gringobrasileiro - Uma segunda chance - Parte 12

“O que aconteceu? “ – Perguntei abrindo meus olhos e sentindo a terrível claridade da sala. Minha cabeça parecia que explodiria em poucos segundos.

“Ah, quer dizer que você voltou a falar Inglês? “ – Disse John, sarcástico.

Eu nunca tinha bebido a ponto de ter um black out, e tudo o que aconteceu naquela noite ficou perdido da minha memória. Pela descrição de David, eu fiz uma ligação à 1 da manhã, pedindo por ajuda. O problema é que eu simplesmente não conseguia falar em inglês, tampouco eles entendiam o Português. Em seu relato, eu apenas chorava, e constantemente dizia qualquer coisa que envolvia o nome de “Jared”. Um estranho nomeado Andrew me tomou o telefone e disse que eu estava descontrolado e mal podia andar. Ele se ofereceu para me colocar em um táxi, mas eu não sabia onde morava, e também se ofereceu para me trazer, mas estava de carona com amigos. David pegou o endereço do bar, e veio pessoalmente me buscar. Enquanto isso, Andrew me fez companhia. Felizmente, nada de ruim aconteceu.

“Eu sei que tem muita cosia acontecendo ao mesmo tempo, mas você não pode simplesmente beber para descontar sua raiva” – Disse David, me repreendendo.

“O problema não é apenas esse, Leo. Se a polícia te pega, ou se você faz qualquer coisa errada, estando sob efeito do álcool, você é deportado imediatamente. Estamos procurando um motivo para que você fique aqui, não um para que você seja mandado para casa mais cedo. Além do mais, você deveria estar concentrado em seus estudos” – Completou John.

Por mais que eu estivesse com raiva da situação e quisesse justificar meus erros, sabia que eles tinham toda razão. A minha motivação para beber naquela noite, era simplesmente a raiva que estava sentindo de Jared, somados a toda a ansiedade pela qual estava passando. Eu sabia que se tivesse feito qualquer coisa estúpida, eu pagaria por isso. Não queria correr o risco de ser banido de entrar nos Estados Unidos, apenas por um relacionamento fracassado.

“Desculpa. Sinto muito mesmo. Eu prometo que não vai acontecer de novo” – Disse, cabisbaixo.

“Tudo bem. Não nos interprete errado. Nós já estamos envolvidos demais com você, para te deixar quebrar a cara. A gente não tem filhos, e você é como se fosse nosso” – Disse David me abraçando.

Eles fizeram o possível e o impossível para me deixar feliz naquele dia. Evitamos falar sobre Jared, e também sobre tudo o que estávamos planejando sobre casamento. Não falamos sobre problemas, e até almoçamos juntos. David decidiu não trabalhar, e naquele dia, John também não precisava ir. Assistimos televisão um pouco, e julgamos o vestido que Zooey Deschanel tinha usado em uma recente premiação. Também discutimos o single do novo lançamento da Rihanna.

Naquela tarde, o sol brilhava forte, e as flores, ainda tímidas, começavam a aparecer. Eu não estava com um bom temperamento, e sempre que podia, tentava ficar sozinho para chorar um pouco. Sentia raiva de mim, por ter bloqueado todos os contatos de Jared, mas ao mesmo tempo, tinha certeza que fizera a coisa certa.

Tem um lugar em Nova Iorque que eu sempre quisera conhecer. Trata-se de uma pizzaria italiana, bem antiga e tradicional, conhecida como “Di Faria Pizza”, e ficava na Avenue J, em Midwood. Já tínhamos comentado algumas vezes que quando o verão chegasse, e antes de que eu partisse, poderíamos provar a famosa pizza. John julgou aquele momento como propício, e decidiu me levar naquele finalzinho de tarde.
A temperatura estava bem agradável, e não sentimos a necessidade de carregar nenhum tipo de casaco. Pela beleza do final de tarde, também optamos por não dirigir. Isso nos daria um tempo juntos, comentaríamos sobre rapazes bonitos, e de quebra, evitaríamos tráfego. Ainda como parte da brincadeira, decidimos que os três vestiríamos preto, como luto ao meu relacionamento. David não gostou muito da ideia, mas acabou entrando na brincadeira.

Como predito, vimos alguns rapazes bonitos, e fizemos comentários. Como o negro forte, com um jeans extremamente apertado, e o sinal daquela anaconda gigantesca. Ou o mexicano – ou qualquer lugar da América do Sul – com um bigode cafona, mas uma carinha lindinha, além do rapaz de botina marrom, com a barba cheia e sem nenhum fio de cabelo. Também rimos quando um rapaz bêbado cantava no metrô esperando por alguns trocados... que nunca chegariam.

