Bernardo [59/60/61] ~ De volta ao Brasil

Era sábado à tarde. O primeiro sábado de julho. O último dia em Paris. Eu me lembro como se tivesse sido ontem. Era verão, mas fazia um calor temperado, de modo que nos aquecia sem nos incomodar. Ventava pouco, uma brisa morna que parecia aquecer até mesmo nossos corações. As árvores estavam cheias de folhas. As ruas estavam cheio de turistas. Milhares deles tomavam as ruas da cidade-luz aproveitando a cidade mais romântica do mundo. Eu os observava triste pela janela do ônibus que nos levaria até o aeroporto.

Era uma sensação tão estranha. Era como acordar do melhor dos sonhos e voltar à realidade. Tudo se desfazia em frente dos meus olhos. Sim, eu viria a visitar Paris novamente, mas não era a mesma coisa. Paris é um símbolo. E o que aquela cidade simbolizava para mim? Os anos mais felizes da minha vida. Foi tudo uma felicidade pura e quase infantil. Uma felicidade impossível de ser repetida em condições normais de rotina. Paris é o símbolo da minha mais doce fantasia.

Eu deixava naquela cidade que me acolheu por um ano, sorrisos, abraços, beijos, caminhadas de mãos dadas... Eu deixava lá uma alegria que eu não sabia que possuía, uma leveza quase absurda. Ah, aquela sensação de inatingibilidade... Eu deixava em Paris, principalmente, lembranças de um tempo que, de repente, não me pertence mais.

Mas o que é mais importante: o que Paris deixou em mim? Paris me deu a paz e a felicidade que eu tanto almejava, mesmo que por um breve momento. Mas muito mais do que isso, o que ficava o desenvolvimento das ferramentas para que eu pudesse continuar vivendo. Ou seja, Paris me fez descobrir o Bernardo de verdade.

Pode soar cansativo para vocês essa história de “Bernardo de verdade”, mas é de extrema importância para o meu amadurecimento e minha história de vida. Eu sempre me mantive dentro da prisão que eu criei para mim mesmo, uma prisão construída com meus maiores medos. E, de repente, eu me vi livre daquela prisão. Eu pus minha prisão abaixo. Isso é uma coisa enorme para mim! Se eu tivesse conseguido fazer isso antes, eu conseguiria fazer Rafael feliz ou impediria o pai do Tom de fazer o que fez comigo. Eu teria conseguido ser o amigo que Eric tanto precisou. Mas, infelizmente, eu não posso voltar no tempo. Eu não posso voltar atrás nos meus erros, mas eu posso me cuidar para que eles não voltem a se repetir.

Por um momento, eu cheguei a temer um retrocesso, que eu voltasse a ser aquela pessoa fraca que eu era antes. Hoje eu sei que isso não aconteceu, mas mesmo naquele momento no ônibus indo embora, eu já sabia que isso não aconteceria. Eu estava voltando para casa e para os meus problemas, mas não estava assustado. Se eu não estava ansioso para enfrentá-los, pelo menos eu não estava tentado a correr deles. Isso é um avanço imenso em comparação à pessoa que sempre fui.

Enfim, era grande a dor da partida, mas era necessária. Paris foi uma pausa, o tempo parou para que eu vivesse aquilo, pois eu precisava vivenciar e aprender tudo aquilo. Mas acabou. Era chegada a hora de continuar. A vida recomeça agora.

[...]

_Bernardo. Bernardo. Bernardo. Bernardo!

_Hã?

Falei acordando no meu pequeno devaneio. Ricardo me olhava curioso.

_Você está bem?_ ele perguntou.

_Eu? Ah, sim. Por que?

_Você parecia todo distraído aí.

_Estava pensando na vida.

_Ah...

Ele fez uma cara de que estava juntando as peças, mas logo tratei de mudar de assunto.

_Vamos lá pegar as malas, que são muitas!

Eu ainda não tinha terminado com Ricardo. Eu não sabia como fazer isso. Eu me sentia um monstro. Eu lhe dei esperanças que talvez pudéssemos ficar juntos para depois dizer que mudei de ideia. Que tipo de pessoa faz isso? Era cruel.

Quando vi ele acordar mais cedo naquele dia, um a cara toda amassada, um sorriso bobo nos lábios e um pedido de carinho, não tive como dizer a ele. Eu sei que fui covarde, mas não consegui. Então, decidi só contar quando chegássemos ao Brasil. Afinal, não seria legal terminar o namoro e passar as próximas doze horas num voo com seu ex, por melhor que ele fosse.

E lá fomos nós: fizemos o check-in, despachamos a bagagem e entramos na longa fila para a sala de embarque. Lá dentro, paramos para lanchar. Ricardo, não é burro, ele logo percebeu que alguma coisa estava acontecendo.

_Não vai mesmo me dizer o que é?_ perguntou.

_Não é nada, Ricardo. É coisa minha. Sei lá, eu tô indo embora, tem muita coisa me esperando no Brasil.

_Não fica preocupado com isso._ ele respondeu sorrindo e acariciando a minha mão _Vai dar tudo certo, você não é mais a mesma pessoa que era. E, além do mais, agora você me tem ao lado!

Eu ri da sua resposta, mas logo desviei o olhar para que ele não me traísse. Eu queria que tudo fosse perfeito até o fim. E foi. Foi um voo tranquilo, sem turbulências, sem solavancos. Dormi encostado no seu ombro enquanto ele assistia a um filme qualquer. Quando me dei conta, já estávamos pousando em Guarulhos.

