Aquele era o auge do inverno norte americano. Estava na cidade de Nova Iorque e estava morrendo de frio. Como seria encarar o extremo frio de temperaturas aproximadas a -30C da cidade de Buffalo? Quando enfim fossemos à fronteira com o Canadá eu definitivamente viraria um boneco de neve. Seria muito bonito, de qualquer forma.
Geralmente a cidade de Nova Iorque já não é tão movimentada durante o primeiro mês do ano. Contrastante aos meses de Novembro, Dezembro, Junho e Julho onde pessoas do planeta inteiro invadem a cidade para compras, lua de mel, aniversário, férias ou mochilão. Claramente, Nova Iorque é a cidade que mais atrai turistas no mundo todo, e portanto não estava vazia. Apenas um pouco diferente do que acontecera nos últimos dois meses.
O vôo até o aeroporto nacional de Buffalo duraria menos de uma hora, mas a tempestade de neve e toda a neblina atrasara o vôo em aproximadamente quatro horas. Quatro horas. Ótimo. Agora vai ser delicioso esperar neste aeroporto por tanto tempo. A companhia da minha família americana fazia valer a pena. Era sempre divertido estar no meio dos dois. Dependendo do humor, pareciam um casal de adolescentes, que ainda se olhavam de maneira apaixonada e por vezes sarcástica.
Estava muito apreensivo. Depois de um mês tão difícil, seria bom explorar um novo local, conhecer gente nova e estava, além disso, na expectativa de lecionar pela primeira vez em Inglês! Era uma grande chance para um estudante brasileiro de vinte anos.
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O hotel era muito confortável. Apesar do frio desgraçado que castigava o exterior do hotel, dentro deste tudo era aquecido. Esta é uma das vantagens dos Estados Unidos: todos os prédios e casas são aquecidos no inverno, assim como são resfriados durantes os meses de primavera e verão.
Na recepção, um lindo rapaz de idade aproximada a minha colhia nossos documentos e nos mostrava o caminho até o elevador que dava acesso ao terceiro andar do prédio onde meu quarto seria. Um gigantesco lustre de vidro enfeitava a sala principal do primeiro andar e algumas pessoas almoçavam-jantavam no restaurante do hotel. Parecia bem caro comer ali.
O quarto.
O quarto possuía duas camas de casal king size. Como decidimos viajar juntos, escolhemos dividir um quarto dos mais caros. Por não estar sozinho, não seria tão caro. Além do mais, estavam me pagando as despesas para estar ali. Sentia-me importante (ri).
Alguns espelhos, aparelhos necessários para as necessidades básicas de um quarto, produtos de higiene pessoal e nossas malas encostadas da parede. Pela primeira vez em minha vida ficaria em um hotel em que não precisava pagar pelos produtos consumidos no frigobar. Fiquei animado só de pensar na possibilidade.
Na janela que ficava próxima a minha cama, uma das vistas mais bonitas que presenciara. Apesar de não estarmos em um dos mais altos andares, o hotel ficava localizado em uma região montanhosa. Meus olhos até arderam quando abri a janela e pude ver aquela imensidão branca. Mesmo em Nova Iorque, onde a neve é constante naquela época do ano, nunca vira algo tão lindo. As montanhas totalmente cobertas pelo gelo e um silêncio absoluto. Ainda nevava do lado de fora.
John e David estavam absolutamente exaustos pela viagem. Claro. Eram mais velhos, estava frio e tivemos que esperar no aeroporto internacional de Nova Iorque por quatro horas. Quatro horas a mais.
Eu, no entanto, queria sair um pouco e me aventurar no gelo e quem sabe encontrar uma daquelas antigas cafeterias onde velhos escritores gostam de registrar suas preciosas idéias. Me animei com a idéia de tirar algumas fotos no gelo, brincar com algum esquilo ou comer um daqueles terríveis hot dogs americanos (julgo mesmo. É ruim)
Cinco minutos mais tarde e coberto com todos os agasalhos possíveis, tentava encontrar coragem em qualquer lugar dentro de mim para deixar a porta principal do hotel.
“Senhor, a temperatura está em aproximadamente -2 graus fare (-31 graus Celsius). O senhor vai congelar do lado de fora” – brincou o porteiro percebendo minha indecisão em sair.
“Você tem razão. Acho melhor tomar alguma coisa aqui no restaurante do hotel mesmo” – respondi rindo e com um pouco de vergonha por não ter tido coragem de sair.
