Tive a possibilidade de, jogando, descobrir tanto ao seu respeito. Coisas simples, como saber que sua cor preferida é o amarelo, seu artista contemporâneo preferido é o Michael Bublé, sonha em conhecer a Índia, mas planejava ir ao Peru num futuro próximo. Morria de medo de aranhas, mas era apaixonado por ratos. Queria ter uma casa em uma pequena baiazinha em Massachusetts e superar a perda de sua cadelinha Úrsula, comprando um novo pet. Adoraria aprender português, mas no momento, o italiano o ajudaria mais com algumas obras do Romantismo italiano. Tinha como maior anseio voltar a conversar com o pai, e quem sabe, visitar sua pequena cidade na Geórgia uma vez mais. Brincou com o fato de que um dia, quem sabe, nos casaríamos e adotaríamos uma criança. Se menino, chamaria-se Adrian, e se menina, Clair. E não queria minha opinião para tanto, brincou gargalhando.
Eram tantos detalhezinhos simples, mas de tamanha importância pra ele. Vendo-o aconchegado em meus braços, no calor da cidade, abrindo o seu coração e falando sobre seus planos com tanta excitação e seus medos com tanta sinceridade, me fazia querer fazer parte daquilo. Claramente, nem todos os nossos planos eram iguais.
Eu queria aprender alemão, mas também queria ir à Índia. Eu, alérgico a gatos, teria que excluir os felinos da lista de pets. Nunca gostei de ratos, mas não tenho nada contra as aranhas. O período do Romantismo foi um pé no saco – opinião -, estava bem mais ligado ao Renascentismo inglês. Tinha o medo de não ser aceito por meu pai também, mas nesse momento, não tinha problema algum em regressar pra casa. Toparia colocar o nome da menininha de Clair, mas não aceitaria chamar meu filho de Adrian. E sim, toparia descer à Geórgia ao seu lado.
Percebi que éramos perfeitamente imperfeitos um para o outro. Nossas diferenças se complementavam. Estava disposto a saber onde é que isso daria, e pagaria para ver.
“Leo? Você gostaria de ir hoje à noite nquele restaurante que a menina do Brasil trabalha? – foi a mensagem de texto que recebi quando voltei para a cama, depois de ter escovado os dentes.
Como estava muito atarefado para aquela semana, entendi que seria melhor ficar em casa naquele domingo, mesmo que a proposta de encontrá-lo era tentadora. Adoraria passar algum tempo com ele, mas sabia que nossas conversas seriam longas e provavelmente nos perderíamos em carícias, e chegaria em casa pela manhã, como acontecera na noite passada.
“Desculpa, lindo. Tenho muito na universidade amanhã. Eu realmente preciso descansar” – respondi com o coração na mão e relutante, mas sabendo que era a escolha correta.
“Chato! Bem, eu também estou atarefado. Melhor ficar em casa também. Um jantar amanhã a noite?” – respondeu.
“Sim. 7 horas no restaurante da ‘menina brasileira’. Okay?” – respondi prontamente.
“Plano. Mal posso esperar” – respondeu com um selfie em meus braços que tirara enquanto eu dormia na noite passada.
Foi um domingo comum. Almoço com minha família, um tempo na sala com o violão e alguns papeis.
Das vantagens de ser músico, está a possibilidade de cantar seus sentimentos. Quando você está triste, é impressionante como você pode encontrar obras de outros cantores ou músicos no geral que já passaram pela mesma situação. É como se identificar. Você canta ou toca e sente a dor do outro, o peso daquela verdade. Ao mesmo tempo, você também pode compor sua própria arte.
Apaixonado por um homem que conhecera recentemente, os medos de abrir o coração para o mundo e ser julgado. A vontade de ter aquele lindo par de olhos verdes ao meu lado todo o tempo, ou aquela voz que não saia da minha audição, ou mesmo o perfume que continuava em minhas roupas...
Acho que eu tinha motivos de sobra para compor algo.
Geralmente componho a harmonia em conjunto com a melodia e já preocupado com a letra, mas nesse dia, apenas a letra fluía em meu coração. Por qualquer motivo, não conseguia decidir uma harmonia que se encontrasse com aquela situação. Tudo bem que eu deveria estar mais preocupado com a tal Sento Nel Core, do que compor uma outra música, mas no outro dia já era segunda-feira e eu finalmente o veria. Era como se um bom tempo já tivesse passado desde que o vira pela última vez. Aproveitaria aquele jantar para dizer que sim. Eu aceitava ser seu namorado. Aproveitaria aquela situação para dizer que estava disposto a enfrentar todas as pessoas que cruzassem meu caminho, mesmo que minha família, porque queria gozar a liberdade que via em sua vida. Queria apenas segurar sua mão e caminhar pela Times, sem medo de ser reconhecido ou apontado. Aquela seria a noite para mostrar com uma música composta por mim, tudo o que estava dentro do meu coração.
