Tudo o que eu queria era ter uma vida tranquila sem muitas emoções, mas nada do que eu procurava ou tentava fugir eu conseguia êxito. Via meus colegas festejando com suas vitorias e escolhas para um futuro, seus sonhos...
O telefonema era do meu irmão Gabriel, estava viajando pela primeira vez sozinho, era seu sonho, estava ligando para avisar que estaria chegando na quarta no final da tarde, iria ficar comigo o restante da semana... o restante da semana seria o resto da quarta, a quinta, a sexta, o sábado e o domingo quase todo... Isso seria ótimo se não fosse um detalhe, meu irmão é muito esperto, e meio metido, e mais nessa fase em que ele se acha o todo entendido e independente, não sabem o quanto a vida pode ser tão louca. Bem, mas eu não podia fazer nada, de certa forma eu o amava, ele no quarto dele e eu no meu, o problema é que no meu AP, só tem um quarto e o Rafa já está nele. O Rafael, isso seria um problema, então a primeira coisa que eu fiz quando voltei foi conversar com ele, mas ele disse que não tinha problema fica dormindo na sala, mesmo assim, o Gabriel iria ficar no mesmo AP com outro jovem mais velho que ele, mais experiente, drogado, tarado por jovens ingênuos e bonitos com uma bunda bem apetitosa, sim, esse era o grande atrativo do Gabriel, tinha uma bunda que até eu já tinha notado nesses últimos meses de novas perspectivas. Não... “Rafa você não poderia ficar em outro lugar?” – pergunta que eu já tinha deixado de lado para não quebrar o meu próprio juramento de que iria ajudá-lo. Então o Rafael ficaria na sala, e pronto, eu e ele inventamos uma história de que ele era um novato na minha faculdade e acabei que me oferecendo para ajudá-lo por alguns dias até ele encontrar um lugar para ficar... bem se a ideia iria funcionar, não sabíamos, assim que nos propomos, até com a Natalia eu conversei – por telefone – e a pus a par do plano.
Bem, mas isso seria somente na quarta, antes tinha a questão de ir ao AP do Miguel na terça, pra isso avisei o Rafael que eu iria passar o dia fora e que ele se virasse, ele até me surpreendeu dizendo que também estaria fora, iria procurar um emprego com um amigo dele, o que me deixou bem contente e até o abracei e desejei boa sorte, assim fui para a faculdade na manhã de terça sem que eu pudesse afirmar se eu estaria realmente sabendo o que iria fazer na casa de um homem bem mais velho que eu, ele aparentando ter quase quarenta – mas não vamos adiantar a história.
...
Estava com a Natália, no banco do pátio da faculdade, no horário do intervalo, contei pra ela o que eu iria fazer depois das aulas, ou melhor, para onde eu iria, e ela me olhou com uma cara de quem não entendeu nada, e eu a olhei e disse:
- Nem eu...
- Mas então Anjo, por que afinal de contas você vai fazer no AP dele assim, no meio da semana, só assisti um DVD?
- Esse é o plano...
- Tá, você realmente acredita nessa história... como você disse ele é casado, tem filho, e no momento ainda está morando só, e você vai assim, só assisti filme e pronto?
- É estranho, não é? Mas sabe eu estava pensando, isso não é a primeira vez que me acontece, eu já fiz isso muito na minha cidade, de ir na casa de amigos só ver filmes, é a coisa mais natural do mundo, é só não ir com malicia.
- O que me estranha não é você ir ver o filme, é ele persistir que você assista com ele logo, pois se a questão é o cinema, por que não esperar para o sábado...
- É quando a esposa dele chega de mudança com o filhinho dele, e ele quer fazer um programa só com um amigo, sem se preocupar com a esposa e filho, se não for isso, o que seria?
- Sei lá, você falando assim parece até que tem razão, mas ainda acho que ele quer alguma coisa com você além da sua amizade...
- Já pensei nisso, mas ele só fala nas garotas com quem ele saia, e não notei nenhuma indireta na conversa dele, acredito que ele possa estar se sentindo só, e realmente queira uma companhia numa tarde para desabafar e coisa e tal, e encontrou em mim o amigo que tanto procuras.
- Olha Anjo, se eu não te conhecesse iria dizer que você é um puto de um mentiroso, mas vejo que você realmente crer no que está falando.
- Valeu, amiga, você sabe que depois que o Daniel morreu, você é a única que eu ainda confio, lhe adotei como uma irmã que nunca tive.
- Obrigada anjo, fico até comovida... Mas vem cá, e o Rafael como está?
- Aparentemente bem, mas sabe ainda não sei e fiz a coisa certa...
- Por quê?
- Sei lá, eu sei que ele fez intrigas sobre mim com o Daniel o que pode ter provocado tudo o que aconteceu, mas também sei que não posso culpá-lo por algo que foi de inteira responsabilidade do Dan, se fosse assim, eu também seria culpado, mas sei que também o fato dele esta envolvido com drogas não é algo bom, e eu posso pagar por um preço alto...