Era uma sensação diferente ao voltar para casa. Assim que cheguei ao desembarque, eu estranhei o idioma. Um ano me acostumando ao francês, e o português dos agentes do aeroporto me soou estranho, quase estrangeiro. Mas faltava alguma coisa. Não me entendam mal, eu amo meu país, mas não é por simplesmente pisar em solo nacional que eu me senti em casa. Minha casa é onde está a minha família, e eles estavam em Belo Horizonte. Por isso, a sensação de volta à realidade não foi tão forte ali em São Paulo. Faltava mais um trecho para eu realmente chegar. Era ali que eu me separava de Ricardo.

Eu não sei em que momento Ricardo percebeu o que eu tinha pra lhe dizer. Eu também não sei em que momento eu percebi que Ricardo sabia. Não houve planos de reencontro, de como manteríamos o namoro a distância, de como eu agiria com Rafael, nem nada disso. Ele sabia qual a minha decisão. Caminhávamos juntos pelo o aeroporto em silêncio sabendo que aquele era o fim, mas nenhum de nós tinha coragem de ser o primeiro a falar. Por fim, chegamos a derradeira porta que separava os recém-chegados viajantes de seus entes queridos.

Por mais que eu já tivesse tomado a minha decisão e de modo bastante consciente, só ali caiu a minha ficha. Eu não veria mais Ricardo todo dia. De agora em diante estaríamos separados por seiscentos quilômetros de distância. E, mais uma vez, as lágrimas tomaram conta dos meus olhos e eu não pude controlá-las. A única reação que Ricardo teve foi me abraçar.

_Me desculpa._ falei com a voz abafada em seu pescoço.

_Eu sei... Não precisa falar nada.

Devemos ter passado um longo tempo ali, relutando para dizer adeus. Quando ele se afastou, vi que ele chorava como eu, mas mantinha seu sorriso.

_Isso não é o fim._ ele falou _Eu vou estar sempre aqui. Eu não posso esperar por você para sempre. Seria estúpido e injusto. Mas eu vou sempre estar aqui como seu melhor amigo, não se esqueça disso.

_Eu... Eu...

_E trate de dizer a Rafael que se ele não cuidar bem de você, eu te sequestro e trago pra viver comigo em São Paulo.

Eu ri do seu bom humor.

_Então, sem mais lágrimas._ ele falou _Eu vou te telefonar amanhã pra você ter certeza que eu não fui a lugar nenhum, que eu ainda estou com você. Vou te visitar assim que eu puder e você vai me visitar assim que puder. Esse não é o nosso fim, entendeu?

Balancei a cabeça afirmativamente. Ele tirou um papel dobrado do bolso e colocou no meu bolso.

_É uma carta, mas não leia agora. Deixa para ler depois no avião, ok?

_Ok...

_Até logo, Bernardo.

_Até logo, Ricardo.

Ele me deu um último e carinho selinho e caminhou para fora daquela sala. Seus pais começaram a pular quando viram. Eu ri, mas decidi não fazê-los me ver também. Me virei de volta ao meu caminho e me deparei com algumas pessoas me olhando de modo estranho. Por um segundo eu me perguntei porquê, mas logo me lembrei do beijo. Não estávamos mais na França, eu não podia mais beijar outro sem encarar olhares recriminadores. Em outro momento, com um outro Bernardo, eu teria corrido envergonhado para longe dali, mas não agora. Ergui minha cabeça e puxei minha bagagem até o balcão de conexão. Definitivamente, o Bernardo que partiu não era o mesmo que estava de volta.

[...]

“Bernardo, meu amor.

Estou escrevendo essa carta enquanto te olho dormir. Tão sereno, tão calmo... Ainda não me acostumei com a ideia de não vou mais te ver dormir. Ainda não me acostumei que não serei o primeiro rosto que você vê ao acordar, que este lugar agora é de outra pessoa.

Não te digo que não estou magoado. Estou. Muito. Você escolheu ele. Eu fui o melhor namorado, eu deveria ganhar o jogo! Mas não é um jogo, é? Nunca foi uma corrida pelo teu coração, nunca foi sobre quem teria mais fôlego ou mais força. Nunca foi sobre quem te amava mais. A questão toda foi sobre quem você amava mais. É muito duro admitir isso. Escrever então...

Mas essa não é esse tipo de carta, uma carta amargurada, rancorosa e encharcada de lágrimas. É uma carta que eu quero que você guarde num cantinho do seu armário junto com nossa aliança. Uma carta de saudade. Por mais estranho que possa ser dizer isso, essa é uma carta pra te fazer chorar de saudade quando ler. Mas não saudade de mim, e sim saudade de tudo o que vivemos. Eu vou sempre estar a um telefonema de distância. Sempre.

Essa carta é para lembrar do que fomos durante esse ano. Lembra de nós dois em Montmartre? Dois idiotas rodando abraçados pelas ruas ao som de um violino? Lembra de nós andando de mãos dadas pela madrugada? Lembra que costumávamos passar a tarde toda deitados no colo um do outro nos Jardins de Luxemburgo? Lembra que um corria para a cama do outro no meio da noite para driblar o frio? Lembra que nós descobrimos a cidade juntos? Lembra que éramos capazes de passar um domingo inteiro deitados compartilhando sonhos e memórias? Você se lembra do quanto fomos felizes, Bernardo?

