Angustiado, abriu seu notebook e como autômato, para quebrar sua rotina, matar o tempo ou por pura curiosidade, se aventurou num site de relacionamento.
Uma sala de bate papo.
Depois de visitar várias salas se mantendo anônimo, só observando e acompanhando as conversas, Fernando optou por entrar numa sala especifica na faixa de idade de 30/40 anos.
Não demorou e logo conheceu Sophia, uma secretária executiva de uma multinacional famosa.
A princípio o que era apenas uma conversa descontraída, um simples passatempo, tornou-se, talvez pela solidão de ambos, um prolongado bate papo que varou a noite sem que eles se apercebessem.
E assim foi por algumas semanas.
Todo o fim de tarde quando chegavam em casa, lá estavam eles, munidos de seus nicknames, naquela determinada sala, esperando o outro entrar, e todos os dias, praticamente à mesma hora, iniciavam intensas conversas sobre vários assuntos.
Impressionante como não falta assunto quando se está interessado no outro e ambos acabaram se surpreendendo sobre como dominavam e tinham conhecimentos sobre vários temas.
Daí a perceberem afinidades foi um passo.
Tinham o mesmo gosto musical, as mesmas preferências sobre filmes, leram os mesmos livros, pensavam e agiam de maneiras idênticas, enfim: completavam-se de uma maneira muito natural e semelhante.
Quando falaram sobre vida pessoal descobriram ainda mais afinidades.
Fernando tem um filho já adulto que mora com a mãe.
Separado há dois anos, descrente do casamento, procurava tocar a vida com certa parcimônia, buscando se envolver apenas com mulheres que compartilhem com ele das mesmas intenções.
Se não encontrar alguém que comungue das mesmas preferências, melhor será ficar só, dizia ele.
Embora com sua cabeça povoada de desejos e fantasias, leva uma vida discreta e pacata.
Suas amizades limitam-se aos contatos profissionais.
Passa seu tempo lendo e assistindo filmes na solidão de sua cobertura, pouco saindo para reuniões sociais.
Sophia por sua vez, também separada há dois anos, guarda a beleza e o viço da mulher de 38 anos.
Vive com a mãe e sua filha Luiza de 20 anos, garota moderna e muito independente, estudante no último ano de Publicidade e Propaganda com quem Sophia mantém um diálogo aberto e franco apostando mais na amizade do que nos laços maternais e familiares.
Embora morando numa cidade como São Paulo, tanto Sophia quanto Fernando, procuram levar uma vida reclusa, com poucos amigos e sem muitas atividades sociais.
Dia após dia, conversando através de uma tela de computador, ambos percebem que suas afinidades são muito compatíveis, que vão além de um simples bate papo corriqueiro e que tudo os encaminha para um bom relacionamento.
A duras penas, o tempo e a vida lhes mostrou que as semelhanças são essenciais para um bom relacionamento.
Teriam que sintonizar as suas prioridades e priorizar as mesmas intenções se quisessem aspirar uma boa convivência.
Com base nisso, ambos estão cientes do que devem procurar em seus futuros parceiros.
O convívio a dois é fundamentado em generosas doses de compatibilidade e cumplicidade.
Sem culpas, sem medos e sem cobranças, devemos ter consciência e força de vontade para motivar novas sensações, compartilhar nossos sentimentos, esclarecer dúvidas e renovar velhas opiniões.
Tudo isso são conceitos que foram aprendidos à custa de uma separação.
Quando num casal, um não encontra retorno de intenções no outro, pelo contrário, só consegue encontrar o eco de sua própria voz, e por não quererem polemizar, dialogar ou mesmo discutir a relação, com certeza essa relação torna-se conformista, onde um dos dois acaba se anulando.
E até que ponto, devemos conviver e aceitar uma relação conformista?
Precisamos abrir mão de nós mesmos para isso e por vezes, o preço é altíssimo.
Pagamos com infelicidade plena e a baixa estima será companheira inevitável.
Dois meses após se conhecerem pela internet e sem ainda se conhecerem pessoalmente, apenas através de uma câmera, já começavam a desvendar algumas particularidades de suas intimidades, concluindo assim que, o que alavancou as suas separações foi exatamente a incompatibilidade mental a falta de sincronismo nas intenções e a ausência total de sintonia no prazer, onde ambos não conseguiam falar mais a mesma língua o que acabou com qualquer resquício de afetividade e por consequência acelerando o processo da separação.