A pizzaria fica em uma rua relativamente movimentada, e virando esquina, percebemos uma fila do lado de fora. Apesar de tentarmos ligar, o lugar não aceitava reservas. Era bem do estilo “arrisca”. Era algo que eu realmente queria fazer antes de voltar ao Brasil, e portanto, valia a pena arriscar. Além disso, ainda era cedo, e nem estávamos tão famintos. O prédio marrom fica na esquina, e a frase “heróis italianos” chama atenção. Localizada ao lado de uma loja de conveniências, não possuía estacionamento. Foi uma ótima opção usar o transporte público.

Como esperado, a pizza estava maravilhosa. A de queijo simplesmente me levou á Lua. As opções em nossa mesa eram de queijo, legumes e calabresa. Eu, como sempre, me matei apenas com a de queijo, mas também provei a de calabresa. Os três tomávamos uma taça de vinho vermelho, e nos divertíamos muito.

Eu estava realmente envolvido em nossas conversações, e risadas. Por um instante, me esqueci completamente do quanto me sentia quebrado, triste e irado. Por um instante, tudo o que importava era o fato de que eu estava vivendo o agora. Em certo momento, meu olhar se mostrou distante, atravessando a janela de vidro, onde, do lado de fora, um rapaz brincava com uma criança.

“Leo, está tudo bem? “ – Perguntou David.

“Eu não quero voltar para casa” – Respondi, sem tirar meus olhos da cena que acontecia do lado de fora.

Aquela velha frase de “querer não é poder”. Não tinha nada que eu
pudesse fazer para ficar nos Estados Unidos. Não tinha cidadania, não tinha dinheiro, e também não tinha família. A única solução, seria o casamento, e esta, eu já tinha desconsiderado. Mesmo sabendo que Jared se oferecera para pagar um casamento de fachada, eu simplesmente não tinha coragem de arriscar tudo. Eu tinha medo de tentar enganar o Sistema americano e acabar me envolvendo em um crime federal. Tinha medo de colocar tudo a perder. Tinha medo de errar e complicar minha vida ainda mais. Tinha medo de descer do muro.

“Você está seguro de que é isso que você quer? “ – Perguntou John me olhando nos olhos.

“Eu não quero viver uma vida de mentiras. Eu quero apenas ser livre, e eu não vou conseguir fazer isso no Brasil. Sim. É o que eu quero” – Respondi, penetrando seus olhos azuis.

O mês de março estava quase acabando, e abril seria bem curto. Provas, seminários e concertos, no dia 2 de maio, eu era obrigado a deixar o país. David disse que estudaria todas as possibilidades possíveis para que eu ficasse no país, mas me alertou que aquela seria uma corrida contra o tempo. Eles eram bem diferentes. John disse que tudo ficaria bem, como o bom professor que é, já David, como um realístico doutor, disse que eu tinha que estar preparado caso as coisas dessem errado. Eles definitivamente se completavam.

O resto da noite foi bem agradável, e falamos sobre diversas coisas, como a matéria de teoria, cuja minha nota não tinha sido muito satisfatória. Também falamos sobre o concerto que aconteceria no final de abril, e também de como me preparar para as provas finais. Enquanto conversámos, e comíamos, David estava ligado em seu celular, já procurando pessoas que poderiam me ajudar a encontrar uma solução.

“Leo, isso é para você” – Disse John me dando uma caixa que retirara de sua mochila.

“Oh meu Deus! O que é isso? “ – Perguntei surpreso.

“Abra!” – Respondeu animado.

“Achamos que você iria gostar disso. Então, aproveita” – Disse David, filmando com seu celular.

Quando desembrulhei a caixa, fiquei com cara de nada. Era uma caixa contendo um carregador de iPhone. Obviamente, algo estaria escondido dentro da caixa, porque estava muito, mas muito leve. Ao abrir a caixa, encontrei um envelope, e meu nome estava escrito do lado de fora. Meu coração palpitava, e eu tinha medo do que encontraria ali dentro. Quando enfim criei coragem para abrir o envelope, me faltou a respiração. Provavelmente fiquei corado, e tentei controlar meu sorriso. Devo ter perdido um minuto olhando aquele papel e tentando entender se aquilo era realmente verdade.

Dentro do envelope, com uma foto grande, estava um par de ingressos para o show da turnê mundial do cantor britânico Sam Smith, que passaria por Nova Iorque aquele final de semana, no Madison Square Garden.

