- Nada disso Rafael, nós não temos nada com a vida dele.
- Eu nem acredito que você está me dizendo isso. – disse Rafael.
- Eu já não me surpreendo com as atitudes do Roger sempre foi assim e não vai mudar.
- Isso prova que o amor não é eterno.
- Lucas e suas teorias. – disse Rafael rindo.
- Sabe o que eu acho? – disse Lucas.
- Nem quero saber. – falei.
- Mesmo assim eu vou falar.
- Ehh! Lá vem ele com suas idéias.
- O que eu vou dizer é real e não adianta dizer que estou errado, o Roger nunca te mereceu.
- Finalmente você falou uma coisa sensata. – disse Rafael.
- Eu manjo bem das coisas da vida, por isso estou sozinho até hoje, sou muito exigente.
- Não é isso, você gosta de ser valorizado e nem sempre isso acontece.
Continuamos tomando nosso sorvete e num determinado momento Roger olhou em nossa direção e percebeu que eu estava olhando pra ele, foi muito rápido, ele me acenou com a mão e logo em seguida os dois saíram sem falar conosco.
- Você viu como ele agiu? – disse Rafael.
- Meu amigo nem me cumprimentou, a culpa é sua Sandro.
- Para com isso Lucas.
- Aposto que se você não estivesse conosco ele sentaria nessa mesa.
- Isso é verdade. – disse Rafael.
- É Sandrinho, você deixou o cara sem direção.
- Será que estou com essa bola toda?
- Eu acho que o Lucas tem razão, o Roger não é assim, ele ficou surpreso em te ver aqui.
Rafael e Lucas ainda tentaram me convencer que Roger não soube o que fazer diante de minha presença, já eu pensava que ele apenas me ignorou, pois já tinha outros interesses.
Saímos do shopping já estava escuro, Rafael e Lucas foram pra republica e eu fui pra casa.
Oh, surpresa boa! – era o Breno.
- Pensou em se livrar de mim facilmente?
- Faz tempo que você está aqui?
- Umas duas horas, Marta me fez companhia.
- Fiquei de bobeira com Rafael e Lucas no shopping, se soubesse tinha voltado mais cedo pra casa.
- Eu estava em casa sem nada pra fazer, então pensei, vou ver o que o Sandro está fazendo.
- Não fiz nada demais, ontem fui numa festa na faculdade e hoje saí com o Rafael e o Lucas.
- Marta me falou que você não estava bem hoje pela manhã?
- Era só uma dorzinha de cabeça, Marta gosta de exagerar.
- Ele diz que eu exagero Breno, mas não é normal a pessoa ter problemas de garganta, dor de cabeça e febre repetidas vezes e ultimamente isso vem acontecendo com frequência.
- Que exagero Marta, isso acontecia porque lá na fronteira era muito frio.
- Hoje pela manhã ele estava com dor de cabeça e não sei se não teve febre a noite.
- Natural, saí de uma festa, barulho, gritaria, queria o que?
- E essa magreza? Aposto que você está anêmico.
- Eu notei isso quando você esteve na academia, você está muito magro, Sandro.
- Vocês dois querem parar de me torturar. – perdi a paciência e gritei com eles.
- Desculpa Sandro, eu não quero brigar com você, só desejo o seu bem.
- Eu também e não esquece que agora sou sua mãe.
Ah é? – disse Breno.
- Sim, ela é minha mãe, mas não pode se meter demais em minha vida.
- Você é meu amigo, não é?
- Sou.
- Então faz um favor pra mim?
- Claro Breno.
- Vai ao médico pra Marta se acalmar, ela está preocupada com você.
- Eu vou, mas parem de me atormentar.
- Assim é que eu gosto e até estou pensando em preparar um jantar pra nós.
- Eu agradeço, mas já está na minha hora.
- Para com isso Breno, nós nem tivemos tempo pra conversar.
- O Sandro tem razão é cedo ainda, jante conosco.
- Já que vocês fazem tanta questão eu fico, mas temos que fazer alguma coisa pra passar o tempo.
- Boa, vou tomar um banho e já volto.
- Não demora, quero desafiá-lo numa partida de gamão.
- Você tem o tabuleiro?
- Tenho no carro, de vez em quando eu brinco com os amigos.
- Eu aceito, mas e a Marta?
- Eu estou fora.
