- E você não vai falar com ele antes de ir embora? - perguntou Caio depois de um ensaio.
- Pra quê? Para alimentar a esperança de ficarmos juntos e nos separarmos logo depois? É melhor que as coisas fiquem como estão.
- Melhor para quem? Para você e para ele é que não é. Você está visivelmente abatido.
- E ir falar com ele vai me fazer melhorar? Não, só vai fazer eu me sentir pior.
Caio levantou as mãos para alto como se entregasse o jogo e desistisse de me fazer mudar de ideia.
Eu já tinha tomado uma decisão: não procurar Vítor.
Se eu o visse, ia acabar cedendo aos seus carinhos, aos seus beijos, aos nossos sentimentos e logo depois teria que por um fim nisso.
Para que causar esse sofrimento a nós dois? Mas no fundo, acho que eu tinha medo de, ao ir falar com Vítor, ficar indeciso de novo.
Eu queria ter certeza de que eu estava fazendo o melhor embarcando numa turnê internacional.
Fiz uma pausa para ir almoçar na casa da minha avó e me surpreendi ao ver meu pai à mesa também. Era difícil disso acontecer já que ele passava a hora do almoço e do jantar no restaurante supervisionando tudo.
- Nossa, a família toda reunida, que surpresa boa! - Falei enquanto me sentava.
Notei que minha mãe e meu pai sorriram sem graça, o que me deixou intrigado. Zeca, Bruno e vovó sorriram abertamente achando graça. Percebi que só eu não entendi a piada.
- Seus pais tem uma grande notícia! - Falou vovó animadamente.
- Mãe! - Ralhou meu pai, enquanto mamãe baixava a cabeça envergonhada.
- O que é?
- Hmm... - Meu pai parecia estar criando coragem.
Eu não era burro, já tinha sacado o que estava acontecendo e estava muito feliz com aquilo, mas eu queria ouvir da sua própria boca.
- Eu e seu pai resolvemos nos dar uma nova chance! - Falou minha mãe de uma vez.
- Sério?
Os dois estavam visivelmente envergonhados. Mas eu estava mesmo muito feliz por eles. Eles se amavam, se separaram por uma armadilha do destino. Haviam perdido tanto tempo, eles tinham o direito de recuperar esse tempo agora. Meus pais são um daqueles casais que nasceram para ficarem juntos para sempre.
- Um brinde, então! - Falei levantando meu copo de refrigerante.
Eles sorriram e todos me acompanharam no brinde.
- Sério gente, estou muito feliz por vocês. Que dessa vez seja para sempre!
- Vai ser. Assim que meu divórcio se concretizar a gente assume publicamente. - Respondeu meu pai sorrindo e pegando na mão da minha mãe por cima da mesa.
- E tem mais. - Minha mãe falou.
- O quê?
- Recebi uma proposta de um grande empresário. - Falou meu pai. - Morro Velho ficou pequena demais. Querem que eu abra um restaurante em BH. Eu aceitei, vamos nos mudar para lá.
- E eu vou junto. - Completou vovó. - Já cheguei a uma certa idade e é melhor morar numa cidade com melhores recursos de saúde.
- Mas isso é ótimo! - Falei - Fica muito mais fácil da gente se ver.
- Pois é!
O restante do almoço foi bastante divertido e teve mais uma surpresa ainda.
- Como assim festa de despedida?
- Não é uma festa mesmo. - Explicou Zeca. - Mas como depois do show você deve ir embora do país, achei legal trazer o pessoal para se despedir de você. Só uma reuniãozinha.
- Mas hoje? - Falei ainda surpreso.
- Não tinha outra data, o seu show já é amanhã. O bom é que eles já ficam para o seu show.
- Eles quem?
- Pedro, Renata e o noivo, sua tia e seus avós maternos. Eles chegam agora à tarde. Além é claro do pessoal que já está aqui em Morro Velho. Convidei Beatriz também, mas ela me respondeu que nem morta viria para esse “fim de mundo” nas palavras dela. Ela falou que se despede de você no Rio de Janeiro.
