Alice argumentava que se recusava a brincar de papai e mamãe com Pedro. Para ela, o casamento seria só uma desculpa para ele colocar a coleira definitiva nela.
_Eu não vou poder trabalhar por quatro meses pelo menos, advinha quem me sustentaria? Pedro._ Alice me falava _E eu viraria a perfeita dona de casa do anos 50! Isso é demais para mim, Bernardo, eu me mataria com tiro na cabeça.
_É o tipo de coisa que pode ser negociada, Alice. A cabeça do Pedro não é tão fechada assim. Você só cairia nesse cenário aí se quisesse._ falei _E tem certeza que Pedro só não estava tentando pensar no melhor lar possível para essa criança?
_E desde quando ter os dois pais dentro de casa é garantia de um bom lar? Quantos casais por aí não fazem da vida do filho um inferno por causa de brigas rotineiras?_ ela argumentava com fervor _Não vai ter processo de guarda na justiça, eu nunca faria uma coisa dessa. Ele vai ser livre para visitar essa criança o quanto quiser, levar para dormir com ele, viajar, etc. Não precisamos morar juntos para sermos bons pais.
Seus olhos foram tomados por uma expressão de cansaço que logo transbordou em lágrimas. Ela olhava pro nada quando continuou falando com a voz quebrada:
_Eu nunca quis terminar com ele. Eu só queria meu espaço. Eu quero ter a certeza de que não vou virar uma mulher que eu odeio.
Olhei para Alice penalizado, o que ela odeia. Ela pareceu se dar conta das lágrimas, retomou seu olhar firme e falou indo pro banheiro.
_Malditos hormônios de grávida!
Eu entendia os medos dela, mas eu achava que havia um exagero neles. Ela só conseguia enxergar o pior cenário possível, e parecia incapaz de ver o lado bom das coisas neste caso. Ela não queria assumir o risco de perder a sua identidade.
A cabeça de Pedro não estava menos bagunçada.
_O que eu vou fazer, cara? Não tenho condição de sustentar um filho agora, pelo menos não no sentido de dar tudo o que ele merece.
_Só vai nascer depois que a gente já estiver formado, Pedro. Até lá você já vai ter um emprego de tempo integral.
_E com quem nós vamos deixar o bebê pra trabalharmos? Tem um monte de coisa pra pensar.
_Nem seus pais, nem os da Alice são monstros que virarão as costas pra você. Com certeza eles vão ajudar.
_O ideal seria que Alice tirasse um tempo pra ficar com o bebê. Seria o melhor pra criança.
_Mas seria péssimo pra Alice.
Ele começou a andar de um lado para o outro no quarto.
_É um crime querer o melhor pro seu filho?_ ele perguntou.
_Não, Pedro...
_É um crime querer o melhor para a mulher que você ama?
_Não.
_É um crime não querer participar de nenhum experimento sociológico esdruxulo e criar meu filho da forma mais comum possível?
_Não, não é Pedro. Agora para._ falei _Senta.
Ele parou de andar e se sentou de frente para mim.
Você conhece muito bem Alice, você sabe que é totalmente avessa à ideia de se prender a um homem de forma tão definitiva assim. É um passo enorme para ela, você tem que pegar leve.
_Bernardo, nós já estamos unidos pelo resto da vida, nós vamos ter um filho juntos. Isso é muito mais definitivo do que qualquer certidão de casamento!
_Eu sei, mas a ficha dela não caiu ainda. Tudo o que ela consegue pensar é no medo em passar o resto da vida sendo um apêndice seu.
_Seria tão ruim assim passar o resto da vida comigo?
_Você sabe que a coisa toda é mais profunda do que isso.
_Poxa, olha você e Rafael._ ele falou quase chorando _Vocês já estão indo morar juntos. Vocês se amam, mal podem esperar para começar a compartilhar sua vida.
_Alice te ama, Pedro.
_Será? Nada do que você possa me dizer vai tirar essa dúvida da minha cabeça.
Eu sabia que Alice amava Pedro sim, mas eu não conseguia pensar em nada para prova-lo isso. Eu disse para mim mesmo que o melhor fazer era deixar a poeira assentar, deixar que os dois pensassem com cuidado em tudo o que aconteceu e foi dito. Só a partir de então eu poderia fazer algum esforço no sentido de reuni-los.
[...]
No momento, eu tinha meus próprios problemas para resolver: chegara o dia em que eu marquei de sair com Ricardo e Rafael. Eu adiei o quanto pude por semanas, mas uma hora foi impossível continuar enrolando Ricardo. Rafa não teve uma grande crise de ciúme, mas só porque estava saindo junto com a gente. A possibilidade de sugerir ir sozinho com Ricardo nunca foi avaliada. Eu tentei conseguir alguém para nos acompanhar e evitar momentos constrangedores, mas ninguém estava disponível. Eu fui para aquela boate tremendo.
_Como vai, Rafael?_ perguntou Ricardo lhe estendendo a mão.
_Muito bem, e você?_ respondeu meu namorado _Gostando da cidade?
_Muito, Belo Horizonte é linda.
_Um segredo: fica ainda melhor com o tempo, depois que você se acostuma com o clima dos belo-horizontinos.
Eu assistia o diálogo prendendo a respiração. Qualquer passo em falso ali e eu começaria uma grande briga. Certo, Ricardo e Rafael estavam sendo extremamente cordiais e educados um com o outro, mas eu os conhecia muito bem para saber o que não queriam deixar transparecer.
