Pra mim foi um momento marcante, pois sabia que podia contar com o apoio deles quando precisasse, mas essa proximidade e esse carinho foram determinantes para que eu me tornasse uma pessoa melhor, principalmente na fase de transição em que me encontrava.
Minha passagem estava comprada para domingo pela manhã, queria chegar a tempo de me organizar e descansar para iniciar as aulas com tranquilidade no dia seguinte. Tiago queria me levar, mas não aceitei, ele mal tinha tempo para descansar e eu tinha que andar sozinho e estava feliz com essa possibilidade.
Tiago também quis me dar um carro, mas não aceitei decidi esperar até sair o inventário da minha parte na herança de mamãe que já estava em andamento.
No domingo pela manhã acordei cedo e fui para a piscina, era nela que passava maior parte do tempo. Toda vez que estava livre do mercado lá estava eu nadando. Foi minha companheira de muitas horas e nada mais justo que aproveitar mais um pouco já que agora não seriamos mais tão próximos como antes.
Enquanto nadava pensei na minha infância naquela casa, minha mãe nos chamando atenção, sempre na correria para o trabalho e papai então nem se fala.
Pensei nas muitas vezes que briguei com meus irmãos por coisas tão banais e também me lembrei da nossa amizade, sempre fomos unidos. Aline? Como mudou com o tempo, já não era mais minha irmã que quando pequena sempre dizia que nunca nos separaríamos e o Tiago era o mesmo, porém, longe de ser o cara que teria tempo pra tudo, logo teria sua família, seus filhos e papai? Pensava muito na situação dele será que conseguiria se habituar a nova rotina da casa?
Tantas lembranças me levaram as lágrimas, porque a vida da gente tem que mudar? Seria tão legal se fosse como era na minha infância e mesmo nadando chorei... Mais calmo saí da piscina e fui procurar por papai que estava acordando
Fui até o quarto dele e bati na porta.
- Pai?
- Oi filho, já está acordado?
- Acordei cedo, inclusive já nadei na piscina.
- Eu vi pela janela, você adora essa piscina, né?
- Ela foi minha companheira de muitos anos.
- Sua mãe sempre dizia que você parecia um peixinho nadando.
- Ela faz falta na nossa vida, mas não vamos falar sobre isso, quero saber como o senhor está?
- Estou bem meu filho, não precisa se preocupar comigo.
- Sempre que o senhor precisar da companhia de alguém, pega o telefone e me liga ou então vai à casa do tio e nos encontramos.
- Você sempre tão preocupado com tudo, não deixe de viver sua vida pensando como as coisas estão indo aqui, estou bem e vou ficar bem com seu irmão e não se preocupe com o mercado, o Tiago sabe muito bem o que fazer e como fazer.
Mesmo assim, o senhor pode contar comigo sempre que precisar.
- Você me acompanha no café da manhã?
- Claro pai.
- Fiz ovos mexidos como você gostava quando era pequeno.
- O senhor lembrou?
- Quando você era pequeno vivia brigando com sua mãe pra fazer.
- Eu me lembro, era uma briga, tanto Tiago, Aline e eu, brigávamos pra repetir.
- É verdade filho, sua mãe não gostava de fazer e mesmo assim era vencida pela vontade de vocês.
- E ela sempre fazia mesmo não gostando.
- Se ela não fizesse era uma guerra.
- Pai, eu fico tão feliz que o senhor está bem.
- Ver vocês felizes é o que me importa.
- E o Tiago?
- Foi abrir o mercado, mas disse que vem se despedir de você antes de sair.
Já estávamos lanchando quanto Tiago chegou.
- Fizeram ovos mexidos e nem me esperaram? Não acredito!
- Foi o papai que fez.
- É verdade pai?
- Lembrei que vocês gostavam e brigavam com a Silvia para ela fazer.
- Quer dizer que o Sandro despertou o cozinheiro que existe em você e eu nem sabia.
- Pode não parecer, mas muitas vezes ajudei sua mãe e preparar a comida de vocês, principalmente quando eram crianças.
Tiago sentou à mesa conosco e terminamos nosso café como nos velhos tempos.
Depois do café fui pegar minhas malas no quarto, tive que deixar meu computador porque era daqueles de mesa e na república não tinha espaço.
Meu telefone começou a chamar, olhei era Juliano.
- Oi, Acordado a essa hora, tudo isso é ansiedade?
- Muita, bom dia meu menino.
- Bom dia, não dormiu à noite?
- Muito pouco, que hora você chega?
- Por volta das 16:00.
- Vou buscá-lo na rodoviária.
