07. Mentiras mal contadas

                                              Júlio
         Mario arregalou os olhos e ficou em silêncio, tentando digerir a minha resposta. Considerando que o que eu acabara de dizer fosse a coisa mais absurda possível, ele apertou meu braço com mais força e me jogou contra a parede, batendo a minha cabeça. Doeu à beça, mas tentei ser rude comigo mesmo e não transpareci dor.
         - De quem é essa camiseta?! – quase inaudível. Ele tremia de raiva.
         - Do Zeca. Ele veio me deixar aqui, lembra? – jogando a merda no ventilador.
         - Você tá dizendo que você e meu sobrinho...
Fingi uma careta de nojo e o interrompi:
         - Que nós o quê? Nós não fizemos nada! – ele finalmente me soltou. – Aquele seu sobrinho é um tremendo de um mal educado. Tirou a camisa, reclamando do calor, e tentou jogá-la no sofá, mas ela caiu no chão.
         - Caiu no chão? Essa mentira é a pior que eu já ouvi! – acusou-me, olhando-me como se eu tivesse coberto de algum tipo de gosma nojenta.
         - Mas é a verdade. Ele é um mal educado. Deixou a camisa no chão e não teve a coragem de tirá-la.
         - Mas não o vimos aqui quando chegamos!
         - Daí eu já não sei. Eu fiquei trancado no meu quarto, dormindo. – eu lembrei que Zeca imitou um ronco para que o tio pensasse que eu realmente estava em sono profundo.
         Com desconfiança, Mario me cercava com os olhos. Tirou o celular do bolso, desbloqueou-o e começou a digitar habilmente. O que eu mais temia estava prestes a acontecer.
         - Espero que Zeca confirme essa história.
         Tentei um teatrinho barato.
         - Não sei o que é mais absurdo: você pensar que eu sou gay, que seu sobrinho é gay ou que nós dois fizemos alguma coisa.
         - Eu não disse que Zeca e você estavam fazendo alguma coisa. É você quem está dizendo...
         - Mas você insinuou...
         - Zeca não transaria com homens e muito menos com um veadinho que nem você! – bruscamente, com celular no ouvido. – Ele devia ter ido na cozinha ou conversar com algum vizinho, sei lá! - Ele tentou três vezes seguidas, mas ninguém atendia. Até que o telefone dele tocou. Mario assentiu e disse:
         - Você se safou dessa, moleque. Vou ter que voltar ao banco, mas não vou sossegar enquanto não falar com Zeca. Quero que ele explique o que realmente aconteceu aqui.
         - O que você acha que aconteceu aqui? Eu só deitei no meu quarto e dormi.
         - Você esteve com alguém que eu sei. Só espero que Zeca não o tenha acobertado.
         - E por que ele me acobertaria? Você tá é maluco. Não fala coisa com coisa!
         - ME RESPEITA, GAROTO!
         Calei-me, antes que a coisa piorasse para o meu lado. Mario, finalmente, deixou-me sozinho no quarto, batendo a porta com violência. Nem ele mais sabia o que pensar, mas tinha certeza que eu estava com algum garoto na casa. Trêmulo, peguei meu celular e digitei uma mensagem para Zeca, explicando o que havia acontecido. Recebi a seguinte resposta dele:
         “Deixa comigo, garoto”.
         A tarde e a noite que se passaram foram as piores possíveis. Mario não trocou uma palavra sequer comigo, algo que minha mãe demonstrou bastante alegria, pois o marido dela e eu vivíamos trocando farpas. Às vezes, essa cegueira dela me aborrecia. A inimizade que havia entre Mario e eu era escancarada, mas ela não agia de forma alguma para amenizar; ela amava os dois e isso me enfurecia mais ainda. O amor que ela sentia pelo filho deveria ser maior ao que ela sentia pelo esposo, que nem esposo era de verdade, pois não eram casados no papel.
          Fui para o meu quarto depois de jantarmos, muito antes das dez: quanto mais cedo eu pudesse dormir, melhor. Tranquei a porta e me joguei na cama. Havia tempos que eu não tinha um dia tão ruim. Não era pra ser assim. Eu deveria me dar bem com meu padrasto, porém ele tinha um preconceito imensurável contra os homossexuais e eu não podia fazer nada, já que eu era um. Triste como há um bom tempo eu não me sentia, adormeci chorando.
         De manhã cedo, vi meu celular e li uma longa mensagem de Zeca:
         “Desculpe só avisar agora, o dia foi cansativo. Dei uma desculpa para meu tio e ele acreditou. Eu disse que estava me agarrando com uma garota na cozinha, mas em total silêncio. Não sei como ele acreditou. Mas mesmo assim ele disse que vai ficar de olho em você. Ele achava que eu o estava acobertando, mas depois achou impossível porque eu não acobertaria um viadinho. Idiota...
         Um bom dia para você, garoto!”.
         Uma mistura de alívio e temor ao ler aquela mensagem. Mario acreditava no tio garanhão, mas não em mim, no sobrinho gay. Era o cúmulo.