- Porque Marta?
- Breno, isso é jogo pra homem e eu não sei jogar.
- Eu explico pra você.
- Já passei da fase das brincadeiras, principalmente de joguinhos.
- Lá vem ela com espírito de velha.
Breno caiu na risada.
Vai tomar seu banho antes que eu te dê uma palmada moleque.
- Eu vou, mas juízo para os dois.
- Você está pedindo pra levar uns puxões de orelhas.
- Ela saiu atrás de mim, mas eu saí correndo para o quarto e o Breno continuava rindo de nossas brincadeiras.
Quando retornei, Breno já havia pegado o jogo no carro e estava com ele montado sobre a mesa de jantar.
- Está preparado pra perder?
- Vamos ver quem ri por último.
- Eu vou assistir vocês jogarem.
- Nada disso Marta. Eu vou ganhar a primeira do Sandro e depois você entra.
- Ou eu vou ganhar, está fazendo pouco no meu jogo?
- Você manda bem em skate, mas gamão é comigo.
- Ah é? Que bom que você pensa assim, terei o prazer em mostrar minhas habilidades.
- Enquanto vocês jogam, eu preparo alguma coisa para comermos.
- Martinha, faz um estrogonofe pra nós?
- Mais é um abusado, só me chama assim por interesse.
Breno caiu na risada, ela reclamou, mas foi fazer o estrogonofe que aprendi a gostar com o João, ele tinha verdadeira paixão.
Breno e eu jogamos a primeira partida e ganhei, tinha aprendido a jogar quando estava no sul. Nos intervalos do almoço sempre jogava com a galera pra passar o tempo.
- Onde você aprendeu a jogar assim?
- Eu disse que ia mostrar minhas habilidades.
- Você não jogava nada e de repente mudou.
- Breno, o Sandro está te enganando, ele sabe jogar até melhor que você.
- Vamos pra revanche.
- Vou ganhar novamente. – disse rindo.
- Eu já percebi que você é muito espertinho, mas agora estou ligado.
Jogamos outra, tornei a ganhar e o Breno não teve o que dizer.
- Você andou praticando esse jogo quando esteve fora?
- Eu jogava nos intervalos de almoço com os colegas.
- Bem que eu desconfiei.
- Agora a Marta vai jogar no meu lugar, não tem graça jogar com você, eu só venço. – brinquei com ele.
- Mais é um convencido.
- Me tirem fora disso, eu não sei jogar.
- Relaxa Marta, nós vamos ganhar dele.
- Dois contra um é injusto.
- Se prepara que agora você vai perder pra Marta.
A primeira nós perdemos, Marta estava preocupada com as panelas no fogão e nos desconcentramos no jogo.
Quando terminou a partida fomos jantar, Breno já estava com fome, pois estava elogiando o cheirinho da comida que tomou conta do ambiente.
- Está maravilhoso Martinha, meus parabéns.
- Sandro tem razão, a comida está muito gostosa.
- Assim vocês me deixam sem graça.
- O que é bom tem que ser elogiado.
Falei e o Breno caiu na risada, Marta ficou com vergonha, ela ainda não estava acostumada com o jeito espontâneo dele.
Após o jantar, Breno e eu lavamos a louça e arrumamos a cozinha pra Marta, ele ainda ficou conosco até tarde da noite. Voltamos a jogar, mas Marta era toda atrapalhada, ganhamos apenas uma vez
No dia seguinte fui a entrevista com o amigo do Breno. Era um escritório de porte médio pra grande, tinham cinco arquitetos e alguns colaboradores. Ao chegar fiquei meio atrapalhado e com vergonha, senti a diferença do ambiente, era diferente de tudo que eu tinha trabalhado até então.
Já fui preparado, levei meu currículo e logo um senhor aparentando uns 40 anos me chamou em sua sala, era um dos donos do local.
- Bom dia Sandro!
- Bom dia.
- O Breno é meu amigo de longa data, ele me falou bem de você e por isso eu pedi pra termos essa conversa.
- Achei que fosse uma entrevista?
- Pode até ser, mas vamos conversar um pouco, preciso te conhecer melhor.
- Tudo bem.
- Sabe que arquiteto é meio louco, pra trabalhar nesse ramo tem que gostar muito e se dedicar.
- Eu já li bastante a respeito.
- Como você conheceu o Breno?
