Bernardo [41/42/43] ~ Sexo com Tom

Eu passei todo o domingo posterior àquela festa deitado na minha cama e curtindo minha própria tristeza. O soco de Pedro tinha deixado uma marca roxa no meu ombro, mas dava para ser disfarçada com a camisa. Agora, a marca psicológica que ele deixou, não havia nada que eu pudesse fazer para disfarçar. Se já era uma coisa cruel ser agredido por ser gay, o que dizer quando a agressão parte de uma pessoa que você considerava como um dos seus melhores amigos?

Eu nunca esperei aquela reação de Pedro. Sempre achei que quando ele descobrisse sobre mim, ele simplesmente viraria as costas e nunca mais falaria comigo, o que já seria muito pra mim. Mas ele me deu um soco. E por mais que eu quisesse pensar que o soco foi por ele estar acuado com minha “ameaça”, isso não era verdade. Ele tinha raiva de mim por tê-lo enganado durante tantos meses. Eu não era a pessoa que ele pensava que eu era. Eu era uma coisa que ele desprezava. Pedro tinha nojo de mim, e isso é mil vezes pior do que a raiva.

Eu decidi não contar nada do que aconteceu para Alice e Rafael. Isso os deixaria loucos de raiva de Pedro e eles iriam querer tirar satisfação com ele, o que era só colocar lenha na fogueira que era aquela briga. Além do mais, eu tinha vergonha de dizer o que aconteceu em voz alta. Eu só queria poder esquecer de tudo aquilo. Mas isso não era possível, porque eu teria que olhar para Pedro todo dia pelos próximos quatro anos.

[...]

Quando cheguei à faculdade na segunda-feira, encontrei Alice, Carolina Rafael e Marcos conversando animadamente. Confesso que senti ciúme da cena. Era como se eu tivesse sido substituído ali. Me aproximei com cuidado.

_Bom dia._ falei.

Minha voz soou triste, mas torci para que eles não viessem me perguntar o motivo.

_Bom dia._ eles responderam.

Se antes eles estavam rindo, eu vi eles perderam a graça um pouco. Foi como se a minha presença tivesse interrompido a piada.

_Bom, a gente se vê_ falou Rafa indo embora com Marcos e Carolina.

Para Alice não perceber meu desconforto, tentei ser o mais casual possível.

_Senti um clima entre você e o Marcos...

Ela riu discretamente.

_Estamos nos conhecendo.

_E já estava na hora, né? Desde Pedro que você não...

_Estávamos tendo um bom momento, porque você estragou falando dele?

Tentei contornar a situação com bom humor.

_Estou notando um certo padrão aqui, senhorita Alice. Alto, musculoso, liso, cara de mal...

_Ah, cala a boca!_ ela ficou envergonhada e virou o jogo _Você por outro lado, parece estar diversificando. Eu vi você saindo do prédio com um calouro no sábado.

Eu devo ter ficado da cor de um tomate de vergonha e ela começou a rir. Eu achei que ninguém mais tinha nos visto.

_Ah, Bernardo! Isso pode ser considerado pedofilia, não? Ele parece ter cinco anos de idade. Ele já tem pentelho pelo menos?

_Para com isso! Não aconteceu nada de mais.

_Não?_ perguntou descrente.

_Bom, só um beijo.

_Ah, Bernardo!

Ela riu e eu a acompanhei. Ela ficou séria de repente.

_Que bom que você está conseguindo superar o negócio do Eric.

_É...

Eu não via as coisas assim. Eu não estava superando nada. A ferida dentro de mim estava do mesmo tamanho do dia que eu descobri que ele tinha morrido. Tom não era eu seguindo em frente. Em nenhum momento eu olhei pra ele e pensei “meu próximo namorado”. Eu estava muito distante disso naquele momento, eu não queria me aproximar romanticamente de ninguém. Nem de Rafael. O que eu procurava era sexo. Mas não sexo no sentido mais banal e corriqueiro da coisa. Eu procurava o sexo que Eric me ensinou a usar como anestesia. E como eu estava precisando me anestesiar no momento!

[...]

Encontrei com Tom no intervalo da aula. Ele sorriu nervoso quando me viu. Nos seus olhos eu via a indecisão de vir ou não até mim. Percebendo o que estava acontecendo, eu me adiantei e fui até ele.

_Oi.

_Oi._ ele respondeu com um sorriso.

_Desculpa por sábado._ falei, apesar de não achar que tivesse culpa alguma.

_Ah. O seu amigo...

_Eu conversei com ele. Ele não vai falar nada com ninguém, pode ficar tranquilo.

Ele respirou aliviado como se tirasse um enorme peso das costas.

_Assim é melhor. Não quero ficar com fama de... Você sabe. Eu sou discreto.

Eu não achava ele tão discreto assim. Ele não era afeminado, mas tinha uma coisa fofa demais, risonho demais, enfim, ele não era o estereótipo do macho típico. Mas achei mais educado apenas concordar.

_Sem problema.

Eu ainda queria ele. Eu precisava urgentemente da minha anestesia.

_Então,_ falei usando uma desenvoltura que eu não tenho _estando tudo esclarecido, você ainda precisa de uma carona?

Ele riu e desviou os olhos. Achei uma graça, com seu jeito todo tímido, o que só me fez querê-lo ainda mais. Mas era só tipo. Eu não percebi na hora, lógico. Eis aqui uma informação sobre Tom: ele era um dos maiores conhecedores sobre psicologia do homem que eu conheci, mesmo sem jamais ter feito um curso sobre isso. E ele usava seus poderes para o mal. A habilidade de Tom em manipular as pessoas com seu jeitinho era uma coisa incrível, sem igual para mim. Ele tinha todos exatamente onde os queria. O seu mundo era um imenso tabuleiro de xadrez e eu era seu peão. Se eu soubesse disso antes, eu teria evitado muita coisa ruim que viria a me acontecer, mas não tinha como. Tom era muito bom no que fazia.

