IDAS E VOLTAS [24] ~ E a dor da partida

Aline não cabia em si de felicidade, ela mesma organizou tudo para a festa, seria no mesmo clube em que foi meu aniversário. Na sua lista de convidados estava toda a família até mesmo os parentes mais distantes que não víamos há muito tempo.

Procurei não me envolver nos preparativos, segui minha vida trabalhando e esperando pelo dia da mudança com meus amigos, aguardava ansioso pelo retorno das aulas para iniciar uma nova etapa na minha vida.

Na véspera do casamento, já estava deitado quando chegou uma mensagem em meu celular, mais ou menos eu previ quem era, nem olhei, pois sabia que seria mais uma decepção. Levantei da cama e desliguei o aparelho.

No dia da festa a casa encheu de parentes, mas eu estava alheio a tudo, fui para o mercado e fiquei por lá trabalhando.

Estava distraído organizando umas prateleiras quando recebi uma visita a qual não esperava tão cedo.

- Tem vaga pra mais um?

Aquela voz era conhecida, olhei para ver quem era e dou de cara com Juliano sorrindo do outro lado do balcão.

- Achei que você não viria.

- E porque não viria? Eu gosto muito da Aline e não poderia deixar o casamento dela passar em branco.

- Achei que depois da nossa última conversa por telefone, você estaria magoado comigo.

- Não teria porque, foi uma escolha sua e eu tenho que seguir minha vida.

- Ainda bem que você entendeu o meu lado.

- Não vamos falar nisso, águas passadas disse ele sorrindo.

Juliano me fez companhia por muito tempo, ele me falou que tinha passado naquela disciplina que participou do intensivo, disse que entrou de férias na faculdade e estava se preparando para ficar na praia de Guarapari por quinze dias.

As horas passaram e infelizmente chegou o momento de se preparar para o casamento. Retornei para casa na companhia de Tiago, já estava tudo certo para a cerimônia, tomei um banho rápido e coloquei minha roupa a qual estava separada em cima da cama.

Tiago e Paula eram os padrinhos de casamento de Aline e pelo lado do Roger era o patrão dele e a esposa.

Antes de irmos para a igreja, passamos na casa da Paula para pegá-la, ela estava linda, aliás, ela e meu irmão estavam lindos, os dois faziam um belo casal.

Chegamos à igreja tinham poucas pessoas, entrei junto com eles e sentei num banco reservado a família ao lado da minha mãe.

Por um instante notei que ela chorava, não entendi o porquê e fiquei preocupado.

- Mãe, a senhora está bem?

- Estou preocupada.

- A senhora não precisa chorar por minha causa.

- Não é por você meu filho, estou preocupada com sua irmã.

- Ela está feliz não fique preocupada.

- Promete uma coisa pra mim?

- A senhora está muito estranha.

- Promete?

- Prometo, fique tranquila, não vou estragar a felicidade de Aline.

- Não é isso meu filho, me prometa que nunca vai abandonar sua irmã?

- Porque a senhora está me pedindo isso?

- Perante Deus meu filho promete pra mim e não faz perguntas.

- Prometo, mas não estou entendendo nada.

- Eu te amo muito meu filho e tenho certeza que vai cumprir sua promessa caso sua irmã precise de você.

- Eu nunca vi a senhora tão estranha como hoje, o que está acontecendo?

- Não é nada demais apenas preocupação de mãe.

Pensei em continuar aquela conversa, mas anunciaram a chegada de Roger com sua mãe. Os dois entraram lentamente, ele segurando em seu braço, estava sério e mal olhou para os lados, ao contrário dela que estava muito feliz. Assim que chegaram ao altar, ele deu um beijo no rosto dela que se retirou e sentou ao lado de Paulo e da esposa na parte reservada a família dele.

Procurei não olhar para o altar, não queria ver se no rosto dele havia olhar de felicidade ou de tristeza. Observei outra fileira de bancos e encontrei algo que na hora me soou muito estranho, mas não impossível. Diego estava acompanhado de um cara, de longe não reconheci, olhei para ele com olhar de quem não estava entendendo quem era aquele rapaz, mas por sua feição de felicidade cheguei à conclusão que era o Mauricio, será que os dois chegariam a tanto? Apenas sorri para ele e voltei a prestar atenção a minha mãe que falava comigo.

- Sua irmã já vai entrar a vi chegando à igreja com seu pai, ela está linda.