- Não vai fazer como da última vez que se esqueceu de mim, disse brincando com ele.
Dessa vez vai ser bem diferente, às 15:00 já estarei lá.
- Não precisa correria e nem ansiedade.
- Sinto muito, mas não tem como controlar, quero te fazer um convite?
- Que convite?
- Passa essa noite comigo?
- Poxa Juliano, hoje não dá, não fica chateado.
- Porque não dá?
- Quero ficar no meu cantinho, preciso curtir minha mudança ao máximo.
- Não tem problema apenas queria curtir você também
- Temos bastante tempo e agora estamos próximos um do outro.
- Acho que estou sonhando, torci tanto pra esse dia chegar, fiz tantos planos e finalmente está acontecendo.
- Seus planos as vezes me assustam.
- Sua vida será totalmente diferente a partir de hoje e eu quero muito fazer parte dos seus planos.
- Você já faz parte deles, mas o controle da minha vida é meu.
- Eu sei e nem disse nada contra.
- Desculpa, mas eu só queria deixar isso bem claro para não gerar conflitos no futuro.
- Eu entendi sua preocupação, o meu único desejo é estar perto de você, só isso.
- Que bom, vou contar com sua carona então.
- Estarei lá com a mesma ansiedade que estou agora.
- Então estamos combinados, beijo!
- Beijos! ... Sandro?
- Oi
- Eu te amo! Falou e desligou o telefone.
Assim você me desarma, falei pra mim mesmo e Tiago entrou no quarto.
- Falando sozinho?
- Com meus pensamentos.
- Vim te dar um abraço e dizer que estou muito feliz por você. Estou orgulhoso em saber que está indo atrás dos seus objetivos.
- Por isso que não aceitei o carro e quero que você me ajude nas despesas apenas até eu conseguir um emprego.
- Você não precisa disso, eu posso te ajudar.
- Mais eu quero assim, deixa pra me ajudar quando realmente precisar.
- Você que sabe, mas se precisar me avisa, não fica passando necessidade por orgulho.
- Quando precisar de colo eu vou ligar, posso?
Sempre e se for preciso vou atrás de você.
- Não quero abusar, logo você terá sua família e as coisas mudam.
- Você também é minha família. Não é porque está saindo de casa ou vou casar que vamos nos separar.
- E quando sai o casório?
- Em Junho. Paula e eu resolvemos esperar até fazer um ano que mamãe faleceu.
- Acho que você está certo, papai não se sentiria bem.
- Nem eu mano, por isso resolvi esperar.
- Tem mais uma coisa que me preocupa, sei que já conversamos sobre isso, mas mesmo assim vou pedir pra você dar atenção especial ao papai.
- Fique tranquilo, eu sei seu receio, já conversei bastante com a Paula e ela me prometeu que vai cuidar dele direitinho.
- Confio em você.
Gostaria muito de poder te acompanhar até a rodoviária, mas tenho que atender o mercado, hoje a Fernanda está de folga, por isso não posso me afastar.
- Não tem problema eu chamo um táxi.
- Vou te ajudar com as malas nas escadas.
- Isso eu agradeço.
- E o computador como vai fazer? - disse ele já descendo com as malas.
- Depois que eu me instalar, resolvo essas coisas.
- Filho! Vou levar você na rodoviária, disse papai.
- Não precisa pai, eu vou pegar um táxi.
- Faço questão de levar você.
- É melhor não discutir com ele, disse Tiago.
- E nem eu quero, vou adorar ter sua companhia.
Colocamos as malas no carro dele, me despedi do Tiago e fomos para a rodoviária. Não demorou muito tempo e o ônibus encostou para que pudéssemos colocar as bagagens. Papai esteve comigo durante todo o tempo em que fiquei aguardando a partida.
- Pai, o ônibus vai partir obrigado por ter me acompanhado.
- Deus te proteja meu filho, se cuida que esse mundo é cruel.
- Você ainda vai ter muito orgulho de mim.
- Eu já tenho meu filho.
Aproximei-me dele e o abracei, foi algo meio instintivo. Na hora me deu vontade e apenas segui meu instinto, uma lágrima de felicidade surgiu em meus olhos e ele as secou me abençoando mais uma vez.
Isso ocorreu exatamente dia 14 de fevereiro de 2010 e a partir desta data se inicia uma nova etapa na minha vida com muitos desafios e muito aprendizado.
Cheguei a Belo Horizonte por volta das quatro da tarde, ao contrario da outra vez, Juliano me aguardava. Ele estava diferente de como costumava vê-lo, usava um boné na cabeça, camiseta branca, bermuda de brim e óculos de sombra, a aparência dele me chamou atenção.