_Uai, se não for te incomodar...

_Tenho certeza que você vai arranjar um jeito de me retribuir.

Vejam bem, a essa altura da história, vocês já me conhecem o bastante para saber que essa não era uma atitude típica minha. Eu não tão atirado assim. Mas era onde a minha cabeça estava me jogando. Eu precisava tão desesperadamente daquilo, que eu comecei a virar outra pessoa. Claro, estamos sempre em transformação, sempre nos tornando pessoas diferentes do que éramos no dia anterior. Mas a mudança que se inicia com a morte de Eric era muito brusca e para pior.

_Me espera na saída?

_Ansiosamente._ ele respondeu e saiu andando de costas para mim ainda sorrindo.

_Pedófilo._ falou Alice ao meu ouvido e eu em assustei.

_Desde quando você está aí?

_Não o bastante para ouvir as safadezas de você, mas o suficiente para flagrar esses sorrisinhos de quem vai fazer uma coisa pouco católica...

Ri em resposta, mas não respondi. Neste momento, Pedro passou por nós e nos dirigiu um olhar duro. Como se tornou de costume, estava cheio de nojo e raiva. Pedro podia até demonstrar algum tipo de mágoa quando ele me via frágil, de guarda abaixada, mas quando ele me via como naquele momento, rindo com Alice, todo aquele sentimento ruim voltava com força.

_Deixa pra lá._ falou Alice ao vê-lo _Você está melhor sem ele. Aliás, nós dois estamos melhor sem ele.

_É..._ respondi disfarçando muito mal aquele aperto no meu coração.

[...]

_Então, para onde?_ perguntei quando Tom entrou no carro.

_Eu moro aqui perto, eu te guio.

_Certo.

Ficamos em silêncio por um tempo, antes dele começar a falar:

_Então, seu amigo...

_Pedro._ falei dando um longo suspiro _Ele é homofóbico.

_E como você fez quando ele viu a gente?

_Ele já sabia de mim. Descobriu nas férias.

Sua expressão mudou um pouco.

_Então, as pessoas sabem de você?

Eu entendi sua pergunta, e não pude deixar de pensar que estive naquele mesmo lugar com Eric.

_Não sou assumido._ falei _Só três pessoas sabem de mim, tirando Pedro, e todos descobriram sem querer. Aliás, só contei mesmo para Alice, aquela menina de cabelo castanho claro que sempre anda comigo.

_Ah, sim...

_E você?

Ele demorou um tempo para entender a pergunta.

_Ah, ninguém sabe de mim! Eu sou muito discreto.

_Hum...

Pensei a mesma coisa de antes sobre sua discrição, mas guardei minha opinião pra mim mesmo, mais uma vez.

_Eu não faço muito isso, sabe?_ ele continuou _Caras são só um diversão ocasional pra mim. Eu sou hétero, eu namorava uma garota até dois meses atrás.

_Ah...

Eu quase ri. Ele não era hétero de jeito nenhum. O jeito como ele avançou em cima de mim naquele dia no estacionamento me deixou isso bem claro. Ele estava se enganando ao tentar me enganar, e isso era triste. Por mais paranoico que eu fosse com minha sexualidade, eu nunca repetiria o que ele tinha acabado de me dizer. O que me apavorava era a ideia do mundo saber como eu sou, mas eu sabia muito bem do que eu gostava, isso eu não negava. Eu fiquei com pena dele, mas não era da minha conta.

_Eu pretendo namorar uma menina também quando eu encontrar a certa._ falei.

O meu plano estava em frangalhos. Eu nem tinha certeza se ainda existia um plano. Minha cabeça estava muito bagunçada para eu conseguir fazer planos de médio e longo prazo. No momento, eu estava preocupado apenas em sobreviver até o dia seguinte. Falei o que falei apenas para ele ouvir. Eu me pus no lugar dele e achei que era o que ele queria ouvir, que eu não o pediria em namoro, ou o pressionaria para me assumir para o mundo. Aliás, eu falei aquilo porque era a coisa mais confortável pra se dizer. Assim, eu pensei, eu poderia me divertir com ele de vez em quando, sem a necessidade de sustentar um relacionamento para o qual eu não tinha estrutura psicológica no momento. Era a situação perfeita!

A casa de Tom era bonita e simples, num bairro de classe média próximo a onde estudávamos. Ao estacionar, olhei pra ele com um sorriso sacana.

_Então, está entregue.

_Está calor. Não quer entrar pra tomar um copo de água?_ falou sorrindo também.

_Seus pais não vão se incomodar?

_Eles não vão saber. Não tem ninguém em casa.

Antes mesmo de cruzarmos a porta da entrada, já estávamos nos devorando num beijo raivoso. O tesão era enorme, como há muito eu não sentia. Eu queria devorar ele por inteiro. Nossas línguas duelavam ferozmente. As mãos dele agarravam a minha nuca e me puxava para seu encontro. Por instinto, agarrei suas pernas e as levantei, fazendo com que ele ficasse montado em mim, ainda que estivéssemos em pé. Ele era leve, mas suas pernas eram grossas, o que aumentava ainda mais meu desejo. Eu as apertava com violência.

_Você é gostoso demais!_ falei.

Ele respondeu rindo e mordendo minha orelha. Não tínhamos tempo nem de chegar ao seu quarto. Caí no sofá mais próximo com ele ainda no meu colo. Ainda me beijando, Tom começou a rebolar no meu colo com vontade, o que me deixou louco. Eu colocava as minhas mãos dentro da sua calça e apertava sua bunda com vontade. Ele gemia baixinho no meu ouvido enquanto eu beijava seu pescoço. Ele foi descendo pelo meu corpo e se concentrou em desabotoar a minha calça. Ele parecia estar com tanto ou mais tesão do que eu.

“Hétero, aham, sei!” pensei comigo.