- E como você conseguiu achar hotel para essa gente toda?
- Reservei a alguns dias e foi difícil, viu? Assim que saiu nos jornais que você vai passar um tempo sem fazer shows no Brasil e que o de amanhã é o último, está havendo uma verdadeira corrida para Morro Velho. Tem muita gente vindo de Belo Horizonte para te assistir e até mesmo de outros estados.
- Nossa!
Eu não esperava por isso. Quando aceitei fazer o show, achei que ia ser um evento mais simples, mas eu já estava vendo que seria um grande show.
A festa de despedida foi realmente uma surpresa, mas uma boa surpresa. Eu só teria tempo para me despedir de todos por telefone, então uma pequena festa para reunir todos foi uma ótima surpresa.
No final daquela tarde de domingo, fizemos nosso último ensaio e tinha muita gente assistindo. Eles até aplaudiam apesar dos meus erros e interrupções, afinal aquilo não era show. Agradeci envergonhado e desci para o camarim improvisado que havia atrás do palco, o qual eu dividia com o resto da banda.
Chegando lá, Rafinha me esperava sentado.
- Olá! - Falei surpreso, pois não o esperava ali àquela hora.
- Até quando você e meu irmão vão ficar sem se falar?
Já tinha me acostumado com seu jeito direto de ser, mas mesmo assim me assustei com sua pergunta.
- Ah, Rafinha, é complicado...
- Qual a complicação? Vocês se amam e pronto!
- Nada é tão simples assim.
- Vocês é que estão complicando. Os dois estão aí sofrendo a poucos quilômetros de distância.
- Porque nós dois entendemos que não é para ficarmos juntos. Agora cada um vai seguir com sua vida.
- Mas você não vai nem pedir desculpa para ele pelo que falou na última vez que se viram, que nada te prendia em Morro Velho?
- Ele te contou isso?
- Você nos fez grandes amigos, esqueceu?
- Eu estou arrependido de ter dito aquilo, apesar de ser verdade, mas não acho que devo procurá-lo para me desculpar, não. Deixar a ferida cicatrizar sozinha é melhor.
- Nada disso! Se for para você ir embora, mesmo, vá embora sem deixar nada para trás, nem mágoas.
Ele era impossível. Eu amava aquele menino. Eu tinha que me abrir com ele.
- Não dá, Rafinha. Eu... - Hesitei por um momento. - Eu tenho medo de que, ao ver ele, a dúvida volte, de que se vá embora a certeza que meu lugar não é aqui.
- A dúvida é boa! E se você for e se arrepender?
- Para com isso, Rafinha!
Aquela pressão toda estava me estressando. Além de ter que organizar minha mudança para outro país, tinha o fato de todo mundo querer intervir na minha relação com Vítor. Todos queriam me ajudar, e eu apreciava isso, mas a vida era minha, só eu podia saber o que me faria feliz. Ninguém tinha o direito de me pressionar.
- Me desculpe, meu anjo! É que tem coisa demais na minha cabeça. - Falei caindo na cadeira.
- Eu sei, - ele veio e sentou no meu colo, virado de frente para mim e passou seus braços pelos meus ombros, me abraçando. - me desculpa também por ficar botando pilha, mas é que não aguento ver vocês dois sofrendo e ficar calado, mas vou parar de intervir. De qualquer jeito, meus pais vão o obrigar a ir na sua festa de despedida hoje e...
- Vocês vão?
- Claro! Enfim, ele vai e vocês podem aproveitar para conversar, nem que seja para dar tchau. Então, até mais tarde.
Ele me deu um abraço carinhoso, um selinho e ia saindo, mas eu o puxei para o meu colo de novo, o abracei muito e o enchi de beijos.
- Eu te amo demais, sabia?