- Mas então Anjo, por que ainda o acolhe, e mais agora com a chegada do teu Irmão...
- É, quando chegar hoje, vou ter uma conversa bem seria com ele, pra ele se comportar direitinho com meu irmão, afinal não quero que meu irmão volte ao interior sabendo de coisas sobre mim que eu quero ainda que fiquem bem no armário... ou pior, que ele volte igual a mim..
- Nossa, como você viaja meu amigo...
Nossa conversa não durou mais pois o sinal tocou, e voltamos a aula, e lá estava o Miguel em pé ao lado do quadro branco, me olhando sorridente...
Depois da aula ele disse para eu esperar no portão da saída.
...
Durante o percurso até seu apartamento, ele apenas comentava que estava feliz em eu aceitar o convite para aquela tarde fora da rotina, eu disse que eu também estava curtindo, pois fazia dias que eu não tirava uma folga assim a tarde, e que ele estava me fazendo um grande favor, o que não era mentira, eu realmente estava gostando dessa ideia de ver um bom filme, mas sabe até chegar no seu apartamento não tinha me ocorrido um detalhe, o filme, não tínhamos falado em filme, mas tudo bem. Chegamos a um condomínio pequeno, prédio de três andares, sem muro fechado, deveria ser como o meu, aluguel bem acessível e de estrutura pequeno.
...
Ele abriu a porta, e entrei logo depois dele, sua altura era mediana como a minha, o diferencial do seu corpo para o meu estava apenas no peso, como eu era mais novo, e não comia tanto, tinha meu peso em torno de 65 quilos, e ele deveria ter uns 10 a mais, o que o deixava com um porte de ótima aparência. Era um homem feito. Como eu era um jovem nada atencioso para observar os ambientes, não liguei em olhar a sala do apartamento dele, apenas entrei e fiquei esperando-o me convidar para sentar, ele me pediu para esperar no sofá enquanto ia na cozinha preparar a mesa e dar um trato na quentinha que tínhamos comprado no caminho.
Foi interessante comer com ele, eu estava achando aquilo tudo muito estranho. Agora eu sabia como se sentiu o Rafa a primeira no meu apartamento. Estava na mesa comendo com ele, ele conversava assuntos banais, e fazia mais perguntas sobre mim do que o Jó Soares faria a seus entrevistados, se é que essa é uma comparação justa... Bem, então resolvi participar do jogo dele, e ver onde tudo isso iria dar.
- Então Miguel, você vai morar aqui com sua esposa?
- Sim, este apartamento é bom, tem dois quartos e dois banheiros, ideal pra gente, o Joel gosta de sua privacidade, você sabe como são os adolescentes, cada vez mais gostam de se sentirem independente.
- Sei, mas então e você e suas alunas?
- Ando seguindo seu conselho...
- Sério, seguindo o conselho de alguém tão jovem e nada experiente, tem certeza que ta fazendo a coisa certa?
- Não seja modesto, você é um dos meus alunos mais aplicados, e idade não quer dizer nada quando se trata de alguém sintonizado com a vida, você já mostrou que é uma pessoa sensata e com o pé no chão, mora só, longe da família, trabalha tomando conta de turmas do ensino médio, o que não é nada fácil, acredito saberia me dar um conselho apropriado a minha situação, digamos nada ortodoxa.
- Nossa, você falando assim, me faz sentir um seminarista...
- Ainda bem que não é... - ele iria dizer algo, mas não disse, isso me deixou curioso, mas ele logo mudou de assunto.
Enquanto ele comia, ficou aquela afirmação solta no ar. Até ali, e até chegarmos a sala para ver o filme, tudo parecia normal para um programa entre dois amigos, mesmo com as idades tão diferentes, não notei nenhuma malicia da parte dele, e provavelmente eu estava me antecipando em achar que poderíamos ter alguma coisa além de uma ótima relação amigável entre aluno e professor.
Então chegando a sala me lembrei novamente de que ainda não sabia qual seria o filme.
- Sim Miguel, tem um detalhe que você ainda não me disse...
Ele me olhou meio em dúvida e...
- E o que é?
Não sei se eu vi coisas, mas tive a rápida impressão de que ele ficara nervoso com minha observação, mas então quebrei o suspense e falei.
- O filme, você não me disse o nome do filme.
- Verdade? Sério que você não sabe?
Fiz um leve sinal com o rosto afirmando, ele então ficou meio preocupado, e foi pegar o DVD, sem dizer o nome, e então me mostrou, e eu li aquele nome, e senti um alívio, pois pensei que poderia ser algum desses filmes que os professores adoram passar pros alunos.
- O Talentoso Ripley!?
- O que foi, não gostou?