Quando se conversa apenas digitando por uma tela, cria-se muito mais desenvoltura e coragem para explanar assuntos e ideias que talvez frente a frente não tivéssemos a ousadia de comentar.
Foi assim que aconteceu entre Sophia e Fernando.
Ambos acabaram descobrindo o que naufragou seus casamentos.
Sexo.
Ou melhor: A ausência dele.
Pela primeira vez em suas vidas, se surpreenderam ao falar sobre suas intimidades de uma maneira absoluta, aberta, franca, objetiva e reveladora.
E só o fizeram por estarem protegidos pelo anonimato de uma tela de computador, mas foram sinceros em expor suas vontades e seus desejos mais íntimos.
Ambos estavam impressionados, como em tão pouco tempo, desvendaram segredos íntimos que estavam guardados há anos, trancados a sete chaves, no fundo de suas mentes.
Sophia, atraída pelo entusiasmo daquele momento, se deixando levar pela excitação do tema e pela curiosidade, queria saber mais detalhes sobre as preferências de Fernando, e este, receoso, media cuidadosamente suas palavras ao tentar explicar seus desejos íntimos, ou melhor, as fantasias que povoavam sua mente durante os momentos de excitação.
E cada um por sua vez, pisava um terreno desconhecido, ambos correndo o risco de serem julgados levianos precipitadamente, por seus desejos e devaneios.
Fernando falou que na mesma proporção em que é um romântico impetuoso, é também um voyeur incorrigível.
Sophia sorriu e gostou de saber de seu romantismo e justificou que todos nós somos voyeurs, haja vista os Big Brothers da vida que a mídia nos mostra.
- E quem não tem a curiosidade de espreitar a privacidade alheia? Que atire a primeira pedra quem nunca um dia não espiou pelo buraco da fechadura ou pela fresta de uma janela?
Comentou ela com toda a naturalidade.
De conversa em conversa, Sophia procurava não demostrar sua curiosidade sobre o comportamento daquele homem, que começava a desvendar traços interessantes de sua personalidade, despertando-lhe certo interesse e inquietação.
Ela queria saber em quais situações ele gostava de ser observador.
Sophia confidenciou-lhe do interesse, enquanto casada e que se acentuou depois de separada, por alguns sites pornôs e blogs com leituras dirigidas a certas práticas sexuais, e que isso lhe causava muito prazer.
Principalmente aqueles aos quais sente mais afinidade.
Confessou também que vem percebendo que já há algum tempo vem desenvolvendo um interesse, e um desejo fora do comum, por relações liberais e que frequentemente se estimula com essas imagens.
Fernando assentiu que nos tempos modernos, quando preconceitos, moralismos e hipocrisias perdem espaço, homens e mulheres se permitem buscar novas experiências e isso inclui relações liberais, o que ele acha completamente normal.
- Afinal, quem foi que disse que o sexo deve ser feito somente a dois?
Disse ele irrefletidamente, temeroso desse comentário, mas ao mesmo tempo jogando esse tema no ar pra ver a reação dela, e rapidamente completou.
- Faço minhas as palavras de Andy Warhol, artista pop que disse: "um é companhia, dois é multidão e três é uma festa".
Sophia imprimiu seu sorriso na tela, aliviada, enquanto ele acrescentava.
- O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos faz crer a religião. O corpo é uma festa. E como toda a festa, tem que ter convidados e nos fornecer prazer.
Com certeza, àquela altura dos acontecimentos, começava a se delinear os primeiros traços de uma sintonia entre ambos.
Para uma mulher que viu seu casamento naufragar por um marido de comportamento machista, austero e intransigente, avesso a qualquer modernismo, que a castrava de qualquer conduta mais ousada, saber que aquele homem do outro lado da tela se mostrava com atitudes liberais, era o mesmo que ver lançada uma boia a quem está se afogando.
Ela que durante todo o tempo em que foi casada sentiu necessidade de transpor certos obstáculos, transgredir alguns conceitos e romper outros tantos tratados, via-se agora às vésperas de conhecer o homem que poderá leva-la a sair dessa lucidez pasmatória em que se encontra atualmente.