Enquanto ele tirava a minha calça e minha cueca, eu fiz minha parte e eliminei a minha camisa, ficando completamente nu na sua sala. Ele agarrou a base do meu pau e ficou batendo ele no seu rosto, enquanto me olhava com um olhar angelicalmente safado. Quando ele o engoliu, eu vi estrelas. Já fazia uns meses desde a última vez, sem contar que Tom parecia ter muita experiência no que estava fazendo. Ele fazia movimentos rápidos e precisos com a língua no meu pau, e me deixava louco quando o engolia por inteiro.

_Vem cá!_ falei quando senti eu mais um tempo ali e eu iria gozar.

Eu o puxei para cima e arranquei todas as suas roupas de um modo quase agressivo. Quando terminei, tomei um tempo para admirá-lo. O ninfetinho me olhava com um olhar safado enquanto mexia nos próprios cabelos. Seu corpo era bem branco, quase como o de Eric. A diferença é que ele tinha muitos pelos pelo corpo e era pouco definido. Eu gostei, combinava com a imagem sexual que eu criei dele. Ele não era gordo, mas tinha pernas bem roliças e convidativas. Seu pau não era muito grande, mas era bem rosinha, assim como seus mamilos e sua boca. O virei de costas violentamente e ele não protestou, chegando a soltar um gemido abafado. Sua bunda era bem cheia e redonda, quase que feminina se não fosse pelos pelos que a cobriam. Eu não me aguentei e me coloquei a apertar e lamber aquela bundinha linda.

_Que delícia!_ ele falou entre gemidos.

Peguei uma camisinha na minha carteira, vesti no pau e o penetrei com cuidado. Ele estava deitado de bruços no sofá e eu deitado em cima dele. Eu logo senti ele rebolar e entendi como o sinal verde pra começar a bombar. Eu passei meu braço sobre seu pescoço o segurando ali e comecei a movimentar apenas a cintura violentamente. Tom gemia e gritava com vontade, o que só me dava mais tesão.

Ao gozar, tudo o que consegui fazer foi rolar para o lado e cair semi desmaiado no chão da sua sala. Eu encarava o teto enquanto tentava recobrar o fôlego. Não houve beijo, abraços ou carícias, afinal, não éramos namorados. Tudo o que houve foi aquela deliciosa sensação de ter a mente e o corpo sendo anestesiados.

O ano começou a se arrastar lentamente pelo fim de março e eu tinha uma novidade: Tom tinha virado meu parceiro fixo. Era diferente de como foi com Eric. Por mais que muitas vezes eu afastasse Eric, eu ainda ficava conversando com ele um bom tempo depois do sexo, tomávamos banho juntos e até assistíamos televisão juntos eventualmente. Com Tom, não havia nada disso. Era sexo e depois tchau. Não chegamos nem mesmo a desenvolver amizade. Tom nunca foi meu amigo nem nunca teve a intenção de ser.

Eu acho que posso dizer que Tom era o grande responsável por essa nossa relação um tanto quanto disfuncional. Por mais que eu não quisesse um relacionamento com outro cara no momento, o que, aliás, nunca quis em momento nenhum, eu nunca teria me fechado pra uma nova amizade. Pelo menos essa lição a morte de Eric havia me deixado. Contudo, não era um incômodo a forma como eu e Tom nos relacionávamos. Era até bem cômodo pra mim. Agora, eu tinha uma dose regular do meu mais efetivo anestésico psicológico: sexo.

Alice, claro, desaprovava tudo aquilo.

_Você conseguiu um cara ainda mais defeituoso do que você!

_Para.

_É sério! Dá pra ver a milhas de distância qual fruta aquele menino gosta, e vem pagar de hétero?

_Ele não é tão afeminado assim.

_Também não é o cara mais másculo que eu conheço.

_Eu sei, mas você tem que entender que agora é diferente.

_Diferente como?

_Não vou me envolver sentimentalmente com ele.

_Como você sabe? Não se controla esse tipo de coisa.

_Eu simplesmente sei. Quando você bate o olho na pessoa, você sabe se aquela pessoa vai ser descartável ou não para você.

_Ainda sim...

_Homens encaram o sexo de uma forma diferente, Alice. A gente consegue fazer sexo sem se envolver romanticamente.

_Eu sei que os homens em geral conseguem. O que eu não tenho certeza é se você consegue.

_Vai se fuder!

Eu tinha certeza que minha relação com Tom não se aprofundaria.

“Ah, mas se você se apaixonar por ele como aconteceu com Rafael?” vocês podem pensar.

Não era uma opção. O que aconteceu comigo e Rafael só acontece uma vez na vida. Sem cair no clichê de chamá-lo de minha alma gêmea, eu só não podia acreditar que eu pudesse sentir por alguma outra pessoa o que eu senti por Rafael. Alguém que tirasse meu chão e meu ar? Alguém que me fizesse querer encarar os meus medos? Alguém que eu desejo poder ver envelhecendo comigo? Não, essas coisas não acontecem toda hora, nem com todo mundo.

Tom também não era Eric. O grande laço que me unia a Eric era o fato dele me amar. Outras pessoas podem me amar? Claro, mas não como Eric. Tudo o que ele tinha vivido, o modo como a personalidade dele tinha sido construída era uma coisa muito singular. Ele não apenas me amava, ele se agarrava a mim desesperadamente em busca de ajuda. Eu não conseguiria virar as costas para uma pessoa neste estado, não completamente, ao menos.

Tom não era Eric e não era Rafael. E essa é uma lição importantíssima que aprendi na minha vida: as pessoas não me repetem. Nem mesmo se eu quisesse, Tom seria como os dois. Tom era Tom. A sua personalidade, a sua história, e até mesmo a sua maneira de beijar e fazer sexo o tornava uma pessoa única no mundo. E disso vem uma segunda grande lição: não importa quantos relacionamentos ou quantas pessoas você tenha dormido, você não vai conseguir desenvolver um manual prático de como ser bem sucedido em um relacionamento. Como as pessoas, os relacionamentos não se repetem, e não há como prever para onde eles caminharão. É por isso que nunca acreditei em livros de autoajuda. O que você pode e deve fazer é aprender um pouquinho com cada pessoa que passa pela sua vida, sexo envolvido ou não, e assim fazer de você mesmo uma pessoa cada vez melhor. Digo isso para frisar um fato importante: eu nunca me apaixonei por Tom, não sei nem mesmo dizer se ele foi por si só uma pessoa importante na minha vida, mas ele me ensinaria uma lição muito importante...