- Eu trabalhei na academia emVocê já conhecia nosso escritório?
- Já, eu me interesso bastante por arquitetura.
- Deixa eu me apresentar, meu nome é Alberto sou um dos sócios do escritório, por isso eu te falei que seria uma conversa. Pra você ser contratado tem que ser entrevistado pelos demais sócios e depois chegamos a uma conclusão, mas não se preocupa isso é tranquilo.
- E vocês vão me entrevistar hoje ainda?
- Está com pressa?
- Ansioso. – ele sorriu e não disse nada.
- Você tem irmãos?
- Tenho dois, meu irmão mais velho tem uma rede pequena de supermercados e minha irmã está montando uma escola de ensino fundamental e médio.
- E seus pais?
- São falecidos, perdi minha mãe em 2009 e meu pai emVocê mora sozinho?
- No momento estou morando com uma amiga, mas é provisório até ela adquirir um imóvel.
- Quantos anos você tem?
- Tenho 20 vou fazer 21 em setembro.
Ele olhava meu currículo e fazia perguntas.
- Você morou na Argentina?
- Morei um ano em Paso de Los Libres e trabalhei numa transportadora em Uruguaiana.
- E porque você foi morar lá?
- Um amigo me convidou, fiquei empolgado pra conhecer a região de fronteira, só não contava com o frio.
- É muito frio lá?
- Bastante e por isso voltei há poucos dias.
- Porque você escolheu arquitetura?
- Desde criança eu gostei dessa área, vivia desenhando na escola e em casa, comecei ler a respeito, sou um grande fã de Oscar Niemeyer, o acho um verdadeiro gênio.
- Me fale mais desse sonho.
- Recém iniciei a faculdade quero me dedicar ao máximo, pois meu maior sonho é criar e projetar. Eu sei que é cedo ainda, mas vou chegar lá e pra isso preciso ir devagar pra conhecer todo o processo.
- Aguarda um instante que eu já volto.
Ele saiu da sala e fiquei ali, nervoso, suava frio, era um simples emprego, mas eu encarava como a grande chance da minha vida.
Passaram quinze minutos, meia hora e nada do cara voltar e eu lá contando carneirinhos tentando imaginar o porquê da demora até que de repente entra mais dois senhores com ele e meu pânico aumentou mais ainda.
- Sandro, este é o Alexandre e o Luiz, nós somos sócios, já falei com a Bruna e o Paulo que compõem nossa equipe de arquitetos e estamos dispostos a te dar uma oportunidade. Neste primeiro momento você vai trabalhar com o Alexandre e o Luiz, eles estão envolvidos numa obra grande e estão precisando de um assistente, além disso, você vai atender os clientes. Peço atenção especial, pois o bom atendimento pode significar um ótimo negócio. Você também vai atender ao telefone e fazer copias, mas cuidado pra não misturar.
- Seja bem-vindo a nossa equipe, tenho certeza que você vai se adaptar rapidamente, eu gosto de capricho no meu trabalho, os detalhes são importantes. – disse Alexandre, me pareceu simpático.
- Eu já não sou tão exigente quanto ao Alexandre, mas gosto de pontualidade, principalmente se tenho prazo pra apresentar um projeto. – disse o Luiz.
Gostei deles, o Alexandre, me pareceu meio nerd num primeiro momento, aparentava uns 35 anos, já o Luiz se demonstrou mais amigável, simpático tinha uns 30 anos.
Eu sabia que o desafio seria grande, mas fiquei empolgado e o salário não dava pra reclamar, afinal eu era um aprendiz e já me ajudaria bastante.
Fiquei de iniciar na semana seguinte, ganhei uma semana pra fazer o exame admissional e encaminhar a papelada para assinar a carteira, sendo que os primeiros três meses seriam de experiência.
Ao sair na rua, senti uma moleza em meu corpo, todo nervosismo que passei se transformou em ansiedade, o medo sumiu e surgiu uma cratera em meu estomago, saí em jejum pela manhã e o resultado foi uma mistura de fome e enjoo, mas o melhor de tudo era a felicidade estampada em meu rosto.
Voltei pra casa abracei a marta e rodei com ela pela casa, quase me quebrei ao meio, mas consegui.
- Marta, eu consegui!
- Conseguiu o emprego?
- Consegui.
- Meus parabéns Sandro.