Minha mãe estava muito estranha ela estava feliz e ao mesmo tempo chorava, não sabia se aquele choro era de felicidade ou preocupação com Aline.

Logo que anunciaram a chegada da noiva, papai e Aline entraram por um corredor formado por bancos pelos dois lados, os quais estavam repletos de pessoas e as atenções voltadas para eles.

Aline estava de quatro meses de gravidez, ela sempre foi magrinha e esbelta mal dava para notar sua barriga e ficou linda vestida de noiva.

Enquanto ela entrava um filme se passou por minha cabeça, não podia brigar com minha irmã por causa de homem nenhum, nós tínhamos o sangue de nossos pais que nos uniam, brincamos juntos quando crianças. Muitas vezes chorei no colo dela e outras ela me pediu socorro quando se machucava nas brincadeiras. Porque em adultos seriamos diferentes? Agora ela estava grávida e logo me daria um sobrinho ou sobrinha, era verdade que eu ainda gostava do Roger, mas tinha que passar por cima tudo em nome da minha família.

Assim que ela passou por onde eu estava, olhei para frente onde Roger a esperava e tive a resposta que queria, ele sorria ao vê-la se aproximando e isso me bastava, eles estavam felizes.

Durante a cerimônia saí e fui dar uma volta por uma praça que tinha ali perto, meu pensamento estava longe, não sabia nem o que pensar direito. Sentei num banco e fiquei aguardando até que finalmente os noivos saíram, já estavam casados e em seguida um aglomerado de pessoas se formou do lado de fora da igreja e aos poucos foi se dissipando à medida que se retiravam para a festa.

Fui para o carro de Tiago e fiquei esperando por ele e Paula que logo em seguida chegaram.

- Procurei por toda parte e não te encontrei, onde você foi?

- Não estava me sentindo bem e resolvi dar uma volta.

- E agora você está bem, Sandro? Perguntou Paula.

- Estou bem, não precisa se preocupar.

- Fico feliz que está sabendo administrar tudo o que está acontecendo com maturidade.

- O Tiago tem me ajudado muito e também tenho que encarar os problemas de frente.

- Pode contar comigo também, gosto muito de você.

- Obrigado Paula, meu irmão merece uma pessoa assim como você.

- Nós conversamos muito sobre seus problemas e às vezes eu ponho algumas coisas nessa cabecinha dura, disse ela fazendo um carinho no Tiago que começou a rir.

- É bom saber que boa parte dos conselhos que ele me dá vem de você.

- Também não é assim disse o Tiago e arrancou sorrisos de todos nós, só ele mesmo para me fazer sorrir naquele dia.

- Tiago, você notou se nossa mãe está diferente?

- Notei, já faz alguns dias, ela anda estranha, por quê? Ela te falou alguma coisa?

- Não, apenas me pediu para fazer uma promessa a ela.

- Que promessa?

- É assunto nosso e não gostaria de comentar sobre isso.

- Ela me pediu uma coisa também e depois que passar a festa do casamento quero conversar com você.

- Não é sobre a minha mudança?

- Fica tranquilo, não é sobre isso.

Chegamos à festa e tinha muita gente já na entrada do salão, os noivos cumprimentavam as pessoas, pensei pra mim mesmo, como passaria por mais essa provação do destino? Criei coragem e fui atrás de Tiago e Paula, enfrentamos uma fila e logo chegamos onde eles estavam. A primeira a cumprimentar foi Aline.

- Parabéns minha irmã, quero que você seja muito feliz.

- Eu sei disso, conheço bem o irmão que tenho, beijei seu rosto e nos abraçamos, em seguida foi à vez de Roger, criei coragem e cumprimentei.

- Parabéns e cuida bem da minha irmã ela é um anjo e não merece sofrer.

- Não vai me dar um abraço?

Antes mesmo de dizer alguma coisa ele me abraçou e falou baixinho.

- Quero que seja feliz ao lado da pessoa que você ama.

Afastei-me dele e saí meio desorientado andando no meio daquele tumulto de pessoas até que dei de cara com Juliano.

- Aonde vai com tanta pressa?

- Dar uma volta para arejar a cabeça.

- Quer companhia?

- Não.

- Está certo, disse ele e saiu no meio das pessoas.

A festa transcorreu normal os noivos pareciam estar radiantes de felicidade. Após os cumprimentos veio o jantar, sobremesa e depois foram dançar.