“Você é meu verão em meados de dezembro”, era parte do que o refrão dizia. Isso em tradução livre, uma vez que, claramente,a
música estava sendo composta em inglês.
Eu geralmente passaria dias para compor uma música por completo, mas aquela fluía com uma linda naturalidade. Foram três horas entre música e melodia. A harmonia, no entanto, ainda não estava do jeito que eu desejava. Deveria deixá-la no modo maior ou convertê-la para o modo menor. Eis a questão.
Calma. Se você não entende bolhufas de música, não vou deixá-lo na escuridão. De uma maneira clara e objetiva, músicas com tonalidade maior soam mais alegres e felizes, um pouco mais animadas, mesmo que lentas. Em contrapartida, músicas em tonalidades menores soam depressivas, extremamente românticas e melancólicas. A música se enquadrava em ambos os modos, e, uma vez que a melodia e letra estavam decididos, o trabalho depois seria apenas em adaptá-la ao modo menor, caso insistisse na mudança.
O plano era de dormir cedo. A bendita segundona prometia estresse na Universidade, correria e nervoso. Aquela típica vida de universitários nos finais de semestre. Como um senhor ou simplesmente um bom menino, estava pronto para dormir às 9 horas da noite.
“Sei que passamos duas horas no telefone hoje a noite, e não quero te acordar, mas queria que soubesse que estou pensando em você” – foi a mensagem que sim, me acordou às 00:47 AM.
Poderia ter ficado bravo ou irritado com o fato de ter sido acordado tarde da noite, mesmo depois de termos passado um considerável tempo conversando, mas... qualquer coisa vinda dele, só podia ser algo bom. Não respondi, mas estampei um sorriso de orelha a orelha, e olhando nossa foto juntos, eu sabia que sim: tudo ficaria bem. Eu só precisava atravessar aquela segunda-feira, e no final do dia, encontrá-lo, lindo como sempre e todo orgulhoso e decidido, olhar no fundo daquele lindo par de olhos verdes e dizer que eu estava pronto para ser seu namorado. Ainda tinham dezenove horas pela frente. Shit!
Pênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênê
“Maldito despertador!” – resmunguei, me agarrando ao travesseiro branco.
Pênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênê
“Mano, cinco minutos mais” – disse, já me irritando e procurando não tirar nem o pensamento de debaixo da coberta quente.
Pênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênêpênê
“CARALHO” – gritei, já literalmente caindo da cama.
Tinha que estar entrando na fila da prova de teoria musical exatamente aquele horário, e lá estava eu, de pijama do Bob Esponja.
Vesti a mesma calça usada na noite passada, com a primeira camiseta que encontrei na segunda gaveta da cômoda que ficava dentro do closed. Minha botina marrom estava mais fácil jogada na porta com um par de meias do século passado que fedia para sempre e minha mochila em qualquer canto ali. Enquanto escovava os dentes ferindo minha gengiva, também tentava encontrar minha carteira, o carregador do telefone e tentando colocar o maldito computador na mochila, que nesse momento, parecia ter encolhido.
Enxágua a boca, mas não esquece de passar algo nesse cabelo. Cara, tem remela em seus olhos, não se apresse tanto. Não esquece o galãozinho de água, pega suas partituras, serão de extrema utilidade hoje. Pegue uma maça ou será tentado a comer mais porcaria ainda... esse era eu tentando me lembrar do que fazer.
Quase atropelei meu host father, enquanto me desculpava e corria. Bati a porta atrás e mim e corri, me escorregando na calçada congelada e me apoiando na caixinha de correio.
“Deus! Teria sido um tombo feio” – disse em voz alta – e em português -, tentando me recuperar do susto e caminhando em direção ao metro.
Felizmente, cheguei a tempo de entrar na sala individualmente com o professor e ser testado. Claramente, ele não estava nada feliz, mas disse entender que imprevistos acontecem e a melhor coisa é que eu estava ali.
Quinze minutos mais tarde, estava saindo da sala satisfeito com a avaliação do professor.
“Noventa e sete, babe. Isso é o que minha pessoa tirou no teste do professor cuzão” – digitei ao Benjamin, sentando e me recuperando de toda aquela correria e estresse.