Ambos sabiam que eu era obcecado pelo Sam. Já acompanhava seu trabalho muito antes de ele ser mundialmente conhecido por “stay with me”. Quando enfim alcançou a fama mundial, fez questão de contar ao mundo sobre sua sexualidade. Segundo o próprio artista, não queria fazer com que as pessoas pensassem que a música dele era sobre um relacionamento hétero. Especialmente naquela semana, suas músicas faziam todo o sentido para mim, e o tempo todo em que estava depressivo em meu quarto, era o Sam que cantava em meu ouvido. Sinceramente, não tinha expectativas em ir a um concerto dele, especialmente em Nova Iorque. Eu sabia que ele estaria no Brasil, no Rock in Rio, mas aí já seriam outros quinhentos, e tampouco sabia se teria tempo e dinheiro para assisti-lo ao vivo. Eu estava muito feliz, e até emocionado. Não consegui falar muita coisa, mas apenas levante e os abracei bem forte.

O grande problema daquilo é que quando eles compraram os ingressos, tinham certeza de que Jared e eu iriamos juntos. O que fazer agora, com o coração despedaçado e um par de ingressos para um show daqueles?

“Você vai poder chorar muito enquanto ele cantar todas aquelas músicas de dor de cotovelo” – Brincou John, gargalhando.

“Qual de vocês dois quer ir comigo? “ – Perguntei, na dúvida.

“Nope! Nenhum de nós. Você vai ter que se virar e encontrar algum menino que queira ir com você” – Respondeu John.

“Mas quem? Não quero ver o Jared, e não sei de outro menino. Estão esperando que eu saia procurando por alguém interessante? “ – Ri.

“Na verdade, acho que você deveria convidar o bonitinho do bar” – Respondeu David.

“Quem? “ – Perguntei com cara de nada.

Na verdade, ele tinha razão. Eu tinha sim conhecido alguém, mas sequer lembrava seu nome, e tampouco tinha anotado o telefone. Como poderia encontra-lo em uma cidade daquele tamanho?

“O número dele está salvo na memória do meu telefone. Ele esperou que eu te buscasse, então provavelmente estava interessado por você” – Completou antes de beber o último gole de seu vinho.

Não demorou muito para que chegássemos em casa. Sentei no chão em meu quarto, vestindo uma box preta, e meias azuis. Meu computador estava conectado à televisão do quarto, e Sam Smith cantava uma das minhas músicas prediletas: “Make it to me”.

“Você é aquele desenhado para mim. Um estranho distante que eu vou completar. Eu sei que você está lá fora, exatamente como deveria ser. Então, por favor, mantenha sua cabeça em pé, e faça isso por mim”.

Ele tinha razão. Tinha alguém lá fora que fora desenhado exatamente para mim, e que me completaria. Dentro de mim, eu gritava para que esse alguém fosse o Jared, mas todas as circunstancias provavam o contrário. Eu não podia viver daquilo. Eu não podia mendigar amor. Eu não podia sofrer por alguém que não me amasse da maneira que eu merecia. Então decidi arriscar.

“Não sei se você se lembra, mas aqui é o Leo. Nos conhecemos em um bar e eu estava absolutamente bêbado. Obrigado por ter ficado até o final, e me ajudado com minha família” – Mandei para o número que David me entregara mais cedo.

“Leo! Que bom que você voltou a falar inglês! Não precisa agradecer. Eu que agradeço por ter passado a mão em minha bunda e vomitado em meu sapato. Foi adorável” – Respondeu sem nenhuma risada. Sua resposta foi imediata.

“Meu Deus! Por favor, me desculpa. Eu não me lembro de nada disso. Não me odeie! Não tinha intenção em te ofender“ – Respondi, em tom meio desesperado!

“HAHAHA Não se preocupa. Eu me diverti bastante. Fiquei preocupado. Do jeito que você estava, se meteria em encrenca se fosse para casa sozinho” – Respondeu me deixando mais aliviado.

“Obrigado de qualquer forma. Bem, você está ocupado neste sábado? “ – Iniciei o convite.

“Não. Por enquanto não. Quer me convidar para beber? Haahaha “ – Respondeu brincando.

“Melhor do que isso. Você curte Sam Smith? “ – Perguntei ansioso.

“CLARO QUE SIM. Ele é só o melhor cantor do mundo” – Respondeu animado.

“Bem, quer ir comigo ao show dele aqui na cidade? “ – Perguntei.

“Seria legal. Qual é o valor do ingresso? “ – Indagou.

“Na verdade, eu tenho um par de ingressos, e queria que você fosse comigo” – Respondi animado.

“OH MY FREAKING GOD. I WOULD LOVE TO” – Foi a resposta mais deliciosa que poderia ouvir.

O show estava marcado para aquele sábado, e obviamente, queria deixar tudo pronto para que não me atrasasse. Ainda naquela noite, preparei minha roupa, coloquei a câmera fotográfica para carregar, finalizei todos os meus trabalhos da faculdade, e respirei fundo quando tudo estava terminado. Não queria que nada tirasse o meu foco naquele sábado.