Eu estava meio aéreo naquela festa, tentei me manter afastado de tudo. Procurei por meus amigos e encontrei Rafael e Fernanda, sentados numa mesa observando tudo. Fiquei na companhia deles até que dei falta do Lucas.

- Cadê o Lucas?

- Acho que arranjou alguém interessante, disse Fernanda.

- O Lucas é doido mesmo.

- Ele não perde tempo, disse Rafael.

- E aí turminha legal? Olhei era o Diego acompanhado do rapaz da igreja, reconheci assim que o vi de perto.

- Acho que já conheço o seu amigo, disse Fernanda.

- Conhece, mas não deve lembrar, esse é o Mauricio, disse ele sorridente.

O cumprimentamos e ele me pareceu uma pessoa muito agradável, a primeira coisa que me chamou atenção foi que ele estava sem aliança, será que tinha se separado conforme prometeu ao Diego?

Os dois sentaram conosco e logo Maurício se entrosou na nossa turma, achei estranho o sumiço do Lucas, mas estava agradável a companhia deles que Lucas nem fez falta.

Teve uma hora que Aline veio me chamar para tirar uma foto com ela, apesar de não gostar muito de fotografia, não tive como fugir ou negar.

Fui com ela tirar a foto, dei sorte que foi rápido e logo me liberei, apesar de conformado não me sentia bem na presença de Roger, quanto mais tempo longe dele era melhor.

Quando estava voltando para mesa encontrei meu pai que me chamou para conhecer um amigo dele de longa data, fui com ele numa parte mais reservada do salão onde estavam assando carne perto da cozinha. Cumprimentei o amigo dele e voltei, porém no caminho de volta olhei para um balcão perto da copa e avistei Lucas conversando com Juliano num papo bem animado, não acreditei no que estava vendo, não era possível, o Lucas sabia que Juliano era meu primo e Juliano sabia que Lucas era meu amigo, inclusive estava comigo e Rafael no dia em que fomos olhar a casa da tia em Belo Horizonte.

Fiquei com raiva e fui até eles.

- Qual é Lucas, é assim que você é meu amigo? E você Juliano, o que tem a me dizer?

- Eu que pergunto, qual é a sua? Está a fim do Juliano?

- É claro que não, ele é meu primo será que nem isso você respeita.

- E desde quando você se preocupa com seus primos?

- Não tenta confundir as coisas, você entendeu muito bem qual foi minha intenção.

- Calma gente, estamos chamando atenção, disse Juliano.

- É só isso que você tem a me dizer?

- Não, mas se você quiser me ouvir vamos conversar em outro lugar.

- Aproveita Sandro, ele arrasta um trem de 10 vagões por você, não jogue essa oportunidade fora.

- Vocês se merecem.

Saí de perto deles e fui para onde estava Rafael conversando com Diego e Maurício.

Quase no final da festa, Diego e Maurício saíram de fininho, no mínimo dariam um jeito no hotel de passarem a noite juntos, Rafael se despediu de Fernanda e ela foi embora com a família, os pais dele logo saíram e ele foi também. Juliano estava calado sentado à mesa, ficou distante parecia chateado, sentei com ele e logo Laura e Fabrício vieram nos fazer companhia.

- A festa estava linda.

- Foi Aline que organizou tudo.

- O que foi Ju, você está triste?

- Estou cansado.

- Se vocês quiserem podemos ir pra casa, a festa já está acabando.

- Fabrício e eu vamos para o hotel.

- Porque vocês vão para o hotel se lá em casa tem lugar para todos?

- Tem muita gente, fica muito desgastante pra tia atender todo mundo.

- Se eu soubesse que vocês ficariam no hotel poderia ter ido também.

- O problema é que agora não tem mais vagas, vá com o Sandro.

- Vamos Juliano, estou cansado, mas quem vai nos levar?

- Estou de carro.

- Então vamos.

Despedimos de Laura e Fabrício, avisei minha mãe que estava indo pra casa e depois saímos.

No caminho ele dirigia em silêncio, nem parecia o mesmo Juliano que tinha passado o ano novo comigo, estava diferente.

No meio do caminho o celular dele começou a tocar, ele pegou o telefone e me alcançou.

- Atende pra mim? É a Laura.

Peguei o telefone da mão dele e atendi.

- Oi Laura!

- Sandro, é você?

- Sim, por quê?

- Queria falar com o Ju, estou preocupada com ele, aconteceu algo que o chateou.

- Não deve ter sido nada demais.