- Não, pelo contrario, não sei como você teve essa ideia de ver logo esse filme.
- Como assim, você já viu esse DVD?
- Não, bem por que esse filme deve ter sido lançado em DVD a poucos meses. É que eu sempre quis ver e nunca tive a oportunidade, como ainda não tenho aparelho de dvdplayer, e na minha cidade não apareceu em VHS ainda, então estou desde 99 a espera para conferir um dos filmes mais polêmicos com o Jude Law e o Mett Damon... – é preciso só lembrar aos nossos leitores mais novinhos que em muitas regiões desse país, o DVD demorou a se tornar popular, e que os primeiros aparelhos custavam caro, então muitas locadoras do interior não locavam DVDs, por não ter clientela, só para constar e não parecer confuso.
- Nossa então acertei. Legal, assim nós dois vamos inaugurar o DVD, pois a menina falou que ele tinha chegado no dia anterior e eu era o primeiro a pegá-lo. Bem, sei pouco sobre ele, então não me conte nada.
- Nem que eu soubesse, apenas li que este filme era polemico por falar de um jovem ambicioso e que fará de tudo para conseguir o quer.
Bem, depois de meia hora de filme, eu já tinha entendido que o personagem do Damon não era nada ético, ele também não seria o herói. E depois de outra metade de hora, eu notei o Miguel meio incomodado com a história do filme, ele ficava só comentando que não esperava que o filme fosse tratar de um homossexualismo e que o tal do Ripley não fosse capaz de tal imoralidade para conseguir seus anseios. Mas o filme continuou mostrando o quanto o home é capaz para conseguir o que deseja com muita vontade, e olha, eu simplesmente adorei o filme, foi uma tarde incrível ver a atuação reveladora do Damon, eu já gostava dele desde o “Gênio Indomável” (1997) mas acho que ele se superou nesse filme, e só ver o Miguel se mexer o filme todo, foi bem gostoso, então no final do filme, eu falei.
- Nossa Miguel, muito obrigado por essa tarde maravilhosa, nem sei como agradecer.
- Sério Caladriel, você realmente gostou?
- Claro, você não gostou do filme?
- Gostei achei o filme muito bem dirigido, tratando de um tema tão delicado, como esse, e mostrar um vilão como o Damon, bonito, jovem ser tão calculista e cruel, é de arrepiar. Isso só mostra como eu tenho razão ao dizer que você é um jovem TALENTOSO – ele acentuou bem o talentoso.
- Nossa Miguel, que bom que você gostou, pois eu vou comprar esse DVD pra mim assim que eu tiver um pouco mais livre.
- Sério, olha, vejo que você realmente está bem feliz...
- Cara, você ainda não me conhece, quando assisto algo tão bom assim, eu fico eufórico...
- Então é seu...
- O DVD?
- Sim, eu não coleciono como você... Na verdade já comprei pensando em te dar. – fiquei cismado com aquele presente, claro, não é todo dia que alguém me dava um presente caro como aquele.
- Não posso aceitar...
- Pode sim, afinal é só um DVD para mim, e para você uma lembrança que eu sei que tem muito valor. – e segundas intensões, foi o que eu queria dizer para ele.
Mas eu fiquei tão feliz...
- Obrigado, aceito sim, e já viu como estou feliz que sou capaz até de ti dar um beijo – nesse momento eu pulo e dou um beijo no seu lado direito da face.
Ele ficou parado, estático. Então reagiu logo.
- Nossa, o que foi?
- Olha pode relaxar não foi nada apenas um beijo de agradecimento. Não vai ficar grilado né?
- Não, é que foi de surpresa, foi praticamente um beijo roubado e isso me deixa fora de tempo, prefiro que seja avisado antes.
- Como o que?
- Como assim...
Então ele segurou minha cabeça e me tacou um beijo na boca, não tive como fugir, retribui, e ainda com os olhos abertos e sentindo-o, e me abraçando forte, sentindo aquele homem feito, não saberia dizer o calor que me subiu pelo corpo, ele me segurava com tamanha segurança que eu simplesmente esqueci que ele era casado e pai, que era meu professor, e que tinha uns quinze anos mais velho... Abro os olhos e ele ainda me tira a respiração... olho em volta e me deparo com uma foto na estante, estava ali todo o tempo e eu não tinha visto, foi ai que eu me dei conta de que estava tudo errado, ele estava mentindo, me usando ou o que mais ele não disse? Me senti engando e usado. Então parei, o larguei e não pude falar nada além de uma simples frase.
- Preciso ir.
“Nossos sonhos sempre estão a nossa frente nos guiando com sua luz como um gentil farol que constantemente se apaga mas logo em seguida brilha, contudo diferente do farol que só tem as tempestades para ele enfrentar, nossos sonhos tem mil fatores para nos fazer desistir. As vezes eu choro calado sem saber qual é o meu sonho, como seguir minha vida sem o meu farol.”