Meu nome é Alice Nascimento de Oliveira e nasci no dia 13 de maio de 1988. Depois de um filho homem, meus pais ficaram imensamente felizes por terem sua princesinha. Pobre deles... Eu nunca fui a princesinha. Desde as minhas primeiras lembranças, eu me recordo que eu sempre fui “um dos meninos”. Odiava usar vestido, odiava usar enfeites no cabelo, odiava ganhar bonecas de presente. Uma parcela enorme dos meus brinquedos foi doado, pois cheguei à adolescência sem jamais ter tocado em muitos deles: bonecas, panelinhas, maquiagem, etc. Não é que eu brincasse de carrinho com os meninos, também não gostava disso, mas eu preferia brincadeiras “mais brutas”. Brincadeiras de correr, de se esconder, de se fingir um personagem de desenhos japoneses: esses eram as minhas atividades favoritas.
Os meninos nunca se importaram em me deixar brincar com ele. Afinal, eu era um deles. Mas isso mudou na adolescência. Eu me desenvolvi cedo. Minha genética nunca me permitiu curvas muito generosas, mas mesmo as minhas curvas tímidas surgiram nos meus onze ou doze anos. Ali, os meninos descobriram que eu era um menina, e, como consequência, eu não pude mais brincar com eles. Aquilo me revoltava, e minha mãe tentou me explicar:
_Garotos são bobos, Lili. Eles não sabem como conversar com as meninas, acham elas seres de outro mundo. Nós amadurecemos muito mais rápido que eles, e isso é assustador para eles. Dê um tempo. Eles precisam de mais alguns anos para chegar à sua idade.
“Garotos são bobos”, essa era a explicação. E não havia nada que eu pudesse fazer para reverter isso. Durante o resto da minha puberdade, me juntei com um grupo de meninas que era apenas um pouco menos chatas do que as demais meninas do colégio e ali fiquei, à espera de que os meninos crescessem e me aceitassem de volta no seu grupo.
Poucos meses antes de completar meus quinze anos, algo mágico aconteceu comigo: o primeiro amor. Diego era mais velho, estava no terceiro ano do ensino médio. Ele era um panaca total, mas isso é uma percepção que eu tenho hoje, na época que achava um máximo. Alto, forte, descabelado, nenhum apreço pelas regras e nenhum apego aos estudos. Como reflexo da paixonite, me permiti uma aparência mais feminina. Passei a cuidar melhor dos meus cabelos, aprendi a me maquiar, a me vestir, etc. Tudo para ele me notar, o que não acontecia. E eu chorava no meu travesseiro as dores do meu amor platônico... Como eu era ridícula.
Cometi o erro fatal de contar para uma “amiga” sobre meus sentimentos.
_Ai, amiga! Que máximo!_ ela comentou esfuziante _Já bolei um plano todo aqui na minha cabeça: você convida ele para sua festa de quinze anos, e lá você se declara para ele. Ele não vai te decepcionar na sua festa de debutante.
_Festa de quinze anos?_ perguntei estranhando.
_É! Você vai fazer uma, né?
_C-Claro._ respondi gaguejando.
Não, eu nunca pretendi fazer uma festa de quinze anos. Era a materialização de tudo o que eu não gostava. Mas por Diego eu faria qualquer coisa, até me enfiar num tenebroso vestido branco rodado. E lá fui eu cumprir todo o ritual: fotos, festa, valsa, etc... E deu certo! Diego foi, e ficou me encarando durante toda a festa. Com certeza meu interesse já tinha chegado aos seus ouvidos. Ele me levou para um canto escondido do salão, me elogiou, falou que nunca tinha notado o quanto eu era bonita, e me deu o meu primeiro beijo. E pronto, se faltava alguma coisa para eu me apaixonar completamente por ele, não faltava mais. Eu era só dele a partir daquele beijo. E como um caçador que espera pacientemente a hora de atacar a sua presa, ele passou semanas me cortejando: andava de mãos dadas comigo pela escola, me mandava calorosas mensagens de bom dia, me levava às festas dos amigos dele, enfim, tudo que manda o manual. No auge da ingenuidade, eu achava que só faltava ele me pedir em casamento.