         As provas daquela e das outras manhãs que se seguiram foram feitas na maior tranquilidade, mesmo com Mario me ignorando em casa e minha mãe fingindo não ver. Até mesmo em Matemática eu me saí bem, inclusive Thomaz em Redação, que me contou através de SMS. Nós não conseguíamos nos ver naqueles dias e os pais dele o ocupavam bastante. O único dia que pude vê-lo foi na sexta-feira, após a última prova, de Química. Thomaz já havia me dito antes de entrarmos na sala que assim que terminasse de resolver as questões ele iria ao ginásio do colégio para jogar bola com nossos colegas.
         Por eu ter sido um dos últimos, como sempre, a sair da sala, eles já estavam no finalzinho do jogo e iriam entrar as meninas, que também queriam jogar. Sentei-me na arquibancada para assistir e me assustei com alguém me cutucando. Era uma garota loirinha, magra e de cabelos bem lisos, acompanhada de uma garota negra de cabelos encaracolados; ambas eram muito bonitas.
         - Oi, eu sou a Luma. – apresentou-se a loirinha e eu não fiquei muito feliz com isso. Era a tal prima de Ligia.
         - E eu sou a Roberta. Tudo bem? – perguntou-me a negra, sorridente. Ela era muito mais charmosa que a outra. Eu achava isso talvez porque Thomaz e Lígia queriam que eu ficasse com Luma. E como se tivessem combinado de se encontrarem, o casal apareceu junto, mas de lados diferentes. Lígia beijou a mim e ao namorado e sentou-se ao lado das meninas e Thomaz, para me deixar envergonhado, beijou as meninas, a namorada, nos lábios, e a mim, na bochecha. As três não deram bola para o beijo que recebi de meu amigo. Éramos amigos íntimos, não havia problema. Creio que esse foi pensamento delas. Sendo que essa foi a primeira vez que Thomaz faz algo do tipo, em público.
         - Então você conheceu minha prima e minha amiga, Julinho. – deduziu Lígia, com um largo e meigo sorriso. Se eu não gostasse tanto dela, teria dito um “Infelizmente”. Ficar com uma garota por obrigação não era algo agradável e era isso que iria acontecer.
         - Luma estava louca pra te conhecer. – falou Thomaz, dando-me cotoveladas. Ele estava com a camisa do colégio pendurada no ombro e estava suado até a testa. E, claro, meu amigo me excitou sem que ele percebesse.
         - E você, Thomaz, vai nos convidar para sua festa de aniversário? – perguntou Roberta, com um sorriso afável.
         - Claro. Mas ainda tem quase um mês para o meu aniversário.
         - Um mês? Seu aniversário é semana que vem, dia 05, vai cair no sábado. Eu te lembrei aquele dia na sua casa. – lembrou Lígia.
         - Acho que estou confuso. Pensei que dezembro estivesse longe. – ele falou, coçando a cabeça.
         - Você não sabe mais nem a data do seu aniversário. Lembra o seu nome, ao menos? – brincou Roberta.
         - Acho que sim. É Zé Luiz.
         - Acho que não. – riu Luma.
         - Até semana que vem a gente vê o que faz para eu comemorar meus dezessete anos. – ele esclareceu, e dirigindo-se a mim, inquiriu – Júlio, venha comigo na sala? Eu esqueci meu caderno lá.
         - Vamos. – e me levantei.
         - Mas vamos logo, antes que tranquem a sala.
Thomaz beijou a namorada nos lábios, disse que depois ele iria ao banheiro, mas não demoraríamos. No caminho, ele me abraçou, pondo os braços por trás de meu ombro, enquanto andávamos, porém eu o afastei. Thomaz estava muito suado e nem tão cheiroso assim. Apesar de que isso era pura bobagem: eu continuava excitado.
         - E ai, você ficar com a Luma? – ele estava interessado e eu me chateando.