- Sabia sim. Eu também te amo do mesmo jeito.
Eu não queria ver Vítor. Ou melhor, eu queria. Eu ansiava por seus beijos, suas juras de amor e seu olhar apaixonante, mas eu tinha medo!
O tipo de amor que eu sentia por ele me amedrontava. O sentimento que eu sentia por ele destruía minhas barreiras, minha segurança e minha certeza. Meus sentimentos por Vítor me tiravam do eixo. Nossa união era grande, pena que ela estava condenada a ser apenas platônicaA noite estava ótima. Nos reunimos todos no restaurante do meu pai, que estava fechado apenas para a nossa festa particular. Meus amigos se divertiam com minha avó contando casos constrangedores sobre mim. Tia Marta paparicava o novo namorado a toda hora. Meus avós maternos colocavam meu pai contra a parede, e ele tinha que ser socorrido por minha mãe. Eles iam acabar aceitando ele de volta na família, mas o caminho era longo, eles não esqueciam tão fácil assim o que aconteceu.
Tio Alfredo, tia Rosa, Rafinha e Vítor foram os últimos a chegar. Os três vieram logo me cumprimentar e se misturaram com o resto do pessoal, deixando Vítor para me cumprimentar por último. Nos olhamos constrangidos sem saber o que dizer. O silêncio pareceu durar horas.
- Me desculpe pelo que eu disse aquele dia... - Falei enfim.
- Aquilo doeu sim, mas eu entendi o que você quis dizer. Nós não temos futuro, então não há nada que te segure aqui.
- É.....
Ainda sem graça, nos separamos e fomos curtir a festa. Sempre evitávamos entrar na mesma roda de assunto e ficávamos trocando olhares de vez em quando.
Todos ali percebiam o clima, mas ninguém falava nada, ainda constrangidos.
Como eu iria cantar no outro dia, não podia me dar ao luxo de beber e correr o risco de ficar com ressaca no dia seguinte, sendo o único sóbrio a certa altura da noite. Vítor era um dos que mais havia bebido. Ele não era daqueles bêbados chatos ou alegres. Ele ficava calado, mas parou de fingir que não estava me vendo.
Caio, que também havia bebido mais do que deveria, sentou no piano que tinha no restaurante, que um dia havia sido da minha mãe, começou a tocar uma melodia qualquer e me chamou para cantar. Tentei recusar, mas acabei sendo incentivado pelos demais presentes.
- E o que eu vou cantar? - Perguntei para Caio, me posicionando ao lado do piano.
- Ah... Já sei! Essa você conhece. - E começou.
Sóbrio ele não ia perder a oportunidade de alfinetar minha relação com Vítor, bêbado então nem se fala. Reconheci a melodia na mesma hora e olhei bravo para ele, que apenas riu e continuou tocando. Fui obrigado a cantar:
“Não, nada a ver.
Desde o início,
Tudo parece ser
Um precipício,
Nem sei dizer...
Vou cair
Sem você.
Não, não, nada a ver.
Um precipício
Apenas deve ser
Um artifício
Pra me dizer:
Vou voar
Com você.
Mas mesmo assim
Eu não deixo de ver
Se não ou sim,
Só eu posso escolher.
Se vou sonhar
Ou fugir pra você,
Se vou voar
Enfim...”
(Nada a Ver – Hilton Raw/ Lenora de Barros/ Marcos Augusto)
Vítor saiu andando em direção à cozinha do restaurante sem olhar para trás. Todos trocaram olhares constrangidos, menos Caio, que ria como uma criança travessa.
- Com licença. - falei abrindo caminho entre todos e seguindo Vítor.
Ao chegar na cozinha, encontrei Vítor apoiado em um bancada. Ele chorava em silêncio. Meu coração se apertou em vê-lo naquele estado. Eu estava tão acostumado a ver Vítor sério e forte, que ao ver sua rara outra face, meu corpo inteiro reagia querendo protegê-lo de alguma forma. Cheguei perto dele que, ao notar minha presença, se agarrou com força ao meu corpo, ainda chorando. Cedendo aos pedidos do meu coração, o abracei de volta e deixei que ele chorasse no meu peito.
