“Oi querido. Parabéns pelo seu aniversário. Quando você estiver livre, me avise. Preciso conversar algo muito sério com você”.
Não havia dúvidas de Mario e ele conversaram sobre mim. Mas o que eu achei estranho foi que Horácio parecia bem amigável e não assustado ou ameaçador como o ex dele. E logo depois, meu celular tocou. Era Mario. Eu nem lembrava que eu tinha o número dele na minha agenda. Júlio o adicionou para mantar contato com ele e com a mãe, quando fosse necessário.
- Garoto, eu preciso conversar seriamente com você.
- E por quê? – me fiz de desentendido.
- Você sabe muito bem o porquê. Você tem que me assegurar que ninguém vai ficar sabendo...
- De nada. Eu já falei. Ninguém vai ficar sabendo de nada. Agora vou desligar. Tchau. – e desliguei muito antes que ele pudesse dizer alguma coisa.
Fiquei feliz, pois aquele fora o ano que mais recebi ligações de amigos e parentes me parabenizando. À noite, a casa estava bem animada e meus pais e eu prontos para esperar os poucos convidados que iriam à nossa casa para comemorar meus dezessete anos. Por recomendação de mamãe, comi uma pratada de lasanha antes da chegada deles, pois eu, como aniversariante, seria o que teria menos chance de comer o que quer que fosse quando começasse a festa.
Quando acabei de comer a lasanha, vi Júlio passar pela porta aberta, vindo até mim. Meu amigo estava bonito e perfumado, com seus cabelos loiros bem penteados. Além do abraço, o que eu queria era beijá-lo ali mesmo. Por isso o chamei até meu quarto. Fechei a porta, deixei o presente na cama, abraçamo-nos de novo e o elogiei:
- Você tá gatinho, hein.
- Obrigado. Você também está. – Júlio afagava meu rosto. – Espero que você goste do seu presente de aniversário.
- Eu quero outro presente de aniversário. – falei, com um sorriso de galanteador e o beijei a boca. Um beijo que tinha cuidado para não chegar ao fim, que me sugava os lábios, a força e o desejo. Ele estava cheiroso, com o rosto ainda mais macio, e isso aumentou meu prazer. Beijei-o no pescoço e depois no rosto. Por último, um celinho. – Já te falei que você beija bem pra caramba?
- Acho que sim. – ele me olhava encantado. Alguém bateu a porta naquele instante e nos soltamos na hora, assustados. Era Lígia, que vinha acompanhada de Luma. Recebi mais presente e beijos das duas. Depois de me soltar, minha namorada comentou, com estranhamento:
- Engraçado, você e Júlio estão com o mesmo perfume.
- Verdade. – concordou Luma. Logo tentei uma desculpa:
- O Júlio que adora usar o meu perfume quando vem aqui em casa.
Dando pouca bola para a minha desculpa, Lígia me puxou para fora do quarto e fui receber os outros convidados. Nem tive tempo de comentar com Júlio sobre o que aconteceu no shopping, mas oportunidade não iria faltar. Aos poucos, meus primos e amigos foram chegando, entre eles, Roberta, a garota que Júlio ficou interessado. De fato, ela era a negra mais sensual que eu conhecia, porém a menina que realmente queria ficar com ele era Luma. E ele não. Era muito contraditório.
Enquanto meus amigos, primos e eu comíamos e falávamos bobagens pelos vários cantos da casa, meus pais e tios conversavam sobre os variados assuntos que mais estavam em voga naquele período: crise econômica, festas de fim de ano, as tramoias da presidente Dilma e, claro, beijo gay. Preparei minhas orelhas para ouvir o que eles diziam:
- Oh Jair, não seja tão preconceituoso! – repreendeu minha mãe ao meu pai.
- Não é questão de ser preconceituoso, Neuza... É que... – meu pai tentou argumentar, mas ficou sem palavras.
- No fundo, acho que todo mundo é preconceituoso, mas nem todos percebem ou tem coragem de assumir. – argumentou meu tio Antônio.
- Faz sentido. – concordou minha tia, Soraia, mulher dele.
- Eu não sou preconceituosa a nada. – defendeu-se minha mãe.
- Ah, não é. Mas me diga, Neuza: e se você soubesse que o Thomaz é gay? Ou se ele namorasse uma moça muito mais velha que ele? E pobre? Han? – perguntou tia Soraia e minha mãe ficou sem ter o que dizer. E eu nem soube mais o que ela falou, pois fui interrompido por Luma.
- E então? Será que é hoje que beijo o seu amigo Júlio? – perguntou, interesseira e assanhada.
- Eu não sei...
- Você acha que eu não me garanto?
- Acho que sim, mas você vai ter ficar no pé dele. Júlio é muito tímido. – menti. Na verdade, eu já havia até desistido de fazer os dois ficarem. Júlio não queria, e forçar seria muita sacanagem com meu amigo.