_E você e o Marcos, hein?_ falei com Alice retomando o papo.

_Tudo bem por enquanto..._ ela falou com um sorrisinho no rosto.

_Eita! E já provou da mercadoria?

_Me respeite, menino!

_Isso é um sim?

Ela sorriu em resposta e eu aplaudi rindo.

_Que vida devassa essa nossa, hein?_ falei.

_Sua, né? Porque eu não tenho tantos parceiros assim como você.

_Tom é o terceiro!

_Dos que você me conta, né?

Eu ri, mas não tinha certeza se ela estava brincando comigo. Às vezes eu tinha a impressão que Alice achava que eu escondia as coisas dela. Sim, claro, nós tínhamos segredos, mas não era tanta coisa assim. Apenas não compartilhava com ela cada detalhe da minha vida. Para mim, ela achava que eu era um daqueles caras que entrava nos bate-papos da vida ou nos banheiros de rodoviária sedento atrás de um macho. Não, não era assim comigo. Você podem até pensar que ela tinha uma visão preconceituosa dos gays, que nós seríamos máquinas sexuais incansáveis. Mas não, ela tinha uma visão preconceituosa dos homens em geral. Na visão dela, se você tem um pau entre as pernas, você não é digno de confiança. Eu me perguntava se sempre foi assim ou alguém a magoou tanto a ponto de ressenti-la desta forma. Nunca tive coragem de lhe perguntar.

_E como foi?_ perguntei.

_Foi bom._ respondeu bebendo seu refrigerante.

_Só bom?

_Uai, é, bom.

_Mas “bom” é meio caído, não?

Ela riu.

_Não, não é. Foi só uma vez, no dia da festa dos calouros. Foi a nossa primeira vez e na primeira vez nem sempre a gente encontra a nossa química.

_Minha primeira vez com Rafael e Eric foram ótimas. Com o Tom eu não sei avaliar porque eu fui meio que com muita sede ao pote, não sei até onde era saudade.

_Credo!_ falou fingindo nojo _Mulheres e homens são diferentes, meu caro. Vocês homens já sabem aonde ir diretamente, nós mulheres temos que guiá-los para vocês acharem os lugares certos em nós.

_Credo!_ falei brincando.

_Credo, mas você andou metendo boca em umas piranhas por aí, né?

_E foi bom, obrigado._ falei orgulhoso.

_Bom? “Mas ‘bom’ é meio caído, não?”_ rebateu imitando a minha voz.

_Ah, vai se fuder!_ falei não me aguentando e caindo na risada junto com ela.

Ela foi parando de rir e voltou a ficar séria.

_Falando nisso, como vai seu plano de arranjar uma esposa de fachada?

_Não é fachada.

_Lógico que é fachada, por quanto tempo você acha que aguenta “bom”?

_Ah, não sei!_ falei claramente incomodado com aquele assunto _O plano está em standy by.

_Eu te provoco porque acho que você ainda tem salvação._ falou não dando a mínima pro meu incômodo _Olha esse Tom. Pelas coisas que você me fala, ele está perdido.

_Como assim?

_O cara não admite que é gay. Mesmo depois de transar com outro cara. Mesmo estando muito na cara que ele é. Vê como isso é triste? Ele não vai ficar feliz nunca. Provavelmente vai conseguir se casar com uma tonta desavisada e os dois vão ser infelizes por anos ou mesmo décadas antes que alguém tenha coragem de por um fim naquilo. Isso se tiverem coragem, né, porque já parou pra imaginar quantos homens com vinte, trinta ou quarenta anos de casamento não são gays sufocando seus desejos.

_Ainda bem que eu tenho salvação..._ falei brincando tentando quebrar o clima ruim.

_Seu único alento é que você sabe o que é e aceita o que gosta. Só que não adianta nada sem a coragem de romper com essa prisão em que você está se prendendo. Você é inteligente, você sabe que se casar com uma mulher só vai fazê-lo infeliz. Eu só espero que você tenha cabeça pra pesar isso numa balança antes de fazer uma bobagem.

Ficamos os dois em silêncio durante um bom tempo. Esse tipo de sermão que Alice me dava era comum e rotineiro. Pelo menos uma vez por semana voltávamos ao mesmo ponto. Se aquelas palavras já não tinham tanto efeito em mim devido à repetição, elas só serviam para me cansar. Não adiantava rebater nada, porque, além de ser difícil rebater qualquer discussão com Alice, nunca chegávamos em ponto algum. Eu continuava seguindo com minha vida e ela continuava discordando.

Resolvi mudar de assunto.

_Posso fazer uma pergunta indiscreta?

_Não._ respondeu _Mas você vai fazer de qualquer jeito...

_Com Pedro,_ sua sobrancelha subiu com o nome dele _era “bom” ou “ótimo”?

Ela não respondeu, apenas sorriu e virou a cabeça tentando esconder. Eu caí na gargalhada.

_Eu sabia!

_Fala baixo!

_E com ele foi só uma vez também, não?_ perguntei ironizando o que ela tinha falado sobre Marcos.

_Sim._ respondeu vermelha.

_E onde fica a sua teoria da primeira vez?

_Não enche!

_Porque o Pedro sabe como se faz as coisas, não precisa de guia, né?

_Porque você tá falando nisso? Foi muito bom, ok, agora sigamos em frente. Não desistiu de tentar me empurrar pra ele?_ falou perdendo a calma.

_Calma. Nós estamos do mesmo lado agora, lembra? Nós dois não gostamos dele.