- Ele está bem?

- Está dirigindo fica tranquila.

- Está bom, beijos!

- Beijos!

Ao desligar o telefone notei que minha foto não estava mais na área de trabalho do celular.

- Laura parece à mãe que nunca tive, não vou nem perguntar o que ela queria.

- Ela gosta de você e fica preocupada.

- Às vezes é até demais, me mostra o caminho estou perdido.

Mostrei o caminho a ele e logo chegamos a minha casa.

- Quer ficar no meu quarto?

Ele me olhou assustado com se não tivesse acreditando.

- Você é o anfitrião.

- Então fica, mas como dois bons amigos, tudo bem?

Ele não disse nada, apenas colocou sua mochila em cima da minha cama e tirou uma roupa de dormir.

- Se importa se eu tomar um banho? Essa roupa social está me sufocando.

- Claro que não, usa o meu banheiro.

Consegue uma toalha?

- Claro.

Fui até o armário peguei uma toalha e entreguei a ele que já tinha tirado o casaco, gravata e camisa, estava só de calça social.

Enquanto ele tomou banho tirei minha roupa que estava sufocante e vesti uma mais confortável, coloquei um colchão para ele dormir no chão e arrumei direitinho.

Logo ele saiu do banheiro, veio direto ao colchão e deitou sem dizer uma única palavra, achei muito estranho porque Juliano vivia me paparicando e agora estava me tratando frio daquele jeito.

- Você está bem?

- Estou! Importa se eu dormir destapado está muito calor?

- Fique a vontade.

Fui para o banheiro tomar um banho, estava muito calor e a água estava muito gostosa. À medida que fui relaxando fiquei pensando em tudo que eu tinha passado naquele dia, era o fim de algo que sonhei anos na minha vida. O Roger já não era mais o cara aventureiro que me apaixonei, agora era um homem comprometido com mulher, filho, obrigações e eu estava fora desses planos, não pela vontade dele, mas eu não queria mais tinha que seguir minha vida. Nem chorar eu consegui, apenas tomei banho e deitei, estava tão cansado que dormi direto.

Acordei pela manhã esmagado na cama, não tinha coragem de abrir os olhos, só então me lembrei do Juliano, será que ele teve coragem de deitar comigo?

Abri os olhos e ele dormia tranquilamente no colchão, virei na cama e vi que era o Tiago, estava dormente dele estender sua perna por cima das minhas e um braço na volta do meu corpo, chamei e não acordou, foi então que resolvi levantar.

Cheguei ao andar de baixo e já tinha uma galera reunida, entre eles Roger e Aline que viajariam antes do meio-dia para Santa Catarina em lua de mel por quinze dias.

Aos poucos a turma foi aumentando e quando minha mãe serviu o almoço tinha muita gente que nem coube à mesa, eram parentes tanto da minha mãe quanto do meu pai.

Juliano continuava distante comigo, ficou chateado pelo lance do Lucas e eu estava me sentindo tão sozinho que sentia falta de sua companhia.

Depois do almoço Roger e Aline vieram se despedir antes da viagem.

- Mano, deixa eu te dar um abraço, vou sentir saudades de tudo.

- Agora que casou, não esqueça sua família.

- Jamais.

Ela me deu um abraço e depois foi à vez de Roger me abraçar sem necessidade, pois ele não fez isso com todos os presentes.

- Se cuida, na volta nos falamos.

- Cuida bem da minha irmã e do seu filho, não esqueça que agora você tem uma família.

Logo depois que eles saíram foi à vez de Juliano vir se despedir de mim, era cedo ainda, não estava entendendo o motivo daquela saída tão repentina.

- Já vai?

- Vim para o casamento da Aline, já terminou a festa, não tem porque eu continuar aqui.

- Está cedo, não vai ainda.

- Vou pegar minhas coisas lá em cima.

Ele subiu para o quarto para pegar suas roupas, não podia deixá-lo sair magoado comigo, subi e fui atrás dele.

- Você está chateado comigo?

- Não, estou magoado comigo mesmo.

- Me desculpa por ontem à noite, eu não tinha que ter atrapalhado você e o Lucas.

- Não tenho nada com Lucas, estávamos conversando sobre você.

- Sobre mim?

- Esquece, não vale a pena.

Ele pegou seus pertences e foi saindo, fui atrás dele, mesmo assim ele se despediu de todos e foi embora sem me dar um abraço como sempre fazia.