Ele era só um garoto bobo, e como tal, só queria meter seu pau num lugar quentinho e gozar em dez segundos. Eu, como uma boa garota de quinze anos apaixonada, não percebi isso, achei que tudo o que eu sentia era recíproco. Cerca de dois meses após a minha festa, ele deu o bote:
_Eu não sei, Di..._ falei.
Estávamos deitados na sua cama e a casa esta vazia. Suas mãos passeavam ferozes sobre meu corpo e embaixo da minha blusa.
_Vamos, Alice, você vai gostar._ ele respondeu ofegante.
_Mas a gente nem namora, nem nada.
_É só um detalhe, meu amor. Me deixa fazer, vai..._ falou todo meloso.
E eu deixei. Eu não queria. Eu sabia que era errado e sabia que não queria, mas eu tive medo que ele fosse deixar de me amar se eu dissesse “não”. Foi ruim. Tinha toda a questão de ser a minha primeira vez, então tinha a dor, a inexperiência, o incômodo, mas além disso Diego era ruim de cama. Ele desmentiu a tese de que todo mundo que é bom de beijo é bom de cama. Lógico que eu não falei nada disso a ele na hora. Eu não gostei, mas achei que melhoraria, pois eu já sabia que nada era perfeita na primeira vez.
Transamos mais duas ou três vezes antes dele se cansar de mim. Ele não teve nem a decência de terminar comigo, apenas se afastou. E como eu sofri! Eu chorei por dias e dias, como se meu mundo todo tivesse desabado, como se alguém tivesse morrido. Não satisfeito em me deixar daquela maneira, ele ainda fez questão de espalhar que eu era “fácil”, que dei para ele sem a menor dificuldade. Assim, um dia eu cheguei na escola e descobri que eu era a nova vadia da área.
Eu entendo que isso é pesado para muito gente, de jeito nenhum minimizo a dor que muitas meninas sentem ao serem humilhadas nas mesmas circunstâncias. Mas não aconteceria comigo. Foi o que me tirou daquele estado de tristeza. Eu ia dar a volta por cima.
Se eu ganhei a fama de vadia, Diego magicamente ganhou uma má fama também. Só uma não: “o pau dele era tão pequeno, que eu nem senti nada, acho até que sou virgem ainda”, “ele não sabe fazer nada, acabou me machucando ao ficar em cima de mim”, “higiene não é o forte dele, tinha uma coisa branca no pau dele, tive que segurar vômito o tempo todo”, “não durou nem um minuto inteiro”, “ele chorou depois de gozar”. Diego, é claro, não gostou.
_Ah, Diego, nós dois sabemos que pelo menos metade dessas coisas era verdade._ falei quando ele me puxou num canto.
_Olha aqui sua vadiazinha,_ ele falou apertando meu braço _é melhor retirar tudo o que disse ou senão eu...
_Não vai fazer porra nenhuma!_ respondi o encarando _E se me ameaçar de novo, o próximo boato vai ser que você me obrigou. Tá afim? Imagina como isso vai soar bem, como vai ser se chegar aos ouvidos dos seus pais...
Ele arregalou os olhos e me olhou vidrado.
_Você não seria louca!
_Não? Posso começar agora se você quiser._ falei debochada e comecei a gritar _Socorro! Me solta, Diego!
_Sua perturbada!
Ele veio pra cima de mim e tentou tapar a minha boca, mas logo um dos monitores do colégio apareceu.
_O que está acontecendo aqui?
_Nada..._ falei com uma voz forçadamente chorosa.
_Venha comigo, Alice._ falou o monitor todo prestativo me acompanhando até a minha sala.
Eu ainda tive a presença de espírito de olhar para trás e mostrar o dedo do meio para um estupefato Diego. Depois disso, ele nunca mais me olhou, quanto mais mexer comigo. Quanto a fama de vadia, a abracei. Nunca namorei nenhum dos meus colegas de ensino médio, mas transei com algum deles. Era só dar um toque no celular que um deles vinha correndo. Mas quando eles faziam isso comigo, eu nunca ia. Era eu que estava no controle agora. Meu corpo, minhas regras.
