Finalmente eu tinha chegado no lugar que me tanto sonhei. Eu finalmente estava em Caraíva, o paraíso. Era minha primeira vez na vila. Sempre sonhei estar nesse canto do Brasil, mas não sabia que o sul baiano me reservava histórias memoráveis.
Sou mochileiro. Há alguns meses saí de casa com um tanto de dinheiro no bolso em busca de boas histórias para viver. Planejei isso há tempos. Sempre me identifiquei com o mundo das viagens e marquei Caraíva, no sul da Bahia, como um dos destinos.
Para ter acesso a vila era precisa atravessar um rio de canoa. Paguei pela travessia e logo avistava as luzes da vila no outro lado do rio. Já anoitecia. E anoitecia rápido.
Eu estava deslumbrado com o clima íntimo que já sentia. Logo ganhei sorrisos e amistosos 'olás'. Por não ser uma vila muito grande logo cheguei no que seria o centro da vila. Avistei um bar e pensei no quão merecedor eu era de uma bebida. Eu estava onde eu queria estar, não morreria gastar com um refrigerante.
Joguei minha mochila pesada num canto, sentei num banco de madeira com meus dedos fincados na areia fria e ergui meu dedo, acenando para o senhor que parecia ser o dono do pequeno bar. Pelo jeito o senhor era o dono, garçom, cozinheiro e animador. Fiz o pedido: apenas a tão desejada coca-cola e sem demora já estava com a lata gelada em mãos.
Continuei sentado, observando as pessoas que passavam e logo acenei novamente para que viesse cobrar pelo serviço. Aproveitei para tentar conseguir a hospedagem da noite. Pedi apenas que me permitisse armar minha barraca ali nos fundos do bar por essa noite e poder usar seu banheiro para um possível banho. Sorrindo ele me respondeu que não era possível e mais uma dúzia de desculpas. Não posso julgar as pessoas ao me recusarem um pedaço de seus quintais. Sou um completo estranho para elas. Sorri e agradeci, como de costume quando não consigo o que procuro. Estava disposto a perambular pela vila o resto da noite.
Agarrei a alça da mochila grande e pesada com o saco da minha barraca amarrada nas laterais e me preparava para 'vesti-la' quando fui interrompido.
- Ei, garoto - ouvi me chamarem pelas minhas costas. Olhei sobre os ombros, procurando o dono da voz. Atrás de mim um único homem sentando a uns dois bancos de distância.
- Tá falando comigo? -
- Estou sim. Vem cá.
Eu fui, é claro. Ando só, não é do meu feitio recusar convites. Larguei a mochila ao lado da mesa e sentei.
- Eu vi que você procura hospedagem. Não vai ser fácil - ele me alertou tomando um gole de cerveja.
- É, percebi. Destinos famosos. As pessoas só pensam em dinheiro.
- Quando chegou na vila?
- Esta noite. Agora mesmo, na verdade. Ia andar por aí. Conseguir uma sombra pra fazer de casa - falei enquanto ria. Ele também riu.
- Uma sombra pra fazer de casa - ele repetia as palavras rindo. - Fique então em minha área - completou.
Obviamente me assustei. Um susto de excitação, é claro. Pela primeira vez alguém me oferecia pouso sem que eu pedisse ou oferecesse trabalho em troca. Este lugar realmente me surpreenderia.
- Uma área? com telhado? Sem chuva e água dentro da barraca? Você vai direto pro céu - falei rindo enquanto erguia meus braços ao céu estrelado acima de nós.
Ele continuava rindo. Ou era um poço de simpatia ou estava sob efeito do líquido que bebia.
- Que lesado, nem ao menos me apresentei - enquanto falava já estendia minha mão a procura de aperto de mão, firmando nosso acordo. - Caio, este é meu nome.
- Marcelo. Este é meu nome - repetiu ele, largando sua cerveja e apertando minha mão com sua mão gelada e firme.
É claro que eu sentiria algo nesse aperto de mão. É obvio que eu estava mergulhado no sorriso dele e como seu queixo era bem desenhado, como sua barba era rala e convidativa ou hipnotizado com seus olhos apertados quando ele ri, mas eu estava ali na posição de alguém que precisava de um favor. Não estava ali para paqueras. Tratei de por meus pensamentos nos lugares certos e me concentrei apenas na conversa.
Ele pagou sua cerveja e insistiu em pagar também meu refrigerante. Coloquei minha mochila e saímos caminhando pela visa até sua casa, meu pouso desta noite. No caminho conversávamos sobre tudo: a ilha, viagens, garotos (eu falava dos garotos, ele ficou calado quanto a isso, deixou que eu falasse), sobre família. Uma conversa normal, mas sempre recheada de seus sorriso fáceis. Como era lindo vê-lo sorrir. Admito que até fiquei um tanto mais bobo, fazendo graça só pra arrancar dele mais sorrisos.
Encostamos numa casinha amarela sem muros. De fato havia uma área. E um jardim também. Eu parei e fiquei admirando a casinha amarela enquanto ele abria a porta e acendia a luz, clareando meu novo lar.
- Não é o melhor lugar do mundo, mas..
- É suficiente pra mim - interrompi amigavelmente.
- Monte sua barraca, ou melhor.. sua casa. Vou entrar e preparar um lanche, você deve estar com fome.
- Não. Não e não. Eu preciso apenas de um banho. Não pareço mais gente.
Ele riu, escorado na lateral da porta.
- Sendo assim, entre quando terminar de montar tudo aí que eu te mostro o banheiro.
Não demorei a montar minha barraca. Ele me mostrou o banheiro, como prometido, e ainda me preparou um lance simples. A noite estava linda e eu não perderia a oportunidade de admirá-la. Sentei na calçada da área e Marcelo não demorou a se juntar a mim, falando em tom pensativo:
- Sabe quanto tempo eu não paro pra ver as estrelas?
- Me doeria saber. Eu faço isso todos os dias de céu claro - afirmei com meu olhar voltado para o alto.
- Você veio de longe para me mostrar as estrelas no quintal da minha própria casa? É isso?
- Você me dá uma área e eu te dou as estrelas. Justo!
Ele riu e desviou o olhar para mim. Eu ri e desviei o olhar para ele. Desviamos nossos olhares para o céu.
Em pouco tempo de conversa eu estava em minha barraca e Marcelo dentro de sua casa amarela. Era minha primeira noite no paraíso. Eu consegui uma área, uma boa companhia e meus dias ali estavam apenas começando. Poderiam ser os melhores ou os piores dias de minha vida. Eu estava pronto para o destino. Eu era seu brinquedinho.