Nós não estamos mais juntos, eu sei. Mas eu vou saber seguir em frente. Você vai estar com Rafael, ou não, não importa. O que eu quero te pedir é que se lembre de mim, Bernardo. Deixe sempre um cantinho reservado para mim em seu coração. O meu maior medo é que você me esqueça um dia... Não faça isso. Com quem você estiver, se lembre de mim. Lembre de mim quando alguém falar de Paris é a cidade dos amantes, afinal, Paris sempre será a nossa cidade. Lembre de mim quando alguém tentar te enganar dizendo que contos de fada não existem. Lembre de mim ao ver um casal apaixonado deitado um no colo do outro numa praça.

E principalmente, lembre de mim nos seus momentos mais escuros. Lembre que você foi feliz e que é possível ser feliz de novo, que é só uma questão de tempo. Lembre que você se descobriu outra pessoa e você amou essa pessoa.

Quando você estiver triste e prestes a desesperar, eu quero que você vá para o seu quarto, se tranque e, muito lentamente, comece a rodar dançando e cantando La vie en rose. É a nossa música, sempre será.

E o mais importante de tudo: lembre-se que eu te amo. E sempre vamos nos amar, afinal, nosso cadeado ainda está preso naquela ponte.

Um beijo, Bernardo. Que você seja feliz com quem quer que você esteja e onde quer que você esteja.

Ricardo.”

Quando eu terminei de ler aquela carta, eu estava novamente morrendo em lágrimas. A aeromoça veio mais de uma vez perguntar se eu estava bem. Eu não estava bem. Meu avião pousou em Belo Horizonte, oras! Eu estava em casa. Seria maravilhoso rever minha família e meus amigos, mas e Ricardo? E Paris? E a felicidade? O que vem agora? E como é tão normal acontecer, eu me vi corroído pela dúvida se teria tomado a decisão certa. Era ali que eu devia estar? Era sozinho que eu devia estar naquele momento? Aprendi a ser forte, mas Ricardo sempre esteve lá pra quando eu não pude ser. E agora, como seria? Questões que só as próximas semanas poderiam me responder.

Lutando para me recompor, pois não queria ser visto do jeito que estava depois de ler aquela carta, saí da sala de desembarque com a cabeça baixa. Antes que eu pudesse racionar ou descobrir a origem daquele grito, minha mãe já estava agarrada ao meu pescoço. Eu sorri. Independente de qualquer defeito que ele pudesse ter, ela é a minha mãe e sempre me deu todo o amor que poderia dar. Então, era sim reconfortante poder abraçá-la depois de um ano sem vê-la. Não vejam ela como a vilã da história, ela nunca foi.

Quando ela enfim me soltou e me encheu de perguntas, eu não consegui respondê-las. Talvez tenha sido o idioma com o qual eu tinha perdido o hábito, talvez fosse o choro que eu ainda trazia entalado na garganta, talvez fosse só minha cabeça trabalhando a mil, mas eu acho que foi ele. Sim, meu pai, meus irmãos, Alice e Pedro também estavam lá me esperando, mas todos foram ofuscados. Um ano sem ver Rafael... E como ele estava diferente! Ele estava mais forte, usando um corte mais rente, barba rala. E aquele sorriso, meu Deus! Eu sentia que poderia iluminar o aeroporto inteiro com aquele sorriso. Ele me olhava de um jeito tão amoroso. Então, eu tive certeza da minha decisão. Eu amei e amo Ricardo, mas nunca houve como competir com Rafael. Se havia alguma dúvida, ela foi sanada com meu coração querendo pular do peito e aquela vontade insana de beijá-lo ali mesmo, na frente de todos. Mas seu sorriso se perdeu e seu olhar ganhou um tom de confusão. Foi muito rápido, mas eu descobri o motivo ao seguir seu olhar com cuidado. Rafael encarava a brilhante aliança dourada que eu ainda usava no dedo.

Quando abri os olhos na manhã daquela segunda-feira, me bateu uma sensação de estranhamento. Aquele sempre foi o meu quarto, eu cresci acostumado com aquele teto. Mas eu desacostumei depois de tanto tempo longe. Ainda era o meu quarto, ainda era o meu lar, mas faltava alguma coisa. Por hábito, virei a cabeça para o outro lado quarto. Onde eu encontrei o meu armário e minhas malas ainda feitas, eu esperava encontrar Ricardo dormindo de boca aberta, como durante todo o último ano. Dei um longo suspiro.

“Ricardo não está mais aqui. Você está por conta própria. Você fez a sua escolha.” Pensei comigo mesmo.

Com aquilo na cabeça, decidi começar a minha lista mental de coisas pra se fazer assim que voltasse ao Brasil. Peguei meu celular, achei o número do celular de Rafael, mas meu dedo se conteve antes de fazer a ligação.