Diego talvez tenha sido o homem mais importante da minha vida, pois me ensinou a maior das lições: garotos são bobos. Por que diabos eu iria querer ser um dos garotos? Eu era muito melhor que eles! Eu nasci para reinar sobre eles. Não era um caso de misandria (ódio ao sexo masculino) ou de me achar no direito de subjugá-los, de jeito nenhum. Eu apenas os achava bobos, passíveis de ser manipulados com algo tão natural quanto o sexo. Eu também não era nenhuma femme fatale da vida. Eu apenas gostava de sexo e fazia quando tinha vontade, sem que pra isso eu tivesse que namorar um daqueles meninos bobos.
E assim eu me formei no ensino médio: adorada como uma rainha pela maioria dos meninos, odiada como uma rival pela maioria das meninas. Aí eu entrei na faculdade e conheci Bernardo. E Deus sabe como esse filho da puta mexeu com a minha cabeça.
Não que Bernardo não fosse um garoto bobo, ele era, com certeza. Mas eu percebi nele um brilho diferente dos outros garotos. Eu sempre disse a Bernardo que ele possuía esse brilho, podendo chamar esse brilho ou de magnetismo, ou de carisma. Sim, porque só isso explica o fato de tantos ótimos garotos terem caídos apaixonados pelo cara mais inseguro do mundo. Mas isso é outro assunto, o meu ponto aqui é que ele abriu minha cabeça em relação aos garotos. De repente, eu encontrei um garoto de mente inquieta e personalidade complexa, o que ia contra a minha visão dos garotos como coadjuvantes rasos da vida. Eu sei que essa é uma impressão muito errada e preconceituosa, mas eu nunca prometi ter todas as respostas certas aqui.
Está aí a explicação porque eu nunca saí ao lado dele, mesmo quando ele fez por merecer. Totalmente sem intenção de sê-lo, Bernardo se tornou meus olhos para o mundo dos garotos. Era através dele que eu podia entender melhor os meninos, olhar além das máscaras que eles insistem em usar para se fazerem de mais fortes. Bernardo foi um grande ponto de inflexão na minha vida, embora eu nunca tenha dito isso a ele.
Lógico que Bernardo tinha seus defeitos, muitos aliás, mas eu consegui relevar isso, por isso nem vale à pena ficar repetindo-os aqui. Friso só um deles: sua mania de tentar se manter no controle de tudo. Sem contar os danos que isso fez à sua própria vida, nessa sua mania irritante ele tentou me arranjar um namorado. E o imbecil tinha que me achar o cara mais parecido com Diego o possível.
A verdade? Eu prestei atenção em Pedro desde a primeira que o vi, quando prestamos vestibular na mesma sala. Não, não foi amor à primeira vista, só tesão mesmo. Pode-se dizer muita coisa do Pedro, mas o filho da puta é mesmo bonito. Qual foi minha decepção quando ele abriu a boca nos primeiros dias de aula? Um idiota completo. Eu percebi o jeito que ele me olhava, muito antes de Bernardo vir me contar. Mas eu me recusava a ficar com um idiota daqueles. O que me fez mudar de ideia? O jeito como ele parecia aos olhos de Bernardo. Sim, porque o jeito que Bernardo o pintava era muito melhor do que a realidade. Então, eu me perguntei: esse Pedro não existe mesmo? Será que eu não consigo vê-lo porque criei tantos preconceitos em relação aos homens que toda imagem já chega à minha cabeça enviesada?
Eu também não mudei de ideia de uma hora para outra. Eu não tinha mais vocação para boba apaixonada. Naquela noite na boate, eu lhe beijei totalmente consciente do que eu fazia. Eu estava com tesão, ele estava ali, por que não? Não tinha nenhum “filtro da paixão” me fazendo ver ele com outros olhos. Ele ainda era um idiota. E a partir de então, ele era um idiota apaixonado. Eu confesso que era divertido vê-lo de quatro por mim, beijando o chão que eu pisava. Eu sei que era errado, mas, enfim, nunca prometi perfeição a ninguém. Tudo isso pode ser repetido em relação à nossa primeira vez. Ok, eu estava um pouco bêbada, mas eu ainda tinha alguma noção do que estava fazendo. Mas ainda ali, eu não me apaixonei por ele.