- Eu te amo, Bernardo.
- Eu também, Vítor.
Chegava a ser contrastante palavras tão bonitas em meio a uma cena tão triste.
- E o que a gente faz agora?
- Eu não sei, Vítor, não sei...
- Bernardo... - Ele falou me olhando nos olhos.
Seu rosto estava inchado e vermelho, do mesmo jeito que seus olhos cheios de lágrimas.
- Sim?
- Tem alguma chance de você ficar comigo?
Eu não tinha a resposta para essa pergunta. Aliás, eu mesmo procurava por essa resposta. Mais ainda, eu procurava por uma chance de ficar com Vítor. Não consegui falar nada. A única coisa que fiz foi soltar as lágrimas que vinha segurando. Eu não sei como Vítor interpretou aquilo, mas não esperei para saber. Virei as costas e saí sem me despedir. Todos no salão principal me olhavam.
- Tenho que descansar um pouco; amanhã vejo vocês, tchau.
Fui embora sem esperar uma resposta. Entrei no carro e fui direito para a casa da minha avó. Chorando, dormi vencido pelo cansaçode dezembro de 2007
Lembro-me que ao acordar naquele dia, pensei que era um data especial. Naquele dia fazia exatamente oito anos em que tudo aquilo começou, oito anos desde que vi Mariana e Vítor se beijando na virada do ano 2000. Não saí da casa da minha avó para nada. Não teria mais ensaio, então passei o dia na cama assistindo televisão embaixo das cobertas.
Caio veio se desculpar pelo dia anterior e acabei o perdoando, afinal eu sabia que no fundo ele só queria meu bem. Pelo movimento na rua, eu sabia que Zeca estava certo: muitas pessoas vieram de outras cidades. Não pensei que viveria tanto para ver um engarrafamento em Morro Velho. O show estava marcado para às dez da noite. Jantei em família e saí de casa às oito e meia.
Foi muito difícil chegar até o local do palco e depois ao camarim. Em ocasiões normais eu seria simpático com todos os fãs no caminho, mas eu não estava com humor para isso. Vítor ainda estava na minha cabeça.
Tudo o que eu temia voltou: a dúvida.
Onde estaria minha felicidade... ao lado de Vítor em Morro Velho ou de frente para novos públicos no exterior? Aonde eu ficaria bem? É possível ser feliz sem amor? É possível ser feliz numa profissão qualquer que não te satisfaz?
As dúvidas iam e voltavam na minha cabeça enquanto eu me arrumava no camarim. Ouvi vozes abafadas no lado de fora. Me virei para a porta e Vítor entrou. Ele estava lindo com uma calça jeans clara, uma blusa branca de manga comprida com capuz e o rosto suado. Certamente ele havia tido trabalho para chegar ali. Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, ele me tomou nos braços e me beijou. Foi um beijo diferente. Um beijo que tentava provar que só ao seu lado eu seria feliz. Eu ainda estava surpreso e sem ar quando ele me soltou. Seu olhar estava aceso.
- Você disse que eu pequei uma vez não te pedindo para ficar e não pretendo errar o mesmo erro duas vezes. Por isso, estou aqui hoje. - Ele pegou em minha mão. - Bernardo, estou te pedindo para ficar aqui comigo, pois só assim você será feliz.
E agora?
Escolhas são necessárias. Inevitavelmente, você terá de escolher entre dois caminhos em algum momento da vida e essa escolha será cruel.
Como saber o caminho certo?
Se um dia me dessem o direito a um pedido maluco qualquer, eu desejaria um botão de resetar para ser usado quantas vezes quiser. Escolher um caminho, ver que era o errado, poder voltar atrás e ir pelo caminho certo é tudo o que eu mais desejo na vida.