Não tínhamos começado bem ontem. Quando viu a aliança de Ricardo no meu dedo, ele deixou bem claro com o olhar que estava bravo comigo. Apesar de ter ido ao aeroporto com Pedro, Alice e minha família me esperar, ele se mostrou um tanto quanto frio em me receber. Nem como amigo ele me tratou. Se limitou a me cumprimentar vagamente com “que bom você ter voltado”. Eu o conhecia bem o suficiente pra saber o quanto ele estava estar irado por dentro, mas não podia brigar comigo ali na frente de todo mundo. Apesar de eu não estar fazendo nada errado usando aquela aliança, eu o compreendi. Contudo, isso não significa que eu gostei da forma que fui tratado. Não esperava que ele me recebesse com um beijo apaixonado, mas pelo menos um sorriso sincero e um abraço.

Era melhor ir com calma se eu realmente queria uma reconciliação. Escolhi com muito cuidado as palavras e digitei:

“Posso conversar com você hoje?”

Pousei meu celular sobre o peito já ansioso pela resposta, o que não demorou nem um minuto inteiro.

“Claro. Onde?”

“Pode ser na sua casa?”

“Sim. Pode ser depois do almoço?”

“Pode. Está combinado. Até!”

“Até.”

Mais uma vez, ele foi frio. Novamente, eu entendia o que ele estava sentindo. O problema era o medo que isso me causava, medo de ter feito a escolha errada. Sim, eu amava Rafael mais do que eu amava Ricardo, mas isso bastava? Ficamos um ano sem nos ver e já estávamos brigando antes de trocar uma só palavra. Como a gente poderia dar certo assim?

Fechei os olhos e afundei minha cabeça no travesseiro. Desejei ainda estar em Paris...

[...]

Era estranho estar novamente no quarto de Rafael. Ele não tinha mudado quase nada de lugar, então cada objeto servia de lembrança de um beijo, de uma conversa, de uma gozada... Rafael estava sentado na cama e me observava sem eu perceber, de tão envolto em minhas memórias que eu estava.

_Você mudou._ ele falou chamando a minha atenção.

Olhei para o espelho que tinha na sua parede e encarei meu reflexo por um instante.

_Meu cabelo está um pouquinho maior e mais desarrumado, mas acho que é só. Não mudei tanto assim.

_Não. Tem alguma coisa de diferente da sua expressão.

_Como assim?

_Não sei._ ele falou me admirando com cuidado _Você parece mais sereno. As linhas do seu rosto estão mais leves. Antes você parecia estar sempre preocupado com um milhão de problemas, sempre muito atento a tudo ao seu redor. Mas não mais.

Eu ri sem jeito. Não sei o que tinha mais poder de deixar daquele jeito: suas palavras ou o jeito que ele me olhava. Ele me olhava sem vergonha, como se tivesse todo o direito do mundo de fazer aquilo porque eu o pertencia. Ele poderia me admirar e analisar o quanto quisesse.

_Ah, sei lá._ respondi rindo _Paris!

Ele riu da minha resposta, mas fechou a expressão antes de continuar.

_Ele parece ter te feito muito bem.

Pronto, o tempo tinha fechado. Bom que estávamos sozinhos no apartamento, porque aquilo não ia acabar bem. Cocei a cabeça e me sentei na cadeira de frente para ele. Em outro momento, eu teria abaixado a cabeça e pedido desculpas, mas não agora. Afinal, eu não tinha feito nada de errado. Eu o encarei com cabeça erguida, o que eu acho que ele não esperava pela sua cara de confusão.

_Ok, vamos falar sobre Ricardo.

_Eu não quero falar sobre...

_Mas nós vamos falar sobre ele, porque isso claramente te incomoda muito.

_E não é pra incomodar?

_Você namora, não?

Ele ficou sem jeito.

_Não fui eu que prometi que lutaria por nós dois a um ano atrás.

_Mas foi você que não falou uma vírgula contra, né?

_Eu não ia ficar esperando por você!

_E por que eu deveria?

Pronto, estávamos brigando. Era esperado. Diferente de Ricardo, com Rafael nunca foi um amor pacífico.

Eu me levantei da cadeira e fiquei encarando o mundo lá fora pela janela do quarto. Ficamos um bom tempo em silêncio pensando sobre nossas palavras antes de eu recomeçar.

_Sabe, Rafa, eu realmente mudei. A aparência é só um reflexo disso.

Eu não o olhava, mas via que ele estava prestando atenção em mim.

_Paris é uma cidade maravilhosa. É tudo tão lindo, tão romântico e tão bucólico. Eu nem sei como descrever essa cidade pra você._ falei _E eu conheci um cara maravilhoso lá, goste você ou não disso. Pra mim, foi muito importante que fosse Ricardo, mas pra você pode ser qualquer um. Não fique com raiva dele, imagine um cara qualquer no lugar dele. Vamos chamá-lo de “X”.

Parecia papo de doido, mas eu realmente achei que daria mais certo falar com Rafael daquele jeito.

_Eu cheguei em Paris e fiquei desolado: além dos problemas que eu levei daqui, agora eu estava longe de todo mundo e onde ninguém falava a minha a língua. Felizmente, encontrei no X, meu colega de quarto, um grande amigo. Ele me deu a mão e me mostrou Paris. Mas não me mostrou do ponto de vista de um turista, e sim do ponto de vista de alguém que mora lá. E foi incrível! A melhor sensação da minha vida. Conhecemos tantos lugares lindos! Quando me dei conta, eu estava de mãos dadas com X, dançando na rua e nos beijando num parque em plena luz do dia. E ninguém se importava!

Rafael não dava um pio. Eu ainda encarava a paisagem lá fora com um sorriso no rosto.