“Orgulhoso de você, meu menino estudante. É bom tirar nota alta mesmo. Não aceito namorar qualquer um” – escreveu, seguido de um sorrisinho pulsante.
Era como se escutasse sua voz de fundo. O médio grave daquele tenor ecoava em meu ouvido.
Um sorriso calado e o calor do conforto daquele sentimento. Ele ainda não sabia com tanta profundidade, mas ele era meu verão em meados de dezembro. Definitivamente.
Tive tempo relativamente longo para descansar, enquanto me preparava para uma próxima aula. Era uma das vantagens de estar no final de semestre. Bem, eram mais desvantagens do que vantagens, isso era fato. Foram, provavelmente, duas horas de um cochilo pesado que até me rendeu um sonho. Também, o que se espera de uma sala com música clássica tocando todo o tempo, pessoas quietas com seus celulares desligados ou no silencioso, paredes escuras e aquecedor ligado. Isso sem citar todas as dezenas de almofadas que eram espalhadas por todo o canto. Era um convite ao descanso.
Quando finalmente acordei, um susto: 7 ligações perdidas do Benjamin. Um frio me correu a espinha. Temia que algo tivesse acontecido ao seu pai, porque afinal de contas, esse era um de seus piores pesadelos. Bem, ele também temia aranhas.
“Ben, ta tudo bem? Desculpa, eu perdi suas ligações” – disse correndo para o lado de fora e deixando todas as minhas coisa para trás.
“Leo, eu tenho excelentes notícias. Está sentado?” – disse do outro lado da ligação com uma excitação considerável em sua voz .
“Ufa! Eu pensei que algo tivesse acontecido. Se ta tudo bem, me fala o que houve! – disse respirando fundo e sorrindo aliviado.
“Bem, minha universidade acabou de fechar um acordo com uma grande universidade no hemisfério sul. Adivinha para onde eu serei mandado no começo de janeiro?” – indagou com uma voz de menino pilantra.
“Você não pode falar sério! Você está indo ao Brasil?!” – disse com o coração já disparado.
“Fuck yeah! Estou indo para a cidade de Campinas” – disse entusiasmado e repetindo Campinas várias vezes até se fazer entendido. Bem, deu trabalho para endendê-lo.
“OMG. Parabéns! Isso é fantástico. Você irá no auge do verão e eu tenho certeza que você vai se divertir muito” – disse tentando conter minha excitação, dado ao ambiente em que estava.
“Eu estava pensando que talvez você quisesse ir comigo. Seria bom ter um guia que fale português. Além do mais, você estará de férias até a segunda semana de janeiro. Minha universidade me pagará um excelente hotel, e portanto, você não precisa se preocupar com hospedagem” – perguntou com toda a segurança de sua proposta.
“Bem, adoraria ir com você. Tenho que pensar nas passagens e em coisas para fazermos juntos. Talvez podemos ir ao Rio de Janeiro ou fazer um tuor por Minas Gerais. Tem uma cidade relativamente próxima a Campinas e nós chamamos de Itu. Tem a lenda de que tudo é grande. Acho que nasci lá” – soltei com uma risada safada e provocadora.
“Tenho certeza que é de lá que você vem. Sim. Vamos falar sobre isso hoje a noite. Mas se você topa, já vou dizer agora mesmo que
aceito” – disso, no meio de suas gostosas gargalhadas.
“ótimo! Falemos hoje a noite. Agora tenho que ir. Tenho aula! Te vejo mais tarde.” – disse já voltando para dentro antes de morrer congelado.
Pronto. Foi o suficiente para ferrar com minha próxima aula. Não estava interessado na parte fisiológica do corpo enquanto estamos cantando. Não estava preocupado com nomes técnicos e corretos de nosso corpo, ou com o motivo pela qual devemos usar sistema digestório e não mais digestivo. Pouco importava. O menino que eu gostava agora iria ao Brasil. E ele iria comigo!
Falando nisso, o tempo não passava. Quatro horas da tarde e eu ainda tenho uma audição com meu professor treinador, o mesmo que avaliaria no próximo sábado, quando cantaria Sento nel core.
Quando estava oficialmente terminado com o dia acadêmico era a hora de correr para casa. Cinco e meia. Era o tempo de pegar o metrô, correr as duas esquinas que me levavam para o jardim da frente, abrir a porta, bancar o social e correr para o banheiro. Felizmente, ninguém estava em casa naquele horário, e portanto, poderia correr direto para o chuveiro sem precisar conversar com alguém e correr o risco de chegar atrasado.