- Eu estou muito feliz, era a chance que eu precisava.
- Você merece.
- Vou ligar para o Breno e agradecer.
Liguei pra ele, tive sorte, pois logo ele me atendeu.
- Oi Sandro!
- Tenho novidades e boas.
- Falou com o Alberto?
- Falei e já estou empregado.
- Já?
- Sim, foi rápido e eu queria muito agradecer pela força e a confiança que você tem em mim.
- Eu gosto muito de você e tenho certeza que não vai me decepcionar.
- Quero me dedicar ao máximo e jamais vou esquecer o que você tem feito por mim.
- Precisamos comemorar.
- Vamos bolar algo e combinamos.
- Eu tenho uma aula agora, mas a gente combina.
- Um abração!
- Outro.
Neste mesmo dia Marta veio falar comigo pra definir nossa situação.
- Vamos conversar?
- Eu detesto esses assuntos burocráticos, acho muito chato.
- Nem sempre a vida é feita de coisas boas.
- Tem razão, mas eu estou num momento tão feliz que nada vai me abalar.
- Que bom Sandro, eu sabia que você seria feliz aqui.
- Devo isso a você porque eu não pretendia voltar.
- Eu vendi a moto e quero transferir o dinheiro pra você.
- Esse dinheiro é seu.
- Não, era do João, vocês viviam juntos e agora é seu.
- O Tiago está me ajudando e agora vou trabalhar. Pega esse dinheiro pra você.
- Eu já decidi e tenho certeza que essa seria a vontade do João.
- Não quero nada que é seu.
- Esse dinheiro é seu de direito, aproveite e compre outra moto ou dê entrada num carro, você vai precisar.
- Pelo visto não vai adiantar eu argumentar com você.
- Não adianta nem tentar.
- Já que você está sendo gentil comigo, eu quero te fazer um convite.
- Que convite?
- Quero te convidar pra morar comigo em definitivo.
- Fico muito feliz pelo convite, mas eu não vou aceitar.
- Por quê?
- Você está passando por uma fase e logo vai superar, vai querer namorar, ter sua privacidade e eu não quero te atrapalhar.
- Marta, isso não vai acontecer.
- Vai sim, você é novo, tem uma vida inteira pela frente e ainda vai me agradecer por essa decisão, mas por enquanto eu vou aceitar o seu convite e vou ficar aqui até me organizar.
- E o que você pretende fazer?
É uma loucura, tenho até vergonha de falar.
- Porque Marta?
- A vida inteira eu me dediquei ao meu ex-marido e ao João e agora estou pensando em voltar a estudar.
- Eu acho que você está certa, em que período você parou?
- Fiz o primeiro grau.
- Nunca é tarde pra recomeçar e porque a vergonha?
- Imagina uma mulher com 33 anos no meio de adolescentes iniciando o ensino médio?
- E daí?
- Não tenho mais idade pra isso.
- Marta você tem que parar com essa mania de achar que é velha. Aproveita a oportunidade que a vida está lhe dando e volte a viver, pois você parou no tempo.
- Eu não me imagino vivendo essa vida que você fala.
- Isso é coisa da sua cabeça, aproveita pra namorar, passear, estudar, você é bonita e é jovem.
- Você fala como se fosse fácil namorar, quem vai me querer?
- O homem que notar a mulher especial que você é.
- Imagine eu namorando? Você é um sonhador.
- E porque não, o que te impede?
- Medo de sofrer e passar por tudo que passei.
- Você se decepcionou porque encontrou um canalha que não soube te valorizar, mas não deixe que isso abale sua autoestima.
- Pare com isso Sandro, será que eu ainda consigo matrícula para o ensino médio?
- As aulas estão começando, acho que sim.
- Você enche minha cabeça de sonhos, eu vou me dar mal se não conseguir.
- Que tal nos informar no colégio onde João e eu estudamos?
- Eles vão achar que sou uma louca querendo estudar depois de tantos anos parada.
- Marta, relaxa!
- Você faz isso pra mim?
- Eu ligo, mas você precisa acordar pra vida.
- Isso é uma loucura, mas não custa sonhar.
Liguei para o colégio e eles foram muito atenciosos. Quando falei que a vaga era pra a mãe de um ex-aluno o interesse foi maior. Resumindo, eles me passaram a relação da papelada que ela precisaria pra fazer a matrícula e já reservaram uma vaga pra ela.