         - Não sei. Eu preferia a Roberta. – contei, quando chegamos na sala de aula, que estava com as luzes apagadas, mas com a porta apenas encostada. Nós entramos, acendemos as lâmpadas, encontramos o caderno dele em cima da mesa dos professores e nos surpreendemos quando vimos a chave na maçaneta.
         - A gente bem que poderia chamar as meninas aqui. O que você acha? – ele me lançava aquele olhar sacana. Eu ri e concordei.
         - Acho que sim.
         - Mas eu acho... – Thomaz começou, e trancou a porta. – Que nós poderíamos aproveitar um pouco, já que estamos sozinhos aqui. – ele sugeriu. E eu não acreditava no que eu ouvia. Mas entendi perfeitamente a pretensão dele.
         - Eu também acho.
         Thomaz apagou as luzes e eu não vi mais nada. Apenas senti que fui pressionado contra o quadro negro e recebi um tremendo beijo de meu amigo. O suor e seu fraco perfume deixaram de me incomodar e passaram a ser os responsáveis para o aumento do meu tesão. Seus cabelos estavam molhados e seus lábios úmidos, quentes. A língua dele se jogava na minha com pressa e vontade de saciar a nossa sede. Aquela situação, na sala de aula trancada e na escuridão, com Thomaz melado de suor depois de jogar bola era ainda mais arriscada. No entanto, era assim que queríamos matar nosso desejo.
         Meu pescoço levou uma leve e gostosa mordida, que foi o suficiente para que meu pau armasse a barraca. Thomaz voltou a me beijar nos lábios e quando me soltou, abruptamente, perguntou-me, acendendo as luzes:
         - Que doidice é essa que nós estamos fazendo?
         - Foi você que começou.
Thomaz me soltou, passou as mãos no rosto e depois bagunçou os próprios cabelos e soltou uma risadinha:
         - Não sei o que tá havendo comigo.
         - Nem eu. Mas se você quiser, a gente para.
         - Eu não quero parar. – olhando nos meus olhos.
         - Então, me beija. – e Thomaz obedeceu, devolvendo um beijo intenso, com muito tesão. Ele degustava meus lábios, minha língua sem sossego, quase me entorpecendo. Era como se houvesse um imã que nos prendia ali. Para que tudo ficasse perfeito, faltava apenas uma cama. Até que senti as mãos dele pegaram meu pênis e lá ficarem, confortavelmente.
         - Você tá com tudo, hein!
         
         BAM BAM BAM
         Alguém batia desesperadamente na porta.
          - Thomaz e Júlio, o que vocês estão fazendo? Estão com quem aí dentro?! – Lígia perguntava, desconfiada.
         - Nós vamos sair. – Thomaz cochichou no meu ouvido. – Mas nós vamos para a minha casa e vamos terminar o que a gente começou.


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Comentários


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purotesao2013 Comentou em 22/10/2015

Estou adorando ler cada parte desta estoria tão interessante, não vejo a hora de ler a continuação.

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goodboy Comentou em 22/10/2015

muito bom teu conto! e bem escrito! valeu! aguardando os próximos, um abraço!

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jeovanerosa Comentou em 21/10/2015

Gosto muito da sua narrativa, sabe bem trabalha com dois cenários diferentes. Já pode escrever um livro.




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Ficha do conto

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Nome do conto:
07. Mentiras mal contadas

Codigo do conto:
72620

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
20/10/2015

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