Sabia que aquela noite seria especial, e portanto, queria estar a altura. Uma limpadinha na parte de cima da barba, onde alguns fios novos insistiam em nascer, uma clareada rápida nos dentes com um produto magnífico que comprei no Amazon, o perfume brasileiro que ele tanto elogiara e a caixinha de embrulho com uma latinha de guaraná. O bichinho verde também o pegara. Sempre excitado sobre beber guaraná. Era lindo de se ver. BR.
Ri de mim mesmo, tão preocupado com minha aparência, porque estava a caminho de encontrar o menino que tanto me mudara nos últimos meses. Também, era para estar, pois esse seria o dia em que seríamos namorados oficialmente.
O frio lá fora, como era de se esperar, era cortante, mas era a idéia de vê-lo em breve era o que me dava força para enfrentar o gelo. Pelo menos tinha parado de nevar, e dessa forma, ele não teria problemas em chegar com o carro. Segundas-feiras ele lecionava no campus Hempstead, que ficava relativamente longe de Manhattan, e o acesso a metro não era agradável, como ele sempre descrevera. Apesar de achar uma decisão estúpida dirigir naquele transito terrível, quando tem acesso a um dos transportes mais eficientes do mundo, respeitava sua decisão. Ele morava ali a um bom tempo e eu, bem, não era nem americano!
No horário marcado, lá estava eu.
“Ei, pauliXta! Muito bom te ver de novo. Vou te encontrar uma mesa” – disse Daniela, linda como sempre e com uma voz gentil, já me puxando para um lugar todo especial do restaurante.
Minha visão era privilegiada e essa era a parte boa de ter amigos brasileiros ali. Ri sapeca, quando recebi diversos pedaços de sobremesas para experimentar, porque sabia que não precisaria pagar por tudo aquilo. Brasileiros sendo brasileiros até na gringa.
O ambiente, como de costume, era apaixonante, mas bem mais vazio do que da última vez. Era segunda-feira. Um gentleman que aparentava ter seus 40 anos e em bom estado físico bebia qualquer coisa enquanto checava seu telefone. Um casal na mesa ao lado falavam sobre a estréia de um filme inspirado num romance árabe, mas pouco podia entender da conversa. Uma moça sozinha envolvida em um vestido curto, bem no estilo brasiliete. Fiquei pensando em seu sofrimento andando pelas frias ruas do inverno nova-iorquino. Bem, era dezembro e talvez ela também tivesse seu próprio verão. Eu tinha. E ele chegaria em breve.
Para começar, pedi uma taça de vinho e nada para comer, pois já estava sendo entupido por todas as coisas doces que enfeitavam o grande balcão de vidro. Mal dava tempo de terminar uma sobremesa e lá estava Daniela, me trazendo algo mais. E ria.
Abri minha pasta de composições e continuei fazendo melhorias na canção que compusera para Benjamin.
Merda! O violão ficou ao lado da minha cama! Como poderia mostrar
minha música agora?
Talvez fosse o caso de passar em sua casa e tocá-la no piano. Seria difícil. Era uma segunda-feira, e além do mais, sequer sabia se ele estava no primeiro apartamento que conheci, ou nesta noite, no misterioso apartamento com o Black baby grand piano. Era algo que precisávamos decidir. De uma forma ou outra, hoje era a noite em que oficialmente seriamos um casal de namorados. Mal podia esperar para vê-lo.
Estava tão distraído com a música e perdido em meus pensamentos, que mal percebi que já era 20:30 pm. Bem, ele estava realmente atrasado. Cabeçudo. Eu disse que deveria ter usado o transporte público! Se num dia de céu azul o trânsito é pesado no final da noite, imagina como seria num dia em que os efeitos da neve ainda eram visíveis. Não adianta avisar. Ele também gosta de estar no controle. Não era tão ruim assim esperá-lo. Sei que seria lindo vê-lo atravessar a porta e gentilmente me abraçar.
Como já citado, o movimento estava realmente pequeno e Daniela sentou-se ao meu lado, ocupando o lugar que brevemente seria do meu lindo par de olhos verdes.
Daniela estava interessada em saber como Nova Iorque estava me tratando. Não era tão nova de casa, já que se mudara par ao país dez anos atrás àquela data. Seu inglês era perfeito e, para cidadania, casou-se com um norte americano que se encantou por sua bunda enquanto esteve de férias no Rio de Janeiro. Eu entendia o que aquele gringo viu nela. Era realmente uma doce menina com um corpo extremamente sensual e uma bunda perfeita.