Ele estava sorridente, aproximei dele e o cumprimentei.
- Oi, tem certeza que esse é o Juliano que procuro?
- Gostou? Essa produção é pra você.
- Sempre galanteador.
- Tudo bem com você?
- Melhor impossível.
Trocamos um longo abraço de depois fomos pegar as malas.
- Parabéns, hoje você foi pontual.
- É um dia especial e não podia me atrasar.
- Estou gostando de ver essa receptividade, você está diferente.
- Quis apenas voltar aos meus 18 anos e me comparar a você, disse rindo.
- Ficou muito charmoso com esse boné.
- Bondade sua, seja bem-vindo a sua nova cidade.
- Obrigado!
Pegamos as malas e saímos rumo ao carro no estacionamento.
- Quer dizer que hoje você não quer minha companhia?
- Hoje é dia de curtir meu cantinho, não fica chateado.
- Depois vou cobrar em dobro, disse ele rindo.
- Você é incorrigível, mas eu gosto desse jeito espontâneo de encarar as coisas.
- Estou feliz por ter você perto de mim a partir de agora.
- Eu não sei se isso é bom ou ruim.
- Sou tão chato assim, disse rindo.
- Às vezes é bom o namorado sentir saudades.
- Sou seu namorado?
- Foi maneira de dizer, mas poderá ser só depende de você.
- Se dependesse de mim já seríamos há muito tempo.
- Estou saindo de uma relação conturbada com Roger, vamos com calma
Ele não te procurou mais?
- Não vamos brigar né?
- Não, só quero saber se ele anda te perseguindo novamente?
- Sempre que tem oportunidade ele tenta e da última vez nos chamou de traidores.
- E você está preocupado com isso?
- Em outras situações estaria, mas à medida que o tempo vai passando e a gente conhecendo as pessoas, tudo muda.
- Fico feliz que você pensa assim.
- Meu momento é especial e não quero ficar falando do Roger, quero que ele siga a vida que escolheu.
- Você está certo tem que andar pra frente.
- E a Laura?
- Deve estar com Giovane, acho que estão engatando um namoro.
Então o lance deles é sério?
- Ela não comenta muito, mas acho que é.
- A Laura está morando com você?
- Não, mas ela vive lá em casa.
- Vocês sempre foram ligados, é normal.
- Muito, diferente do Junior, somos amigos e tudo, mas a Laura é como se fosse minha irmã.
- E a sua irmã de sangue?
- Não tenho muito que falar, vive a vida dela, tem a filha, seus namorados e às vezes ela aparece lá em casa.
- E o seu irmão?
- Só aparece quando o convido para alguma coisa.
- Acho estranho isso, minha família é bem diferente, principalmente o Tiago.
- Você vai sentir falta dele.
- Já estou sentindo, mas não posso depender dele a vida inteira.
Ao chegarmos, Rafael, Lucas, Pedro e Giovane vieram me receber, foi uma bela recepção, o pessoal era muito legal, já estava acostumado com eles nas pequenas viagens que fazia a cidade, por isso nem estranhei, me senti em casa.
- Seja bem-vindo Sandro, disse Rafael vindo me abraçar.
- Obrigado, Achei que teria sua companhia na viagem.
- Aconteceram algumas coisas depois eu te conto.
- Qual é Rafael deixa um pouco pra mim, disse Lucas vindo me abraçar.
- Sempre o mesmo, não muda nunca.
- Essa é minha essência, seja bem-vindo Sandro.
- Parece que finalmente chegou o dia, disse Pedro me abraçando.
- Sinta-se em casa disse Giovane.
- Eu não sou da casa, mas sou da cidade e estou muito feliz que você está conosco, disse Laura me abraçando.
Bom, eu só tenho a agradecer essa receptividade e dizer que estou muito feliz por estar aqui.
- Isso porque você não teve que ir pra cozinha e pra faxina, disse Lucas.
- E o primo Pedro? Quando vem?
- Deve estar chegando hoje ou amanhã.
- Sandro nós nos reunimos e dividimos os quartos novamente, pra facilitar a você e ao Marcelo que estão chegando, disse Rafael.
- Por mim não tem problema, fico em qualquer lugar.
- São três quartos então ficamos assim, você fica comigo, Giovane fica com Lucas que já estão acostumados um com outro e Pedro fica com Marcelo pelo grau de parentesco, vai facilitar a adaptação pra ele.
Ótimo, e onde é o nosso quarto?