_Me engana que eu gosto!_ falou rindo _Ele não gosta de você. Você já perdoou ele por tudo. No momento que ele estalar os dedos você volta correndo.

_Não é assim..._ tentei desconversar sem graça.

_É assim sim.

Era um assunto que eu não gostava. Conversar sobre minha amizade com Pedro era lembrar do soco, de suas palavras, de seus olhares... Era triste e doloroso. Tentei virar a mesa.

_Não desconversa._ falei _O assunto é que o Pedro é melhor de cama que o Marcos.

_E daí? Não vou namorar o Pedro mesmo.

_E o Marcos você vai?_ perguntei surpreso.

Ela sorriu e abaixou a cabeça.

_Você gosta dele mesmo?_ perguntei ainda surpreso.

_Talvez...

_Achei que ele só curtição.

_E é, por enquanto.

_Então?

_Sei lá, ela é bonito, me trata bem, tem a cabeça no lugar...

_Só não é bom de cama._ completei rindo.

_Para com isso! Eu não devia ter te contado!

_Desculpa._ falei mal contendo meu riso _É que eu já vi o Pedro em ação, então eu entendo a sua dor...

Só quando eu terminei a frase eu percebi a informação que tinha soltado.

_Como assim você viu o Pedro em ação?_ ela perguntou olhando no fundo dos meus olhos.

_Eu... Eu..._ não sabia pra onde correr.

_Bernardo... Vocês...

_A gente “dividiu” uma menina..._ falei antes que ela pensasse outra coisa.

_Vocês o que?_ ela gritou e arregalou os olhos.

Eu me encolhi na cadeira com medo dela. Fui salvo pelo gongo. O celular dela, que estava em cima da mesa, começou a tocar. Ao olhar no visor, seus olhos ficaram inquietos. Curioso, eu olhei também e vi o nome de Rafael. Fiquei intrigado. Certo, Alice e Rafael se davam bem, mas estavam longe de serem amigos. Pelo menos, não a ponto de telefonarem um para o outro. Até onde eu sabia, o único assunto em comum que eles tinham eram eu.

_Não vai atender?_ perguntei.

Ela vacilou. Pegou o celular, mas não atendia. Ela me olhava indecisa.

_Não precisa ficar toda estranha por minha causa. Eu e Rafael somos amigos agora._ falei.

Mas alguma coisa estava estranha. Alice estava estranha.

_Alô?_ ela falou atendendo enfim.

Tentando me fingir de distraído, eu prestei atenção na conversa.

_Ah, sim... Ok... Certo... Combinado..._ ela deu um longo suspiro e me olhou de rabo de olho _Ok, Rafael, hoje à noite. Tchau.

Eles estavam escondendo algo de mim. E algo me dizia que eu não iria gostar do que estava por vir.

_Então..._ ela falou constrangida ao desligar.

_Você e o Rafa são amigos agora?_ perguntei a olhando com firmeza.

_Meio que sim...

Confesso que eu fiquei com ciúme.

_O que está acontecendo, Alice?

_Como assim?

_Vocês dois ficando amigos de repente! Vocês andam cheio de segredinhos. Quando eu chego na roda de conversa, vocês param de conversar.

_Bernardo...

_Rafael sumiu!_ eu falei magoado _Eu só o vejo na faculdade. Ele passou as férias enfiado dentro da minha casa, mas depois que as aulas começaram eu mal o vi fora da faculdade. Você também. Eu tive que quase implorar pra você sair comigo hoje. E agora vocês marcam programas juntos e nem ao menos me convidam? O que diabos está acontecendo?

Eu não gritei, mas falei com raiva. Eu estava magoado. No último mês, os dois tinham praticamente me abandonado. Eu passei de amigo a colega de faculdade. Eles nunca tinham tempo pra mim. E justo quando eu mais precisava deles.

_Bernardo..._ ela parecia buscar as palavras.

_Fala!_ pedi nervoso.

_Você mudou!

Eu olhei pra ela sem entender. Ela soltou um longo suspiro.

_Você está diferente, Bernardo.

_Como assim?_ perguntei ressabiado.

_Olha, eu sei que a morte de Eric mexeu muito com você, mas desde então você se tornou outra pessoa.

_Eu não me tornei outra pessoa.

_Sim, você se tornou, só não percebeu. Você está mais obscuro. Você quase não ri, e quando ri parece meio forçado, um riso superficial. Você costumava rebater as coisas que eu falava, agora deixa pra lá. Você costumava nos alegrar nas festas, agora você fica num canto se isolando.

Eu ouvia tudo embasbacado. Eu não tinha percebido aquelas mudanças em mim. Só que quando ela falava, eu ia lembrando dessas pequenas coisinhas. Mas poxa! Eu tinha o direito de estar assim, não? Quantas coisas não estavam acontecendo comigo ultimamente! Quantos golpes eu estava levando da vida! Era normal que eu me endurecesse um pouco.

_Eu continuo sendo sua amiga. O problema é que você está se tornando uma pessoa muito difícil de se conviver.

_Obrigado._ respondi irônico.

_Só estou te dizendo isso porque sou sua amiga. Caso contrário, eu apenas me afastaria sem dizer nada.

Eu fiquei realmente puto com ela e Rafael. Ela percebeu, mas não falou mais nada, nem um pedido de desculpas. Que amigos eram esse que não podiam ficar ao meu lado numa hora difícil?

_Obrigado pela sinceridade._ falei me levantando da mesa com raiva _Não vou mais te obrigar a me aguentar, com licença.

_Ah, deixa de criancice!_ ela falou com raiva também _Eu ainda estou aqui. Eu só não estou 100%, eu tenho uma vida também.

_Novamente: não vou mais te incomodar com meus problemas.

Eu me virei pra ir embora, mas alguma coisa me parou. Faltava algo a ser explicado: como Alice e Rafael viraram amigos repentinamente? Eu voltei pra mesa e lhe perguntei ainda em pé.