Rafael era muito inseguro em relação a Ricardo. Afinal, ele sabia o quanto meu ex-namorado havia me marcado. Mas ele nunca deixaria Ricardo saber disso, saber o quanto ele o afetava. Para Rafael aquilo era uma disputa. Aos olhos de Ricardo, ele queria parecer como o melhor dos namorados, de modo que o outro visse que ele não tinha espaço para interferir. Não que Rafael fosse um namorado ruim, ele só não queria deixar nenhuma ponta solta para que Ricardo pudesse usar.
Ricardo, por outro lado, não via aquilo como uma disputa, mas ainda assim não estava disposto a dar qualquer gostinho de vitória a Rafael. Ele queria parecer o mais natural possível em relação ao nosso namoro, como se nossa história fosse passado e ele fosse muito maior do que tudo isso.
Enfim, duas crianças pirracentas.
_E Alice e Pedro, não voltam mais?_ comentou Ricardo.
_Eu aposto que voltam sim, mas precisam de um tempo. Essa coisa toda da gravidez é uma barra._ respondi.
_Você contou a ele sobre Pedro e Alice?_ perguntou Rafael tentando soar o mais doce possível comigo.
Alice e Pedro não tinham contado da gravidez para suas famílias ainda, então nos pediram segredo absoluto até lá. Eu não tinha contado nada a Ricardo, mas não me era estranho que Alice ou Pedro tivessem contado. Ele sempre foi um bom conselheiro, era natural que recorressem a ele.
Não._ respondi igualmente doce.
_Alice me contou._ Ricardo respondeu.
_Ah, você conversa com Alice?_ perguntou Rafael curioso.
_Ah, sim. A gente conversa de vez em quando.
_Mal chegou na cidade e já conquistou Alice? Ela é uma audiência difícil._ meu namorado comentou rindo.
_É que nós conversamos a anos já, não é nenhuma amizade repentina.
_Ah é?
_É, converso com Pedro também.
De fora, parecia uma conversa muito amigável, mas não era. Rafael se sentiu traído por Alice e Pedro, como se os dois tivessem escolhido Ricardo. Ricardo, por sua vez, gostou ao ver que atingiu Rafael com aquela informação. Antes que as coisas saíssem do controle, resolvi mudar de assunto, mas eles não deixaram. Eu não estava naquela conversa mais.
_Mas a gravidez nem é o verdadeiro problema, entende?_ falou Rafael _É que Alice tem medo de ir morar com Pedro.
Não gostei da direção para qual ele virou aquela conversa.
_Mas é um medo justificável._ falou Ricardo _É um passo enorme.
_Concordo que é um passo enorme, mas tem uma hora que um relacionamento só pode caminhar numa direção, se não eles vão ficar empacados no mesmo lugar para sempre.
_Só que eles são muito jovens para irem morar juntos. Não falo nem da questão financeira, mas por causa de maturidade mesmo. É um risco enorme de acabar estragando o relacionamento.
E antes que pudesse fazer qualquer coisa para impedi-lo, Rafael soltou:
_Mas o risco de dar alguma coisa errada sempre vai existir. Eu e o Bernardo, por exemplo, chegamos ao ponto que morar juntos é o próximo passo.
Lancei um olhar mortal para meu namorado, que me ignorou solenemente. Ele estava muito mais interessado em marcar território ali do que em prevenir qualquer futura briga que pudéssemos em ter. E ele atingiu seu objetivo, porque Ricardo nos olhou surpreso.
_Vocês vão morar juntos?_ ele perguntou tentando soar o mais natural possível.
_Sim!_ Rafa respondeu sorrindo.
Ele pegou a minha mão e fez questão de exibir nossa aliança de noivado.
_Eu pedi Bernardo em casamento._ ele falou _Está tudo bem comentar isso com você, né? Somos todos amigos, né?
_Claro..._ falou Ricardo claramente perdido com a informação _Parabéns!
Ele veio até nós e nos abraçou. Um abraço frio demais para ter soado sincero.
_O Bernardo não comentou nada._ falou Ricardo me olhando com um olhar que eu sabia muito bem que indicava desapontamento.
_É porque era segredo._ respondi num tom como se pedisse desculpa.
_Não tem porquê guardar segredo._ ele respondeu.
_Nós combinamos segredo porque tínhamos medo que nossas famílias interferissem.
_Mas por que eles fariam isso?
_Porque estamos no mudando pro Canadá no início do ano que vem._ Rafael respondeu com um sorriso sincero.
E pronto, ele atingiu seu principal objetivo, deixar claro para Ricardo que ele é quem tinha vencido. Ricardo me olhou perdido. Nos seus olhos eu vi uma tristeza imensa, a mesma que eu vi quando me despedi dele na festa de Pedro. E como aquilo me cortou o coração! Sem que uma só palavra fosse necessária ser dita, eu soube: Ricardo ainda me amava, e com tanta intensidade quanto antigamente. Ele ainda tinha esperanças que nós terminássemos juntos de alguma forma, mas Rafael fez questão de matar esse último resquício de esperança. E não há nada mais cruel no mundo do que tirar as esperanças de alguém.
Ah..._ Ricardo não teve uma reação.
_Ricardo, me desculpa. Eu devia ter te contado, eu...