Uma vez me perguntaram o que eu chamava de um futuro feliz.
Respondi que era chegar a uma idade avançada, cercado por familiares, olhar para trás e ter orgulho de falar que não me arrependi de nada. Muito utópico, não?
Acho que isso é impossível para qualquer um. É estatisticamente improvável que alguém nunca escolha o caminho errado pela menos uma vez na vida.
Ficar com Vítor ou seguir cantando? Qual caminho escolher?
Eu queria os dois, não queria ter que escolher. Qualquer que fosse minha escolha, eu me arrependeria mais tarde. Não tinha como ser feliz escolhendo um dos dois.
Mas eram duas vidas incompatíveis: o Bernardo-pessoa, um rapaz de vinte e três anos solitário que queria ser feliz ao lado de alguém, e o Bernardo-cantor, aquela pessoa inatingível que nunca abandonaria sua carreira, pois visivelmente ela o fazia incrivelmente feliz. Qual Bernardo eu queria ser? Eu já tinha tomado a minha decisão há muito tempo. O que me atormentava era falá-la em voz alta, porque isso a tornaria real e irremediável.
- Então, Bernardo? - Os olhos de Vítor estavam marejados, mas ele sorria, como se tivesse certeza que eu o escolheria. - Eu estou, te pedindo de todo o coração para ficar comigo. Deixa o mundo inteiro para lá! Nós dois não precisamos de mais nada para sermos felizes. Fique comigo, Bernardo.
Sabe qual é um dos meus maiores medos? Passar pela vida apenas como um visitante.
Eu sempre quis ser alguém, uma pessoa que fez a diferença, que seria lembrada muitos anos após sua morte.
A música me proporcionou isso.
Não a fama propriamente dita. A fama foi uma consequência.
Ser famoso sem motivo nunca me atraiu, ser reconhecido pelos meus feitos sim. Até porque, a fama não imortaliza ninguém, a arte sim.
Assim que pisei no palco pela primeira vez, me tornei imortal. Eu seria capaz de abrir mão disso para ser apenas mais um na multidão?
Eu conseguiria me misturar numa massa de trabalhadores diariamente e fingir que era feliz assim?
Não, eu não seria capaz.
A minha profissão definia quem eu era e sem ela eu me sentiria perdido. Vítor não era capaz de, sozinho, suprir esse papel crucial na minha vida. Esse medo de me perder, de perder o meu status de “alguém” foi o responsável pela minha decisão.
- As pessoas que me cercam não me conhecem tão bem quanto elas pensam que conhecem.
Vítor me olhava atento tentando entender aonde eu queria chegar.
- Mamãe, Zeca e até mesmo você julgam me conhecer profundamente, mas estão errados. Ninguém sabe o que se passa na minha cabeça, só eu, e até mesmo eu tenho dificuldades para me entender de vez em quando. Rafinha um pouco.
Mas Felipe sim me conheceu e me entendeu.
- Eu te conheço o bastante para saber que você não gosta e não quer ficar sozinho.
- É verdade, mas tem mais coisas por trás. Eu me acostumei à solidão e hoje consigo conviver com ela em paz.
Seu sorriso se perdeu quando ele percebeu o rumo da conversa.
- Eu gosto da pessoa que me tornei. Não tenho vontade de regressar a quem eu era. Eu consegui me destacar no meio da multidão, Vítor, eu consegui me tornar alguém.
Como você pode pedir para eu voltar a ser alguém sem brilho? Isso seria a morte para mim, Vítor.
Eu não conseguiria ser feliz ao seu lado, o que te faria infeliz também e no final destruiríamos qualquer sentimento bom que tenha ficado entre a gente. Se terminarmos agora, ainda vão ficar as lembranças boas.
Vítor começou a chorar, o que me fez chorar também. Eu odiava estar partindo seu coração daquele jeito, mas eu não voltaria atrás na minha decisão.