Marta, só tem um problema.
- Qual?
- O histórico escolar.
- Eu me antecipei e fiz o pedido na antiga escola que estudei.
- Então está tranquilo, você pode ir hoje a tarde fazer sua matrícula e amanhã já pode começar.
- Ai meu Deus, tão fácil assim?
- É fácil, basta querer.
- Você vai comigo?
- Vou, só não posso ir à primeira aula, mas seja firme com a garotada, faz eles te respeitarem desde o primeiro dia.
- Acho que isso vai ser mais complicado.
- Você vai estar com adolescentes, aproveita e trabalha a mente pra tirar essa carga de responsabilidade que a tornou uma pessoa sem esperanças.
Ela começou a chorar. Marta sempre me pareceu forte e de repente estava ali na minha frente tão fragilizada. Sem saber a reação dela, abracei-a.
- Não fica assim.
- Daria tudo pra ter meu João comigo, vivi pra ele todos esses anos que já nem sei mais quem eu sou.
- Não pense assim senão vamos regredir tudo o que recuperamos até aqui.
- Eu tenho tentado, mas está difícil.
Dei um copo de água pra ela que foi se acalmando e começou a limpar suas lágrimas.
Eu tenho certeza que se o João estivesse aqui, ele estaria muito feliz com sua atitude.
- Você tem razão, por isso meu filho te amou tanto.
- Você pode contar com meu apoio, eu sei que não vai ser fácil recomeçar, mas não desista diante das dificuldades.
- Obrigado por tudo que você tem feito por mim.
- Nós passamos por um momento difícil, precisamos ajudar um ao outro.
- Eu sei, mas é uma verdadeira loucura voltar a estudar depois de tantos sem entrar numa sala de aula.
- Vá firme e não tenha medo caso alguém a aborreça com alguma chatice quanto a sua idade.
- Bulling, você quer dizer?
- Isso.
Ela ficou pensativa e não disse nada.
- Marta, e a loja?
- Acho que vou montar outra, já tenho tudo, mas preciso ir com calma. Eu quero comprar um ponto legal ou de repente alugo e compro um apartamento maior, não sei ainda estou meio indecisa.
- Porque você não pede ajuda ao Breno?
- Não gosto de envolver as pessoas com os meus problemas.
- Está errado, ninguém consegue viver sozinho.
- Lá vem você pilhando minha cabeça.
- O Breno pode não ajudar com dinheiro e nem você precisa, mas ajuda com apoio moral, conhecimento.
- Eu tenho vergonha.
- Você viu como consegui o emprego rapidinho?
- Você deu sorte.
- Dei sorte sim, mas se não fosse a ajuda do Breno eu correria dias e com certeza me daria mal ou quem sabe conseguiria um serviço, mas em outra área que não fosse a minha.
- Quando se é jovem tudo se torna mais fácil.
- Nem sempre, mas deixa comigo que eu vou te ajudar a resolver esses problemas burocráticos.
- O que você vai fazer?
- Vou falar com o Breno.
- Ai Sandro, o Breno pode não gostar e eu não me sinto bem com isso.
- Fica tranquila Marta, apenas confia em mim.
- Vê lá o que você vai me aprontar?
- Agora pega a documentação e vamos fazer sua matrícula.
- Já?
- As aulas já iniciaram, estamos perdendo tempo.
Fomos ao colégio e efetuamos a matricula, Marta conseguiu vaga a noite, a adaptação seria mais fácil, geralmente a galera que estuda no período noturno tem outra mentalidade.
Depois que saímos do colégio, Marta parecia outra, tinha um sorriso no rosto, fazia tempo que não a via sorrir. Talvez antes da partida do João.
- Estou me sentindo uma menina de 15.
- Assim é que se fala.
- Estou empolgada, quero comprar meu material.
- Então vamos, estou gostando de ver que você está animada.
- Vamos chegar à papelaria e depois tomamos um cafezinho, que tal?
- Pode ser, mas eu não posso demorar por causa da aula.
- Seu senso de responsabilidade me empolga a continuar nessa loucura.
- Eu ainda quero ir à sua formatura da faculdade.
- Eu nem iniciei o ensino médio e você já quer me ver formada.
- Já vai pensando no que você vai fazer e não deixa se influenciar por ninguém. Siga a carreira que vai te fazer feliz.