_Não, Bernardo, tudo bem. Eu estou feliz por você. Tenho certeza que vocês serão muito felizes lá._ eu percebi que ele estava prestes a chorar _Com licença, vou ali no bar pegar uma bebida e já volto.
E se foi. Pus a mão na cabeça e me escorei numa parede ali perto. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de novo. Mais uma vez, eu partia o coração de Ricardo.
_Me desculpe, eu..._começou Rafael.
Eu abri os olhos e o olhei com raiva.
_É assim que você quer que eu confie em você, Rafael? Pra na primeira oportunidade você se comportar como o maior dos idiotas? Olha só o que você fez!
_Me desculpa, Bê._ ele pediu manhoso _Eu não sei o que deu em mim.
_Mentira!_ falei segurando para não gritar ali em público _Você sabia sim o que estava fazendo. Estava tentando marcar território! Tá feliz agora que machucou ele? Você vai dormir mais tranquilo?!
_É que eu fico doido de ciúme. Eu tenho medo dele te ganhar.
_Eu não sou um prêmio! Eu sou uma pessoa e como tal eu tenho direito a fazer escolhas, e eu fiz a minha: você. Mas você insiste em duvidar da minha sanidade e do meu julgamento. Essa sua insegurança está me cansando.
Não esperei pela sua resposta, saí dali procurando por Ricardo. Não precisei de muito esforço, logo o encontrei devorando um cara num beijo encostado num canto escuro. Ele apertava o homem contra si mesmo, como se quisesse expurgar toda a sua raiva e frustração com aquele beijo. Doeu mais do que eu achei que fosse doer. Era uma dor nova para mim, maior até do quando vi aquele cara beijar Rafael no carnaval em Ouro Preto. Porque não era só o ciúme, era a raiva que Ricardo devia estar de mim. E aquela dor me revelou um sentimento escondido a anos no meu coração: eu ainda amava Ricardo!
Me virei para sair dali e dei de cara com Rafael. Ele olhou ferido pros meus olhos vermelhos.
_Tá com ciúminho, tá?_ falou desdenhoso quase chorando.
Eu não respondi, apenas saí dali, paguei minha comanda e saí daquela boate.
_Não vai me responder? Não vai falar comigo?!_ ele perguntou vindo com raiva atrás de mim.
Me virei para encará-lo e o encontrei chorando.
_Você não faz ideia do que fez comigo com aquele circo lá dentro, Rafael. Eu não vou conversar com você hoje, porque com a mágoa que eu estou sentindo de você, eu acabaria terminando tudo entre nós. E eu não quero fazer isso. Se você preza por nós dois, me deixei ir pra casa em paz.
Ele não me respondeu, apenas deixou que mais lágrimas caíssem. Não me comovi, foram as consequências do circo que ele armou ali. Entrei no primeiro táxi e fui direto pra minha cama, onde passei horas sem conseguir dormir pensando naquilo tudo.
Eu pensei em Alice, em Pedro, em Ricardo, em Rafael... Mas mais do que neles ou mim especificamente, eu pensei em nós em conjunto. Como viramos aquelas pessoas? De repente, todos nós, viramos aquele tipo de casal que gosta de ferir o outro, que sente prazer em ver o outro chorar para pagar por alguma ofensa anterior qualquer, por algum desentendimento. Ricardo fez comigo, eu fiz com Rafael, Pedro e Alice fizeram um com o outro. Aquilo era amadurecer? Aquele era o inevitável ponto nos relacionamentos onde toda a relação passa a ser um eterno jogo de equilíbrio entre o amor e o ódio? Existia ponto de retorno? Todos nós estávamos fadados a nunca mais sermos bobos adolescentes apaixonados?
Eu e Rafael estávamos dando um tempo. Ou melhor eu estava dando um tempo de Rafael. Não deixei de amá-lo, nem pretendia terminar o namoro, apenas precisava não ver ele por um tempo. O que ele tinha aprontado naquela boate ainda estava muito vivo na minha cabeça. Eu ainda o amava, mas eu estava com raiva dele.
Ricardo também não atendia meus telefonemas, ainda magoado comigo por esconder dele que eu estava me mudando para o Canadá com Rafael. Não que eu tirasse a razão dele, de jeito nenhum, mas eu simplesmente não podia conviver com a ideia de Ricardo não gostando de mim. Não que eu tivesse a intenção de retomar nosso namoro, mas eu precisava que nós ficássemos bem. Eu estava decidido a procura-lo pessoalmente, já que ele não me atendia.
Mas surgiu outro compromisso antes. Chegava a ser cômico: tanto Alice quanto Pedro, sem que o outro soubesse, me ligou convidando para participar do primeiro ultrassom do bebê. Eu me senti honrado de poder participar daquele momento tão único da vida deles, mas eu não me enganava. Eles me convidaram para não terem que ficar a sós um com o outro no consultório. E eu fiz questão de me atrasar um pouco para forçar que eles tivessem ao menos o mínimo de conversa civilizada um com o outro. Não deu muito certo, porque quando cheguei os dois estavam lado a lado encarando uma parede em silêncio.
_Você atrasou._ falou Alice que percebeu minhas intenções.
_Trânsito, você sabe.
_Sei.
Mal cumprimentei Pedro e a enfermeira nos chamou. Ela nos olhou curiosa ao ver nós dois entrando com Alice, mas não comentou nada. O médico logo apareceu e também olhou intrigado. Pedro já foi logo explicando.
_Eu sou o pai. Ele é o padrinho.