Quase uma hora depois, meus tios e alguns primos foram embora e ficaram apenas os mais próximos. Minha mãe e meu disseram, pela primeira vez, para que eu não me preocupasse com a louça, pois eles lavariam pra mim e assim que a fizessem iriam dormir: estavam esgotados.
Meu primo Gésio, um rapaz moreno, meio careca, de rosto redondo e de sorriso largo, com um corpo nem tão magro e nem tão gordo, me abraçou e disse no meu ouvido:
- Primo, vamos chamar os seus amigos que ficaram lá pra baixo, na pracinha do conjunto. Tenho uma surpresa pra você.
Na companhia de Júlio, Lígia, Roberta, Luma, Gésio, Ingrid, minha prima magricela e muito tímida, branca como um algodão e cabelos tão longos que acho que nunca foi apresentada a uma tesoura; Rômulo, um amigo de classe, negão e gorducho, um dos caras mais desastrados e malucos que eu tive o prazer de conhecer; e Armando, o Dino, o rapaz galã da nossa turma, que todas as meninas suspiravam quando ele passava por perto, devido ao seu corpo esbelto, seus cabelos longos e esvoaçantes, seu sorriso maroto e a pela bronzeada; desci até a pracinha do conjunto.
Gésio saiu correndo na nossa frente e voltou com duas sacolas pretas em mãos: em uma havia três diferentes tipos de vodca, com copos de plástico e na outra um violão. Sempre que havia oportunidade, ele tocava violão pra gente. Estava claro qual era a intenção dele: beber e pegar um porre. Teríamos tempo pra isso, ainda era meia-noite. Fizemos um círculo no chão da maloca do conjunto e Gésio distribuiu um copo de vodca para cada um. Rômulo foi o primeiro a se servir e encheu o copo. A única que não aceitou foi Ingrid, que não havia aberto a boca até então. Ela não sabia o que estava perdendo. Mesmo pura, a vodca era saborosa.
Com o violão apoiado no corpo, Gésio dedilhou algumas e notas e foi saindo uma canção pop, de ritmo tranquilo e contagiante. Com uma voz grave e afinada, ele começou a cantar:
“Ah, quase ninguém vê/ Quanto mais o tempo passa/ Mais aumenta a graça em te viver”.
Nessa trilha sonora romântica, Lígia me puxou e me arrancou um gostoso beijo. E longo, por sinal. Eu tive que largá-la para poder respirar melhor. Foi a primeira vez que notei algo estranho no beijo dela: eu não me senti tão excitado como normalmente eu sentia.
- Oh in veja desses dois! – suspirava Rômulo.
E assim que Gésio terminou a canção (“Eu amei te ver/ eu amei te ver/ eu amei te ver”), Luma gritou:
- Hey, que tal se a gente brincasse de verdade ou desafio?!
Todos aceitaram, exceto Ingrid que foi obrigada por Gésio a participar da brincadeira. Lígia se levantou e foi até o porteiro para pegar uma caneta, a qual definiria a verdade e o desafio do jogo. Ela voltou e entregou a caneta ao Gésio e se sentou ao meu lado, do meu outro oposto estava Júlio, seguido por Roberta, Luma, Gésio, Dino, Rômulo e Ingrid.
- Lá vamos nós! – anunciou Gésio, que pôs o seu violão de lado e explicou: - o bico da caneta apontará o desafiador e a outro lado, o desafiado. – e a girou. Depois de uma giratória demorada, o objeto declarou que Gésio desafiaria Ingrid. Nossa prima fez uma careta, pois ela já sabia o que viria por ali. – Verdade ou desafio?
Ingrid pensou por um minuto quase inteiro e disse, com um ar cansativo: “Desafio”.
- Ótimo. – disse Gésio, enchendo um copo de vodca e entregando a ela. – Beba. Se você não beber, minha prima, você ficará fora da brincadeira.
- Beleza. – ela deu de ombros, pegou o copo e virou. Virou. Bebeu como se fosse água e não fez careta, que foi algo que me surpreendeu.
Ingrid foi a próxima a girar a caneta, que determinou Dino desafiando Luma. Meu amigo sorriu como um tremendo safado. Eu sabia que não vinha nada que prestasse dali. E o pior se concretizou quando ela respondeu um “desafio”.
- Beleza, beleza! – Dino, empolgado. – Vou matar meu desejo: quero um beijo gay de um minuto entre você e Roberta.
- O negócio tá ficando bom! – empolgava-se Rômulo, bebendo mais vodca.
- Vocês são uns tarados, isso sim! – julgou Lígia, reprovando-os.
- É sério isso? – Roberta perguntou com uma careta de nojo.
- Seríssimo. – respondeu Dino, esfregando as duas mãos juntas.