Neste ponto a recepção de check in do hotel estava abarrotada de pessoas e três filas se formavam em frente aos balcões principais. Dois dias mais tarde daria-se início a uma das maiores conferências para músicos universitários dos Estados Unidos, e portanto, pessoas de todo o país e de fora vinham para a cidade. Apesar de ser uma cidade mediana, o centro de convenções escolhido para abrigar o evento ficava em uma região pouco acessível pelo transporte público, e consequentemente, todos disputavam os hotéis na proximidade.
Por sorte o bar ainda não estava tão cheio, apesar da hora. Procurava por um café, mas decidira tomar qualquer bebida alcoólica com limão. Por que não? Só iria ao vento dois dias mais tarde e todas as coisas já estavam preparadas para minha apresentação. Não via o motivo de ficar dentro do quarto fazendo nada e pensando em tudo o que acontecera.
Era hora de tentar me divertir um pouco.
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Duas bebidas mais tarde e entendi que era a hora de parar. Já tinha a necessidade de arrancar os óculos do bolso e colocá-los no rosto, porque já vira as coisas dobradas. Estava faminto, mas precisava esperar por John e David para comermos juntos. Belisquei qualquer coisa do bar e agora apenas apreciava o movimento.
Sensação de estar sendo observado. Já sentira a mesma coisa antes.
A esta altura, muitas pessoas estavam sentadas naquele bar escocês. Os garçons com uniforme verde e todos muito atraentes andavam em todas as direções na esperança de satisfazer os clientes insuportáveis. O norte dos Estados Unidos foi muito povoado por escoceses e irlandeses e por isso o tema do bar.
A algumas mesas a minha frente, um vídeo clipe internacional era refletido na parede de fundo e algumas poucas pessoas perdiam tempo assistindo-o. Não era boa música, de qualquer forma.
Sensação de estar sendo observado.
Cassete!
Não era uma sensação muito agradável. Olhava para todos os lados tentando entender se estava ficando louco ou se alguém realmente estava me encarando à distância. Nada podia perceber.
Sensação de estar sendo observado.
BINGO!
“Não. Não é pra mim que ele está olhando”
“Eu to perto da janela. Tem dezenas de pessoas aqui. Ele está olhando o movimento da rua”
“Não passa um carro sequer na rua”
“Já sei! Está olhando pessoa que está sentado na mesa próximo a mim”
“Não tem pessoas sentadas próximas a mim. Eu to no limite do balcão com a parede”
“Ele deve me conhecer de algum lugar. Seria brasileiro?”
“Não tem nada a ver com brasileiro”
“Devo olhar de volta ou fingir um desmaio?”
“Finalmente. Não era pra mim que olhava”.
“Ainda bem. Está indo pro seu quarto. Ufa!”
“Pera. A saída não é aqui”
“Ele ta se aproximando”
“Puta que pariu! Eu tenho que sair daqui o mais rápido possível”
“Hey! How’s it going?” – perguntou aquele total desconhecido.
“Estou bem. Obrigado” – respondi em inglês meio sem saber o que fazer.
“Eu já te vi antes?” – perguntou desconfiado.
“Não acho. Sou do Brasil. Você já esteve no Brasil?” – respondi tentando cortar a conversação.
“Na verdade, sim. Várias vezes. Fui à São Paulo e Brasília a trabalho” – respondeu enquanto se sentava ao meu lado.
Bem, pra quem conhece a personalidade dos norte americanos, eles são relativamente mais frios que os brasileiros ou os latinos americanos. Por uma questão cultural, preferem se reservar à conversar com estranhos ou socializar. Obviamente aquele cara intrometido não se enquadrava no perfil. Cheguei a pensar que ele não era americano, mas o sotaque era de um perfeito gringo.
“Você mora em Los Angeles ou Nova Iorque? Moro part time nas duas cidades e talvez o conheça de uma delas” – perguntou enquanto já ajeitava seu copo de bebida próximo ao meu.
“Eu moro em Nova Iorque, mas as chances de te conhecer são mínimas. A cidade é gigante” – respondi já meio contrariado e irritado.
“É. Pode ser. Ainda assim, acho que te conheço. Meu nome é Jared” – disse estendendo a mão em sinal de cumprimento.
“Oi, Jared. Eu sou Leo, do Brasil” – respondi apertando sua mão direita.