_Padrinho?_ perguntei surpreso.
_É, uai._ ele respondeu _A gente não conversou sobre esse tipo de detalhe, mas não acho que Alice teria nada contra, certo?
_Não vai ter padrinho porque não vai ter batizado._ ela respondeu.
_Como assim?_ perguntou Pedro.
_Eu não vou escolher a religião do meu filho. Quando ele ou ela tiver idade o suficiente para pensar sobre isso, pode escolher sua religião.
_Muito obrigado por me deixar participar da decisão._ meu amigo falou irônico.
Alice era ateísta, não acreditava em nada mesmo. Pedro não era a pessoa mais religiosa do mundo, mas acreditava em algumas coisas. Inclusive que uma criança precisava da benção de Deus de alguma forma concreta, como o batizado católico. Senti outra briga começando ali.
_Vamos ao exame, gente?_ falei rapidamente olhando para o médico.
Ele entendeu o recado e se apressou a preparar Alice. Os pais se calaram e deixaram o assunto para depois. O médico levantou a blusa de Alice, espalhou o gel e começou a caminhar com o aparelho de ultrassom pelo seu ventre. Inevitavelmente, me lembrei de ter assistido aquela mesma cena com Laura, com aquele desfecho terrível. Eu, que também nunca fui dos mais religiosos, me vi rezando para estar tudo bem com a criança.
_Esse é o bebê de vocês._ o médico falou e virou a tela para a gente.
Era não mais que uma mancha branca no fundo escuro, mas ainda sim já era possível distinguir suas formas humanas. Todo encolhido, protegendo-se do mundo aqui de fora.
_E esse..._ falou o médico apertando um botão _é o som do coração dele.
Incrível como um som tão simples como aquele era capaz de nos provocar aquela tempestade de emoções. O coração do meu afilhado! O mais novo membro da nossa turma, das nossas histórias. Me apressei a enxugar minhas lágrimas, mas vi que não havia necessidade, pois Pedro e Alice também derramavam suas próprias lágrimas de felicidade.
_Querem que eu imprima a imagem?_ o médico perguntou.
_Tem como imprimir três cópias?_ perguntei, fazendo todos ali rirem.
Eu que juntei aqueles dois, aquele bebê era meu também, ainda que só uma pequena parte dele. O nosso bebê.
_Ele tem dez semanas e está tudo correndo muito bem até aqui. Na próxima vez acho que já será possível ver o sexo.
O médico deu mais algumas instruções para Alice e saiu para buscar nossas cópias do exame. Alice se levantou e começou a limpar o gel sobre sua barriga. Ela ainda chorava, apesar de estampar um sorriso no rosto.
_Bernardo..._ ela falou me encarando.
_O que foi?
_Não vai ter padrinho, mas você pode ser o padrinho simbólico._ ela falou rindo _Se alguma coisa acontecer comigo, com Pedro, e com nossos pais, você é o próximo da lista.
_Obrigado pela confiança._ respondi a abraçando.
Pedro chegou perto de nós dois e apertou meu ombro.
_A gente ainda tem que acertar muitas coisas sobre o futuro dessa criança, mas uma coisa é mais do que certa: você vai ser parte da vida dela._ ele falou sorrindo para mim _Se bobear, você vai estar na sala do parto junto com a gente.
Meu sorriso se perdeu. O bebê nasceria em abril ou maio, mas eu já estaria no Canadá com Rafael. Minha ficha caiu ali: talvez eu não participasse da vida do baby.
O que foi?_ Pedro perguntou me estranhando _Não vai dizer que você tem medo de sangue?
_Não, é que...
Eu não pretendia contar para eles ali. Era para esperar até as coisas estarem mais encaminhadas, mas eu não podia mais esconder aquilo. Não daqueles dois.
_Aconteceu uma coisa, gente.
_O que foi?_ perguntou Alice preocupada.
_Ofereceram um emprego muito bom para Rafael no Canadá.
Eles me olharam impassíveis, ainda tentando entender onde eu ia chegar.
_E eu aceitei ir com ele.
_O que?!_ eles gritaram em conjunto.
_Eu vou me mudar com Rafael pro Canadá._ repeti.
_Você não pode fazer isso!_ falou Pedro _Sua vida é aqui.
_Eu sei, gente, mas eu não posso deixar ele perder essa oportunidade. E eu não que me separar dele.
_E você ia contar pra gente quando? No aeroporto?_ perguntou Alice brava.
_Não, eu só estava esperando as coisas estarem mais certas. Nosso visto nem saiu ainda.
_E quando vocês estão pensando em ir?_ ela perguntou.
_Fevereiro.
_Você não vai estar aqui nem pro nascimento?!_ Pedro perguntou com indignação.
_Não, não vou. Me desculpa, eu...
O meu telefone tocou e foi a minha salvação.
_É Rafael me ligando, gente. Eu tenho que ir. Depois a gente se fala. Beijo_ falei já saindo da sala.
Eles fizeram menção a vir até mim, mas o médico já estava voltando com as imagens e aproveitei para correr deles. Eu não podia fugir para sempre, uma hora teria que encarar os dois. Mas eu podia adiar um pouco as coisas.
_Alô?_ falei atendendo o celular e indo pro estacionamento.
_Sou eu, Bê._ falou Rafa com um voz triste.
_Eu sei.
_Nós podemos conversar? Eu sei que eu errei muito, eu quero te pedir desculpa. Não quero ficar assim de mal de você.