A essa altura, já estavam separados. Ele foi pego fazendo sexo com uma indiana fedida – palavras da Dani, em meio a gargalhadas.
O papo estava tão descontraído que não percebera que já era 21:37 pm.
“Dani, me dá licença para ligar para o meu ‘amigo’. Ele deveria me encontrar às 19h, mas ainda não chegou” – disse já chamando seu número com meu telefone.
Silêncio.
“Bem, deve estar fora de área. Vou tentar de novo.” – disse enquanto rediscava.
Silêncio.
“Acho que seu telefone está desligado. Deve ter esquecido o carregador na universidade. Acho que vou esperar por aqui mesmo” – disse, enquanto forçava um sorriso de conforto a mim mesmo. O coração estava disparado.
“Ben, ainda estou no restaurante. Se estiver cansado para vir, eu entendo, apenas me deixa saber, e então eu posso ir pra casa” – escrevi via mensagem de texto, já desanimado por tanta demora.
Se poucas pessoas estavam no restaurante antes, agora já não tinha ninguém. Eu estava sozinho depois de três taças de um delicioso vinho tinto e restos de qualquer sobremesa extremamente doce. Seu prato permanecera intocável e sua taça, obviamente vazia. Carros ainda circulavam do lado de fora e um mendigo atravessava a rua fora da faixa de pedestres, enquanto motoristas irritados buzinavam poluindo a sonoridade da cidade. Como se esse não fosse um detalhe de Nova Iorque. Uma cidade extremamente barulhenta.
“Quer que eu tire o outro prato, Leo?” – perguntou Daniela, na dúvida do que fazer em seguida.
“Não. Ainda não. Ele deve estar preso no trânsito. Vou tentar ligar de novo” – disse retirando o celular do bolso uma vez mais.
Silêncio.
Quem eu estava tentando enganar. Faltavam vinte minutos para as onze horas da noite. O restaurante seria fechado em menos de meia hora e eu ainda esperava pelo Benjamin. Bem, ele poderia ter me avisado que iria pra casa direto do trabalho. Pra falar a verdade, procurava razões para colorir o quadro de dúvidas. A distância para Manhattan o tomaria apenas 45 minutos em um dia com forte trafego, mas já haviam se passado quatro horas. Quatro horas. Haja tráfego na cidade! Talvez fosse o caso de ligar uma vez mais. Apenas uma vez mais.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
“Leo, sinto muito, mas a gente precisa fechar” – disse Daniela me arrancando um susto e me despertando da obscuridão dos meus pensamentos.
Não precisei pagar pelas sobremesas, mas dei uma boa quantia em gorjeta para ela – algo que é obrigatório nos Estados Unidos da America.
Era claro ver que eu estava murchinho e tristonho. O último dia passara vagarosamente, deixando-me extremamente ansioso para vê-lo. Eu tinha meu discurso pronto. Eu tinha a pequena caixa com o guaraná para um mimosinho. Queria mostrar que estava pensando nele. Sua música estava praticamente pronta. Acho que ele apreciaria ouvi-la e, quem sabe, cantar junto comigo, e depois de cantar, faríamos amor próximo ao piano, como da última vez. Eu me esqueci do violão e tocar piano seria a solução. Isso se ele estivesse no misterioso apartamento. Se não fosse o caso, bem, eu poderia cantar a capela. Eu sei que ele ainda assim adoraria. A melodia estava pronta mesmo. Pra que usar um instrumento harmônico?
Sim. Eu estava sem nenhuma graça; Ele poderia ter me avisado que não viria. Ele poderia tê-lo feito. Todas minhas esperanças de uma noite mágica eu estava colocando dentro da bolsa, junto com a pasta de músicas.
Bem, estamos falando do meu lindo par de olhos verdes. Ele deve ter tido qualquer problema no trabalho ou na família. Perdeu o telefone? Derrubou no trabalho? Esqueceu? Essas coisas sempre acontecem. Tudo bem que ele poderia ter me avisado pelo Facebook, mas... acho que ele está seu o computador. Fato! Ele deixou o computador no apartamento misterioso, mas esta noite ele dormiria no apartamento que conheci primeiro.
Pode ser que ele tenha se esquecido de um compromisso importantíssimo do trabalho e simplesmente não teve tempo de me avisar. A vida tem dessas coisas. Bem, estava quase chegando em casa. Eu posso ligar uma vez mais... ele já deve ter chegado em casa.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
CONTINUA...