“Posso te fazer companhia, Leo?” – perguntou me olhando nos olhos.
“Bem, você já se sentou. Adianta dizer que não?” – respondi seco.
“Não” – e riu.
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Apesar de ser brasileiro, sempre evitei conversar com estranhos durante muito tempo ou bancar o social. Isto sempre foi muito diferente da minha criação, onde a família conversa e interage com os vizinhos em churrascos e reuniões. Preferi sempre manter os bons poucos por perto. Ali, em um outro país, as coisas teriam que ser diferentes. Para os que já viveram a situação de se mudar para o exterior onde as pessoas não falam sua língua, não compartilham a mesma cultura e não se esforçam para entendê-lo, moldar-se torna-se necessário para a sobrevivência.
Além de não conhecer as pessoas ali, também não estava na cidade em que morava. O gelo transformava o exterior do hotel em um lugar intransitável. Era minha opção ficar dentro do quarto e morrer de tédio ou conversar com qualquer estranho e pelo menos me divertir um pouco. Falando no tal estranho.
Jared me disse ter 32 anos. De família italiana, nascera nos Estados Unidos da América, na cidade de San Antonio, no Texas. Disse manter negócios na cidade de Nova Iorque e Los Angeles, onde optara por morar em determinadas épocas do ano, mas que sua residência fixa era em Boston, Massachussets. Fora casado por 8 anos e viajara o mundo. Sua cidade preferida no Brasil era São Paulo, mas se apaixonara por Manaus e odiara o Rio de Janeiro. Na maioria das vezes em que vai ao Brasil, no entanto, só tem tempo de ir a São Paulo e Brasília. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Stanford University, fizera fortuna reformando e vendendo casas antigas em Los Angeles e Nova Iorque. Estava no hotel para uma visita à família que atualmente morava em Buffalo.
Gay.
“Você não fala muito, brasileiro” – brincou enquanto engolia qualquer coisa do copo.
“Ou você fala demais, americano barra italiano” – respondi também brincando.
“Touchê! Não seja assim, vai. Me conta sua historia” – insistiu me encarando.
Não me lembro de ter perguntado nada sobre sua história ou origem, mas já que estávamos ali, por que não conversar?
“Vejamos. Meu nome é Leonardo, mas amigos me chamam de Leo. Sou de Minas Gerais, mas estudei em uma grande universidade de São Paulo. Me mudei para Nova Iorque quando ganhei uma bolsa de estudos e então me apaixonei por um menino” – pausa para um gole da Margaritta.
“Depois de dois meses juntos ele se foi” – respondi enquanto abaixava o copo.
“Ele voltou ao Brasil?” – perguntou ingênuo.
“Não. Se envolveu em um acidente de carro” – respondi viajando em minhas memórias.
“Meu Deus. Sinto muito! Eu realmente sinto muito. Faz tempo que isso aconteceu?” – perguntou tentando qualquer consolo.
“Menos de um mês atrás. Procuro juntar os pedaços agora” – respondi com mais um gole do álcool.
Não sei se era o efeito do álcool ou se simplesmente me senti à vontade para falar com um estranho, mas já tinha aberto parte importante da minha vida naquele momento. Jared era um homem muito atraente, e posso afirmar que se fizesse uma lista dos meninos com quem me envolvi, Jared estaria no topo do pódio no que se refere à beleza.
Sempre fui muito inseguro com minha aparência. Quando estava no ensino elementar, fui vítima de bullying, porque não me enquadrava no padrão dos menininhos da escola. Enquanto todos jogavam futebol ou basquete, eu ficava desenhando, lendo livros ou olhando as árvores (gaaaaaaaay). Por nunca ter me enquadrado no padrão masculinozinho, dediquei toda a minha vida tentando ser o melhor da escola, e posterior a isso, na universidade. Claramente isso me rendeu prestígio internacional e agora estudara em uma das melhores universidades de artes do planeta. Depois da adolescência, dediquei tempo malhando e praticando esportes, e os resultados vieram. Agora, me enquadrando no padrão, ainda sentia as feridas da segunda infância. Há pouco tempo atrás, um lindo menino se apaixonara por mim, mas fora tirado de maneira bruta e qual seria a chance de viver algo tão profundo outra vez?
Desde que sentara naquela cadeira de bar, tinha a impressão de ser observado, e quando finalmente encontrei de onde aquela sensação viria, tive medo. Não queria enfrentar a rejeição da infância uma vez mais. Ele era muito, mas muito lindo. O mais lindo.