_Eu me apaixonei por X, mas isso não é importante pra essa conversa. O que importa aqui é que pela primeira vez na vida eu gostei de mim mesmo. Eu me libertei, Rafa! Essa é a minha mudança. Não há mais medo dos outros, os outros que pensem o que quiser de mim. Finalmente, eu estou em paz.

Fiz uma longa pausa e Rafael tratou de preenchê-la.

_Que ótimo pra você._ ele falou com amargor na voz _Mas no que isso me atinge?

Aquilo é foi de uma grosseria imensa. Me virei pra ele e comecei a falar com lágrimas nos olhos.

_Importa que o ponto todo é você! Eu cumpri o que prometi. Eu te disse que ia pra lá me encontrar e me resolver, e foi isso que eu fiz. Eu me mantive preso a essa maldita promessa. E agora eu estou aqui! E onde você está? Me acusando, me lançando olhares de raiva e gritando comigo!

_O que você quer que eu faça, porra?!

Ele também começou a gritar comigo. Estávamos de pé um de frente para o outro.

_Eu amo a Carol! Você entende isso? Eu estou com ela! O que você queria que eu fizesse? Largasse tudo porque você está de volta? Era isso você esperava de mim?

_Não! O que eu esperava de você era que pelo menos soubesse por essa raiva que você sente de mim de lado por um segundo que fosse. Eu queria ter a certeza que você sentiu saudade de mim! Eu queria que você pudesse ser ao menos meu amigo e me desse um abraço de verdade, que me dissesse que pensou em mim durante todo esse tempo que passamos separados! Mas parece que isso é demais pra você! O ciúme é muito maior que todo o resto, né?!

Falei tudo de uma só vez com raiva e lhe dei às costas para ira embora. Mas antes que eu pudesse abrir a porta do quarto, eu senti Rafa me girando e fechando seus braços em torno de mim. Quando dei por mim, ele já estava me abraçando com o rosto afundado no meu pescoço.

Ah... Rafael ainda usava o mesmo perfume amadeirado que se misturava ao cheiro doce de sua pele. Sua barba por fazer ainda irritava a minha pele. Seus braços ainda tinham força quando me apertavam. Estava tudo lá no lugar aonde deixei. Eu e Rafael ainda nos amávamos. Eu não tinha nem forças para recuar, tudo o que pude fazer foi passar meus braços ao redor do seu corpo e apertar com força. Não dissemos nada. Apenas aproveitamos aquele momento. Não era preciso estragá-lo com palavras.

_Eu senti sua falta... Eu pensei em você todos os dias..._ ele falou ainda com a cabeça enterrada no meu ombro.

_Eu também senti muito a sua falta._ respondi emocionado.

Ele levantou a cabeça e me encarou. Eu conseguia me ver refletido no fundo dos seus olhos. Eu sabia o que ia acontecer. Ele abriu aquele seu lindo sorriso que tanto me encantava. Ele começou a roçar bem de leve sua barba no meu rosto, o que me arrepiou. Ele foi chegando sua boca mais perto da minha. Eu podia sentir seu hálito quente nos meus lábios. Nossos lábios se tocaram muito de leve e eu recobrei meus sentidos. Eu o afastei com cuidado e ele me olhou confuso.

_Você namora._ falei.

Por mais que eu ame Rafael, eu não seria capaz de fazer uma coisa daquela com Carolina. Ela nunca me fez nada demais. Se eu e Rafa íamos começar de novo, que fosse do jeito certo dessa vez.

Rafael sentou na cama desanimado e com a cabeça baixa.

_Eu não posso terminar com ela, Bernardo...

_Quem você ama mais?_ eu falei.

Eu nunca tinha perguntado aquilo a ele. Por mais que eu soubesse a resposta, eu nunca tinha o colocado contra a parede daquele jeito. Ele me olhou confuso.

_Você sabe a resposta, Bernardo.

_Eu preciso que você diga.

_Você..._ falou sussurrando.

_Fala alto.

_Você, porra! Lógico que é você. Eu mal me aguentei em passar um ano sem te ver, sem te tocar. Quantas vezes eu não cheguei a discar seu número e desisti? Uma vez, juro, cheguei muito perto de comprar uma passagem pra ir até Paris.

Eu sorri. Eu teria gostado daquilo. Seria um problema enorme com Ricardo, claro. Mas eu teria amado o gesto.

_Então? O que estamos fazendo? Perder tempo pra quê?

_Bernardo...

_Eu mudei! Eu não sou mais como eu era. Sabe do que mais? Eu vou me assumir pra minha família. Eu vou precisar de você ao meu lado.

Ele analisou a informação com calma por um tempo.

_Eu vou estar sempre ao seu lado. Eu vou ficar muito orgulhoso se você fizer isso.

Eu sorri com a resposta.

_Mas eu não posso terminar com a Carol.

_Por que? Essa menina tá grávida por acaso?

Ele coçou a cabeça com um ar de desânimo. Senti meu estômago se gelar.

_ELA ESTÁ GRÁVIDA?!

Ele me olhou assustado.

_Não! Não, não está.

_Ah..._ respirei aliviado _Então...?

_Eu não posso terminar com ela._ ele tomou um longo fôlego antes de continuar _A mãe dela está com câncer em estágio terminal. Que tipo de pessoa eu seria em abandoná-la nessa hora?

