minha família, dos meus amigos, de Vítor...
- Eu preciso tanto de você, Lipe!
Qual seria a solução então? Abandonar meu maior sonho em prol de uma vida simples e feliz?
Zeca entrou no meu quarto devagarzinho sem falar nada, se deitou na cama comigo e colocou minha cabeça no seu peito, me deixando chorar.
Me lembrei da última vez que ele fez aquilo comigo, no dia da morte de Felipe.
- Você deveria ter nos contado.
- Eu sei. - Respondi secando minhas lágrimas. - Mas resolvi isso só ante ontem. Não deu tempo...
- Mas, no fundo, acho que você fez certo em aceitar essa proposta. É seu futuro e não tem como escapar disso.
- Será mesmo?
- Você não é o dono da sua voz, como todo grande cantor também não é. Sua voz tem vida própria e ela quer brilhar.
- Eu queria saber controlá-la.
- Está além das suas possibilidades.
Será mesmo? Eu era escravo da minha voz, da minha profissão? Quando eu deixei que isso acontecesse?
Eu sabia a resposta: quando Felipe morreu.
Me lembro de ter sido a única forma que encontrei para seguir em frente, deixar meu sonho ser maior que minha vida, me anestesiando assim daquela imensa dor. Agora que uma nova chance de ter uma vida propriamente dita apareceu, eu não poderia aproveitá-la porque eu era um escravo do meu próprio sonho, o sonho de ser o maior. Será que não tinha mais volta?
- Você e o Vítor, não tem jeito mesmo?
- Como faríamos? Nenhum de nós quer ceder. Se bem que depois de tudo, não tenho mais convicção de nada.
Zeca me olhou assustado.
- Você está brincando, né? Não está pensando seriamente em abandonar sua carreira!
- Ai, Zeca, a que preço? Não tenho mais certeza de que é isso que eu quero.
- Bernardo. - Ele falou sério segurando minhas mãos e me olhando nos olhos. - Você concorda que eu sou a pessoa no mundo que mais te conhece, certo? E o Rafael também, ok?
Afirmei com a cabeça.
- Então acredite em mim quando eu digo que você não conseguiria ser feliz abandonando tudo. Eu te conheço, meu amigo, você não conseguiria viver carregando o peso de pensar no que poderia ter sido. E aposto que Rafael te diria a mesma coisa.
No fundo eu sabia que ele estava certo. Eu não teria coragem de jogar fora assim tudo aquilo pelo que lutei tanto. Eu não teria coragem de jogar minha carreira fora por um futuro incerto.
Eu já estava mais que gostando do Vítor, mas quem poderia garantir que seríamos felizes juntos? Estávamos bem, namorando a duas semanas, mas como eu poderia ter certeza que seria assim para sempre?
Certeza em minha vida eu só tinha com o Lipe.
Com ele tudo mais era o resto.
Com um peso no coração, eu já tinha tomado uma decisão antes mesmo de começar aquela conversa: eu seguiria cantando, pois era tudo que eu podia fazer.
- Agora, vai se arrumar para irmos para o ensaio. - Ele falou.
Me deu um beijo na testa e saiu. Tentei esvaziar minha cabeça dos problemas e fui me arrumar para mais um dia de trabalho. Meu celular tocou. Peguei ele e vi que era Renata me ligando:
- Oi, Rê.
- Oi, Bê.
- Estou te ligando para te falar que eu sou muito boa.
- Como assim?
- Ora, o que você me pediu?
- MARIANAAAAA!
Nesta gangorra de emoções de 8 a 800, curioso para saber o que Mariana guarda de segredo.