Quando eu comecei a sentir algo a mais por ele? Quando eu o vi chorar na noite que Bernardo lhe contou que era gay. Embora Bernardo tivesse seus motivos para esconder dele antes e muita razão para explodir com ele, doeu em mim a dor daquele garoto por ser enganado durante meses pelo seu melhor amigo. A dor nos seus olhos me mostrou que não tinha nada de raso naquele bobo. O garoto bobo era só a máscara de um garoto sensível. Mas eu me enganei dizendo que era só pena, e busquei esquecer aqueles sentimentos. Afinal, ele podia não ser mais um bobo, mas era definitivamente um idiota. Tudo ia bem até ele resolver mudar de atitude com Bernardo. E quando eu vi ele jogar a máscara do garoto bobo fora e abraçar Bernardo após o seu incidente no lago, não havia mais como me enganar. Eu estava apaixonada por Pedro
Só que àquela altura, eu já namorava Marcos. Marcos é um cara legal, mas só legal. Nunca vi nele algum tipo de chama quando olhava para mim, e também nunca vi em mim algum tipo de chama quando eu olhava para ele. Namorei ele por pura inércia, como se dissesse “ok, vamos tentar”. Sim, eu estava apaixonada por Pedro, namorando Marcos, e o primeiro começou a fazer pressão.
Foi numa tarde em meados de abril de 2008, quando Bernardo já estava em Paris. Caía uma chuva torrencial em Belo Horizonte quando saímos da faculdade. Eu esperava a chuva diminuir um pouco para correr até o meu carro no estacionamento, mas ela não dava sinal de que ia, então decidi ir assim mesmo. Quando me preparei para correr, alguém segurou meu braço amavelmente. Olhei e vi Pedro exibindo um largo sorriso para mim.
_Carona?_ ele perguntou me mostrando o guarda-chuva.
Seria estranho negar e preferir molhar até os ossos naquele dilúvio. Eu não consegui dizer não a ele. Senti minha face esquentar e desviei o olhar rapidamente para que não me traísse.
_Ok..._ respondi sem jeito.
Eu não era aquele tipo de garota, o tipo que fica sem jeito com as gentilezas do cara e tal. Mas eu estava apaixonada. E ele fez questão de juntar nossos corpos para cabermos sob o guarda chuva. O calor do seu corpo contrastava com o vento frio da chuva e fazia meu coração bater acelerado. Sem que nada fosse preciso ser dito, apenas uma troca de olhares, eu o puxei para um beijo quando chegamos ao meu carro. Eu namorava e estava beijando outro cara ali aos olhos de quem passasse, mas eu nem pensei nisso. Eu pensava apenas no calor dos seus lábios. Nunca houve referências àquela cena, então eu suponho que ninguém tenha nos visto ali. Ainda sem pensar muito claramente, abri a porta de trás do carro e deixei que ele caísse sobre mim. Em nenhum instante houve conversa. Eu transei com ele ali, dentro de um carro no estacionamento da nossa faculdade, mas eu não pensei nisso. Eu apenas pensava nos seus cabelos macios entre meus dedos, na firmeza com que ele entrava dentro de mim, e, acima de tudo, no modo como ele me olhava. Em nenhum momento ele fechou os olhos, e eu também não tive coragem. E nos seus olhos eu vi que eu era a pessoa mais importante do mundo.
Eu senti vergonha de mim mesmo por trair Marcos, por transar ali onde qualquer podia nos ver, por não me reconhecer. Mas o amor não é isso? Ele nos desorienta, nos mostra um lado de nós mesmo que não sabíamos que existia. Eu descobri uma Alice que mais do que os olhares de desejos dos garotos, gostava do olhar apaixonado daquele garoto em especial. E como ele era especial... Ali, com ele deitado exausto por cima de mim, ouvindo sua respiração ofegante e afagando seus cabelos, eu descobri que eu amava Pedro. Eu nunca mais queria deixa-lo ir.