_Nem eu, Rafa, mas amanhã a gente conversa.
_Por que não pode ser hoje?
_Porque eu estou indo na casa de Ricardo.
_O que?_ ele falou já mudando o tom de voz _O que você vai fazer lá?
_Arrumar a sua bagunça, é claro!
_Mas... Mas...
_Pensasse nisso antes de arrumar briga._ falei seco _Amanhã eu te ligo. Beijo.
Desliguei antes dele responder. Eu sei que estava sendo muito infantil, mas eu ainda estava com raiva dele pelo que ele tinha feito. Rafa teria que ficar sofrendo por mais um dia, porque naquele momento eu só conseguia pensar em me acertar com Ricardo.
[...]
_Posso entrar?_ falei batendo na porta do quarto dele.
Ricardo me olhou confuso.
_Seus colegas me deixaram entrar._ expliquei.
Ele me olhou com uma expressão de cansaço e tristeza. Me machucou, pois ele sempre me recepcionava com um olhar carinhoso.
_Podemos conversar?_ perguntei.
Ele fez que sim com a cabeça e me mandou fechar a porta do quarto. Ele estava sentado na cama e eu me sentei na cadeira da sua escrivaninha.
_Eu queria te pedir desculpas._ falei _Eu devia ter te contado. Eu acho que estava tão feliz de nós estarmos tão perto de novo, que tive medo de destruir isso.
_Isso não justifica nada.
_Eu sei, eu sei. Se isso ajuda um pouco, não contamos a ninguém.
_Eu não sou todo mundo, Bernardo._ ele falou claramente magoado _Eu estou aqui na sua cidade e agora você está indo embora. Você não acha que deveria ter me dito alguma coisa? Eu nunca teria feito isso com você.
_Ricardo...
Eu precisava perguntar. Desde que Rafael jogou a questão em cima da mesa, essa dúvida ficava rondando minha cabeça.
_Por que você veio pra BH?_ perguntei.
Ele sabia muito bem o que eu estava perguntando. Eu queria saber se ele tinha vindo atrás de mim.
_Eu vim pra cá por causa de uma ótima proposta de emprego. Não foi atrás de você.
Ele falou firme e sincero. Novamente, aquilo doeu mais do que o esperado. No fundo, por mais egoísta que fosse e eu sei disso, eu ainda esperava grandes gestos românticos dele. Ricardo se levantou e ficou admirando a vista pela janela.
_Dois anos, Bernardo._ ele falou _Dois anos sem você. Eu chorei tudo que tinha pra chorar, fiquei com raiva, trepei com quem estava disposto, amei novamente e até namorei. Tudo para esquecer você. E eu juro que achei que tinha conseguido. Mas na hora que você apareceu na minha porta, tudo voltou como uma avalanche.
Nos seus olhos na boate eu já tinha descoberto aquilo. Ele ainda me amava. Novamente, eu sei o quanto é egoísta, mas foi extremamente reconfortante ouvir aquilo.
_Eu não sou uma daquelas pessoas depressivas que sente prazer em sofrer. Se eu tivesse plena consciência dos meus sentimentos por você, eu nunca teria vindo para cá. Eu não queria ver você feliz com Rafael. Acho que eu estou arrependido de ter vindo.
Eu comecei a chorar baixinho. Aquela era a minha sina? Machucar Ricardo vez após vez? Me levantei, caminhei até ele o abracei por trás, pousando a minha cabeça no seu ombro pra chorar. Há quanto tempo eu não fazia aquilo... Como eu sentia falta do seu cheiro, do seu toque... Ali, tão perto, eu conseguia ouvir muito claramente as batidas do seu coração. Aquele coração que batia por mim.
Eu precisava perguntar. Desde que Rafael jogou a questão em cima da mesa, essa dúvida ficava rondando minha cabeça.
_Por que você veio pra BH?_ perguntei.
Ele sabia muito bem o que eu estava perguntando. Eu queria saber se ele tinha vindo atrás de mim.
_Eu vim pra cá por causa de uma ótima proposta de emprego. Não foi atrás de você.
Ele falou firme e sincero. Novamente, aquilo doeu mais do que o esperado. No fundo, por mais egoísta que fosse e eu sei disso, eu ainda esperava grandes gestos românticos dele. Ricardo se levantou e ficou admirando a vista pela janela.
_Dois anos, Bernardo._ ele falou _Dois anos sem você. Eu chorei tudo que tinha pra chorar, fiquei com raiva, trepei com quem estava disposto, amei novamente e até namorei. Tudo para esquecer você. E eu juro que achei que tinha conseguido. Mas na hora que você apareceu na minha porta, tudo voltou como uma avalanche.
Nos seus olhos na boate eu já tinha descoberto aquilo. Ele ainda me amava. Novamente, eu sei o quanto é egoísta, mas foi extremamente reconfortante ouvir aquilo.
_Eu não sou uma daquelas pessoas depressivas que sente prazer em sofrer. Se eu tivesse plena consciência dos meus sentimentos por você, eu nunca teria vindo para cá. Eu não queria ver você feliz com Rafael. Acho que eu estou arrependido de ter vindo.
Eu comecei a chorar baixinho. Aquela era a minha sina? Machucar Ricardo vez após vez? Me levantei, caminhei até ele o abracei por trás, pousando a minha cabeça no seu ombro pra chorar. Há quanto tempo eu não fazia aquilo... Como eu sentia falta do seu cheiro, do seu toque... Ali, tão perto, eu conseguia ouvir muito claramente as batidas do seu coração. Aquele coração que batia por mim.
