Caminhando, sem muita pressa, pensei em tudo o que Júlio e eu fizemos até ali. Nos meus míseros dezoito anos de vida, ter transado com meu melhor amigo, e não apenas uma vez, mas duas, foi uma das maiores bizarrices que eu fizera. Cerca de um mês atrás, chupar uma pica e enfiar a minha em um cuzinho de outro garoto era algo mais que improvável. Mas além de isso ter acontecido, eu gostei. E naqueles últimos dias, eu me pegava pensando em transar não apenas com Júlio ou Lígia, mas com outros caras e com outras garotas. No nosso um ano de namoro, eu nunca sequer me imaginei com outra menina. Agora, eu me imagino com uma, duas... Com outras morenas, loiras, negras, ruivas...
Um beijo bem demorado foi o que Lígia recebeu de mim quando cheguei em casa. Ela já estava impaciente por ter me esperado tanto e me relembrou que eu havia marcado de almoçar na casa dela. Já eram quase onze horas, eu nem havia notado como o tempo passou rápido. Corri pra cozinha e pedi que Fabíola, nossa diarista, me ajudasse com o café. Meu estômago roncava de tanta fome. Lígia não queria que fizesse a refeição porque temia que não almoçasse direito. Quando se tratava de comida, não tinha dessa. Às vezes eu achava que havia um buraco negro no meu estômago.
- A última vez que te vi assim com tanta fome – dizia Lígia, quando Fabíola se distanciou – foi quando ficamos sozinhos aqui na sua casa. – com um sorriso safado e uma piscadela. Por pouco não me engasguei rindo. A fome, de fato, me atacava depois de transar.
- Pronto. Terminei. – informei a ela. – Vou trocar de roupa e podemos ir pra sua casa.
Como se uma corrente elétrica tivesse me atingido, vi Fabiola e a abracei.
- Você tá animadinho, hein. – ela comentou. – Fique de olho nele, Lígia!
- Tô vendo. E vou ficar de olho, sim.
A casa de Lígia estava mais animada que o normal. Diferente da minha família, a dela costumava se reunir ao menos duas vezes por mês e aquele almoço foi uma dessas ocasiões. Primos e tios estavam presentes, além dos pais dela. Dona Vivian, a mãe dela, era uma senhora gordinha e amável, simples e muito piadista. Ela tinha seu próprio ateliê, costurava e produzia todo tipo de roupa; como o uniforme do meu time de futebol do colégio. O pai dela, seu Estácio, era vendedor de uma concessionária e ganhava muito bem, mesmo naquela época de crise. E um dos assuntos favoritos entre meu sogro e eu era o futebol.
- Porra Thomaz, tem certeza que não quer torcer pro Flamengo? Esse teu Vasco tá ruim pra caramba...
Segundo minha namorada, a maior prova de que eu e seu Estácio havíamos nos dado bem foi essa liberdade que ele teve em zoar com meu time de futebol. Mas ele não era o único. Os primos de Lígia também me sacaneavam bastante e eu não deixava por menos, procurando logo um motivo pra zoar com eles. E uma das primas dela que encontrei por lá foi Luma, que logo perguntou por Júlio.
- Dormi na casa dele ontem. – respondi, servindo-me de sobremesa. O creme de maracujá estava com uma cara boa... – Ele está tudo bem.
- Que bom. Faz tempo que não falo com ele. – ela disse, tentando prolongar o assunto. Mas mina boca estava ocupada, saboreando o doce. – Você sabe me dizer se ele está ficando com alguém?
Engoli o doce e fiquei pensando se eu responderia ou não a verdade: que Júlio estava ficando com Roberta. Mas a melhor coisa a fazer era dar essa missão ao meu amigo.
- Depois eu te passo o número do celular dele e vocês conversam melhor. – e me retirei. Se eu desse bola pra ela, iria me comprometer.
Sentei-me ao lado de Lígia e beijei nos lábios. Um beijo com sabor de creme de maracujá. Minha namorada me contava que iria passar as festas de fim de ano com a família dela em uma cidade do Nordeste e perguntou se eu queria ir, mas eu não podia: meus primos Diozinio e Estar chegariam no domingo justamente para passar as festas conosco e eu estava ansioso para revê-los. Porém, duas visões à minha frente quase me fizeram derramar o creme. Um casal, uma moça baixa e morena, de cabelos longos e encaracolados, de lábios carnudos e sensuais vinha acompanhada de um rapaz, também, moreno, de cabelos cacheados, corpinho sarado e parecia estar rindo de alguma piada que a garota contara. Os dois poderiam ser irmãos, pois tinham algumas semelhanças fisicamente.