Embora ele só tenha me pedido em namoro semanas depois, eu considero que aquele foi o ponto inicial do nosso namoro. Um namoro que me mudou profundamente. Eu nunca tinha estado num relacionamento sério, ele sim. Então, tivemos que ir nos ajustando àquela nova configuração. Eu não conseguia ser a namorada que ele queria, a namorada com que ele estava acostumado, a “mulherzinha”. Eu revirava os olhos quando ele insistia em pagar a conta, ou abrir a porta para mim, ou me abraçar por trás em público. Mas eu descobri no fundo que eu gostava. Eu descobri que eu também tinha as minhas máscaras. Acho que foi isso que mais me assustou no nosso namoro: de repente, eu não me reconheci. Eu era outra pessoa, e uma pessoa que eu gostava muito, embora não admitisse. Eu não tirei minha máscara, mas Pedro parecia saber que era uma máscara, pois ele nunca parou de fazer essas coisas, embora elas fossem motivos de brigas às vezes.
Então, por um descuido, eu me vi à beira da minha maior perdição: eu estava grávida de Pedro. Eu vi meus sonhos se despedaçarem quando abri aquele exame de sangue. Eu me olhei no espelho e não me reconheci. Quem era eu agora? Cadê aquela Alice que sempre gostei de ser? Como eu permiti que essa nova Alice tomasse seu lugar?
_Pedro sabe?
_Ainda não.
_Como vocês fizeram isso?_ perguntou Bernardo atônito no meu quarto.
_Você quer uma aula de biologia reprodutiva?_ devolvi amarga.
_Não é isso..._ ele estava perdido com a informação _Você não se protegeram?
_Sei lá o que aconteceu!
_E agora?
Essa era a questão: e agora? Eu precisava reencontrar aquela velha Alice urgentemente.
_Eu conheço um médico._ eu falei.
Bernardo me olhou assustado e recuou por reflexo. Eu sabia que ele era favorável ao aborto, mas a coisa muda de figura quando é alguém que se conhece. Eu não estava pensando muito adequadamente, confesso. Eu só queria desesperadamente me ver livre daquilo.
_Alice._ ele falou depois de um tempo _Você sabe que eu te apoiaria em qualquer coisa que você quisesse fazer, mas eu não acho que você esteja pensando claramente.
_Você vai me ajudar ou não?!_ falei chorando.
_Vou, com uma condição.
_O que é?
_Se Pedro aceitar também.
Eu lhe empurrei para longe de mim e voltei a deitar na cama.
_Você é um covarde! Tem medo do que ele vai pensar. Ele não estava lá quando você precisou dele, Bernardo, eu estava! Pense bem em quem você está escolhendo!_ falei chorando.
Bernardo calmamente caminhou até a cama, se deitou comigo e me forçou a pousar a cabeça no seu peito. Ali eu chorei tudo o que tinha para chorar. Eu não queria aquela criança, mas eu conseguiria viver pensando em como seria seu rosto? No que ela seria quando crescesse? Eu conseguiria viver com esse peso nas costas?
_O corpo é seu, a decisão é sua._ ele falou mexendo nos meus cabelos com carinho _Mas o filho é dele também, ele tem direito a opinar. Ele nunca vai te perdoar se você não contar, e acho que você nunca se perdoará também.
Eu continuei chorando. Pedro nunca me perdoaria... Eu não precisava perguntar a Pedro para saber que ele nunca concordaria com o aborto. Seu maior sonho sempre foi ser pai. Eu passei a mão na minha barriga, tentando sentir alguma coisa. Quem eu estava querendo enganar, eu já era mãe.
Eu sonhei que seria um menino..._ falei e ouvi Bernardo sorrir.
Um menino... O único garoto que eu conheci que nunca foi bobo. Desde o primeiro momento que abriu os olhos, eu já vi nele um olhar esperto e rápido, como se entendesse melhor do que qualquer um de nós o que estava acontecendo. Desde o momento que aprendeu a andar, eu já vi nele a vontade de correr o mundo com urgência. Desde o momento que falou sua primeira palavra, eu já vi nele a habilidade de fazer as mais desconcertantes (e certeiras) questões. Meu garotinho esperto...
Ele foi, sem dúvida, o presente mais precioso que ganhei. Me faria descobrir uma Alice que sempre esteve profundamente dormindo em mim, aquela Alice que nunca brincou de boneca. É uma pena que a sua vinda viria a tirar de mim o meu mais precioso bem: o jeito como Pedro me olhava.