- Eu já sou lenta, demorei a me decidir, então vamos por etapa.
- Está certo.
Compramos o material e fomos tomar o café, nem bem entramos e meu telefone começou a chamar, era tia Joana.
- Oi tia!
- Oi meu filho, como vai você?
- Estou bem, vou começar a trabalhar na semana que vem.
- Que bom, conseguiu emprego rápido.
- Na verdade foi indicação do Breno, mas eu vou fazer por merecer a vaga.
- Tenho certeza que sim você é muito esforçado, mas eu estou ligando pra te fazer um convite.
- Que convite, tia?
- Seu tio está de aniversário e depois que seu pai nos deixou ele não quis fazer comemorações, mas eu acho que já está na hora de dar um basta no luto e o convenci a fazer uma reunião familiar.
- Eu acho que a senhora está certa.
- Tiago e Aline já confirmaram presença e eu gostaria muito que você viesse, vai ser aqui em casa no sábado à noite.
O Juliano estaria lá com certeza e eu não estava preparado para encontrá-lo principalmente depois de nossa última conversa.
- Eu não sei se poderei ir à sua casa.
- Porque não meu filho?
- Combinei com Rafael e os meninos de irmos numa pizzaria.
- Eu gostaria muito que você viesse, seu tio vai ficar muito feliz com a presença dos sobrinhos e pizzaria com os amigos você poder ir outro dia.
Que situação... Se eu não fosse ela ficaria chateada, a tia sempre nos ajudou, cuidou do papai quando esteve doente e eu fiquei na casa dela pra fazer o vestibular.
- Tia?
- Fala filho.
- Eu vou com o Rafael, pode confirmar minha presença.
- Que bom meu filho, seu tio vai ficar muito feliz.
Desliguei o telefone e fiquei pensando era hora de enfrentar o passado.
- O que foi? – Perguntou Marta.
- Minha tia me convidou para o aniversário do meu tio no sábado à noite.
- E qual o problema?
- Vou reencontrar meu ex-namorado.
- Você ainda gosta dele?
- Não é isso, é que antes de eu me envolver com o João ele aprontou comigo, depois tentou se aproximar, mas ai já era tarde, porém ele me disse algumas coisas que me tocaram demais.
- Fez você pensar?
- Sim, mas eu não quero falar sobre isso, ainda me sinto muito ligado ao João.
Marta ficou pensativa, não sei se ela pensou no João, fiquei com a consciência pesada parecia que eu estava traindo a memória dele.
- Vamos embora, você tem aula daqui a pouco.
Depois que recebi o dinheiro da moto fiquei pensando o que faria daquele valor, na verdade gostaria que ficasse com Marta, mas ela foi enfática e não voltaria atrás na sua decisão.
No dia seguinte fiz o exame médico e levei a documentação para a empresa assinar minha carteira. Na volta passei em frente a uma revendedora de motos e fiquei olhando para elas. A convivência com João me fez desenvolver uma verdadeira paixão por motos.
A curiosidade foi grande e resolvi entrar na loja. Logo veio um vendedor me atender.
- Querendo comprar uma?
O nome dele era Bruno dava pra ver pelo crachá, me chamou atenção à forma como ele me abordou, o cara era bonitão, chamava atenção, mas eu não estava ali interessado no vendedor, talvez o Sandro de tempos atrás tentasse tirar uma casquinha, porém agora meu objetivo era outro.
- Na verdade estou olhando apenas.
- Eu tenho o tipo ideal pra você, vamos dar uma olhada?
Fiquei observando o cara, como ele sabia qual moto era ideal pra mim, dei corda pra ele e aceitei.
- Agora você me deixou curioso.
Ele deu uma risadinha e saímos pela loja onde tinham vários estilos de motos pra todos os gostos, uma mais linda que a outra.
A primeira que ele me mostrou era linda, mas o preço também era lindo e não cabia no meu bolso.
A moto é linda, mas você pode me mostrar outras que sejam a metade do preço.
- Entendi! Então eu tenho uma que você vai se apaixonar e já vai sair daqui motorizado. – disse rindo.
- Então vamos ver essa moto.
Eu me lembro até hoje, era a Yamaha YS FAZER 250 cilindradas, pretinha, linda, me apaixonei por ela na hora.
- É linda.