Mas só para registrar, minha mente estava presa em outro lugar. Bem distante de Nova Iorque. Em outra pessoa, para ser mais exato.

...

Duas noites mais tarde, e o grande dia chegara. Milhares de pessoas lotavam os entornos do Madison Square. Ainda bem que optamos pelo transporte público. O combinado é que o encontraria às 18:30 em frente à Macy’s, mas ele estava atrasado. Não tinha muito o que fazer, então encostei em uma parede vermelha, e fiquei esperando. O movimento era muito grande, e meninas gritavam Sam Smith, e vestiam faixas. Guardas do transito tentavam manter a organização e segurança, e cambistas tentavam fazer o seu ganha pão. Bandeiras americanas espalhadas para todos os lados. O tráfego tinha sido bloqueado nos entornos da gigantesca casa de eventos, e uma companhia televisiva entrevistava alguns fãs.

“Leo” – Ouvi vindo de trás.

“Oh, hey! “ – Respondi no impulso.

Andrew vestia uma calça jeans azul escura, e uma botinha de couro. Usava uma camiseta cinza-claro com a bandeira americana desenhada. Seu cabelo estava penteado ao lado, no estilo “bom menino” e sua barba recém aparada. Usava aqueles mesmos óculos quadrado, e a luz do sol de final de tarde deixou seus olhos ainda mais azuis. Eu realmente não tinha reparado no quanto ele era bonito, quando nos falamos no bar. Acho que estava muito na fossa para isso.

Ele me abraçou e me agradeceu inúmeras vezes por tê-lo convidado. Mais do que rapidamente nos dirigimos a fila, que já era grande, e durante todo o tempo esperando, conversamos sobre aquela terrível noite, e do quanto amávamos o britânico Smith.

I’m not the only one, Stay with me, Lay me down, Lach, Like I can, Money on my mind, La la la, I’ve told you know, Make it to me, Nirvana, Restart, Good Thing, life support… era impressionante como cada uma daquelas música conseguia tocar em meu coração e me fazer chorar. Entretanto, a situação ficou complicada quando ele cantou “leave your lover”. Sério. Eu não conseguia parar de chorar. Entre a música “leave your lover” e “not in that way”, Sam decidiu compartilhar um pouco de sua história: não se sentia feliz com quem era, e tinha medo de assumir sua sexualidade. Sonhava com o dia em que as pessoas passariam a ouvir sua música, mas ainda assim, cantava coisas que não eram verdades. Depois de ter o coração arrebentado por um homem que jurara amor eterno, mas o estava envolvendo em uma mentira, decidiu que daria a volta por cima, e um ano mais tarde, tornara-se o grande e mundialmente conhecido, Sam Smith. Precisou vomitar sua dor através das músicas, para que todo mundo, finalmente, começasse a ouvi-lo.

Era exatamente como me sentia. Podia me encaixar em suas experiências, e talvez por isso as músicas faziam tanto sentido para mim. Parei para pensar, e enquanto navegava em seu canto, decidi que daria a volta por cima, e por mais que doesse, eu iria encontrar alguém que cuidaria do meu coração, e que eu pudesse cuidar também. Era o momento em que eu decidi que faria o possível e o impossível para ficar legalmente no país. E mudaria minha vida para sempre. As pessoas me ouviriam, e essa era a maior decisão para mim.

No meio daquela confusão de pensamentos e emoções, senti quando Andrew segurou minha mão no assento. Por um instante, demorei a entender o que estava acontecendo. Primeiro, porque nem tinha certeza de que ele era gay, e segundo, porque tampouco sabia se ele estava interessado. Talvez estivesse apenas segurando minhas mãos porque percebera o tamanho da minha emoção, ou algo do tipo. Fosse o que fosse, não apresentei a menor resistência.

O concerto inteiro durou cerca de uma hora e vinte minutos, e sair da casa de shows foi definitivamente mais fácil do entrar.

“Indo para casa agora? “ – Perguntou Andrew.

“Acho que sim. Talvez parar para comer alguma coisa. Quer ir comigo? ” – Respondi, já o convidando.

“Eu tenho planos de comer em casa hoje. Na verdade, você pode me acompanhar, se quiser” – Respondeu com um olhar de pidão.

“Bem, e se ficar muito tarde? “ – Perguntei.

“Eu te levo até a estação de metrô mais próxima” – Respondeu rindo.

Era um daqueles momentos que você realmente não sabe o que fazer. Apesar a primeira resistência, só consegui responder.

“Vamos”.

CONTINUA


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Ficha do conto

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Nome do conto:
gringobrasileiro - Uma segunda chance - Parte 12

Codigo do conto:
75684

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
16/12/2015

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