Isso é tudo o que ela quer e sempre esperou um dia acontecer.
Conhecer alguém que a leve a conhecer uma existência livre e repleta de prazer.
Alguém que a apresente aos prazeres mundanos.
Fernando, empolgado com o tema, aproveitou a oportunidade e explanou mais algumas de suas ideias comportamentais em relação a sexo e casamento dizendo:
- Falem o que quiserem, mas a verdade é uma só: casamento está fundamentado em 80% de sexo e os restantes 20 % em outras afetividades como amor, que nada mais é que amizade, afeição, companheirismo, etc... Portanto, precisamos ter muito cuidado em nossas escolhas. O sucesso da tão procurada cara metade vai depender da nossa habilidade de escolha. Ter sensibilidade para perceber as mesmas afinidades e intensões é um grande passo para o sucesso de uma relação.
Desejos e intenções antagônicos com certeza vão minar a relação pondo em risco os 80%, que os 20% restantes não vão segurar. Por isso o término de muitos casamentos logo nos primeiros anos de convivência. Semelhante atrai semelhante; essa é uma assertiva milenar. Não se luta contra isso, pois a possibilidade de você se dar mal é enorme. Se temos ideias e comportamento liberais, não podemos procurar nossa cara metade em redutos ortodoxos. Da mesma maneira que não se encontra uma puta num convento, não se acha uma freira num puteiro.
Sophia riu muito dessa observação e emendou dizendo o quanto ele estava certíssimo.
E Fernando continuou:
- Pra se ser feliz a dois há que haver sincronismo de intenções. Procurar se certificar se aquela pessoa que você escolheu para viver comunga das mesmas intenções e afinidades, caso contrário você com certeza terá num futuro próximo sérios problemas de relacionamento. Não podemos ter medo de arriscar. Da mesma maneira que não devemos viver a vida sem nunca tentar algo novo. O casamento começa com sexo e termina invariavelmente pela falta dele.
Dizia Fernando com toda a convicção e que, seguro no domínio do tema, continuou.
- Eu vejo amor e sexo de maneira bem distinta. Amor pra mim, é quase um acalanto, algo silencioso e calmo que faz bem à alma, é o querer ficar junto, abraçados por longo tempo, independente de sexo. Enquanto o sexo é algo envolvente, transbordante, sedutor, vadio, selvagem e cheio de adrenalina que satisfaz o corpo e a mente.
Receando que o interesse de Fernando fosse apenas sexual, Sophia perguntou.
- Afinal, o que você realmente procura?
- Procuro uma mulher para amar... Uma mulher especial, que ao invés de tentar me mudar fazendo prevalecer sua vontade, impondo um modelo de homem de acordo com seus desejos, mas incompatível com os meus padrões, que compartilhe comigo minhas vontades mais íntimas e minhas fantasias mais ousadas, para juntos somarmos isso em prazer para ambos e sermos felizes como parceiros, amigos e cumplices. Quero amar muito uma mulher que tenha os mesmos pensamentos e desejos para que possamos convergir isso para a mesma ação e assim, poder realizar todos os seus desejos.
Escreveu Fernando com palavras carregadas de muita emoção.
E continuou.
- Quero ser leal, sincero, honesto e transparente e dar a essa mulher o que ela precisa, não o que eu quero. Satisfazer suas necessidades, e realizar seus desejos.
Quero conquistar a confiança dela e conhecer seus limites. Deixa-la livre e encorajá-la sempre na sua busca pelo prazer.
Do outro lado da tela, Sophia abriu um largo sorriso e sentiu um arrepio percorrer-lhe a coluna.
Finalmente via-se defronte àquele que poderá leva-la à perdição que ela sempre almejou.
Empolgados pelo sucesso com que caminhava essa relação, eles sentiam curiosidade em se conhecer pessoalmente.
Aproveitaram ser sexta feira e marcaram um encontro para comemorar essa afeição.
São Paulo proporciona um vasto leque de opções para todos os tipos de preferências, e ambos escolheram um dos vários barzinhos no bairro de Moema, já conhecido de ambos.
Continua...
Arrepiante.. Lindo
Boa tarde. Parabens adorei esta sua colocação. É o primeiro conta seu que li, Vou ler todos e comentar todos, pois vc merece. Obrigado, pela leitura