- Quem são aqueles dois ali, gata? – perguntei à Lígia, que conversava com uma amiga. Ela os olhou de esguelha e respondeu:
- São os sobrinhos da nossa diarista.
- Sobrinhos da Neia?
- Sim. Ah, você só conhece as duas filhas dela, não é?
Neia, a diarista da família de Lígia, tinha duas filhas pequenas, uma de seis e outra de três anos, duas lindas garotinhas. Mas eu não conhecia aquele casal de sobrinhos dela; ambos muito atraentes. Difícil foi definir por quem eu senti uma tara maior: pelo rapaz ou pela garota? Pelos dois. Tive uma vontade aturada de provar um beijo deles. Guardei a louça do creme e, disfarçadamente, os segui. Os dois estavam de costas, então analisei uma das partes do corpo que mais me atraiam numa menina: a bunda. E ambos foram agraciados com dois empinados traseiros. Imaginei-me pegando nos dois. Imaginei-me pegando nos seios volumosos dela e no corpo aparentemente másculo dele.
- A titia está nos chamando?
Voltei à realidade com a pergunta da menina de cabelos encaracolados. A minha presença já fora notada.
- Não, não. Eu só estava dando uma volta.
- Ah tá.
Ela sorriu e voltou a conversar com o rapaz. Para não dar mais mancada alguma, saí de perto deles e voltei para a companhia de Lígia. E antes de meu pai me buscar, quase duas horas depois, ficamos na frente da casa dela, namorando. Tensa, ela respirou fundo e perguntou:
- Gato, está tudo bem com você?
- Está sim.
- Tô te achando meio distraído ultimamente.
- Não é nada, gata. – e a beijei no rosto.
- Tem certeza? Tenho te achado distante... Mas acho que é coisa da minha cabeça. Não é? – perguntou, esperando ouvir um “sim”.
- Sim...
- Thomaz... Me fala a verdade... – Lígia ficou reta e apreensiva. – Você já me traiu alguma vez?
Um dia essa pergunta viria à tona.
- Não. Nunca.
- Nunca ficou com nenhuma outra garota?
- Não. Nunca.
- Que alívio. – ela sorriu e me abraçou.
- Mas... E se isso acontecesse? O que você faria?
- Se você me traísse? Eu te matava.
Era o tipo de resposta que eu esperava ouvir. Lígia me abraçou e me beijou, jogando beijos para o meu pai, que estava no carro. Ele disse que iria me deixar em casa e depois iria se encontrar com o sócio do escritório de advocacia. Lembrei-me, então, do que Júlio havia me alertado: “Tudo isso que você tá falando é muito bonito, Thomaz. Agora... E seus pais? Como eles reagiriam? Sim, porque, te conhecendo como eu conheço, você não iria aguentar ficar preso no armário, não é?”. Tive vontade de perguntar ao meu pai se ele tinha algum preconceito contra os homossexuais, porém aquele ainda não era o momento.
À noite, quando ele e minha mãe estavam em casa, jantando e falando, cada um sobre seu dia estressante de trabalho; ele do escritório e ela da loja de roupas, juntei-me a eles com o proposto de fazer essa tal pergunta. Mesmo conhecendo-os, eu gostaria de saber claramente qual a opinião dos dois. Eu conversava com meu primo Gésio pelo WhatsApp, o mesmo que tocou violão para a gente no meu aniversário, enquanto os dois tagarelavam. Meu primo não via a hora, assim como eu, da chegada de nossos primos Dionizio e Ester. Nós costumávamos brincar juntos na infância, até eles deixarem Luz dos Olhos para morar no Rio de Janeiro.
Até que surgiu uma oportunidade e fui claro e objetivo.
- Eu quero fazer uma pergunta a vocês, só por curiosidade.
- Faça, ué. – disse mamãe.
- Só por curiosidade... – enfatizei a frase – o que vocês fariam... se eu fosse gay?
O garfo que minha mãe levava à boca ficou parado no meio do caminho e a boca dela aberta. Meu pai se levantou para levar a louça à pia e também ficou paralisado como uma estátua. Ele pôs o prato na pia e sentou de novo. Respirou fundo e perguntou:
- Por acaso, você é gay?
- Han? Não, não. – apressei-me em dizer e eles respiraram tranquilizados. – É que e soube que um colega meu contou aos pais dele que era bi e eles não reagiram muito bem. – bolei essa mentira esfarrapada na hora, e eles acreditaram. – Eles não reagiram nada bem. – frisei. – E vocês? Como reagiriam se soubessem que eu... Sou...?