_Esse programa de hoje à noite. Eu não fui convidado por que eu me tornei uma péssima companhia ou tem outro motivo?

_Bernardo..._ ela falou suspirando triste.

De repente, me veio a cabeça a cena dela, Rafael, Carolina e Marcos conversando animadamente e ficando sem graça com minha presença. Tudo ficou muito claro.

_É um programa de casais, certo?_ perguntei com lágrimas nos olhos _Você e Marcos, Rafael e Carolina, não é?

Ela me olhou triste como se confirmasse. Eu senti como se o mundo todo à minha volta ficasse cinza.

_É ele que tem de te contar, não eu._ foi o que ela se limitou a respondeu.

Voltei a me virar e praticamente corri pra sair dali o mais rápido que pude. Rafael estava namorando. Ele virou a página. Ele me superou. Ele me esqueceu. Eu não prestava nem pra seu amigo agora. Eu não posso nem mesmo dizer que era dor o que eu sentia. Era só mais uma pancada dentre tantas outras. Só que essa era diferente. Por mais que eu não conseguisse mais vislumbrar um futuro ao lado de Rafael, eu sabia que ele sempre estaria lá pra me ajudar. Só que agora, ele não estava mais. Tinha outra pessoa em sua vida pra ele cuidar.

Eu mudei. A morte de Eric, o esfriamento da minha relação com Rafael, o desprezo de Pedro, e agora o afastamento de Alice e Rafael. Eram muitas porradas. Elas foram me ressentindo, me tornando uma pessoa ferida e amarga. Alice estava certa, eu havia mudado, e pra pior. Era como se alegria estivesse sendo tirada de mim através da distância das pessoas que eu amava. Tinha como ficar pior? Era o fundo do poço? Não, não era o fundo do poço ainda. Pra alcançar o pior que havia em mim, faltava uma pancada, faltava a cicatriz que Tom deixaria em mim.

Na metade de abril, meu avô materno morreu em Porto Alegre. Um infarto fulminante o levou nas primeiras horas de uma manhã fria. Minha mãe ficou desolada. Eu e meus irmãos nem tanto. Minha mãe partiu imediatamente para Porto Alegre tentando nos levar junto com ela. Eu expliquei a ela calmamente que eu tinha que apresentar um seminário na faculdade e não poderia faltar. A contragosto, ela aceitou que eu e meu pai, que tinha compromissos de trabalho, não fossemos. Ela então partiu com meus três irmãos pra passar alguns dias em Porto Alegre.

Sim, eu tinha um seminário, mas não era essa a razão pela qual eu não quis ir. Eu não queria estar naquele ambiente novamente. Minha vida estava de cabeça pra baixo. E a cereja do bolo: Rafael estava namorando! E uma menina! Aquilo era tão surreal pra mim. Eu mal conseguia acreditar no que estava acontecendo.

Não era dor que eu sentia, era uma sensação de vazio. O mesmo Rafael que estava sempre lá, que preenchia meus dias e meus pensamentos, não estava mais lá. Era um sentimento complexo porque, como eu já disse, nós tínhamos perdidos aquela chama que existia entre nós. Ainda havia amor, mas não havia paixão. Sendo assim, o que o impedia de conhecer outra pessoa? Nada. Aliás, sendo a pessoa apaixonante que ele é, eu até achei que demorou muito. Digo isso, porque não culpei Rafael por ter seguido em frente. Como culpá-lo? Ele não tinha feito nada de errado. Eu me culpava.

Eu amava Rafael e ele me amava. Durante meses, vivemos o mais doce dos sonhos. Nós nos amávamos e estávamos juntos, a minha vida tinha ficado mais colorida, eu passei a sorrir mais. O que mais eu poderia pedir? Quantas pessoas não passam pela vida sem nunca sentir isso, sem nunca terem verdadeiramente amado e sido amadas? Eu tinha tido tanta sorte! Ele me amava! Só que eu o deixei escapar. Eu tinha o expulsado na função de namorado. Eu o amava, mas eu acho que não o amava o bastante, não o suficiente para ir até onde ele queria que eu fosse.

E pra piorar tudo, eu perdi as minhas mais preciosas amizades: Pedro, Rafael e Alice. Nem preciso comentar sobre Pedro, que continuava a me tratar da mesma forma do que antes. Rafael se afastou sem explicações, e eu deixei que fosse assim por puro desânimo de lutar. Alice também se afastou, ainda que mais sutilmente. Nós ainda sentávamos juntos todos os dias na sala, ainda conversávamos bastante, ainda aconselhávamos um ao outros, mas era diferente. Alguma coisa tinha se quebrado. Aliás, eu tinha me quebrado. Eu não era o mesmo, eu me tornei uma pessoa sem vida e sem brilho. Eu era alguém que caminhava cansadamente encarando um dia após o outro. E quem quer uma pessoa assim ao seu lado? Por isso, não culpo Alice ou Rafael por se afastarem de mim. Eu cavava o fundo daquele poço sem ajuda de ninguém.

No meu desespero silencioso, era em Tom que eu me agarrava. Vou repetir mais uma vez: eu não o amava, eu não era apaixonado por ele, eu não era nem mesmo seu amigo. Só que ele era a única coisa que me sobrou naquele turbilhão sentimental pelo qual eu estava passando. Sim, era só sexo, mas sexo nunca é só sexo. Era uma fuga, uma anestesia. Eu me segurava nele de modo semelhante ao que Eric se segurava em mim.

Alguns dias atrás:

_A gente podia sair pra beber alguma coisa qualquer dia?_ falei enquanto me vestia.

_Acho melhor não. Vamos confundir as coisas, cara._ ele respondeu sem nem mesmo me olhar.

_É, você tem razão.