- Eu sabia que você ia gostar e esta moto tem bastante saída.
Ele foi explicando todos os detalhes da moto e eu fui me decidindo, era ela mesmo que eu queria.
- Quanto tempo vocês demoram pra entregar?
- É o tempo de finalizarmos os detalhes da negociação e fazer a transferência para o seu nome e se quiser já encaminhamos o seguro.
Resumindo, fiz minha primeira compra sozinho, guardei bem os detalhes, pois foi um momento marcante pra mim, fiquei orgulhoso por minha aquisição e não dependeria mais de ônibus.
Tive que financiar o restante, pois o dinheiro que Marta me deu não cobria o valor total, mas a diferença era pouca.
Saí satisfeito da loja, a papelada foi toda encaminhada e ficaram de me entregar na sexta-feira daquela semana.
Cheguei a casa e não falei nada com Marta, resolvi fazer uma surpresa pra ela.
- Oi Martinha!
- Oi, que animação é essa?
- Estou feliz pelo rumo que minha vida está tomando.
- Encontrou alguém interessante?
- Nem que eu quisesse não daria tempo, mas estou me referindo a outro sentido.
- Não é fácil recomeçar, eu, por exemplo, estou tendo dificuldades.
- Por falar nisso, você já pensou como resolver o problema da empresa?
- Hoje não, por favor, já me basta ontem que meu dia foi intenso e a noite começa minha aula, estou nervosa.
- Relaxa Marta, vai dar tudo certo.
- Pra você tudo é fácil.
- Vou tomar banho e ficar bem cheiroso, quem sabe não encontro um gato gostoso.
- Vai aparecer com certeza. – disse ela rindo.
Enquanto separava uma roupa, meu celular começou a chamar, olhei e não acreditei, ele teve coragem de me ligar.
- Alô.
- Oi Sandro.
- Oi – respondi atrapalhado, nem acreditei que Roger estava me ligando.
- Tudo bem com você?
- Tudo bem.
- Estou ligando porque quero conversar com você.
- O que você deseja?
- Por telefone não dá, você tem compromisso pra hoje à noite?
- Tenho aula.
- Você está estudando, que legal!
- Faço faculdade.
- De arquitetura?
- Sim.
- Parabéns, você sempre sonhou com essa carreira.
- Obrigado.
- Então que tal sairmos no final da tarde, podemos fazer um lanche antes da aula.
Eu fiquei pensando o que ele queria me dizer. O fato é que aquele contato mexeu comigo, senti um queimor pelo rosto, mas já não era como antes que se não ficasse perto dele tinha a sensação que meu mundo ia acabar, porém fiquei curioso pra saber o que era.
- Por mim tudo bem.
- Então vamos nos encontrar as 16:00 no Café com Letras.
- Combinado, quem chegar primeiro espera pelo outro.
Tomei um banho, peguei meu material da faculdade e fui. Cheguei primeiro, escolhi uma mesa e fiquei aguardando, mas não foi por muito tempo e logo ele chegou.
- Esperou muito tempo?
- Uns dez minutos.
- Desculpe, eu me atrasei tive que arranjar um substituto para o meu lugar.
Fiquei olhando pra ele, só agora pude prestar atenção nos detalhes, o Roger já tinha 28 anos, mas continuava o mesmo, só tinha mudado um pouco de sua fisionomia no rosto, seus cabelos castanhos claros quase loiros e a prática diária da educação física o deixaram muito charmoso.
- Não tem problema, enquanto isso eu aproveitei pra olhar meu material de aula.
- Você está diferente.
- Pra pior ou pra melhor? – sorri, estava nervoso, ele ainda conseguia mexer comigo.
- Pra melhor, apesar de que achei você muito magrinho.
- Eu me sinto bem assim.
- Vamos pedir um café com pão de queijo versão gourmet?
- Como sempre guloso. – depois que falei me arrependi, mas ele ficou sorrindo.
- Pode ser?
- Claro
Ele fez os pedidos e de repente voltou seu olhar pra mim e ficou me encarando como se tivesse me analisando. Fiquei desconsertado, definitivamente eu não me sentia preparado para aquele encontro, até que ele quebrou o silêncio.
- Como você está?
- Comecei a faculdade e vou iniciar a trabalhar na minha área, então posso dizer que estou bem.
- Muitas novidades.