- Filho, eu preferia que você não fosse. – admitiu meu pai.
- Mas ele não é gay, Jair. Ele namora a Lígia. – lembrou mamãe.
- Mas a pergunta teve um “se”. E eu não ficaria muito contente com isso, não.
- Por que? – inquiri.
- Ah Thomaz, eu nem conheço muitos gays, nem na nossa família tem, até onde eu saiba. E eles sofrem tanta discriminação, muitos morrem por causa disso. E eu também, pra ser sincero, não sei se iria saber lidar com isso. – explicou, com uma aparência cansada. Mamãe, por outro lado, me surpreendeu.
- Eu acho que não ia me importar, não. – opinou mamãe.
- Não, Neuza? – meu pai, cruzando os braços.
- Não. Tenho tantos clientes e funcionários gays, e eles são tão legais e felizes, os que são assumidos, principalmente. Tenho um funcionário lá da loja que é gay, mas os pais não sabem, e ele sofre demais com isso. Eu já o aconselhei a revelar. Ele só gosta de garotos! Não é nenhum criminoso; e é discreto, não é afeminado, e isso facilita muito.
- Não acredito que você pensa dessa forma, mãe. – eu disse, contente.
- Não tô dizendo que quero que você seja gay, Thomaz. – repreendeu-me. - Também não sei se saberia lidar com isso, no início. Mas com o tempo... Acho que a gente se acostuma.
- Eu não me acostumaria de jeito nenhum. – meu pai foi incisivo. Ele se levantou e foi lavar a louça. A opinião mente aberta de mamãe não o agradou nada.
- Porque você é um careta, Jair.
- Não sou careta. O nosso filho iria sofrer, você não pensa nisso?
- Filho nenhum sofre se os pais o apoiam. – mamãe disse, com serenidade. – Não acho muito bonito um homem sair por aí vestida de mulher, mas trocar uns beijos não faz mal a ninguém, nem a ele e menos ainda aos outros.
- A senhora beijaria uma mulher, mãe? – perguntei, muitíssimo curioso.
- Acho que se tivesse bem bêbada. – ela respondeu, rindo. – Mas um beijo não faria mal... Seria uma experiência...
- Você tá é doida, Neuza. – meu pai balançou a cabeça negativamente.
- Filho, - mamãe pegou na minha mão – seu pai é careta, o pai dele, seu avô, também era. E diga à mãe do seu colega que ela é careta e antiquada, também.
- Thomaz, você perguntou qual a minha reação se eu soubesse que você é gay, não é? Pois bem: gay para mim só na televisão, cinema, peça de teatro, livro. Lá é mais bonito. E nem é tão bonito assim. Se o filho do vizinho quiser ser gay, correr risco de sofrer preconceitos e arriscar a própria vida com doenças ou morrer espancado, tudo bem. Mas meu filho, não! – ele concluiu, sério.
- Que absurdo, Jair.
- Absurdo nada. Se eu souber, Thomaz, que você tá que nem esse seu colega, beijando outros meninos... – ele riu com desgosto, desligou a torneira que havia acabado de ligar e continuou: - Eu nunca levantei à mão pra você, você sabe. Mas se você me contar que é gay, eu juro que não vai mais sobrar um dente nesse seu sorriso bonito.
Mamãe o aplaudiu ironicamente.
- Faça isso, faça, e eu me separo de você. – ameaçou.
- Você tá é doida! – e ele gritou.
- Tô mesmo! E a doida aqui não dorme com outro doido. Você vai dormir no sofá, Jair! – mamãe estava furiosa e se levantou da mesa. - E lave meu prato também!
- Não era pra vocês brigarem. Eu só fiz uma pergunta! – tentei amenizar.
- E muito boa, por sinal. Porque eu não conhecia esse lado violento e machista do seu pai.
- Não sou machista. Só não quero uma coisa dessas para o Thomaz.
Ela olhou meu pai com nojo e saiu da cozinha. Papai tentou ir atrás dela, mas ouvi um grito “Pegue seu cobertor e vá para o sofá!”.
Eu realmente não tinha muitos diálogos com meus pais; eles passavam mais tempo trabalhando do que comigo. E só essa pergunta já foi o suficiente para conhecê-los melhor. Se mamãe soubesse o que eu andava fazendo e sentido, talvez ficasse do meu lado. Mas se meu pai soubesse eu estava completamente fodido. E no pior sentido.
Bom demais! Acompanhando sempre! Parabéns, fera!
muito bom... :)
valeu pelo conto! como sempre, muito bom!
Estou gostando desse lado safado do Thomaz, espero que ele viva toda sexualidade dele ao maximo