Depois que Juliano saiu o que restava daquele final de semana perdeu a graça, não tinha a quem recorrer, meus amigos tinham seus compromissos, Rafael estava com Fernanda, Lucas com seus amigos, isso se não tivesse em alguns de seus encontros, Tiago e Paula estavam envolvidos com os convidados e Diego com Maurício.

Fui para o meu quarto, deitei na cama e chorei, chorei muito, estava me sentindo sozinho, chorei tanto que minhas lágrimas secaram e acabei pegando no sono.

Acordei no dia seguinte, era uma segunda-feira chuvosa, cheguei à cozinha e minha mãe estava tomando café com meu pai.

- Oi meu filho, ontem à noite fui chamar você para o jantar, mas entrei no quarto e estava dormindo tão tranquilamente que não quis incomodar.

- Foi bom mãe, ontem eu estava cansado.

- Bom dia família, disse Tiago entrando na cozinha.

- Bom dia meu filho.

- Bom ter a família reunida, sua mãe e eu queremos conversar com vocês. Queríamos falar com Aline também, mas decidimos não estragar esse momento que ela está vivendo.

- O que houve pai? Perguntou Tiago assustado.

- Sua mãe não está bem de saúde.

- O que a senhora tem? Perguntou Tiago mais assustado ainda.

- Fiz um exame de rotina e o médico não gostou do resultado, pediram outros exames alguns dias atrás e não deram bons.

- Isso quer dizer o que? Perguntou Tiago mais uma vez.

- Eu tenho câncer pancreático.

- Então tem que fazer tratamento urgente, disse o Tiago sem entender.

- É sobre isso que queremos falar com vocês, o médico falou que o caso da sua mãe está muito avançado e uma cirurgia não vai resolver porque já está em outros órgãos.

Tiago ficou branco e eu não consegui falar, fiquei travado sem reação, meu pai estava abatido e minha mãe por incrível que pareça estava bem, em questão de segundos ela deu um jeito de mudar o clima.

- Não quero e nem admito choro e lamentação na minha frente, o que tinha que chorar e lamentar eu fiz quando descobri e agora já aceitei.

- Mas, mãe... Disse Tiago e ela o interrompeu.

- Não posso reclamar da minha sorte, seu pai sempre foi meu companheiro em todos os momentos, ele me deu três filhos lindos, trabalhadores, educados, nunca precisei de nada porque tive vocês e se agora estou recebendo essa empreitada é porque Deus acha que tenho fibra pra enfrentar esse desafio.

- Quando a senhora descobriu? Perguntou Tiago.

- Logo depois do ano novo, já era pra ter iniciado o tratamento, mas não quis atrapalhar a felicidade de sua irmã, pelo menos realizei o sonho de ver o casamento de um dos meus filhos. Não era o tipo de união que sonhava pra Aline, mas temos que aceitar os desígnios de Deus.

- Para com isso mãe, falei e desabei no choro.

- Filho, por favor, Sandro, não faça isso, eu não quero vocês chorando e se lamentando, vou iniciar o tratamento conforme o médico me recomendou e a vida segue.

- Eu não vou mais para Belo Horizonte, não posso sair com a senhora assim.

- Não podemos parar nossas vidas por causa disso, o Tiago vai terminar a faculdade e se Deus me permitir quero vê-lo formado e você vai, quero que faça arquitetura como sempre sonhou, no início vai ser difícil, mas não tenha medo, não deixe se envolver com falsas amizades e cuide-se da tentação pelas drogas, a sua dignidade depende do seu caráter e os dois devem andar juntos.

- Mãe...

- Não discuta comigo, você me conhece, disse ela encerrando o assunto.

Naquele mesmo dia meu pai foi para a cidade de poços de caldas para ela iniciar o tratamento, ficamos Tiago e eu tomando conta de tudo, nada mais era como antes, de um momento para outro nossa vida se desestruturou completamente.

Neste mesmo dia minha mãe ficou hospitalizada para tratamento e realização de exames, meu pai ficou com ela.

A notícia da doença de minha mãe logo se espalhou pela cidade, odiava quando a tratavam como uma pessoa condenada, preferia mil vezes que me chamassem de viado como faziam, do que falarem dela sem poder se defender.

Uma semana se passou, no domingo, Tiago, Paula e eu fomos até o hospital onde ela estava internada, já não era mais a minha verdadeira mãe que estava ali, ela estava entubada e sem vontade de se alimentar.