Ele não cedeu. Continuou encarando a paisagem sem retribuir o abraço, embora não estivesse me rejeitando também.
_O que doeu mais?_ perguntei _Eu ter escondido de você ou o fato de eu estar indo embora?
_Nenhum dos dois._ ele respondeu depois de um tempo _O que mais doeu é perceber que ele te faz feliz.
Ele se virou e olhou para mim com os olhos vermelhos.
_É doloroso saber que não é você que faz bem para pessoa que ama.
_Se serve de consolo, acho que eu fui mais feliz com você do que com ele.
Eu nunca tinha dito àquilo a Ricardo. Foi um ato falho. Me arrependi no momento que disse. Os olhos de Ricardo se acenderam quase que instantaneamente.
_Você sabe, tínhamos Paris e tudo, sem família para atrapalhar._ emendei tentando consertar a frase.
Tarde demais. Ricardo segurou minha cintura com firmeza e me encarou. Eu sabia o que ia acontecer e eu sabia que era errado. Por pior que Rafael tivesse feito, ele nunca mereceu uma traição daquelas. E eu não era esse tipo de pessoa. Mas ao mesmo tempo, como eu tinha saudade dos seus lábios... Ricardo se aproximou de mim me beijou, sem que fosse necessário pedir permissão. Seu beijo tinha a fúria da saudade. E como era bom. Ali, eu esqueci o mundo todo, só havia eu e ele.
Ele se afastou de mim e me encarou com um sorriso num canto da boca. Ele conseguia ler o que se passava comigo pela forma como eu correspondi àquele beijo.
_Eu preciso ir._ falei recobrando a consciência.
Ele não me impediu. Saí correndo do seu apartamento, morrendo de vergonha do que tinha feito. E confuso. Mais uma vez, Ricardo aparecia na minha vida para bagunçar meu coração e meus pensamentos. Ao chegar no carro, minha ficha caiu de verdade e eu comecei a chorar copiosamente. Tudo o que eu conseguia pensar era:
“Rafael nunca vai me perdoar!”
Eu não conseguia pensar direito no que estava acontecendo. Ricardo me beijou! E eu gostei! Eu traí Rafael em todos os sentidos que havia para trair ele. E eu estava certo que ele não me perdoaria. Então, eu chorei. Chorei muito. Chorei por antecipação, pela culpa, pela confusão... Sim, pela confusão. Eu nunca tive que dúvidas do meu amor por Ricardo, mesmo o tempo que passamos sem nos ver não tinha diminuído tudo. Mas eu continuava amando Rafael mais. Só que as coisas ficaram nebulosas com tudo o que estava acontecendo.
Em outro contexto, uns seis meses antes, acho que o beijo de Ricardo não teria mexido tanto comigo como aconteceu. Eu atravessava uma fase complicada com Rafael. Não era só a insegurança dele, mas todo o nosso processo de mudança para o Canadá. Sim, porque era um passo enorme, então era esperado que eu tivesse minhas ressalvas. Aliás, eu nunca quis ir por livre e espontânea vontade, mas por não querer me separar do meu amor. E o beijo de Ricardo, num momento tão turbulento do meu namoro, trouxe de volta uma velha conhecida minha: a dúvida.
Não, o beijo de Ricardo não me fez pensar seriamente em terminar meu namoro com Rafael, de maneira alguma. O meu desespero silencioso era pela confusão: se eu gostei tanto assim do beijo de outro homem, entregar minha vida toda na mão de Rafael não estaria sendo muito arriscado? Não devíamos estar indo com calma? Só que não havia a opção “ir com calma”, era ir com tudo ou não ir. Era isso que tornava tudo tão dramático para mim.
Já anoitecia quando cheguei em casa. Limpei meu rosto e tentei me recompor para entrar em casa. Eu não estava afim de ter que explicar para minha família o porquê de eu ter chorado. Mas aquele dia ainda estava longe de terminar. Quando eu entrei em casa, minha família toda estava na sala. Desconfiei que havia alguma coisa errada porque não era uma cena comum, mas tive certeza quando todos pararam de falar para me olhar.
_Aconteceu alguma coisa gente?_ perguntei.
Minha mãe se levantou com uma expressão furiosa com um papel na mão e me entregou. Eu não precisei nem ler pra saber o que estava acontecendo: o papel estava timbrado com o símbolo da embaixada do Canadá.
_Parabéns, seu visto de trabalho no Canadá foi aprovado!_ ela falou irônica.
_Você abriu minha carta?_ perguntei tentando ganhar tempo.
_Lógico! Eu queria saber o que tinha num envelope com seu passaporte dentro. E que bela surpresa!
_Não era pra ter aberto, mãe. Eu...
_Quando você pretendia nos contar?_ perguntou meu pai me interrompendo.
Meu pai falava firme em tom de bronca, apesar de não gritar. Aquela não ia ser uma conversa fácil. Thiago me olhava sério, mas eu sabia que ele estava prestes a explodir. Por mais que Caio e Laura não tivessem personalidades condizentes com uma explosão para cima de mim, o olhar deles deixava claro que também não estavam gostando daquela história.
Eu estava esperando o visto ser aprovado._ falei baixinho.