Jared era mais alto que eu, e portanto, assumi que sua altura se aproximava aos 1.88 m. Cabelos loiros escuro, mais bem classificados como loiro-castanho (?). Uma barba rala da mesma cor do cabelo, olhos escuros, pele mais clara que a minha e um braço gigantesco. Vestia uma calça jeans colada no corpo e uma blusa segunda pele preta que mostrava as proporções daquele corpo. Eu era um franguinho perto daquilo tudo. Vestia um all star converse – o que me fez rir bastante. Os dentes eram perfeitamente alinhados e brancos, e seu queixo tinha um pequeno furinho que dava um charme todo especial. Sua expressão facial era muito séria e até dava um certo medo. Poderia se passar por heterossexual com toda a facilidade, e mesmo o melhor dos “gaydares” deixaria desconfiar diante de tanta masculinidade. Talvez este sido o medo quando vi que ele me olhava. O que um homem daquele tamanho queria com menino da minha idade e com cara de perdido?
“Eu sei que a gente mal se conhece, mas, posso te dar um abraço?” – perguntou calmo.
“Claro” – respondi me levantando.
Seus braços eram realmente grandes e apertados, e eu que me orgulho de ser alto e dominante, agora me senti perdido envolvido em tantos músculos. Encostou seu queixo em minha cabeça e suspirou. Depois de me soltar, seu cheiro permanecera em meu nariz.
Ele estava realmente envolvido por minha história e sentira-se tocado pelo que acontecera. Disse ter perdido alguém que amara, mas não entramos em detalhes. Falarei sobre em uma futura ocasião.
A esta altura, suas mãos seguravam as minhas. Meu coração apertou-se de repente e instantaneamente visualizei o rosto de Benjamin em minha mente. Não deveria continuar com aquilo. Não deveria me envolver com alguém mesmo que apenas por uma noite. Não devia me arriscar tanto. Todo o sofrimento do mês passado era suficiente. Não queria passar por qualquer tipo de dor outra vez.
“Desculpe. Eu preciso ir” – disse enquanto mostrava o número do meu quarto ao responsável pelo caixa.
“Eu fiz alguma coisa que você não gostou? Me desculpa” – perguntou com a voz em tom de chateação.
“Não. Você não fez nada. Apenas não estou preparado para continuar com isso” – respondi já saindo.
Enquanto caminhava em direção a saída, tentei não olhar para trás. Não sei o que dissera ou se argumentara qualquer coisa. Sentia-me tonto e doente. Parte daquele sentimento de dor se apossara do meu coração uma vez mais. Queria chorar.
Enfim cheguei ao elevador.
“Leo! Estávamos procurando por você” – disse John com um sorriso.
Não pensei. Apenas o abracei forte e tentei não chorar.
“O que houve? Está tudo bem?” – perguntou tentando entender o que estava acontecendo.
“Eu conheci um homem no bar. Acho que ele estava interessado em mim, mas acabei saindo correndo. Tenho medo. Estou apavorado. Não quero passar por todo o sofrimento de novo” – respondi ainda em seus braços.
“Eu entendo, Leo, mas talvez seja o caso de arriscar. Lembra do que David dissera em Nova Iorque: talvez você encontre alguém especial nesta viagem” – respondeu calmo e passivo.
Talvez você encontre alguém especial nesta viagem.
No fundo ele estava certo. Claramente ainda sentira a dor de ter perdido alguém por quem me apaixonara, mas talvez fosse o momento de me arriscar a viver. Não sabia se algo sairia daquela noite, mas uma amizade seria interessante em meio a tanta bagunça. Sexualmente falando, Jared era extremamente lindo e isso me deu certa insegurança. Apesar de sentir em seu abraço uma afeição muito grande, qual era a minha garantia de que ele estava interessado em mim como um homem? Um simples jovem estudante do Brasil que morava em Nova Iorque e passara por uma dor recentemente!
Não sei. Era hora de descobrir.
“Me desculpe. Eu não queria ter saído daquela maneira. Dá tempo de tentar consertar as coisas?” – perguntei com medo da resposta.
“Que bom que voltou”.
CONTINUA.
Parabéns gostei de vc continuar com sua história, é fiquei triste com o final da primeira temporada mais ansioso para próximo conto.