Ironicamente, ele sempre me afastava quando eu me tentava me aproximar, do mesmo jeito que eu sempre fiz com Eric. Talvez fosse um castigo divino, provar do meu próprio veneno. Pela primeira vez na vida, eu entendi Eric. Naquele ponto específico da minha vida, eu entendi o que era estar abandonado, sem ninguém com quem contar. “Ah, mas você tinha sua família. E Rafael e Alice voltariam num piscar de olhos se você precisasse.”, vocês podem pensar. Era verdade. O meu nível de abandono não chegava nem perto do de Eric, mas a sensação era a mesma. O vazio era o mesmo.

[...]

_Oi.

Me virei pra encontrar o dono da voz e me deparei com Rafael. Eu entrava na faculdade tão distraído naquela manhã, que não havia reparado na sua presença. Aliás, fazia tempo que eu não reparava em Rafael. Ele estava mais forte. Ele sempre tempo o corpo definido, mas agora seus braços e peitorais estavam mais fortes. Seus cabelos estavam um pouco mais compridos também e exalavam uma sensação de maciez incrível. Ele sorria discretamente para mim. Ele era o menino de um milhão de sorrisos, um para cada ocasião. Aquele era seu sorriso tímido, aquele que diz que ele estava sem jeito em puxar papo comigo. Confesso que tê-lo assim tão perto, depois te tanto tempo se afastando, mexia comigo, acelerava meu coração. Mas afinal, era o que ele sempre fazia comigo, me lembrava que eu estava vivo.

_Oi. Tudo bom?_ perguntei tentando conter minha expressão de surpresa.

_Tudo. E você?

_Também._ menti.

Caminhamos alguns metros em silêncio. Ambos não sabíamos como guiar aquela conversa.

_Nós precisamos conversar._ ele falou.

Eu suspirei pesadamente já sabendo a conversa que ele se referia. Eu parei de andar e o encarei com uma expressão de tristeza. Não era para fazer dó nele ou coisa parecida, era só a minha expressão habitual nas últimas semanas.

_Alice já me contou._ falei _Sobre você e Carolina.

Foi a vez dele suspirar. Ele coçou a cabeça.

_Eu sei que ela falou, ela me disse. Eu já devia ter tido essa conversa com você há mais tempo.

_Não, não precisava._ falei sereno.

_Como assim?

_Você não me deve satisfações, Rafa._ falei.

Eu não falava aquilo com mágoa nenhuma na voz ou no coração. Como eu disse, eu não estava me sentido traído ou ferido, apenas abandonado. Ele me olhava intrigado. Eu não me parecia com a pessoa que ele conhecia.

_Não é assim que as coisas funcionam, Bernardo. Você é muito importante pra mim. Eu nunca faria nada pra te magoar. Eu queria ter te preparado antes com uma conversa.

Ver ele falar assim com tanto carinho aquecia meu coração, mas eu sabia que não era nada de mais. Rafael era apenas muito bom comigo. Ele nunca iria querer me magoar.

_Não tem conversa que me preparasse pra isso. Ver você falando ou ver vocês se beijando teria o mesmo efeito.

_Você está estranho, e já faz tempo._ ele falou como se não acreditasse que eu estava encenando _O que está acontecendo?

_Não está acontecendo nada, Rafa. Não tem nenhuma novidade na minha vida, nada que você já não saiba. Aliás, tem: eu estou saindo com um cara. E não me preocupei em te avisar antes.

Ele arregalou os olhos com minhas palavras e eu me arrependi imediatamente do modo como eu tinha dito.

_Desculpe, não era pra ter saído assim._ falei me recompondo e tentando escolher as melhores palavras _O que eu quero dizer é que nós seguimos em frente. Nós sabíamos que isso aconteceria.

Ele me olhou por alguns instantes me analisando, tentando invadir com minha mente com seu olhar intenso.

_Quem ele é?

Ele não usou um tom de ciúme, mas de curiosidade e de cuidado.

_Um calouro. Não vou dizer o nome, ele não é assumido.

_Bom, você achou alguém que se encaixa a você.

Aquela sua última frase saiu com um certo amargor e eu recuei. Ele percebeu e tentou se desculpar, mas eu falei antes.

_Sim, alguém que se encaixa perfeitamente.

_Desculpa, eu...

_Ainda que eu preferisse ter a sua sorte e ter conseguido namorar uma garota.

Foi a minha vez de usar um tom amargo. Ele que tinha tanto insistido pra nós nos assumíssemos pro mundo, agora namorava uma mulher.

_Não é assim._ ele falou começando a se explicar.

_Você não me deve explicações, Rafa.

_Devo sim._ ele falou nervoso _Eu não planejei isso. Eu não estou usando ela como fachada. Eu me apaixonei por ela.

Eu imaginava isso. Não acho que Rafael seria capaz de usar uma garota como fachada, não combinava com sua personalidade. Ainda assim, doeu mais do que imaginava ao ouvir ele dizer com todas as letras que tinha se apaixonado por outra pessoa.

_Ela sabe, Bernardo._ ele continuou ao ver que eu não expressei reação _Ela sabe de tudo. Ela sabe de nós.

Meus olhos se acenderam de repente e ele entendeu.

_Mas ela não vai contar nada. Ela entende como a questão é complicada. Pode ficar tranquilo. Ela é uma boa pessoa._ ele completou _É por isso que eu me afastei um pouco de você. Você é meu amigo, mas também é meu ex-namorado, não é uma coisa que agrade ela.

Concordei com a cabeça. Não tínhamos mais nada pra dizer um ao outro. Um silêncio constrangedor tomou o espaço entre nós.

_Tudo esclarecido,_ falei _eu te vejo na sala depois. Tenho que passar num lugar antes. Até mais.

E saí andando sem esperar resposta, mas ele me chamou. Eu olhei pra ele e ele ainda me olhava muito intensamente. Vendo que ele não falaria nada, voltei a me aproximar dele.

_O que foi, Rafa?_ perguntei meio impaciente.

_Você ainda me ama?

Aquela pergunta me pegou desprevenido. Ele não me perguntou como se só esperasse a resposta pra completar com “Então vamos fugir juntos daqui”, mas como se realmente duvidasse. Eu apenas sorri pra ele, o meu primeiro sorriso sincero em muito tempo.