Ele me olhou como se realmente esperasse por alguma resposta. Eu não tinha palavras, quanto mais uma resposta. Eu não esperava por aquilo. Ficamos os dois nos encarando em silêncio por um bom tempo. E agora?

_Eu não sei o que dizer..._ falei.

_Bernardo..._ ele falou se levantando e vindo até mim.

Ele começou a passar a mão pelos meus cabelos e confesso que aquilo me arrepiou. O seu toque mais simples era capaz de despertar todo o amor que eu guardei para ele em algum lugar secreto dentro de mim.

_A gente pode se ver enquanto isso. A gente pode ficar escondido por um tempo.

_Você enlouqueceu? Você prestou atenção no que eu te disse? Que fui pra Paris justamente pra deixar de ser o tipo de pessoa que se esconde dos outros?_ falei bravo.

_Mas a gente já fez isso...

_E como terminou?

_É só até a mãe dela morrer.

_Tenta repetir o que você acabou de dizer mais lentamente pra ver se você consegue enxergar o absurdo.

Ele riu sem graça e coçou a cabeça impaciente.

_Você está mesmo diferente, Bernardo._ ele falou _Antes você só tinha as perguntas e eu completava com as respostas. Agora, você parece ter todas as respostas.

_Eu não tenho a resposta pra perguntar principal: como fazer isso funcionar?

Novamente, ficamos um longo tempo em silêncio. A gente não tinha aquela resposta. Continuar a bater cabeça ali também não ia resolver nada.

_Eu já vou, Rafa.

_Mas já? A gente nem se entendeu ainda.

_A gente se entendeu, só não reatamos. E nem vamos se a condição for ser o “outro” dessa história. Não tem mais nada a ser dito. Tchau, Rafa.

_Tchau...

Eu me virei de costas pra sair, mas antes Rafa me agarrou por trás e beijou minha nuca. Eu aceitei o carinho e acariciei de leve o seu braço, mas logo me desprendi e saí, deixando ele lá com uma cara de cachorro abandonado. Só quando cheguei ao elevador do seu prédio, me permiti escorar a cabeça na parede e sentir pena de nós dois. Nunca tínhamos paz. Nunca era só nós dois. Sempre precisávamos lidar com a interferência do mundo lá fora sobre o nosso namoro.

Tentar resolver um problema e arranjar outro seria uma constante nos próximos meses.

_Sério, gente._ falei deitado na cama _O que eu vou fazer?

_Vocês complicam demais as coisas._ respondeu Pedro.

_Vocês deveriam procurar uma benzedeira, sei lá._ falou Alice.

O meu casal de amigos veio na minha casa naquele fim de tarde para colocarmos as fofocas em dia. E claro, vieram ouvir no que tinha dado a minha conversa mais cedo com Rafael.

_Eu não posso pedir ele pra largar da Carolina mesmo com a mãe dela doente, posso?_ perguntei.

_Pra mim que conheço a história, está ok._ respondeu Alice _Mas pra quem está de fora vai parecer que vocês dois são as piores pessoas do mundo.

_É._ completou Pedro _Sei que você está numa vibe de “não me importo com o que pensam de mim”, mas lembre-se que tem mais dois anos e meio de faculdade pela frente. Você vai ter que encarar as pessoas por mais um bom tempo.

Suspirei fundo. Eles estavam certos. O que eu deveria fazer então? Esperar a mãe da Carolina morrer? Que tipo de pessoa faz isso? Ou me encontrar escondido com Rafael? Mas isso não faria de mim uma pessoa ainda pior? Esfreguei os olhos com força. Não era possível que depois de tudo que aconteceu eu e Rafa não podíamos ficar juntos.

_O que eu vou fazer?_ perguntei mais pra mim mesmo do que para eles.

_Olha, eu só vejo duas opções._ falou Alice _Ou você espera Rafael ou você segue em frente.

_Eu voto na segunda opção._ falou Pedro.

_Sua opinião não vale. Você nunca gostou dele, ainda tem ciúme guardado da época que achava que ele estava disputando o posto de melhor amigo do Bernardo com você.

_Não, amor, não é isso._ ele respondeu _Já superei a maior parte dos meus problemas com Rafael. O que eu acho é que não vale a pena esperar por ele. Sei lá, digamos que a mãe da Carol morra amanhã...

_Credo, Pedro!_ ela respondeu.

_Não, espera._ ele falou _Imagina que ela morra amanhã. Quanto tempo Carol ficará de luto? Um mês? Dois? Três? Se Rafael não quer deixá-la agora, ele também não vai querer deixá-la enquanto ela estiver de luto.

O que ele falou me deixou pensativo. Por quanto tempo eu teria que esperar por ele?

_E se ela conseguir resistir? Pode demorar meses até ela morrer, quem sabe um ano. Não acho que vale a pena esperar...

_Então, eu devo simplesmente desistir de Rafael e seguir em frente? Depois de tudo pelo que passamos?

Pedro coçou a cabeça.

_Posso ser sincero? Você deveria se afastar de Rafael um pouco.

_Mas eles já passaram um ano separados!_ argumentou Alice.

_E vai adiantar o que ficarem próximos agora? Eles já passaram por muita coisa pra conseguirem voltar à fase da amizade.

_Eles conseguiram quando Eric morreu.

_Por pouco tempo. E alguém teve que morrer para isso.