Quando nos viu ela ficou feliz da vida, no pouco tempo que ficamos com ela parecia que tinha ganhado energias positivas, quando saímos do hospital ela estava bem embora com aqueles aparelhos.

Voltamos para casa. Aquela era a última semana antes da minha mudança, eu não tinha cabeça para dar um passo tão importante enquanto minha mãe lutava pela vida no hospital.

Meus tios e outros familiares nos ligavam todos os dias para saber notícias, toda vez que o telefone tocava era uma tortura, tinha medo que acontecesse alguma coisa com ela, não queria perdê-la.

Encontrava o apoio nos meus amigos Rafael e Fernanda, que inclusive ela começou a trabalhar no mercado, Tiago precisava alguém de confiança, além dela Paula também começou a nos ajudar.

Naquela semana Lucas me procurou no mercado, não tínhamos nos visto desde a festa de casamento.

- Vim te pedir desculpas pelo dia da festa.

- Desculpas de que?

- Você ficou com ciúmes por causa do Juliano.

- Não estou nem ai pra vocês.

- Ele não é de se jogar fora e você esnoba o cara.

- Não sou a fim dele.

- Tem certeza que não?

- Tenho.

- Acho o Juliano um fofo, educado, culto e bonito demais.

- E daí? Grande coisa.

- Dá vontade de sentar no colo dele e encher de beijos.

- Para Lucas.

- Uma pena que ele é parado na sua, disse ele rindo.

- Eu nem sei como ainda sou seu amigo?

- Se você não o quer, eu quero.

- Faça bom proveito, os dois se merecem.

Lucas caiu na risada.

- O que foi?

- Não precisa ficar com ciúmes eu não tenho nada com ele e nem quero ter, o cara é louco por você.

- Nem é ciúme

- Não? Achei que fosse pular na gente só porque estávamos conversando.

- Só preocupação, ele é meu primo.

- Me engana que eu gosto e nem é seu primo.

- Eu ainda amo o Roger.

- Duvido.

- Para Lucas, não gosto dessas brincadeiras.

- Não é brincadeira, é sério e se você continuar esnobando o Juliano logo ele cria asas.

- Porque você diz isso?

- Ele não é de se jogar fora, é simpático, inteligente, carismático, a mulherada e a viadagem caí em cima.

- Isso só prova que ele é mais um sem vergonha que não vale nada.

- Você quer que ele fique num altar te esperando? O cara não é santo é de carne e osso.

- Para de colocar tolices na minha cabeça.

- Estou falando sério, mas se você não quer me ouvir, problema é seu.

- E porque o seu interesse?

- Sou seu amigo, aproveita enquanto ele está a fim, mas não esquece, tudo tem prazo de validade.

- E se não der certo?

- Você só vai saber se tentar, dê uma chance a ele.

- Não quero magoá-lo.

- Se não quiser ele, tem o papai aqui.

- Vai se fuder, Lucas, ele caiu na risada e no final virou tudo em palhaçada.

Neste dia Lucas ficou lá em casa, fez companhia pra mim e ao Tiago, acabei contando a ele sobre minha mãe e disse que não sabia mais se ia mudar para Belo Horizonte como tínhamos combinado.

Resolvi ter uma conversa com Tiago, estava dividido e indeciso não sabia se mudava ou se ficava em casa ajudando ele no mercado.

- Estou pensando em ficar em casa este ano e depois que as coisas melhorarem eu mudo.

- A mamãe não vai gostar.

- Não posso te deixar sozinho cuidando de quatro mercados?

- A Paula e a Fernanda estão me ajudando.

- Não é a mesma coisa, elas não têm experiência e também estou sem cabeça para sair com a mamãe no hospital.

- Eu entendo a sua posição, mas acho melhor atender ao pedido dela e eu estou bem, vou resolvendo as coisas como posso.

- Vou pensar, mas caso eu não vá, ela não precisa saber.

- Siga seu coração.

Durante a semana passei dividido, totalmente perdido sem saber que rumo tomar na vida, pensava na situação da minha mãe, meu pai sozinho com ela no hospital distante de casa, o Tiago sozinho pra tudo, não era justo iniciar uma nova vida e deixar minha família à própria sorte, no final decidi não mudar, avisei Rafael e Lucas que não daria, mas guardaria meu lugar e dividiria o aluguel com eles, não era justo prejudicar os dois já que havíamos combinado.