_Muito obrigado pela consideração!_ falou minha mãe exaltada _Você tem ideia da falta de responsabilidade que é tomar uma decisão dessa sem nos avisar? O que você tem na cabeça?!
_Eu sei, me desculpa, eu...
_Como isso surgiu, Bernardo?_ falou meu pai no mesmo tom sério _Você nunca falou nada sobre querer morar fora do país depois que se formasse.
_Eu sei, foi uma coisa que surgiu muito recentemente. Você viu que me aprovaram para o visto de trabalho mesmo sem eu ter uma vaga de emprego garantido? É porque engenheiros são muito bem vindos lá! Vai ser uma ótima oportunidade para mim.
_Você está querendo ir pro Canadá sem nem ter uma vaga de emprego garantida?!_ gritou Thiago _Você ficou louco?!
Eu já estava sensível por causa de tudo que já tinha acontecido aquele dia, então não teve grande dificuldade para as lágrimas começarem a se represar nos meus olhos com minha família me colocando contra a parede daquele jeito.
_Eu não estou atravessando o deserto pra lavar chão de um gringo, gente. Esse visto é a prova que eu vou ser bem recebido lá.
_E se der errado? Como você faz? Tá tudo em crise lá fora, você ficou sabendo?_ falou meu irmão mais velho.
_Se der errado, tem o emprego de Rafael.
Todos eles acirraram os olhos com aquela nova informação. Eu devia ter a segurado por mais tempo. Eles logo formaram a ideia toda na cabeça.
_Rafael está indo também?_ perguntou minha mãe num tom de deboche.
_Sim..._ falei com dificuldade _A empresa dele ofereceu um emprego para ele lá.
_Então, quer dizer que você está indo pra um país estrangeiro seguindo seu namorado?_ ela perguntou quase gritando.
Eu fiquei sem resposta. Meu pai coçou a cabeça, enquanto meus irmãos fizeram sinal de desaprovação com a cabeça. Ali eu comecei a chorar mesmo. Era muito para mim.
_Podemos conversar sobre isso outro dia?_ pedi _Eu não tive um dia de cão hoje.
_E você achar que vai escapar assim?_ ela continuou falando _Você tem muito o que explicar e ouvir ainda!
_Olha, não tem nada certo ainda!_ falei _Eu não comprei passagem, ou aluguei apartamento, nem nada disso. Só tirei o visto. Se nós formos, será só no ano que vem. Não tem nada decidido ainda. Podemos, por favor, deixar essa conversa para outro dia?
Minha mãe me encarou e acho que realmente viu o cansaço no meu olhar. Ela bufou e fez com os ombros que aceitava conversar depois. Como aquela coalizão foi organizada por ela, todos retomaram suas atividades normais automaticamente. Ninguém falou comigo enquanto isso.
Mais aquela! Entrei debaixo do chuveiro e só deixei a água quente cair sobre meus ombros. Eu sabia que não seria fácil dar a notícia para minha família, só que eu queria ter planejado com antecedência o que falar e certamente ter escolhido um dia melhor. Se eu tivesse planejado aquela conversa, eu teria dito como eu amo Rafael e não quero me separar dele. Teria dito também como era mais do que necessário para mim voar agora e conhecer o mundo, porque não seria mais possível a partir do momento que eu formasse família. Teria dito como aquilo poderia ser precioso no meu currículo, me garantindo oportunidades de emprego muito melhores quando eu voltasse. E teria dito também como o Canadá é um país imensamente mais amigável para gays do que o Brasil, e lá eu teria uma chance de caminhar pelas com meu namorado sem medo de ser agredido.
Quando saí do chuveiro, Thiago me esperava com uma cara de enfezado. Suspirei fundo já prevendo a discussão.
_Amanhã Thiago._ pedi.
_Não, hoje.
Enquanto eu vestia a minha roupa, ele começou a falar.
_Muito obrigado pela consideração de ter me falado. Eu sou o que? O seu irmão mais velho, isso não é nada, né? Você ia se mudar pro Pólo Norte e eu provavelmente só ficaria sabendo quando você me ligasse de lá! Porra, Bernardo!
_Posso falar?
_Vai, fala!
_Eu ia contar, sinto muito pela forma como vocês descobriram. Se não contei antes, é porque sabia que a reação seria alguma coisa assim e fiquei com medo de que vocês me impedissem.
_Você deveria ter nos contado no minuto em que o Rafael te fez essa proposta!
_Thiago... Ok, me desculpa._ falei tentando encerrar a discussão.
_Ir pro Canadá seguindo seu namorado? Você pirou? Eu esperava mais racionalidade de você!
_Não é uma questão de racionalidade, Thiago. Eu estou muito ciente dos riscos, e eu escolhi corre-los.
_Então! Eu não consigo te entender.
_Não tem como você entender. Você nunca amou ninguém como eu amo Rafael. Essa é única justificativa de verdade para eu estar indo, e você não vai conseguir entende-la.
Ele me olhou vencido. Não que ele aceitasse meu argumento, apenas não tinha como rebate-lo.
_E aquela fala ali na sala de que não tem nada definitivo ainda?_ ele perguntou.
_Enquanto eu não estiver dentro de um avião, nada é definitivo._ respondi _Mas eu realmente pretendo ir.
Thiago me deixou em paz aquela noite, mas aquela conversa se repetiria quase que diariamente nas semanas seguintes.
[...]