Eu os ouvia argumentar sobre a minha vida amorosa como se fosse a história de outra pessoa, mas refletindo sobre cada argumento.

_O Bernardo já passou por muito pra conseguir ficar bem consigo mesmo. Talvez seja a vez de Rafael fazer o mesmo.

_Como assim?

_Rafael pode não ter problemas em ser gay, mas tem muitos outros, né? Ele é muito impulsivo. Ele tem que começar refletir sobre as coisas que faz antes.

_O sujo falando do mal lavado, né?_ ironizou Alice.

_Certo, eu sou impulsivo, mas eu sei dosar isso. Eu consigo pensar sobre muita coisa antes de agir. Rafael não, é só impulso.

_O seu ponto é...?_ ela perguntou.

_O meu ponto é que essa batalha não é do Bernardo. Rafael entrou nessa sozinho. Ele namorou Carolina amando Bernardo. Ok, foi a escolha dele e eu não julgo, mas agora ele vai ter que arcar com as consequências. Ele teve meses pra terminar com ela, mas enrolou tanto que agora está preso nesta armadilha.

E qual a solução que você enxerga?

_A solução é o Bernardo ficar de fora. Rafael tem que terminar com a Carol com a mãe dela morta ou morrendo. É um problema só dele. Ele pode até pedir Bernardo em namoro em seguida, mas só depois de ter resolvido seu próprio problema. Ele não pode envolvê-lo diretamente nisso, querer dividir o peso em suas costas. Não é justo.

Olhei pra Pedro estranhando ele.

_O que foi?_ ele perguntou.

_Quando foi que você ficou tão sábio?

Ele riu.

_Sempre fui. E é a Alice, cara. Você sabe o tanto que eu tenho que pensar pra entender essa menina?

Alice sorriu e deu lhe um soco no ombro.

_Eu te salvei! Ninguém gostava das suas piadas sem graça de antigamente. Hoje você já consegue ter uma conversa civilizada com alguém, como agora.

_Obrigado pela parte que me toca._ ele respondeu se fazendo de ofendido.

_Ah, o amor... _ falei ironizando a situação deles.

_O senhor que o diga._ falou Alice.

_Como assim?

_“Ai, Alice linda, estou apaixonado por Ricardo!”_ ela falou tentando imitar minha voz e meu jeito _“Ele é tudo que eu sempre quis! Ele me entende! Ele me mostrou quem eu era de verdade! Blá, blá, blá!”

_Cala boca!_ respondi rindo e lhe atirando um travessEiro.

Nós três rimos um pouco. Eu estava com saudade dos dois. Não éramos do tipo que passávamos a tarde toda abraçados, mas gostávamos muito daquilo, de jogar conversa fora sem preocupações com o tempo passando.

_Você pensa como ele, Alice?_ perguntei.

_Sobre Rafael? Mais ou menos._ ela parou de rir e adquiriu um tom mais sério _Eu também acho que esperar por Rafael é uma perda de tempo. Sim, o peso é dele, mas você tem que ajudá-lo a carregar, afinal, isso é estar num relacionamento. Pedro não deixou que eu fosse apedrejada sozinha quando traí Marcos com ele.

_Então, o seu conselho é...?

_Assuma a batalha. Vão ficar todos contra vocês? Vão, mas é a vida. Ele vai estar dando um pé na bunda de uma menina “perfeitinha” por quem todos são apaixonados e vai ficar com um cara. Tipo, vocês não vão ter uma torcida favorável com ou sem mãe morrendo.

Eu não podia negar que ela tinha alguma razão. Seria uma bomba seguida por uma guerra qualquer que fosse o cenário. O problema era a minha consciência. Eu não sei se conseguiria ficar bem comigo mesmo sabendo que fiz Rafael largar Carol num momento que ela precisava tanto dele.

_Você me fariam mais bem se concordassem com um só conselho._ falei.

_Você não quer um conselho._ falou Alice _Você quer que a gente confirme que você tomou uma boa decisão.

_Mas eu não tomei decisão nenhuma.

_Lógico que tomou! Do contrário, não estaria conversando comigo e Pedro, e sim transando loucamente com Rafael.

Olhei para ela constrangido. Claro que eu já tinha tomado uma decisão. Eu tomei no instante que recusei o beijo de Rafael mais cedo. Eu simplesmente não ia aceitar ficar com ele enquanto ele namorasse Carolina. A questão agora era: ajudar ou não ele a passar por esse momento? Era o que se espera que você faça quando está em um relacionamento, mas ele não fez isso por mim quando eu precisei que fizesse...

como se adivinha o assunto, o meu celular tocou. Peguei pra ver quem me ligava e adivinhem quem era? Não, não era Rafael. Era Ricardo.

_Oi, Ricardo._ falei com a voz mansa.

_Oi, Bernardo._ a voz dele tinha um tom doce, como se estivesse sorrindo.

Ao ouvir o nome de Ricardo, Pedro e Alice começaram a sacudir os braços fazendo um carnaval silencioso. Eles se divertiam com a situação.

_Tudo bem?_ perguntou.

_Tudo e você?

_Bem também. Estou ligando para saber como estão as coisas. Promessa feita, promessa cumprida.

_As coisas vão caminhando._ respondi sorrindo _Uma coisa de cada vez.

_E como foi com Rafael?

Eu fiquei em silêncio por um tempo pensando em como responder aquilo.