_Para sempre, Rafa.

Ele sorriu torto, mas sinceramente. Eu não esperei a resposta e voltei a me afastar de costas pra ele. Só então eu permiti que meus olhos se enchessem de lágrimas. Só então eu permiti que a dor da partida me atingisse. E como eu sempre fazia quando isso acontecia, eu peguei meu celular e disquei seu número.

_Oi._ falei _Você vai ter alguma aula importante agora?

Eu podia ouvir Tom sorrir no outro lado da linha.

_Não são nem oito da manhã? Alguém acordou com fogo._ ele respondeu.

_Isso é um sim ou um não?

_Me espere do lado do seu carro em dez minutos.

[...]

Era assim que funcionava. Eu levava pancadas e procurava por Tom para me anestesiar. Nesse sentido, eu não era diferente de Eric, que achou uma muleta na cocaína. Hoje eu penso o quanto eu estive perto de um problema mais sério: e se Tom não estivesse lá? Eu teria começado a dormir com estranhos em quaisquer cantos escuros da cidade pra saciar minha dor? O quão perto eu não passei de um distúrbio psicológico grave como o vício em sexo

E lá estava eu, me atirando sem paraquedas no corpo de Tom no meio da sua sala de estar. Eu beijava e apertava cada parte do seu corpo. Eu fazia isso com desejo, mas mais ainda, eu fazia com desespero. Ele parecia gostar. Eu duvido muito que ele soubesse a real dimensão de tudo o que eu estava passando, mas ele gostava do resultado. Ele gostava de sentir desesperadamente necessário. Eu sugava seus mamilos vermelhinhos com força, a ponto de deixá-los roxos, enquanto Tom gemia alto. Eu mordia sua barriga e subia para encontrar sua boca sedenta.

_Isso! Me chupa todo!_ ele falava em êxtase.

Eu colocava seu pau todo na minha boca e chupava com vontade. Não era muito grande ou grosso, mas eu gostava. Eu achava que combinava com ele, que era todo pequeninho. Bruscamente, eu o virei de costas e passei a lamber com vontade a sua entrada. Ele passou a gemer ainda mais alto, gritando para eu não parar, que eu ia levá-lo à loucura.

_Que porra é essa?!

Ao ouvir aquela voz de trovão, eu senti todo o meu corpo se estremecer. Quando Tom saiu assustado da minha frente, eu pude ver aquele homem corpulento com o rosto muito vermelho, as veias saltando da testa e do pescoço, e uma expressão de ira nos olhos.

_Pai!_ falou Tom sem saber o que fazer.

_Que merda é essa?!

Eu ainda estava de calça jeans, mas dei um jeito de por rapidamente a minha camisa. Eu nem sabia o que sentir direito. Meu coração estava a mil por hora, querendo pular pra fora do meu peito. Eu tinha que sair dali.

_Pai..._ choramingou Tom escondendo sua nudez com as mãos _Eu não queria!

Eu olhei para os dois esperando os próximos acontecimentos.

_Ele ficou me atiçando, me provocando. Eu acabei cedendo. Me desculpa, pai!_ ele falou já chorando.

Eu o olhei indignado com a mentira. Ele tinha dado em cima de mim primeiro! Eu me levantei por impulso e acabei chamando a atenção daquele homem. Ele se virou pra mim com uma expressão de fúria e eu não tive como me defender. Ele veio pra cima de mim com tudo e me jogou no chão com um soco no rosto. Eu caí desnorteado aos pés do sofá. Eu nunca tinha levado um soco na vida.

_Seu viado imundo!

Ele começou a me chutar nas pernas e na barriga. Eu não conseguia me levantar ou me defender. Eu apenas me encolhi e fui recebendo todos aqueles golpes. Ele alternava socos, chutes e xingamentos como “bicha imunda”, “viado desgraçado”, entre outras coisas piores. Sim, doeu, e muito, mas depois de um certo tempo, parei de sentir dor. Não havia mais parte do meu corpo que não tivesse sido atingida. Foi um daqueles momentos que te marcarão pro resto da vida. Por mais que sempre falamos da homofobia e dos olhares recriminadores, não há comparação com apanhar só por gostar de outros caras. Vai muito além da dor física, é uma coisa que te atinge na alma. Aquilo te reduz a menos do que nada. Você passa a sentir como aquelas pessoas te dizem que você é. Você se sente imundo, imoral, desgraçado.

Em algum ponto, aquele homem cansou de me bater. Ele se sentou no sofá pingando de suor e com as mãos sobre os olhos. Eu não tive coragem de encará-lo. Tom chorava num canto da sala abraçado aos joelhos. Na boca eu sentia um gosto forte de ferro, o que eu sabia ser sangue. Eu me levantei com muita dificuldade, mas não consegui deixar o corpo reto porque doía. Talvez uma ou duas costelas quebradas. Arqueado, andei em direção à porta sem dizer nada, sem olhar pra ninguém, me concentrando apenas em minha própria respiração. Eu cheguei ao meu carro com dificuldade e me deixei cair no banco do motorista de olhos fechados. Eu me olhei no retrovisor. Ele não tinha batido muito no meu rosto. Além da marca do soco na minha têmpora, havia um longo corte no meu supercílio que cobria de sangue metade do meu rosto. Dei partida do meu carro e então comecei a chorar. Eu chorava desesperadamente, como se quisesse tirar toda aquela dor de mim. Eu estava sozinho, eu não tinha mais ninguém. E agora, graças àquela marca que Tom tinha me dado, eu não tinha nem mais a mim mesmo. Eu me perdi. Eu não era mais o Bernardo. Eu era só mais um viado imundo e desgraçado dirigindo sem rumo pela cidade.


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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
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Nome do conto:
Bernardo [41/42/43] ~ Sexo com Tom

Codigo do conto:
217916

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
12/08/2024

Quant.de Votos:
1

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