Durante o resto da semana, conversei com Rafael apenas por telefone. A desculpe era que trabalhávamos e estudávamos em horários diferentes durante a semana. Ele falava comigo todo doce, como se pedisse desculpa em cada frase. Eu estava frio com ele, o que ele interpretou como raiva ainda, mas não era. Era culpa. Enquanto eu carregasse o segredo daquela traição, eu não conseguiria tratar ele com meu namorado. Eu precisava me confessar urgentemente, mas eu estava morrendo de medo. Eu tinha certeza absoluta que ele terminaria comigo. Afinal, não foi qualquer um, foi Ricardo.
Quando acordei no sábado de manhã, encontrei Alice sentada na cadeira do meu quarto me esperando.
_Então, pronto pra conversar?_ perguntou em tom de bronca.
Eu ainda demorei um tempo para me situar sobre o que ela estava falando.
_Na verdade, eu estranhei você não vir antes._ falei.
_É porque nós resolvemos contar tudo para nossos pais depois do ultrassom.
_E como foi?
_Houve brigas por parte dos pais, choro por parte das mães, e um clima de indignação geral. Mas estamos todos vivos. Enfim, o assunto é você._ ela cruzou os braços me encarando _Você vai mesmo pro Canadá?
_Vou._ respondi me sentando na cama.
_Você quer ir pro Canadá?
Eu respirei fundo. Era a pergunta-chave. Alice me conhecia muito bem, sabia quais eram meus sonhos e meus planos pro futuro. E sabia que morar fora do país não estavam entre eles.
_Eu não quero ficar longe de Rafael._ respondi sinceramente.
_Isso é burrice!_ ela falou exasperada.
_Não, não é. É um passo no escuro enorme, eu sei, mas eu estou escolhendo correr os riscos.
_E se der tudo errado?
_Se der tudo errado, eu começo tudo de novo. O que eu não vou conseguir conviver é com o peso de não ter nem sequer tentado.
Ela me olhou sem dizer nada. Ela viu aquela frase refletida na sua própria situação. Afinal de contas, estávamos vivendo (mais ou menos) a mesma situação. A diferença é que eu estava disposto a correr o risco, e ela não.
_Pedro acha que você não o ama tanto quanto eu amo Rafael.
_A questão nunca foi essa!_ ela falou desviando o olhar.
_Você não tem medo de se arrepender dessa sua decisão, Alice? Você consegue viver com o peso do “e se...”?
_Essa é uma pergunta injusta. Vai ter sempre um “e se...”.
_Mas uns são mais pesados do que outros. Enfim, eu só quero que você reflita. Não estou do lado do Pedro, eu entendo seus medos. Eu só quero que vocês conversem e cheguem a uma decisão juntos. Vocês vão ser pais, vão ter que agir assim daqui em diante.
Eu não esperava convencer Alice de nada ali. Eu só queria plantar a sementinha da dúvida na sua cabeça.
_Eu beijei Ricardo._ falei sem aviso prévio.
Os olhos de Alice se arregalaram olhando pra mim.
_Você fez o que?!
_Eu sei, eu sei!_ falei choramingando e afundando na cama.
_Como isso aconteceu?
Eu contei para ela em detalhes tudo o que tinha acontecido desde o dia na boate até o fatídico beijo.
_Você vai contar para Rafael?_ ela perguntou.
_Lógico! Eu não conseguiria viver carregando isso.
_Você sabe que isso vai enlouquecer ele, não sabe?
_Sei...
Alice me conhecia muito bem para saber que o buraco era mais embaixo. Ela sabia as coisas que passavam pela minha cabeça.
_Como você se sentiu com o beijo?
_Perdido...
_Ah, Bernardo...
_Eu amo Rafael, mas...
_Ama Ricardo também.
_Sim...
_Por que você escolheu Rafael da primeira vez?
_Porque eu o amava mais.
_E agora?
_Eu continuo amando ele mais.
_Então, qual o problema?
Era a grande questão, não? Qual a diferença entre aquele momento e este de agora? O que havia mudado? Eu sabia exatamente o que tinha mudado: eu namorei Rafael. Não me entendam mal, Rafael não foi um mal namorado. Aliás, ele foi um ótimo namorado. Mas Ricardo tinha sido um namorado melhor. Era uma comparação muito injusta por usar uma métrica muito discutível, eu sei, mas era como eu me sentia.
_O meu problema é o mesmo que o seu, Alice._ falei _Eu tenho medo de quem eu me tornaria com Rafael. Até aqui estamos muito bem, Rafael me faz muito feliz apesar das brigas. Só que os sonhos dele são tão diferentes dos meus. Eu tenho medo de me esforçar tanto para dar a ele a vida que ele quer, que eu me perca e esqueça dos meus próprios sonhos.
_Sua dúvida não é entre Rafael e Ricardo, Bernardo._ ela falou rindo _É entre ir ou ficar.
Era a mais pura verdade. Eu amava Ricardo, mas eu amava Rafael mais e nunca o trocaria. A questão era que Ricardo representava uma chance real de eu não ter que ir para aquele país tão distante de tudo e de todos. O seu beijo só me abriu os olhos para aquela verdade. No fim, Pedro estava errado quando disse que Alice não o amava tanto quanto eu amava Rafael. Eu e ela estávamos exatamente no mesmo ponto:
“Eu amava ele o bastante para abrir mão dos meus sonhos?”
O Bernardo está igual o Eric, quer os dois, mas ama o Ricardo. Com raiva dele, pq prefiro o Rafael