Liguei para tia Joana e pedi para ela cancelar minha matrícula, não tinha outra solução se não parar e depois recomeçar novamente. Na minha antiga escola eu não voltaria principalmente depois de tudo que passei, resolvi ficar em casa e ajudar o Tiago no mercado que era a matriz.

Ele não gostou muito da minha decisão, mas entendeu a situação e combinamos de não falar nada a nossa mãe.

Nesse período decidimos fechar o mercado mais cedo porque ficava sozinho com a Fernanda e era muito perigoso manter o estabelecimento aberto pelo risco de assalto, a cidade era pequena e as pessoas sabiam que estávamos sozinhos cuidando de tudo.

Na sexta-feira fiquei sozinho em casa, as aulas de Tiago já tinham começado, estava distraído assistindo TV quando ouço uma buzina de carro no portão e logo meu celular tocou.

- Abre a porta pra mim, disse Juliano assim que atendi.

- É você que está no portão?

- Sou eu, não quis que você abrisse a casa nesse horário sem saber quem era, é perigoso.

Na hora eu nem soube o que pensar, mas fiquei feliz, corri para o portão e abri para ele entrar, estava muito só nos últimos dias e a visita dele caiu como um alento a tantos problemas.

Assim que chegou ele veio ao meu encontro e me abraçou, era o abraço que estava precisando, me senti protegido, chorei muito enquanto estávamos abraçados e ele com toda calma do mundo foi me acalmando e secando minhas lágrimas.

- Adivinhei que você estava precisando de mim.

- Não vou mais pra Belo Horizonte.

- Vai sim, só teve que adiar.

- Achei que você estava magoado comigo.

- Até fiquei, mas não consigo ficar afastado de você por muito tempo.

- Vamos entrar, está com fome?

- Um pouco, nem parei na estrada.

Entramos e fomos para a cozinha preparar algo para comer, no final ele me ajudou enquanto contei tudo o que estava ocorrendo com minha mãe e quando Tiago chegou estávamos terminando de preparar o jantar.

Vocês devem estar se perguntando e a empregada que eles tinham? Continuava trabalhando, porém ela apenas preparava o almoço, minha mãe tinha esse hábito de cuidar da cozinha depois que chegasse do mercado, ela gostava e na sua ausência Tiago e eu deixamos toda a rotina como era.

- Nem acreditei que era você quando vi o carro na garagem, disse Tiago vindo até ele e abraçando-o.

- Senti que o Sandro precisava de mim, espero que você não se importe da minha visita.

- Veio em boa hora, é bom contar com os amigos.

Enquanto jantamos conversamos sobre os problemas que estávamos enfrentando, Tiago ainda não estava de acordo com a minha decisão de adiar a mudança, mas Juliano ajudou a convencê-lo e aceitar.

Logo após o jantar, Tiago foi dormir ele estava cansado, Juliano e eu arrumamos tudo na cozinha, depois ele pegou sua mochila e subimos para o andar de cima.

- Vai querer ficar no quarto da Aline ou me fazer companhia?

- Vim pra te fazer companhia.

- Então vem comigo.

Enquanto Juliano tomou banho arrumei o colchão no chão, porém dessa vez, juntei o meu junto ao dele e fiz uma cama de casal. Não fui mal intencionado, na verdade estava precisando de alguém por perto.

Assim que saiu do banheiro ele olhou para a cama e antes de falar algo eu mesmo falei.

- Fiz uma cama de casal, você se importa?

- Claro que não e também somos bons amigos.

- Vou tomar um banho, fique a vontade.

Saí para o banheiro e ele ficou se ajeitando para dormir, quando retornei Juliano já estava deitado.

Depois que deitei lembrei que ele havia dito que ia tirar férias em Guarapari e na verdade não era para ele estar ali.

- Juliano, já dormiu?

- Não, o que você quer? Disse ele virando para o meu lado ficando de frente pra mim.

- Você não ia tirar férias?

- Estou de férias até segunda, mas você precisava de mim por isso eu vim.

- Obrigado por se preocupar comigo, está cansado?

- Um pouco, a viagem é cansativa.

- Quer dormir?

- Não, quero cuidar de você, disse ele fazendo carinho no meu cabelo.

Juliano ficou fazendo carinho nos meus cabelos por um bom tempo, fui relaxando enquanto ele continuava enrolando meu cabelo que apesar de curto dava bem para deslizar entre seus dedos, a massagem dele foi me desligando de tudo e logo peguei no sono.