- Essa é fácil. – disse Luma, que, sem cerimônias, trouxe Roberta para perto de si e a beijou. Roberta hesitou no início, mas depois a beijou também. Todos nós soltamos gritos e assobios pela cena quase lésbica que presenciávamos. O mais legal de tudo era que elas beijavam com língua e com vontade.
- Vocês são duas safadas! – gritou Dino, que não tirava os olhos delas. Nenhum de nós piscava. Não queríamos perder um segundo da cena. Era encantador vê-las aos beijos. E quando se largaram foram ovacionadas por nós.
- Você é outro safado! – disse Luma, com um sorriso cínico. Ela girou a caneta, que determinou Roberta desafiando Gésio. Ele pediu um desafio e teve que dançar o funk “Beijinho no ombro”, da Valesca Popozuda, ao som do celular de Lígia. Foi uma cena demasiadamente bizarra, quase não parávamos de rir. A caneta, logo em seguida, apontou para mim sendo desafiado por Ingrid. Ela me olhou com seriedade e disse, decisiva:
- Quero um beijo seu, de um minuto, com Júlio.
O meu olhar com o dele se cruzaram concomitantemente. Eu tinha que fingir surpresa e nojo, embora eu não achasse nem um pouco ruim. E não entendi de onde ela tirou essa ideia.
- Opa! Hoje a viadagem rola solta! – brincou Dino.
- Agora o negócio não tá mais ficando tão bom. – Rômulo fez uma careta e bebeu mais vodca.
- Vocês dois não precisam fazer isso. – defendeu-nos Roberta.
- É, amor... – tentou Lígia.
- Eles vão se beijar, sim. – insistiu Ingrid, com ar de mandona.
- Não tem problema algum. – eu falei. Não era a primeira vez que brincávamos de verdade ou desafio e se não fizéssemos ou respondêssemos o que eles pediam, ficariam no nosso pé muito tempo.
Arrastei-me para perto de Júlio, dei uma risadinha e ele devolveu um sorriso acanhado.
– Nós somos amigos íntimos, não tem problema. – e o beijei. Primeiramente nossos lábios só se tocaram, em seguida, nossas línguas se entrosaram sem hesitação. Com exceção de Lígia, todos gritavam animados.
- Isso é que se chama amizade! – gritou Gésio. Fiquei mais perto dele e intensifiquei o beijo. Meu pênis se moveu rapidamente, principalmente porque senti as mãos dele tocarem meu rosto e nosso beijo se alongou, e nossas línguas se encontraram várias vezes.
- Cara, se eu não os conhecesse eu diria que vocês já haviam se beijado antes. – comentou Gésio, admirado. Nós nos largamos, e demos ás mãos, com um sorriso estampado no rosto. Naquele momento, o celular de Luma tocou. Era o pai dela que estava em frente ao conjunto. Roberta e Lígia iriam aproveitar a carona. Elas abraçaram um por um, na despedida, mas, para a surpresa de (quase) todos, ela, finalmente, beijou Júlio. Eu pensei por um momento que ele não fosse retribuir, mas me enganei. Não foi tão longo quanto os outros, mas foi um beijo de verdade. Ela sussurrou algo no ouvido dele e se juntou às meninas.
Gésio, enquanto esperava um táxi passar, perguntou a mim e ao Júlio:
- Que beijo foi aquele?
- Ah foi só um beijo de amigos – disse Júlio.
- E se a gente não se beijasse vocês iam ficar nos enchendo o saco por meses. – lembrei.
- Isso é verdade. – disse Rômulo, guardando as vodcas na sacola. – E nem sei porque Ingrid pediu o beijo...
- Mesmo assim... – continuou Dino, desconfiado. – Vocês ficaram mais à vontade que a Luma e a Roberta.
- Gésio, vocês devem ser muito homens, isso sim! Seguros na masculinidade de vocês. Ou não teriam feito o que fizeram.
O táxi apareceu e nós nos calamos. Os três entraram no táxi e eu devolvi a caneta ao porteiro. Ingrid pegou um outro táxi, pois o caminho dela não era o mesmo que os outros.
- Só ficamos nós dois. – falei ao Júlio. Nós subimos e encontramos a casa deserta, arrumada e silenciosa. Meus pais já foram dormir e só acordariam de manhã. – Você vai dormir aqui hoje. – afirmei, entrando no quarto com ele e trancando a porta. – Aliás, tenho uma coisa pra te contar. Quase eu esqueço.
- E eu tenho o seu presente de aniversário aqui comigo. – Júlio disse.
- Mas você já me deu.
- Não. É outro. – e ele tirou algo do bolso. Era uma camisinha. Deu-me um gostoso beijo nos lábios e perguntou: - Tá a fim de usar em mim?
Com um sorriso escancarado no rosto, respondi, pegando o preservativo ainda empacotado:
- Te prepara, pois hoje a noite vai ser longa!