Desesperado, ele me agarrou e começou a me dar beijos aflitos na boca.
- Por favor, Bernardo, eu te amo! Eu juro que te amo!
- Eu também, Vítor, mas isso não é mais o bastante para mim.
Eu nunca falava que o amava. Eu só dizia que também, mas não falava a frase toda. Simplesmente não conseguia dizer a mais ninguém; só ao meu amor, meu anjo dos olhos azuis. Só para ele...
Eu via que o Vítor percebia isso e ficava magoado, mas era mais forte que eu.
- Você nunca fala que me ama. Você concorda e deixa isso claro, mas não fala. Rafael já me disse que você só fala isso para o Felipe e é assim até hoje e sempre. Eu sei disso. Sei que ele mesmo estando morto é o mais importante na sua vida.
Você fala para Rafael também, mas sei que é noutro sentido - Concordei com a cabeça - E sei que eu não vou conseguir mudar isso em você. Mas sei que podemos ser felizes. E eu aceito que você considere o Felipe o seu amor verdadeiro. Isso não me magoa mais tanto assim. E se eu quiser ter algum dia algum espaço no seu coração, também sei que vai ser um espaço menor que o que ele ocupa.
- Vítor... - Mas ele me interrompeu.
- Eu respeito isso e nunca vou cobrar nada. E não vou me sentir colocado em segundo plano por você. Falo isso de coração aberto.
Se eu sinto ciúmes? É claro que sinto! Muito mesmo. Por não ser o que deveria ter sido para você. E ele foi, né?
- Ele é, Vítor! Ele é! Vai ser sempre.
- Sim. Mas podemos ter nosso momento também, não acha?
- Acho sim. Mas nossas vidas fora do amor são incompatíveis demais.
- Já sei! Eu largo tudo, e fico com você, custe o que custar.
- Cairíamos no mesmo erro, Vítor. Você ficaria infeliz, me faria infeliz e terminaríamos magoados um com o outro.
- Bernardo, por favor! Abre os olhos, você acha que vai conseguir ser feliz sem mim?
- Eu não achava que seria feliz após ser expulso de casa pelo meu pai ou pior, após a morte de Felipe, mas eu estou seguindo em frente. Estou tentando.
Você não me conhece, Vítor, não subestime minha capacidade de me levantar depois das rasteiras que a vida me passa.
- Bernardo...
- Com licença, Vítor, preciso acabar de me arrumar.
Ele continuou parado onde estava, me olhando, me implorando com os olhos para que eu dissesse que aquilo tudo era uma piada.
Mas eu não costumava voltar atrás nas decisões que tomava. Voltei a me sentar na cadeira que ficava em frente ao espelho e comecei a secar as lágrimas com um lenço. Vítor ainda chorava muito e me olhava ferido. Eu me segurava para não recomeçar a chorar.
- Eu te entendo... - Ele falou enfim secando as lágrimas na blusa que usava.
- Obrigado. - Respondi sem olhá-lo diretamente.
- Acho que isso é um adeus...
- Acho que sim.
- Bernardo? - Ele falou me forçando a olhá-lo.
- O quê?
- Você acha que um dia nós vamos ser felizes juntos?
- Não sei, torço para que sim.
- Adeus...
- Adeus...
Voltei a olhar para o espelho. Ele correu até mim, me puxou de uma vez me levantando e me roubou um beijo apaixonado, o nosso último beijo.
- Boa sorte com a vida que escolheu. - Ele falou ao nos separamos.
- Te digo o mesmo.
- Nunca se esqueça que te amo.
- Eu também, Vítor.
Lhe dei um último selinho extremamente carinhoso, ele sorriu agradecido e saiu do camarim. Ao vê-lo passar pela porta, foi impossível me segurar e me desmanchei em lágrimas. Eu sabia que lá fora ele estava fazendo o mesmo.