Acordei pela manhã com o barulho do chuveiro, levantei e fui até a porta do banheiro que estava entreaberta, tive vontade de entrar, mas não deu coragem, fiquei ali com o coração batendo acelerado, na verdade tinha algo que me impedia de ter algo mais com ele e também não tinha cabeça pra pensar em nada, minha vida estava tão bagunçada que não dava para investir em algo novo. Logo ele desligou o chuveiro e antes de me ver saí dali e fui pegar uma roupa para vestir após o banho.

No sábado fomos para o mercado, ele foi conosco e acabou nos ajudando mesmo sem saber fazer muita coisa, foi aconchegante tê-lo ao meu lado naqueles momentos difíceis.

Saímos do mercado já era sábado à noite, no domingo não abriríamos já que Tiago e eu visitaríamos nossa mãe no hospital.

No domingo pela manhã bem cedo recebi a visita de Rafael e Lucas que foram se despedir. Naquele dia os dois mudariam para Belo horizonte, iriam de ônibus, mas no final acabaram se acertando com Juliano para pegarem uma carona quando ele voltasse.

Depois que Rafael e Lucas saíram, fomos para o hospital, Juliano e Paula foram conosco. Ao chegarmos lá encontramos Roger e Aline, ela estava diferente, sua barriga já estava bem evidente. Ela veio até nós e abraçou a mim e ao Tiago, chorou muito, pois soube naquele mesmo dia, tia Joana foi quem lhe contou que nossa mãe estava com câncer.

Após acalmarmos Aline entramos num corredor interminável até que chegamos no quarto. Nesse dia mamãe estava bem, continuava com a sonda para se alimentar, mas ela tinha uma força e uma gana pela vida que ao nos ver, voltou a sorrir.

Ficamos com ela naquela tarde de domingo e depois voltamos pra casa. Durante a viagem o silêncio era evidente, nesta hora recebíamos o choque com a realidade, era difícil aceitar, às vezes eu perguntava a Deus em minhas conversas entre minha mente e ele, porque tudo aquilo? Porque logo minha mãe?

Chegamos já era noite, Rafael e Lucas já esperavam por Juliano para viajarem, foi o quanto ele pegou suas coisas e se despediu para em seguida os três saírem, era tarde, fiquei preocupado de pegarem a estrada à noite, mas Juliano disse que precisava voltar, pois no dia seguinte iniciaria suas aulas.

Depois que eles saíram voltei à realidade e me apegava com todas as minhas forças pedindo a Deus para salvar minha mãe e assim passou mais uma semana.

Nas sextas-feiras Juliano vinha nos fazer companhia, Rafael era seu companheiro de viagem. Neste período nos aproximamos muito, ele foi um grande amigo. Aos sábados ele e Rafael nos ajudavam no mercado e aos domingos íamos para o hospital visitar minha mãe, foi assim em março e abril. Neste período ela nunca obteve melhoras, nem as sessões de quimioterapia resolvia, por fim ela recebia altas doses de endorfina e no dia 24 de maio de 2009 enquanto estava em nossa companhia ela partiu.

Depois disso perdemos nossa base e nossa estrutura, mamãe baixou o hospital e nunca mais voltou pra casa, era difícil aceitar como tudo aconteceu tão rápido. No início do tratamento eu rezava para Deus salvá-la e no final já pedia para livrá-la das dores e do sofrimento.

O mês de junho foi o período de readaptação, nada mais era como antes, nossa casa já não era a mesma coisa, meu pai também não se encontrou e caiu em depressão.

Aline continuava em Belo Horizonte com Roger, enquanto Tiago e eu tentávamos ajudar nosso pai que perdeu a vontade de viver. Nunca acreditei em almas gêmeas, mas através dele percebi o quanto os dois se amavam.

Nós já não sabíamos mais o que fazer para animá-lo nem mesmo os mercados que era sua vida ele queria saber, foi então que tio Carlos resolveu levá-lo para Belo Horizonte para fazer tratamento e novamente ficamos Tiago e eu cuidando de tudo.


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Comentários


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elzonetto Comentou em 03/08/2024

Que história!! Chorando horrores!!! Nem sei o que dizer…




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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
contosdelukas

Nome do conto:
IDAS E VOLTAS [24] ~ E a dor da partida

Codigo do conto:
217405

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
03/08/2024

Quant.de Votos:
5

Quant.de Fotos:
0