_O que?_ ele perguntou _Eu posso perguntar isso, certo? Ainda somos amigos.

_Sim, claro._ respondi sem jeito _É só que as coisas não saíram bem como planejado.

_Ah, entendo.

_Ricardo, você está sorrindo?

Ele riu e Alice e Pedro, que escutavam tudo muito atentamente, riram também.

_Desculpe, eu não deveria.

_Sem problemas._ respondi sem graça _Eu não devia te contar isso, eu acho, mas pensei em você de manhã. É estranho acordar sem encontrar você no mesmo quarto.

Pedro e Alice puseram a mão no coração fazendo palhaçadas, o que me fez rir.

_Eu entendo._ ele respondeu com um sorriso na voz _Passei pela mesma coisa. Estou com saudade.

_Eu vou para São Paulo ou você vem para Belo Horizonte?_ perguntei brincando.

Alice e Pedro, ouvindo aquilo, não pensaram duas vezes antes de agir.

_Segura ele, Pedro!_ ordenou Alice.

Pedro pulou sobre mim e prendeu os meus braços e meu tronco, me deixando sem movimentos.

_O que você está fazendo? Larga meu celular, Alice!

Mas era tarde demais. Alice já estava conversando com Ricardo no celular.

_Oi, Ricardo, é a Alice... Não, não se preocupa, ele gosta de gritar assim mesmo... Não, não tem ninguém machucando ele... Então, eu queria te fazer um convite... Pedro vai comemorar o aniversário dele no último fim de semana de julho, a gente gostaria muito que você viesse... Pedro adoraria fazer o convite pessoalmente, mas ele está ocupado no momento... Você vem? Sério? Que bom! Estamos te esperando... Beijo... Ah, o Bernardo? Espera um pouco.

Ela me entregou o celular de novo e Pedro me largou. Os dois foram para o outro lado do quarto rindo.

_Oi, voltei._ falei esbaforido pela minha “luta” com Pedro.

_Ele te machucou muito?_ Ricardo perguntou rindo.

_Não, fica tranquilo.

_Então, parece que estou indo pra BH mês que vem.

_É o que parece...

_Mas se você não quiser...

_Claro que quero._ respondi apressado _Eu não vou te fazer promessa nenhuma, Ricardo, já passamos por isso mais de uma vez. Mas eu vou ficar muito feliz em te ver.

_Certo, então eu vou. Posso te ligar de novo depois?

_Claro, sempre que quiser.

_Eu tenho que desligar. Meus pais estão mandando um “oi”.

_Manda outro para eles. Tchau, Ricardo.

_Tchau._ ele pareceu lembrar de alguma coisa _Ah, Bernardo?

_Sim?

_Não que eu esteja muito interessado em ver você reatando com Rafael, mas sou obrigado a te dar um conselho como amigo.

_Qual?

_Aumentaria muito as suas chances com ele se você tirasse a minha foto do seu perfil no Orkut.

Meu Deus! Eu tinha até me esquecido disso! Que vergonha.

_Eu vou tirar, nem liguei meu computador ainda._ respondi sem graça.

_Era só isso mesmo. Beijo.

_Beijo, tchau.

Desliguei o celular e fechei os olhos por um segundo. Mas logo os abri e me virei contra meus amigos.

_Vocês estão loucos?! Convidar o Ricardo?!

_O que que tem?_ perguntou Alice se fazendo de inocente.

_Tem que a sala toda vai. Em qual universo paralelo você acha que vai dar certo eu, Ricardo, Rafael, Carolina e bebidas liberadas todos no mesmo lugar?

_Eu sou o dono da festa, eu que mando. E eu quero Ricardo lá.

_Idiota!_ respondi lhe atirando um travesseiro.

Só Deus sabe o que seria daquela festa. Aliás, seria naquela festa que tudo mudaria, mas já chego lá. O que posso adiantar é que eu e Rafael ficamos na mesma por mais um mês. Eu nunca cheguei realmente a tomar uma decisão. Nós não ficamos juntos durante aquele mês, apesar de nos falarmos de vez em quando. Ficava tudo me vindo a cabeça a toda hora. Mais um mês, e tudo estaria resolvido.

[...]

Enquanto o final de julho e a bendita festa não chegavam, outra tempestade se anunciava no horizonte. Naquele mesmo dia que conversei com Rafael, Alice e Pedro, fiquei atualizando minhas redes sociais, inclusive tirando a tal foto de perfil que eu aparecia com Ricardo. Alguém bateu na porta e eu mandei que entrasse. Era Tiago, meu irmão mais velho.

_E aí, já se readaptou ao Brasil?_ perguntou se sentando na minha cama.

Por um segundo, pensei em Ricardo.

_Estou trabalhando nisso.

_Que bom. Deixei você descansar um pouco antes de vir conversar com você.

Estranhei aquilo. Não éramos de conversar, pelo menos não daquele modo todo formal. Tiago estava estranho, alguma coisa estava o incomodando.

_Falar sobre o que?

_Sobre o fato de ter um cara com você na foto do seu perfil no Orkut.

Como eu disse, a tempestade se anunciava no horizonte.


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Ficha do conto

Foto Perfil contosdelukas
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Nome do conto:
Bernardo [59/60/61] ~ De volta ao Brasil

Codigo do conto:
217947

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
13/08/2024

Quant.de Votos:
2

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