- Nem tanto e você?
- Estou aí, tentando ser feliz.
- Acho que isso todos nós queremos.
- Fiquei muito chateado e ainda estava até poucos minutos atrás, tinha tanta coisa pra dizer e agora diante de você parece que tudo perdeu o sentido.
- Não entendi?
- Porque você foi viajar e não me disse nada?
- Que eu saiba, não devo satisfações a você.
- Você ficou magoado comigo, Sandro.
- E daí, isso faz tanto tempo que não faz diferença.
- Faz, porque eu não queria que fosse assim.
- Nem eu, mas foi você que escolheu se afastar.
- Eu, quantas vezes corri atrás de você?
- Você se envolveu com minha irmã, criou laços com ela pra vida inteira. Por falar nisso, parabéns pelo seu menino, é lindo, Aline me mostrou a foto.
- Obrigado, mas não vamos colocar Aline no meio da nossa conversa, prezo muito por minha família.
- Claro, eu não sou da família.
- Não é isso, por favor, me entenda e não tire conclusões erradas.
- Eu entendi Roger, você é um cara casado e tem seus relacionamentos fora do casamento, isso pra mim não é novidade.
- Você me interpretou errado como vem fazendo há tempos, o que eu quis dizer é que poderia pelo menos ter se despedido.
E porque eu faria isso?
- Eu gosto muito de você.
- Se isso te conforta eu também gosto, mas isso não quer dizer que precisamos ter aproximação.
- Você ficou com raiva de mim por tudo que aconteceu.
- Eu não gostaria de voltar nesse assunto novamente, você ficou com Aline, ela é minha irmã e nós somos cunhados.
- Aposto que o Tiago tem influencia nesse afastamento.
- Engano seu, essa decisão eu tomei a partir do momento que Aline me via como inimigo e também senti que não valia a pena todo esse desgaste.
Nesse momento chegou nosso lanche e foi bom, pois ajudou a acalmar os ânimos, nossa conversa já estava ficando acalorada e eu não gostaria de ficar insistindo nos pontos fracos dele e ele tentando se justificar, isso já era algo claro pra mim.
- Eu queria pedir desculpas por não ter falado com você e seus amigos no shopping.
- Fica tranquilo Roger eu entendi que você estava acompanhado e não queria ser atrapalhado.
- Não foi isso.
- Então, foi o quê?
- Eu fiquei surpreso em ver você depois de tanto tempo, achei que não voltasse mais.
- Aconteceram alguns imprevistos e eu tive que voltar.
- Espero que tudo tenha se resolvido.
- Aos poucos as coisas vão se resolvendo, mas eu não gostaria de falar sobre a minha mudança.
- Se você precisar de ajuda conte comigo, não sou seu inimigo, Sandro.
- Eu sei, já disse que não tenho raiva de você.
- Que bom, eu queria muito convidar você a frequentar minha academia.
- Eu nem faço ginástica, porque frequentaria sua academia?
- Você frequenta a do Breno.
- Eu não frequento a academia do Breno, apenas trabalhei lá e sou amigo dele.
- E não pode ser meu amigo?
- Você já tem amigos demais, eu só atrapalharia.
- Sempre fugindo, né? - disse ele rindo.
- Eu sei até onde devo ir, e o Vitor?
- Ele sorriu e entendeu minha indireta que por sinal foi bem direta.
O que tem ele?
- Eu que pergunto.
- Minha amizade com ele mexe com você?
- Roger, você não muda mesmo. – disse rindo.
- O que te leva a pensar que tenho algo com ele?
- Eu te conheço de longa data e existem coisas que não precisam ser ditas.
- Pra mim você continua sendo o garoto de 15 anos que ajudei a despertar pra vida.
- Só que o garoto não existe mais.
- Pra você, porque pra mim está bem presente.
- Porque você quer essa aproximação?
- Talvez porque eu goste de você.
- Eu não duvido, mas se Aline abrir a guarda você vai correndo atrás dela, isso sem contar metade de Belo Horizonte.
- Não é tanto assim.
- Você é muito cara de pau não tem como levar a sério.
- Não sou só eu que sou assim.
- Beleza, mas pra mim não serve.
- Calma, não precisa ficar nervoso.
- Roger, eu não sou o Vitor, agora me dá licença, tenho aula e não posso me atrasar.
CONTINUA…