- Onde sempre foi. Apenas o Lucas mudou as coisas dele para o quarto onde estava o Giovane.
- Vou colocar minhas malas no quarto, amanhã providencio uma cama e um armário.
- Creio que não seja necessário, disse Rafael.
- Por quê?
- Eu comprei, disse Juliano.
- Ah é? – olhei pra ele com cara de reprovação, não disse nada porque os meninos não entenderiam, mas deixei claro pela maneira que o encarei que não gostei.
- Depois nós precisamos conversar.
- Já estão ai, entre lá no quarto e verifique, disse Rafael.
Fui até o quarto e pude constatar uma cama de solteiro novinha daquelas com baú, com colchão e um armário de duas portas ao lado da cama. Não disse nada apenas olhei para Juliano e o fuzilei com os olhos.
- Juliano, vamos até o carro pegar as malas?
- Claro, vamos lá.
- Querem ajuda? - perguntou Lucas.
- Não será necessário, muito obrigado!
Fui com Juliano até o carro, tinha vontade de pular nele e me fazer entender o quanto estava chateado por sua atitude.
- Porque você fez isso?
- Eu só quis ajudar, não precisa ficar magoado desse jeito.
- Quando você vai entender que eu quero viver minha vida sem interferência de ninguém.
- Você está sendo injusto, mas tudo bem eu te dou as notas e você devolve, faz o que bem entender.
- Melhor assim.
- Eu faço de tudo pra te agradar e o que recebo em troca? Reclamações e brigas. Pra mim chega.
Ele tirou as malas do carro e saiu sem se despedir.
Peguei as malas e tentei levá-las para dentro de casa, logo depois apareceu Rafael pra me ajudar.
- Brigaram?
- Poxa, o que ele tem que se meter na minha vida?
- Ele não fez por mal, só quis ajudar.
- Eu quero fazer as coisas a minha maneira, será que é difícil pra ele entender.
- A galera vai desconfiar, tenha calma, disse ele quando nos aproximávamos da porta.
- Cadê o Ju? – Perguntou Laura assim que entramos.
- Ele lembrou que tinha um compromisso e foi embora.
- Que engraçado ele disse que me dava uma carona.
- Provavelmente esqueceu que tinha o compromisso.
Laura olhou pra mim desconfiada e com certeza chegou à conclusão que brigamos.
Eu acho que você foi injusto com ele, qualquer um daria tudo pra chegar aqui e não se preocupar em fazer compras.
- Rafael, o Tiago queria me trazer de carro e eu não aceitei.
- Não me meto mais, vocês são grandinhos que se entendam.
- Estou com raiva do Juliano, parece que sou um inútil.
- Ele estava muito feliz achando que você ia gostar da surpresa.
- Eu quero construir as coisas por mim mesmo, será que é tão complicado entender isso?
- Eu compreendo você e entendo a atitude dele também.
- O que eu faço agora com essas coisas?
- Acho que a loja não vai querer de volta, nesse caso, paga pra ele.
- Eu arranjo cada uma.
- Não reclama, pois tem gente que daria tudo para estar no seu lugar.
- Só se for um doido.
- Eu, por exemplo.
- O Que houve Rafael?
- A Fernanda e eu brigamos feio.
- O que aconteceu? Semana passada vocês estavam bem.
- Ela não aceitou morar aqui.
- Mais ela não estava de acordo?
- Estávamos, mas eu acho que ela fez isso só para me agradar.
- Porque você diz isso?
- Eu fiz tudo, arrumei lugar pra ela ficar, estava tudo certo e de repente ela mudou de ideia.
- Você não vai terminar com ela por causa disso?
- Estou dando um tempo por isso não fui nesse final de semana
Eu não entendo. Qual o problema de você viajar nos finais de semana?
- É muito cansativo, você vai ver como é se virar sozinho tendo que estudar.
- Eu te entendo, mas não termina com ela por causa disso.
Arrumamos as roupas no móvel enquanto ele desabafava, Rafael era meio criterioso nesse sentido, pra ele viajar para ver a namorada era desgastante, já eu entendia diferente.
- Até que ficou legal, disse deitando na cama para descansar um pouco.
- Gostou?
- Cara, que cama gostosa, falei assim que deitei.
- Presente do amor vai continuar brigando com ele ainda.
- Não enche Rafael.
- Ele tem bom gosto, sabia que ia te agradar, disse rindo.
- Ainda tenho que acertar com ele como vou pagar, mas hoje não, quero que ele medite e veja que sou diferente, não me vendo por qualquer coisa.
Este cara é muito mau agradecido, tinha mais que ficar sozinho .